Sumário: 1. A evolução do conceito de subordinação no Direito do Trabalho. 2. O conceito de parassubordinação no Direito italiano. 3. Os verdadeiros efeitos da parassubordinação. 3.1. A análise da jurisprudência italiana. 3.1.1. Professores. 3.1.2. Serventes. 3.1.3. Leituristas. 4. A insuficiência dos direitos e garantias aplicáveis aos parassubordinados. 5. Conclusão. 6. Bibliografia.
1.A evolução do conceito de subordinação no Direito do Trabalho
O conceito de subordinação é essencial para o Direito do Trabalho, pois é decisivo para a afirmação da existência da relação de emprego. Nesse sentido, ele representa a “chave de acesso” aos direitos e garantias trabalhistas, os quais, em regra, são assegurados em sua plenitude apenas aos empregados.
Na época do surgimento do Direito do Trabalho, a partir da segunda metade do século XIX, o modelo econômico vigente – centrado na grande indústria – engendrou relações de trabalho de certo modo homogêneas, padronizadas. O operário trabalhava dentro da fábrica, sob a direção do empregador (ou de seu preposto), que lhe dava ordens e vigiava o seu cumprimento, podendo eventualmente puni-lo. Essa relação de trabalho, de presença hegemônica na época, era o alvo da proteção conferida pelo nascente Direito do Trabalho. Desse modo, foi com base nela que se construiu o conceito de contrato (e relação) de trabalho e, por conseguinte, o do seu pressuposto principal: a subordinação.
Assim, esse conceito foi identificado com a presença constante de ordens intrínsecas e específicas, com a predeterminação de um horário rígido e fixo de trabalho, com o exercício da prestação laborativa nos próprios locais da empresa, sob a vigilância e controle assíduos do empregador e de seus prepostos. Trata-se da acepção clássica ou tradicional da subordinação, que podemos sintetizar como a sua plena identificação com a idéia de uma heterodireção patronal, forte e constante, da prestação laborativa, em seus diversos aspectos.
A adoção do critério da subordinação jurídica, em sua matriz clássica, levava a excluir do campo de incidência do Direito do Trabalho vários trabalhadores que necessitavam da sua tutela, mas que não se enquadravam naquele conceito parcial e restrito. Conforme assinalavam alguns críticos, este não cumpria plenamente a sua finalidade essencial, pois não era capaz de abranger todos os trabalhadores que necessitam – objetiva e subjetivamente – das tutelas trabalhistas.
Por essa razão, a jurisprudência, impulsionada pela doutrina, em notável atividade construtiva, acabou por ampliar o conceito de subordinação, e, conseqüentemente, expandiu o manto protetivo do Direito do Trabalho, ao longo do século XX e até meados do final da década de 1970. Esse período coincidiu com a própria “era de ouro” do capitalismo nos países desenvolvidos ocidentais, nos quais foram consolidados modelos de Estados de Bem-Estar Social[1].
As transformações ocorridas nas últimas décadas, notadamente os avanços tecnológicos, a reestruturação empresarial e o aumento da competitividade, inclusive no plano internacional, geraram mudanças no mundo do trabalho. Um número cada vez maior de relações trabalhistas -, sobretudo aquelas presentes nos novos setores, como as prestações de serviços nos campos da informação e da comunicação -, se afasta progressivamente da noção tradicional de subordinação, apresentando, aparentemente, traços de autonomia. Do mesmo modo, o poder empregatício se exerce de maneira mais sutil, indireta, por vezes quase imperceptível.
Em razão dessa aparente autonomia, tais trabalhadores não se enquadram na noção tradicional de subordinação, sendo qualificados como autônomos. O resultado é que eles continuam sem liberdade, como no passado, mas passam a ter que suportar todos os riscos, advindos da sua exclusão das tutelas trabalhistas. Percebe-se, assim, que a manutenção do conceito tradicional de subordinação leva a grandes distorções, comprometendo a própria razão de ser e missão do Direito do Trabalho; por isso a ampliação desse conceito é uma necessidade premente e inadiável.
Todavia, paradoxalmente, no momento em que a expansão da subordinação se tornou mais imprescindível, ela passou a ser restringida, reduzida, por obra da jurisprudência, do legislador e da doutrina. Essa tendência, observada, sobretudo, a partir do final da década de 1970, se insere em um fenômeno ainda maior – a tentativa de desregulamentação do Direito do Trabalho – que encontra fundamento na ascensão e hegemonia da doutrina ultraliberal, ocorrida na mesma época.
