Resumo: O artigo busca demonstrar que um dos primeiros elementos que moldaram a cultura jurídica nacional brasileira foi a criação de escolas jurídicas no Brasil. Uma vez que o país, enquanto colônia, não apresentava uma identidade política própria, após sua independência, se viu forçado a consolidar a elite administrativa, social e intelectual nacional. Neste contexto, surgem os cursos de Ciências Jurídicas e Sociais no Brasil, especificamente em Olinda e São Paulo, que apresentaram, como principal finalidade, a formação de bacharéis para preencher os quadros burocrático-institucionais e compor a nova elite dirigente do Estado recém-independente. Esse fenômeno é denominado pela historiografia como Bacharelismo Liberal.[1]
Palavras-chave: Cultura jurídica. Consolidação do Estado nacional. Bacharelismo Liberal. Escolas Jurídicas.
Abstract: This paper aims on demonstrating that, one of the first elements that shaped the Brazilian juridical Culture was the colleges of law creation in Brazil. Since the country, as colony, had no political identity itself, after its independence, was forced to consolidate the administrative, social and intellectual national elite. In this context, were created the courses of Law and Social Sciences in Brazil, specifically in Olinda and São Paulo, which had, as its main purpose, forming graduates to fill the bureaucratic-institutional frameworks and compose the new ruling elite of the newly independent State. This phenomenon is called liberal baccalaureate by the historiography.
Keywords: Juridical Culture. Consolidation of the national State. Liberal baccalaureate. Colleges of Law.
Sumário: Introdução. 1. As raízes históricas das Instituições Jurídicas no Brasil. 1.1. A constituição e a competência das instâncias jurisdicionais. 1.2. As funções dos magistrados na sociedade. 2. As elites políticas nacionais. 3. A criação dos cursos jurídicos no Brasil. 4. Das escolas jurídicas. 4.1. Escola Jurídica de Recife. 4.2. Escola jurídica de São Paulo. 5. Da Carreira após a Faculdade. 6. Conclusão.
Introdução
Falar em ensino jurídico no Brasil é falar da historicidade e de uma cultura jurídica afetada diretamente pelas origens do curso de Direito no país. Nesse sentido, este estudo busca apontar as funções dos currículos jurídicos no quadro geral dos objetivos e interesses do Estado Nacional brasileiro – recém-independente. Enfocaremos ainda a necessidade da preparação dos bacharéis em Direito para o exercício da vida política e das práticas burocráticas e institucionais.
1. As raízes históricas das Instituições Jurídicas no Brasil
Os aspectos históricos relacionados às Instituições Jurídicas no Brasil nos auxiliam a compreender a origem do ensino do direito no país. Logo, antes de adentrar ao tema específico, buscaremos identificar, no período colonial, os primeiros elementos que iriam moldaram nossa cultura jurídica.
A tipificação do Estado brasileiro patrimonialista e a mentalidade conservadora, heranças da colonização lusitana, colocam-se em destaque no contexto evolutivo das nossas instituições. Portugal vivenciou uma monarquia patrimonial – tipo de dominação tradicional que não se diferenciam nitidamente as esferas do público e do privado.[2] Logo, o rei era o único proprietário e o quadro administrativo era formado por pessoas a ele ligadas.
A estrutura política do Brasil colonial surgiu sem identidade. Evidentemente, a cultura na Colônia não foi fruto de caldeamento cultural paulatino, como na Europa. A Metrópole instaurou extensões de seu poder na Colônia, implementando um espaço institucional que evoluiu para a montagem de uma burocracia patrimonial legitimada pelos donatários, senhores de escravos e proprietários de terras. Isso refletiu, regionalmente, nas imposições político-econômicas da Metrópole e na incorporação de diretrizes patrimonialistas e burocráticas.