2.O conceito de parassubordinação no Direito italiano
Nesse contexto, destaca-se a criação da figura do trabalhador parassubordinado na Itália e de figuras análogas em outros países europeus. Trata-se, em linhas gerais, de trabalhadores que, embora não sejam subordinados (são juridicamente autônomos), são hipossuficientes, pois que dependem economicamente do tomador dos seus serviços. Em razão disso, fazem jus a alguns dos direitos previstos pelas legislações trabalhista e previdenciária. À primeira vista, trata-se de um avanço, pois se confere uma maior proteção a trabalhadores que dela não gozavam. Tratar-se-ia da ampliação do âmbito pessoal de incidência de algumas normas trabalhistas, conforme sustentam os seus defensores. Na realidade, todavia, o efeito produzido é exatamente o contrário, como veremos.
A relação de trabalho parassubordinado foi definida pela primeira vez no Direito italiano pelo art. 2°, da Lei n. 741, de 1959, o qual mencionava “relações de colaboração que se concretizem em prestação de obra continuada e coordenada”. Posteriormente, foi prevista pelo art. 409, §3°, do Código de Processo Civil (CPC), com a reforma efetuada pela Lei n. 533, de 11 de agosto de 1973. Esse dispositivo estendia o processo do trabalho às controvérsias relativas a “relações de agência, de representação comercial e outras relações de colaboração que se concretizem em uma prestação de obra continuada e coordenada, prevalentemente pessoal, ainda que de caráter não subordinado”.
O Decreto-Legislativo (DL) n. 276, de 2003, conhecido como “Decreto Biagi”, em seu art. 61, ao prever a figura do trabalho parassubordinado a projeto, faz referência ao art. 409, §3°, do CPC, mencionando expressamente as “relações de colaboração coordenada e continuada, prevalentemente pessoal e sem vínculo de subordinação”, mais conhecidas como “co.co.co.”.
Com a edição do “Decreto Biagi”, as relações de trabalho parassubordinado, para serem válidas, devem se enquadrar em um “contrato de trabalho a projeto”, o qual ficou conhecido como “co.co.pro.” (colaboração coordenada continuada a projeto). Todavia, é excluída da nova disciplina uma série de hipóteses, como os colaboradores da Administração Pública, para os quais ainda é válida a estipulação de relações de colaboração continuada e coordenada fora do âmbito do contrato a projeto, e, assim, por tempo indeterminado.
Na essência, a diferença entre a “co.co.co.” e a “co.co.pro.” é que nessa última o tomador de serviços deve especificar o “projeto” em que o trabalhador irá atuar. Todavia, a noção de projeto é extremamente ampla, vaga e imprecisa, permitindo o enquadramento das mais diversas atividades e modalidades de execução. Além disso, não há no DL n. 276/03 uma norma que proíba a renovação continuada do “co.co.pro.”, o que possibilita a “perpetuação” dessa forma contratual precária, por meio de uma série de renovações encadeadas uma à outra, indefinidamente, inclusive em relação a projetos ou programas análogos[2].
Segundo o entendimento majoritário, qualquer prestação laborativa pode se enquadrar no tipo da parassubordinação, desde que apresente os seus pressupostos ou requisitos: a coordenação, a continuidade e a prevalente pessoalidade. O requisito da prevalência (e não exclusividade) da atividade pessoal é compatível com a utilização de meios técnicos e de colaboradores, desde que a prestação do interessado permaneça decisiva e não limitada à mera organização de bens, instrumentos e do trabalho alheio. Observa-se que a atenuação do requisito da pessoalidade já havia sido prevista pelo legislador italiano no próprio seio da relação de emprego, no que tange ao trabalhador em domicílio, que não deixa de ser empregado pelo fato de contar com a colaboração acessória de membros da sua família (art. 1° da Lei n. 877/1973).
No que tange à continuidade, ela é entendida como a estabilidade, a não eventualidade e a reiteração no tempo da prestação. Não é necessária uma repetição ininterrupta de encargos, sendo suficiente, por exemplo, um único contrato de duração razoável, pois o que conta é a permanência no tempo da colaboração. Considera-se, assim, excluído o requisito no caso de execução de uma obra isolada ou episódica.
O requisito mais difícil de ser interpretado e definido é a coordenação da atividade do prestador, a qual constitui o cerne, a pedra de toque da parassubordinação, diferenciando-a da subordinação. De acordo com o entendimento jurisprudencial, a coordenação consiste na “sujeição do prestador às diretrizes do tomador com relação às modalidades da prestação, sem, todavia, que ela se transforme em regime de subordinação”. Assim, a coordenação pode se exteriorizar nas formas mais variadas, incidindo, inclusive, sobre o conteúdo, o tempo e o lugar da prestação laborativa, desde que não se transforme na heterodeterminação dessa última, mediante ordens e controles penetrantes sobre as suas modalidades de execução, pois que, nesse caso, resta configurada a subordinação[3].
3. Os verdadeiros efeitos da parassubordinação
Percebe-se, assim, que, no fim das contas, a distinção entre as duas hipóteses – subordinação e parassubordinação – se baseia na intensidade do poder diretivo do tomador. Quando este é mais intenso e constante, determinando em detalhes o conteúdo da prestação (além de aspectos relativos ao tempo e lugar em que esta ocorre) está-se diante da subordinação; quando o poder diretivo é menos intenso, expressando-se por meio de instruções mais genéricas, configura-se a parassubordinação.
Assim, a plena diferenciação entre os dois conceitos somente é possível caso se adote uma concepção mais restrita de subordinação, que a identifique com a heterodireção patronal forte e constante da prestação laborativa em seus diversos aspectos, o que corresponde à noção clássica ou tradicional do conceito. De fato, caso se adote uma acepção mais ampla e extensiva de subordinação, as duas figuras acabam se confundindo.
Desse modo, a introdução legislativa da parassubordinação levou a doutrina e a jurisprudência dominantes a identificarem a subordinação com a sua acepção clássica e restrita, pois é a única forma de diferenciá-las. Passaram a ser enquadrados como parassubordinados trabalhadores que, caso não existisse essa figura, seriam considerados subordinados, verdadeiros empregados, fazendo jus não apenas a alguns poucos, mas a todos os direitos trabalhistas e previdenciários. Por outro lado, a parassubordinação atua como obstáculo à expansão do conceito de subordinação, pois esta levará à sobreposição das duas figuras, tornando inócuos os dispositivos legais que a introduziram.
A parassubordinação, na realidade, encobre ou mascara a redução operada no conceito de subordinação. Quando se afirma que o trabalhador é parassubordinado, é como se dissesse que, sem essa figura, ele seria considerado autônomo, não tendo direito trabalhista algum, então aquela propicia ao menos que lhe sejam conferidas algumas tutelas. Mas, na verdade, se a parassubordinação não existisse, ele seria considerado um empregado, sendo protegido integralmente – e não parcial e insuficientemente – pelo Direito do Trabalho.
3.1. A análise da jurisprudência italiana
Para demonstrar a redução do conceito de subordinação, analisamos a evolução da jurisprudência do país em que a figura encontrou maior expansão e expressão: a Itália. O objetivo é revelar como a instituição da parassubordinação contribuiu enormemente para a restrição do conceito de subordinação. Buscaremos mostrar como as mesmas figuras de trabalhadores que antes eram considerados pacificamente como empregados, passaram a ser qualificados como parassubordinados. Essa análise nos permite identificar duas fases: na primeira, que se estendeu, notadamente, pelas décadas de 1950 a 1970, a jurisprudência expandiu o conceito de subordinação; na segunda, a partir do final dos anos 1970, passou a restringi-lo, inclusive para distingui-lo da recém-criada parassubordinação.
Nesse sentido, analisando a jurisprudência italiana, em sua trajetória histórico-evolutiva, Edoardo Ghera observa que:
“Do ponto de vista diacrônico (e de certo modo esquemático), pode-se dizer que até a década de 1970 prevaleceu na jurisprudência uma tendência orientada a assimilar subordinação e colaboração e a identificar a colaboração com a inserção do prestador na organização da empresa; e, definitivamente, a atenuar o nexo entre heterodireção da prestação e tipo contratual com a finalidade de expandir a área do estatuto protetivo do trabalhador subordinado. Da década de 1980 em diante, ao contrário, manifestou-se uma tendência orientada a uma delimitação mais rigorosa do tipo (e, de modo correlato, da área do estatuto protetivo) que é identificada com o vínculo técnico-funcional e, assim, com a subordinação-heterodireção”.[4]
Alessandra Gaspari, ao pesquisar a evolução da jurisprudência, a partir da década de 1950, também identifica dois períodos distintos, tendo como marco divisório a década de 1980, a partir da qual se observa uma “mudança de rota”, a qual caracteriza a posição da jurisprudência nos últimos tempos[5]. Cumpre, todavia, destacar dois aspectos. O primeiro é que essa divisão é feita com base nas posições predominantes, majoritárias na jurisprudência, de modo que, em ambos os períodos, é possível encontrar, de forma minoritária, decisões em sentido contrário. O segundo aspecto é que a convivência de decisões conflitantes entre si – algumas ainda seguindo a linha da primeira fase e outras já adotando a orientação prevalente na segunda – foi maior na década de 1980, que marca a transição entre as duas épocas analisadas.