O primeiro momento da colonização brasileira foi marcado por uma prática político administrativa tipicamente feudal, designada como regime das Capitanias Hereditárias. As primeiras disposições legais desse período eram compostas pelas Legislações Eclesiásticas, pelas Cartas de Doação e pelos Forais. Estes dois últimos estabeleciam a legitimidade para o usufruto das terras concedidas aos donatários, bem como outorgava a estes poderes para conceder sesmaria aos colonos que quisessem cultivar. No entanto, o sistema de Capitanias Hereditárias imposto à Colônia trouxe consequências danosas ao Brasil. Uma vez criado o sistema de domínio por parte dos chamados “coronéis”, que detinham o poder por meio de imensos pedaços de terra que ficaram em suas posses durante anos, gerou-se uma “mentalidade cartorial e nepotista” no país.[3]
Com o fracasso de grande maioria das capitanias, por falta de capacidade financeira da maioria dos donatários, deu-se à Colônia outra orientação designada como sistema de Governadores Gerais. Nesse contexto, surgiram em Portugal várias prescrições legais, aplicadas sob a forma de Cartas-Régias, Alvarás, Regimentos e Ordenações Reais.
Durante esse período, o Ordenamento Jurídico português era basicamente consubstanciado nas Ordenações do Reino. As Ordenações eram coletâneas de leis vigentes em Portugal e versavam sobre Direito Público, Privado e Canônico – uma vez que a Igreja Católica detinha grande parte de poder político. Sob o reinado de Dom Afonso V, passou a vigorar em Portugal, em 1442, as Ordenações Afonsinas. Elas se organizavam em cinco grandes volumes, o que dificultou sua propagação nas Cortes de Justiça.
No ano de 1512, as Ordenações Afonsinas foram substituídas por uma versão atualizada por Dom Manuel I, conhecida como Ordenações Manuelinas. Entretanto, a modernização não foi muito significativa. Sua estrutura era semelhante à das Ordenações Afonsinas. Sob a égide das Ordenações Manuelinas, foram instaladas as primeiras Instituições Jurídicas no Brasil.[4]
Durante o mandado de Felipe II da Espanha, que detinha domínio sobre Portugal, foi ordenada uma nova estruturação dos velhos códigos, e em 1603, sob o reinado de Felipe III da Espanha, foi promulgada as Ordenações Filipinas. Os legisladores encarregados de sua elaboração buscaram inspiração para o projeto no Código de Justiniano. As Ordenações mostraram eficiência e adaptação às cortes portuguesas. Mesmo após o fim da União Ibérica e a ascensão de Dom João IV ao trono, em 1640, elas continuaram a reger o Direito português.[5] Das leis que vigeram no Brasil, as últimas Ordenações do Reino (Filipinas) foram as que mais vigoraram.
A legislação privada comum, fundada nessas Ordenações do Reino, era aplicada sem qualquer alteração em todo o território brasileiro. Ao mesmo tempo, a inadequação de certas normas e preceitos que vigoravam em Portugal determinava a elaboração de uma legislação especial que regulasse a organização administrativa da Colônia. Logo, diante da insuficiência das Ordenações para resolver todas as necessidades da Colônia, tornava-se obrigatória a promulgação avulsa e independente de várias “Leis Extravagantes.” [6]
Desde o início da colonização, a experiência político-jurídica apresentava uma dissociação entre a elite governante e a imensa massa da população. A Metrópole evidenciava pouca atenção na aplicação da legislação no interior do vasto espaço territorial, pois seu interesse maior era criar regras para assegurar o pagamento dos impostos e tributos aduaneiros, bem como estabelecer um ordenamento penal rigoroso para precaver-se de ameaças direitas à sua dominação.[7]
1.1. A constituição e a competência das instâncias jurisdicionais
A administração da justiça, no período das Capitanias Hereditárias, estava entregue aos senhores donatários que, como possuidores soberanos da terra, exerciam as funções de administradores, chefes militares e juízes. Nesse sentido, os donatários não dividiam o direito de aplicar a lei, dirimindo os conflitos de interesses entre os habitantes da capitania.[8]
Essa situação modificou-se com o advento dos Governadores Gerais, evoluindo para a criação de uma justiça colonial e para a formação de uma pequena burocracia composta por um grupo de agentes profissionais. Logo, as antigas capitanias se transformaram em espécie de províncias, unificadas pela autoridade do mandatário-representante da Metrópole, tornando-se mais fácil, com a reforma político-administrativa, impor um sistema de jurisdição centralizadora, controlada pela legislação da Coroa.[9]
A primeira autoridade da Justiça Colonial foi o cargo de ouvidor. Tratava-se da maior autoridade judiciária local, a quem incumbia exercer a jurisdição civil e penal. Com a implementação do primeiro Governo-Geral e o alargamento das responsabilidades burocráticas e fiscais, os ouvidores passaram a representar-se como ouvidores-gerais, detendo maiores poderes e mais independência em relação à administração política, uma vez que, enquanto meros ouvidores, subordinavam-se aos donatários.
Com o crescimento da população, houve a necessidade do alargamento do quadro de funcionários e autoridades da justiça. Logo, a organização judiciária – reproduzindo a estrutura portuguesa – foi formada, em primeira instância, por juízes singulares, distribuídos na categoria de ouvidores, juízes ordinários e juízes especiais.[10]
A segunda instância era composta de juízes colegiados que agrupava os chamados Tribunais de Relação, que apreciavam os recursos ou embargos. A terceira e última instância, com sede em Portugal, era o Tribunal de Justiça Superior, representado pela Casa de Suplicação, uma espécie de tribunal de apelação.
Com a criação e o funcionamento do Tribunal da Relação, no Brasil, consolidou-se uma forma de administração da justiça mais centrada na burocracia de funcionários civis preparados e treinados pela Metrópole.[11]
1.2. As funções dos magistrados na sociedade
A magistratura brasileira era composta por juízes portugueses. Estes revelavam lealdade à Coroa e obediência ao sistema burocrático da Metrópole. A administração real nomeava os magistrados num extenso leque da sociedade portuguesa, com a preocupação de atender seus interesses políticos e econômicos. Além da origem social específica, também era condição indispensável o indivíduo ser graduado na Universidade de Coimbra, de preferência em Direito Civil ou Canônico.
O comportamento profissional dos magistrados era constantemente afetado pelas suas relações na sociedade, como o casamento e os laços de amizade e apadrinhamento. Esses contatos não-burocráticos abriam acesso ao dinheiro, prestígio e posse de terras. Logo, o governo imperial favoreceu a emergência de uma elite que ocupava um espaço estratégico no processo de dominação política, exploração econômica e controle institucional. [12]
Vale lembrar que a administração da justiça atuou sempre como instrumento de dominação colonial. Portanto, a organização judicial estava diretamente ligada à administração real, ficando difícil estabelecer uma distinção entre a representação dos poderes das duas instituições. Foi nesse contexto, com vários vícios de origem, as instituições jurídicas despontavam na futura nação brasileira.
2. As elites políticas nacionais
Com a vinda da Família Real ao Brasil, no começo do século XIX, iniciou-se um período de ruptura dos padrões e costumes oriundos da época colonial. Foi nesse contexto que o direito brasileiro começou a desabrochar. O Rei Dom João VI decretou várias leis destinadas a atender às necessidades sociais, políticas e econômicas do Brasil.[13] E, mesmo com seu regresso a Portugal, não foi alterado o movimento de emancipação jurídica e política, iniciado com sua vinda para o Brasil.
Com a Independência do Brasil, em 1822, o liberalismo constituiu-se a proposta de superação das tradições do colonialismo, bem como de integração da sociedade nacional. Entretanto, o liberalismo pátrio não se assemelhou ao liberalismo europeu. O ideal liberal conciliava-se com o tradicional patrimonislismo, uma vez que os procedimentos burocráticos centralizadores ainda permeavam no país recém-independente.
No Brasil, o liberalismo confrontava-se com os grandes proprietários de terras e com o clientelismo. Logo, a ideologia liberal, a princípio, significou apenas uma luta contra o sistema colonial e o domínio político e jurídico da Metrópole. Nesse diapasão, o fenômeno da Independência do país e o surgimento das elites nacionais, não passaram de um grande acordo entre as classes dominantes ante a permanência do colonialismo.