A jurisprudência do primeiro período (1950-1980), – inclusive a de épocas anteriores, como revelam diversas decisões da década de 1930 -, não adota o conceito rígido de heterodireção para definir a subordinação, como faz a maioria da jurisprudência atual. Não se exige que os poderes diretivo e de controle sejam constantes, rígidos e específicos, determinado, inclusive, os detalhes da prestação laborativa; ao contrário, valoriza-se o fato de essa última estar inserida nos fins da empresa, o que se aproxima da idéia de subordinação objetiva. Adotou-se uma leitura extensiva da definição de trabalhador subordinado, contida no art. 2094, do CC/42[6].
Para caracterizar a subordinação valoriza-se o aspecto objetivo, ou seja, o fato de a prestação de trabalho ser utilizada pelo empresário, juntamente com outros fatores produtivos, para o normal e regular exercício da empresa, para atingir os objetivos da atividade econômica por ele organizada e dirigida; não se atribui papel determinante, portanto, ao aspecto subjetivo, ou seja, à heterodireção, no sentido da presença constante de ordens, diretrizes específicas, vigilância e controle, como faz a jurisprudência dominante na segunda fase. Nesse sentido, confira as decisões abaixo:
“O vínculo de dependência, que juntamente com a estabilidade do encargo constitui o elemento essencial para o reconhecimento da qualificação de viajante de comércio para fins da aplicação do respectivo contrato coletivo, não deve ser entendido no sentido mesquinho e pedante de uma atividade minuciosamente controlada e vigiada em todas as suas fases. Não é capaz de excluir tal vínculo de dependência o fato de que o viajante, ao longo da relação, tenha contraído obrigação em nome próprio frente à empresa por somas irrelevantes, faturando a mercadoria excepcionalmente em seu nome, a qual era revendida por conta própria para terceiros que não eram clientes da empresa”. (grifos nossos).[7]
“Para configurar a subordinação não é necessário que o poder diretivo do empregador se exteriorize mediante ordens contínuas, detalhadas e estritamente vinculantes, nem que se mostre contínua, intensa e evidente a vigilância sobre a atividade desenvolvida pelo trabalhador, mas a sujeição pode se realizar também em relação a uma diretriz ditada pelo empresário em via programática, ou apenas impressa na estrutura empresarial; não são, portanto, dirimentes as eventuais margens, mais ou menos amplas, de autonomia, de iniciativa e de discricionariedade das quais goza o empregado, enquanto é determinante a contínua ‘dedicação funcional’ da sua energia laborativa (e apenas desta, física ou intelectual) ao resultado produtivo perseguido pelo empresário e que caracteriza a empresa; o que postula a existência e o reconhecimento de um poder disciplinar e hierárquico. Para visualizar o caráter da ‘continuidade’ na prestação de trabalho não é necessário que a obra seja prestada sem interrupção ou com a observância de um horário preciso e fixo, sendo, ao contrário, suficiente a persistência no tempo da obrigação jurídica de cumprir determinadas prestações e de manter a disposição do empregador a própria energia laborativa, pois as modalidades de exercício podem muito bem se mostrar diversas e variáveis, em relação à natureza das funções e às exigências da empresa”. (grifos nossos).[8]
“A sujeição ao poder diretivo pode se realizar também em relação a uma diretriz ditada pelo empresário em via programática e, de todo modo, sempre em conformidade com a natureza da atividade solicitada, ao passo que a continuidade das prestações pode ser garantida pela obrigação de cumprir determinadas atividades e de colocar a disposição as próprias energias laborativas mesmo que fora de vínculos de horário (a ausência de vínculos de horário pode até mesmo revelar um maior empenho laborativo ligado sempre à aleatoriedade da atribuição do encargo)”. (grifos nossos).[9]
“Os elementos constitutivos da relação de trabalho subordinado (subordinação e colaboração) assumem particular fisionomia em relação ao tipo de relação, de modo que, quando a prestação tem caráter intelectual, em virtude do seu conteúdo profissional e técnico, a subordinação pode se atenuar notavelmente: todavia, em tal caso, a subordinação não deixa de existir pelo fato de que o prestador de trabalho goze de uma certa liberdade de ação e de movimento e seja exonerado do respeito do horário e da obrigação de presença contínua no local de trabalho, mas, para o fim da exata qualificação jurídica da relação, deve se dar prevalência ao elemento da colaboração, entendida, como inserção, sistemática e constante, da contribuição profissional na organização da empresa”. (grifos nossos).[10]