Desta forma, o papel da formação de uma cultura jurídica nacional foi legitimar o novo Estado elitista. E por meio dessa junção do individualismo político e formalismo legalista que se molda nossa cultura jurídica – o bacharelismo liberal.
Tendo em vista que a Independência não representou um fenômeno revolucionário, a ponto de retirar das elites dominantes o poder que atrapalhava a saudável construção da cultura jurídica nacional, esta despontou em um cenário cuja imposição da vontade do Império colonizador prevalecia na esfera das instituições sociais, econômicas e políticas.
Nesse contexto, a elaboração legislativa começou a deslanchar no país, uma vez que o Brasil se utilizava ainda das Ordenações Filipinas e demais leis oriundas de um período colonialista. Com a necessidade de criação de um arcabouço jurídica nacional, previu-se também a necessidade de formação de cidadãos voltados à administração pública. Isso se deu por meio da implementação dos cursos jurídicos.
3. A criação dos cursos jurídicos no Brasil
Os bacharéis em Direito sempre foram usados pela Metrópole para a manutenção de seu poder na Colônia. Logo, a ausência dos cursos superiores no Brasil Colonial é atribuída à formação centralizada pretendida pela Metrópole. Assim, apenas os filhos da elite colonial eram privilegiados pela instituição do ensino superior, que só podia se realizar na Europa, em Portugal, designadamente na Universidade de Coimbra.
Mesmo com a vinda da Família Real para o Brasil e a busca em transformar a colônia em um lugar apropriado para a instalação da Corte, não foi suscitada, de imediato, a formação de quadros para ocupar os cargos e funções do Estado (bacharéis). Nesse sentido, a educação em Coimbra demonstrava o método de controle ideológico de Portugal.[14]
A busca pela criação dos cursos jurídicos no Brasil estava, significativamente, vinculada às exigências de consolidação do Estado Imperial. Os debates parlamentares sobre a criação dos cursos jurídicos no Brasil demonstram não só os efeitos que os cursos jurídicos fariam na formação da nacionalidade e da consciência cívica brasileira, mas também a forma como ira afetar os interesses políticos, econômicos e administrativos das elites.
Inicialmente, o objetivo dos cursos jurídicos era a formação política e administrativa nacional. Os debates acerca da criação dos cursos jurídicos apontam para a prioridade da institucionalização política, que no momento ainda era marcada pelos contornos e confrontos coloniais.
Grandes foram as intervenções dos brasileiros diplomados em Coimbra para a elaboração legislativa e o engajamento de ideias liberais e democráticas, induzindo à apresentação do primeiro projeto voltado para a implantação do Curso de Direito no Brasil.
Esta primeira tentativa de instauração do ensino jurídico no Brasil – especificamente em São Paulo e Olinda – deu-se com o Projeto de Lei da Comissão de Instrução Pública, lido na sessão da Assembleia Geral Constituinte de 18 de agosto de 1823. No entanto, o fracasso constituinte desencadeou o fracasso da primeira tentativa de criação dos cursos jurídicos no Brasil.
A Constituição de 1824 também dispunha sobre a criação de “Colégios e Universidades aonde serão ensinados os elementos das Ciências, belas Letras, e Artes”.[15] Apesar do dispositivo constitucional, bem como do Decreto do Imperador de 09 de janeiro de 1825 que tratava sobre a criação, provisória, de uma escola de Direito na cidade do Rio de Janeiro, o país não presenciou, tão cedo, a criação dos cursos jurídicos.
Uma vez que as elites políticas não eram uniformes e somente a elite imperial – que vivia na Corte e se beneficiava do uso executivo do Estado – tinha condições de implementar suas decisões, a resistência na instalação de cursos jurídicos em determinadas regiões do país era uma dificuldade enfrentada nesse período no Brasil.