“Na relação de emprego o devedor não é titular de uma própria organização de trabalho e se insere naquela, a ele alheia, do credor. Dessa inserção decorre a sua posição de subordinação. Em conclusão, o critério diferenciador entre contrato de prestação de serviços e contrato de emprego deve residir nessa dúplice posição do devedor: titularidade de uma própria organização de trabalho (a qual pode eventualmente ser acompanhada de uma limitada organização de empresa) sem que se verifique, por outro lado, a inserção desta na organização do empregador, com ampla liberdade do primeiro de prestar a sua atividade técnica laborativa, tendo em vista a busca do objeto do contrato. (…). Um complexo de circunstâncias objetivas que, evidenciando a carência de toda e qualquer organização de empresa por parte do imputado, teriam por si mesmas permitido caracterizar a relação em questão como derivante não de um contrato de prestação de serviços (e muito menos de um contrato de empreitada), mas, ao contrário, de um contrato de emprego”. (grifos nossos).[11]
“Na relação de emprego, o requisito da subordinação pode se mostrar atenuado, não sendo ele incompatível com uma certa iniciativa e discricionariedade do trabalhador, especialmente quando se trata de prestações profissionais (na espécie: tratava-se de obra de consultoria): em tal caso a subordinação se manifesta na constante inserção do trabalhador na organização da empresa e na adequação da sua obra aos fins da atividade produtiva determinada pelo empresário”. (grifos nossos).[12]
Além disso, nessa primeira fase, os juízes concentravam a sua análise, de forma prevalente ou exclusiva, na relação efetivamente desenvolvida entre as partes, sem atribuir relevância aos aspectos puramente formais, como o “nomen iuris” atribuído ao contrato. Estes eram considerados elementos secundários ou mesmo irrelevantes. Nesse sentido, a Corte de Cassação, consagrando o princípio da primazia da realidade, decidiu que:
“O juiz de mérito, para fins da qualificação de uma relação de trabalho como autônoma ou empregatícia, deve considerar a natureza efetiva e o conteúdo real desta, levando em conta as modalidades concretas de desenvolvimento, e não se deter no aspecto externo da mesma relação, eventualmente resultante de documentações e denominações provenientes das partes”. (grifos nossos).[13]
“O nomen iuris atribuído pelas partes a um contrato de trabalho não adquire relevância para a exata determinação da relação; portanto, esta pode ser qualificada como subordinada (e não autônoma) quando, através do exame das modalidades concretas de aplicação, restem configurados os elementos da colaboração, da subordinação e da inserção da atividade laborativa na organização empresarial com continuidade e sem assunção de risco por parte do prestador”. (grifos nossos).[14]
“Não é o nomen iuris que as partes contratantes tenham decidido dar a uma determinada relação jurídica que irá vincular o juiz para definir a verdadeira natureza dessa relação, devendo esta, ao contrário, ser extraída dos elementos intrínsecos da relação no que tange à disciplina jurídica, que para cada espécie de relação é estabelecida pela lei. Tal princípio vale também em matéria de relações de trabalho, para as quais se deve considerar essencialmente a verdadeira natureza das funções desempenhadas pelo prestador de trabalho e as modalidades concretas com que tais funções são exercidas”. (grifos nossos) [15]
No mesmo sentido, confira a seguinte decisão da Pretura de Milão:
“Para estabelecer a subsistência de uma relação de emprego ou de uma relação de trabalho autônomo, deve-se levar em conta a realidade da relação na sua articulação efetiva, sem que nenhuma relevância para tal pesquisa possa ser representada pelo nomen iuris que as partes, não necessariamente, embora invariavelmente para o fim de eludir a lei, tenham arbitrado atribuir à relação.”.[16]
No segundo período, ao contrário, os juízes passam a atribuir grande valor, para fins qualificatórios, à denominada “vontade contratual das partes”. Ao “nomen iuris” atribuído ao contrato, em especial, é reconhecido um valor fundamental e prioritário para a reconstrução da vontade negocial, podendo ser desmentido apenas pela prova em sentido contrário efetuada pela parte interessada. A valorização do “nomen iuris” decorre das dificuldades enfrentadas pelos juízes para a qualificação da relação de trabalho, pois, caso esta seja analisada em sua substância, na forma como se concretiza, sobretudo se adotada a concepção mais ampla de subordinação prevalente na primeira fase, não seria possível diferenciar a relação de emprego daquela parassubordinada. Isso pode ser comprovado pela análise da jurisprudência majoritária da Corte de Cassação, como demonstram as seguintes decisões:
“Quando seja próprio a conformação factual da relação a se mostrar dúbia, não bem definida ou não decisiva, a pesquisa deve ser desenvolvida de modo bem mais cuidadoso sobre a vontade expressa em sede de constituição da relação. Afirmando o citado princípio a Suprema Corte cassou a decisão impugnada que tinha qualificado uma relação como subordinada com base na mera e sintética consideração de que as diretrizes do empregador deveriam ser consideradas pontuais e vinculantes de modo compatível com o caráter criativo de uma diretora de arte, sem, por outro lado, ter cuidado de examinar as pactuação em forma escrita que qualificavam a relação como autônoma”. (grifos nossos).[17]
“Quando uma relação de trabalho no seu concreto exercício apresente elementos e características que sejam compatíveis seja com a autonomia, seja com a subordinação do trabalhador, o juiz deve se referir necessariamente, para o seu correto enquadramento, à vontade das partes como foi expressa seja no momento genético da relação, seja, eventualmente, nos momentos sucessivos. (Na espécie, tendo sido estipulado entre as partes um contrato de trabalho qualificado como autônomo, que apresentava, no seu exercício concreto, características compatíveis seja com a autonomia, seja com a subordinação do trabalhador (…) a Suprema Corte, em aplicação do princípio supra exposto, cassou a decisão de mérito que tinha julgado configurada a relação de emprego)”. (grifos nossos).[18]
“Para fins da qualificação de uma relação de trabalho como autônoma ou empregatícia, não se pode prescindir da preventiva pesquisa da vontade das partes, já que o princípio segundo o qual, para fins da distinção em questão, é necessário considerar o efetivo conteúdo da própria relação, independentemente do nomen iuris usado pelas partes, não implica que a declaração de vontade destas no que tange à fixação de tal conteúdo, ou de um elemento que o qualifica para fins da mesma distinção, deva ser desconsiderada na interpretação do preceito contratual e que não deva levar-se em conta a recíproca confiança das próprias partes e a concreta disciplina jurídica da relação que foi querida pelas mesmas no exercício da sua autonomia contratual; portanto, quando as partes, ao regular os seus interesses recíprocos, tenham declarado de querer excluir o elemento da subordinação, não é possível – sobretudo nos casos caracterizados pela presença de elementos compatíveis com um e com o outro tipo de relação – chegar a uma diversa qualificação se não se demonstra que em concreto o referido elemento da subordinação (não identificável apenas na circunstância da inserção do trabalhador na organização empresarial) tenha sido de fato realizado no desenvolvimento da mesma relação”. (grifos nossos).[19]
“A jurisprudência desta Corte posiciona-se no sentido de que, para fins da qualificação de uma relação de trabalho como autônoma ou empregatícia, não se pode prescindir da preventiva pesquisa da vontade das partes, já que o princípio segundo o qual, para fins da distinção em questão, é necessário levar em contra o efetivo conteúdo da própria relação, independentemente do “nomen iuris” usado pelas partes, não implica que a declaração de vontade destas no que tange à fixação de tal conteúdo ou de um elemento que o qualifica para fins da mesma distinção deva ser desconsiderada na interpretação do preceito contratual e que não deva levar-se em conta a confiança recíproca das próprias partes e a concreta disciplina jurídica da relação que foi querida pelas mesmas no exercício da sua autonomia contratual. De modo que, quando as partes, ao regular os seus interesses recíprocos, tenham declarado de querer excluir o elemento da subordinação, não se pode chegar a uma diversa qualificação da relação se não se demonstra que em concreto o elemento em questão tenha sido de fato realizado no desenvolvimento da relação. Esse modo de proceder assume, além disso, uma relevância particular nos casos caracterizados pela presença de elementos compatíveis com um e com o outro tipo de relação, nos quais as partes, que não podem não tê-los levado em consideração, manifestam a vontade de instaurar um, e não o outro, tipo de relação, em correlação à exigência de realizar uma estrutura organizativa diversificada através da colaboração de trabalhadores externos autônomos e de um orgânico de empregados, que seja funcional ao exercício da atividade empresarial segundo os cânones da economia”. (grifos nossos).[20]
Na segunda fase, a jurisprudência coloca em xeque a validade dos elementos utilizados no primeiro período para caracterizar a subordinação. Os indícios que eram considerados fundamentais, como o fato de a prestação laborativa integrar as atividades e a dinâmica da empresa e a ausência de organização empresarial e de assunção de riscos por parte do trabalhador, passam a ser tidos como meramente secundários e não decisivos, pois se fazem presentes também na parassubordinação. De fato, como esta apresenta também tais características, a redução do conceito de subordinação (identificando-a com a heterodireção patronal forte e constante da prestação laborativa) foi a forma encontrada pela doutrina e pela jurisprudência para diferenciar as duas figuras. Nesse sentido, confira as seguintes decisões da Corte de Cassação e das instâncias ordinárias:
“Segundo a constante jurisprudência de legitimidade, elementos como a ausência de risco, a continuidade da prestação, a observância de um horário de trabalho, a cadência fixa da remuneração, a sujeição a controles, não são decisivos para a qualificação da relação de trabalho como empregatícia, sendo encontrados também nas prestações de trabalho autônomo, sobretudo se prestado na forma de colaboração continuada, únicos elementos relevantes sendo, ao contrário, a sujeição do trabalhador ao poder diretivo (a ser exteriorizado com ordens específicas e não simples diretrizes de caráter geral), organizativo e disciplinar do empregador e a inserção estável do trabalhador na organização empresarial”. (grifos nossos).[21]
“É necessário, para que uma relação de trabalho tenha natureza empregatícia, que a atividade a ser prestada não confira margens de discricionariedade, se faça presente aquela sujeição do trabalhador ao poder disciplinar, organizativo e diretivo com conseqüente limitação da sua liberdade; é necessária, portanto, a emanação de ordens específicas, e também o exercício de uma assídua atividade de vigilância e controle na execução das prestações laborativas”. (grifos nossos).[22]
“Para fins da distinção entre relação de emprego e relação de trabalho autônomo, o fundamental requisito da subordinação se configura como vínculo de sujeição do trabalhador ao poder diretivo, organizativo e disciplinar do empregador, o qual deve se exteriorizar na emanação de ordens específicas, e também no exercício de uma assídua atividade de vigilância e controle na execução das prestações laborativas (…) (na espécie – relativa ao serviço prestado por alguns assistentes sociais junto a administrações municipais – a decisão de mérito, confirmada pela Suprema Corte, havia excluído a subsistência da subordinação, tendo averiguado que os únicos vínculos nas modalidades de execução da prestação eram constituídos por planos sócio-assistenciais, que continham os objetivos abstratos a serem alcançados mediante a execução do serviço, mas eram privados de diretrizes específicas)”. (grifos nossos).[23]
“Para fins da distinção da relação de emprego daquela autônoma, elementos relevantes são a sujeição do trabalhador ao poder diretivo, organizativo e disciplinar do empregador, que deve se exteriorizar na emanação de ordens específicas, e também no exercício de uma assídua atividade de vigilância e controle na execução das prestações laborativas, e a sua inserção na organização empresarial, a ser avaliada com referência à especificidade do encargo que lhe é conferido e às modalidades da sua atuação; outros elementos, como a ausência de risco, a continuidade da prestação, a observância de um horário, a localização da prestação, assumem natureza meramente subsidiária e não decisiva; nos casos em que a qualificação da relação se revele de apreciação difícil e não segura, deve-se fazer referência à vontade expressa pelas partes no contrato (na espécie, a Suprema Corte cassou com reenvio por vício de motivação a decisão de mérito que tinha qualificado como empregatícia a relação de trabalho de um engenheiro, encarregado da direção de um canteiro de obras, desconsiderando as referências contidas no contrato ao caráter profissional das funções que lhe foram atribuídas, identificando o caráter da subordinação na inserção estável do engenheiro na organização da sociedade, na condução do canteiro de obras e no cuidado e tutela dos interesses da sociedade, inclusive por forca da conferência de poderes de representação, no número limitado, no curso do ano, das suspensões das suas prestações no exterior para voltar para a Itália, na circunstância de que a sociedade pagava as despesas de transporte para o retorno à Itália e aquelas de estadia no país estrangeiro do prestador de trabalho)”. (grifos nossos).[24]
“Requisitos determinantes para fins da distinção entre trabalho autônomo e trabalho subordinado são identificáveis na sujeição do trabalhador ao poder organizativo, hierárquico e disciplinar do empregador – poder que deve se exteriorizar em específicas ordens (e não em simples diretrizes, compatíveis também com o trabalho autônomo) – e também no exercício de uma assídua atividade de vigilância e controle sobre a execução da atividade laborativa e na estável inserção do trabalhador na organização empresarial do empregador; (…) (na espécie, o juiz de mérito, cuja decisão foi confirmada pela Suprema Corte, tinha corretamente qualificado como trabalho autônomo – considerando a plena autonomia das modalidades de execução, no âmbito das diretrizes emanadas, mesmo na presença de uma retribuição fixa diária e de um obrigação de exclusividade – uma atividade de supervisão das oficinas produtivas da ré, de gestão do depósito, de controle de qualidade e de inspeção junto aos fornecedores)”. (grifos nossos).[25]
Para evidenciar ainda mais a grande mudança ocorrida nos entendimentos adotados pela jurisprudência italiana, é interessante confrontar as decisões da primeira fase com aquelas do segundo período, no que tange a determinadas categorias de trabalhadores, como os professores, médicos, jornalistas, serventes, artistas, entregadores de jornais, leituristas, “moto-boys”, trabalhadores em domicílio, entre outros. Considerando a sede limitada do presente trabalho, iremos analisar apenas a situação dos professores, serventes e leituristas[26].