Cabe destacar ainda que, não obstante a função jurisdicional dos magistrados, estes se encontravam ainda presos a interesses políticos, uma vez que muitos dependiam de apadrinhamento. Isso gerou diversos vícios originários da justiça colonial, que tiveram consequências estendidas até dias de hoje. Surgiu também, nesse período, uma infinidade de atos legislativos controversos entre si e conflitantes com a legislação vigente.
Somente em 1827, nesse ambiente de “confusão” no direito brasileiro, por força de lei, foram instituídos os cursos jurídicos de “Ciências Jurídicas e Sociais”. Estes foram instalados em Olinda – posteriormente transferido para Recife – e em São Paulo, por motivo geocultural, de modo a servir tanto ao Sul quanto ao Norte do vasto país.
A criação do ensino jurídico no Brasil, pelo Parlamento Imperial, teve finalidade social e institucional de formar Bacharéis em Direito para, assim, criar uma elite administrativa, social e intelectual coesa no país. O objetivo de formar militantes na área jurídica, como magistrados e advogados, representava uma consequência da formação do Bacharel em Direito.
A chamada cultura jurídica nacional formou-se a partir dessas duas faculdades. A formação de uma elite jurídica própria, adequada ao Brasil independente e a elaboração de um arcabouço jurídico no Império também foram responsáveis pela edificação da cultura jurídica nacional.
4. Das escolas jurídicas
A contribuição do bacharel em Direito para a construção do Estado Nacional possibilitou a consolidação de uma ideologia comum, sob o estrito controle do governo. Logo, ao se criar os cursos jurídicos, foi assegurada a liberdade de defesa dos sentimentos nacionais, no intuito de não mais se sujeitar a todas as imposições ideológicas de Coimbra. Desta forma, o perfil conservador do ensino jurídico acabou por situar as instituições de ensino como encarregadas de promover a ideologia político-jurídica liberal do Estado Nacional.[16]
Nesse diapasão, as elites políticas brasileiras sempre tiveram a exata noção da sua importância na formação da consciência jurídica e na consolidação da consciência política nacional. Ao decidirem pela criação dos cursos jurídicos no país, entenderam pela necessidade de se utilizar a legislação para influir na formulação da estrutura curricular. Logo, a questão dos programas e da bibliografia sujeitava-se à orientação do Governo Imperial.[17]
Interessante notar, ainda, que a valorização do academismo e do diploma de bacharel, principalmente em direito, levou os bacharéis a assumir um papel importante na estruturação do Estado, ocupando diversos cargos públicos no Império e na República, propiciando a formação de uma elite intelectual razoavelmente coesa.
A luta pelo surgimento das escolas jurídicas no Brasil se iniciou em Coimbra. Os estudantes brasileiros acompanharam as transformações liberais do ensino jurídico da Faculdade de Direito de Coimbra, trazendo consigo essa bagagem cultural ao Brasil.
Por meio dessa expansão ideológica, o espaço intelectual do iluminismo liberal estava ao alcance do conhecimento dos estudantes brasileiros e, como estes, posteriormente, ocuparam cargos de relevância na estruturação do Estado Imperial brasileiro, essa ideologia interferiu no currículo das primeiras escolas jurídicas brasileiras.
Logicamente, o ideário liberal necessitava ser reproduzido na primeira fase do Ensino Jurídico Brasileiro, uma vez que o momento histórico vivido era de afirmação do Estado Liberal. Logo, a academia necessitava se adequar ao que estava sendo socialmente requerido.
Por ter se inspirado, incialmente na Faculdade de Coimbra, o ensino jurídico também se afastou das influências eclesiásticas. O Direito Público Eclesiástico foi mantido na primeira grade curricular até 1879, ano em que foi abolido.
Os cursos de jurídicos surgiram, concomitantemente, com processo de independência e a construção do Estado Nacional. Os centros de reprodução da legalidade oficial positiva destinavam-se muito mais aos interesses do Estado do que as expectativas judiciais da sociedade. Na verdade, sua finalidade básica não era de formar advogados e juízes, mas atender as prioridades burocráticas do Estado.[18]
As escolas de direito tinham, basicamente, dois papéis: de ser polo de irradiação do liberalismo, capaz de defender e integrar a sociedade; e de formar um quadro administrativo-profissional. Inicialmente as escolas de Direito eram inspiradas em modelos alienígenas, com anseios diversos ao da sociedade, na qual clamava pela inclusão.
Vale lembrar, ainda, que a partir da República, a ideia de que o curso de Direito deveria ser destinado à formação de Bacharéis-Advogados, começou a se incorporar na sociedade. Porém, essa opinião não aboliu a titularidade intelectual da elite institucional e política brasileira, que foi basicamente composta de bacharéis na área jurídica e social.
4.1. Escola Jurídica de Recife
Uma das localidades escolhidas para sediar as primeiras escolas jurídicas, que dariam início à construção da cultura jurídica nacional, foi a província de Pernambuco. Tal escolha se deu, pois esta província era muito revolucionária e opunha-se à monarquia, uma vez que lutava por uma república. O curso, incialmente, se instalou no mosteiro de São Bento, em Olinda, e seguia uma tendência ao bacharelismo pernambucano.[19]
Vale destacar que a ideia da autonomia intelectual nacional fora deixada de lado. Atrelados a um recente passado de ligação com a metrópole lusitana, apregoava-se os ideais advindos de Portugal. A partir daí, virou uma “algazarra”. Aceitavam-se inúmeras pessoas, sem a devida filtragem. Havia até mesmo a facilitação do ingresso de pessoas não aptas, para a Faculdade de Coimbra e de Paris, na Faculdade de Olinda.
A Escola Jurídica de Olinda, que tinha objetivo de criar uma identidade nacional, usou como “cópia” o ensino de Coimbra. Foi marcada como défice de profissionais capacitados, influência da igreja e problemas estruturais.
Em 1854, ocorreu a mudança da Escola Jurídica de Olinda para o Recife. Com receio de fracassar novamente, uma transformação foi feita no sentido em que os exames seriam aprimorados, haveria horários com tempo de duração das aulas e, principalmente, a restrição do número de faltas. Para que isso fosse rigorosamente seguido, criaram-se também determinadas regras passíveis de incorrer em punições à instituição por seu não cumprimento, chegando até uma possível prisão do diretor.
A grade era dividida em duas partes. A primeira era Ciências Jurídicas e a segunda era Ciências Sociais. A primeira subdividia-se em Direito Natural, Direito Romano, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Criminal, Direito Legal, Direito Comercial e Teoria e Prática de Processo. Na grade de Ciências Sociais continha a matéria de Direito Público, Direito Universal, Direito Eclesiástico, Direito das Gentes, Direito Administrativo, Diplomacia, História dos Tratados, Ciência da Administração, Higiene Pública, Economia e Política.
A Escola Jurídica de Recife tinha uma nova visão laica do mundo, pormenorizando tudo a mera categoria da ciência. A faculdade introduziu, simultaneamente, o modelo evolucionista e social darwinista, o que resultou em uma imediata tentativa de adaptar o Direito a essas teorias e, claro, aplicá-las à realidade nacional.
4.2. Escola jurídica de São Paulo
A instituição da Faculdade Jurídica de São Paulo mudou a rotina da cidade, que era de pouco movimento e com ritmo de interior, passando a ser palco de um aglomerado de pessoas estranhas e agitadas.
A Escola Jurídica de São Paulo, “cenário privilegiado do bacharelismo liberal e da oligarquia agrária paulista, trilhou na direção da reflexão e da militância política, no jornalismo e na ‘ilustração’ artística e literária”.[20] A maior marca da Faculdade do Largo de São Francisco “foi o intenso periodismo acadêmico”, tradição que levou “os bacharéis ao desencadeamento de lutas em prol de direitos individuais e liberdades públicas.” [21]
Na Escola de São Paulo se desenrolavam os conflitos mais radicais entre liberalismo e democracia, fazendo-se apologia a república. A escola paulista presenciou várias teorias distintas, de modo que os alunos não se limitaram aos estudos das ciências jurídicas, aderindo também à prática do periodismo e militância política.
O corpo docente da Escola de São Paulo era autodidata, deixando de lado a preocupação única e exclusiva de ensinar a cultura jurídica, inserindo em suas ministrações a política, literatura, dentre outros ensinos.
Com o Decreto n° 1159, da Reforma de Benjamim Constant, criou-se uma revista anual acadêmica. São Paulo atrelou essa conquista como uma atividade a mais a ser realizada. Utilizou o periódico como objeto manutenção do bom funcionamento interno da faculdade, e não como meio de comunicação com as outras instituições, de forma a propagar sua ideologia.
Em análise comparativa das duas escolas de Direito, incialmente criadas no Brasil Imperial, feita por Lilia M. Schwarcz “[…] Recife educou e se preparou para produzir doutrinadores, ‘homens de scienci’ nos sentido que a época lhe conferia, São Paulo foi o responsável pela formação dos grandes políticos e burocratas do Estado.” [22]
5. Da Carreira após a Faculdade
Segundo o Decreto 7.247 de 1879, em seu art. 23, § 9°, “o grau de Bacharel em Ciências Jurídicas habilita para a advocacia e a magistratura”. Ao aluno era assegurado que, depois da graduação na Faculdade de Direito, seria habilitado para ser advogado ou juiz, o que traz inúmeras discussões nos dias atuais.
Com a fundação da Ordem dos Advogados do Brasil, em 1843, problemas relacionados com a cultura jurídica nacional surgiram. Mesmo não possuindo a responsabilidade quanto ao ensino do Direito, a Ordem lutou pela qualidade da educação jurídica, uma vez que, após a faculdade, o bacharel, muitas vezes não demonstrava o profissionalismo necessário para atuar no âmbito jurídico.
Com a proliferação das Faculdades de Direito no Brasil, foi criado o Estatuto da Advocacia e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) – Lei 8.906 de 04 de julho de 1994 – no intuito de proteger as pessoas dos maus profissionais. O artigo 8º, inciso IV, do referido diploma legal, dispõe que um dos requisitos para que os bacharéis em direito possam exercer a advocacia no Brasil é a aprovação em Exame da OAB. Vale lembrar que a OAB é a entidade que atualmente representa os advogados brasileiros e é a responsável pela regulamentação da advocacia no país.
6. Conclusão
A carência dos cursos jurídicos no Brasil Colonial nos demonstrou a estratégia da Metrópole utilizada para garantir seu domínio político e jurídico em terras brasileiras. Durante esse período, a justiça portuguesa manteve sua uniformidade, uma vez que possuía uma base legal única – as Ordenações – e o berço dos magistrados brasileiro era a Faculdade de Coimbra.
Todavia, essa ausência foi sanada, no período Imperial, com a Independência do Brasil e a corrida para a construção de um Estado Nacional liberal. Logo, as elites dirigentes do país recém-independente buscavam uma “nacionalização” dos juristas e daqueles que exerciam as funções notariais e administrativas do Estado. Foi nesse contexto – inclinações políticas – que se instituíram os primeiros cursos jurídicos no Brasil, o que, consequentemente, iniciou a construção de nossa cultura jurídica.
Os interesses sociais e politicamente dominantes na metade do século XIX nos permitem notar uma política de proteção legal do Direito Educacional acentuada no Brasil. O Direito Educacional sempre teve o seu âmbito de ação e regulamentação definido nas constituições brasileiras, desde o Império até a nossa Magna Carta de 1988.
A Constituição Federal Brasileira vigente reservou um de seus capítulos à conceituação dos direitos e deveres educacionais, assim como, de forma inovadora, conceituou a educação como direito público subjetivo suscetível de proteção pelos mecanismos processuais destinados à garantia dos direitos fundamentais individuais, coletivos e difusos.[23] Logo, é possível identificar uma inclinação curricular da legislação.
Bacharel em Direito pela Faculdade Casa do Estudante e mestrado em História Social das Relações Políticas pela Universidade Federal do Espírito Santo
Acadêmica de Direito na Faculdade Casa do Estudante
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