3.1.1.Professores
Na primeira fase, a jurisprudência dominante qualificava o professor (em geral vinculado a uma escola) como empregado. O fato de ele gozar de certa discricionariedade na preparação do conteúdo das aulas ou na definição do programa de ensino -, não estando submetido, nesse aspecto, a rígidas ordens e controles patronais – é ínsito à sua prestação laborativa, de natureza intelectual. Esse fator, corretamente, não era considerado como excludente da subordinação. A jurisprudência destacava, ainda, a plena inserção da sua atividade laborativa nos fins do empreendimento do empregador (em geral, uma escola). Nesse sentido, confira as decisões abaixo:
“Para fins da qualificação de uma relação de trabalho como autônoma ou empregatícia, é necessário considerar não o nomen iuris usado expressamente pelas partes, mas o real conteúdo da própria relação e as modalidade de exercício das funções que constituem o objeto da prestação laborativa. A presença, junto a um mesmo instituto de instrução, de professores (regularmente contratados e inscritos na Seguridade Social) para o desenvolvimento de cursos regulares, não obsta a qualificação como empregatícia também da relação instaurada com professores encarregados apenas de cursos noturnos de recuperação. Ainda que, aparentemente, o objeto da prestação por parte de um professor pareça ser um determinado resultado, isto é, o cumprimento do curso, na verdade o professor coloca à disposição do instituto diariamente as próprias energias intelectivas tendo em vista o cumprimento do curso. No campo das profissões liberais, a relação de subordinação não se manifesta como adesão absoluta à vontade do empregador; mais do que em diretrizes relativas ao conteúdo das prestações, tal elemento se concretiza naquelas relativas às modalidades do seu desempenho em relação às exigências da empresa. A relação de emprego pode coexistir com o exercício fora dela de outras atividades, que também geram renda, especialmente quando o empregado, pela natureza das funções exercidas, não seja esteja vinculado a um horário pré-estabelecido ou contínuo e tenha a possibilidade nas horas livres de exercer outras ocupações. (Na espécie: tratava-se de empregados públicos que, nas horas livres, ensinavam junto a um instituto de instrução privado)”. (grifos nossos).[27]
“Ao reconhecimento da natureza empregatícia da relação de trabalho entre os professores de uma escola privada e o titular desta não obsta nem o diverso nomen iuris usado pelas partes, quando resulte que os próprios professores se encontram funcionalmente inseridos na empresa escolar, cujo risco de gestão recai exclusivamente sobre o titular, nem a circunstância de que aos mencionados professores, tratando-se de empregados públicos que exercem o ensino privado nas horas deixadas livres pela relação de emprego público, não seja aplicável a contratação coletiva nacional dos professores privados. Na configuração de uma relação de emprego, não é necessário, para configurar a continuidade da prestação, que o serviço seja prestado sem interrupção e com um horário pré-estabelecido, bastando a persistência no tempo da obrigação de manter à disposição do empregador a própria atividade laborativa; nem é necessário que a prestação seja exclusiva, podendo perfeitamente coexistir, pela sua natureza e duração, com outras atividade laborativas prestadas em favor de outros empregadores”. (grifos nossos).[28]
“Trabalho intelectual. Professores de auto-escola. Inserção na organização de empresa. Requisito relevante para fins da identificação da relação de trabalho. (…). Já foi, de fato, várias vezes afirmado por esta Suprema Corte, que também a prestação de atividade intelectual dos profissionais pode ser caracterizada pelo vínculo da subordinação, vínculo que, nesse gênero de atividade, assume necessariamente aspectos diversos em virtude do caráter das próprias prestações, e não sempre se manifesta com adesão absoluta à vontade do empregador. Aquilo que caracteriza de modo essencial o requisito da colaboração subordinada na relação é a inserção da atividade laborativa na organização técnico-administrativa da empresa, de modo contínuo e sistemático; requisito que sobrevive, não obstante a relativa autonomia, discricionariedade e iniciativa da prestação do empregado, desde que não seja anulado o poder de vigilância e de controle capaz de contar com essa colaboração contínua e sistemática, para o alcance dos seus fins econômicos”. (grifos nossos).[29]
A jurisprudência dominante na segunda fase, ao contrário, vem qualificando a relação de trabalho do professor como autônoma, com base na ausência de uma heterodireção patronal (ordens intrínsecas, vigilância e controles rígidos) sobre a sua prestação laborativa. Nesse sentido, confira as decisões abaixo:
“Com relação às prestações de conteúdo intelectual, que por sua própria natureza não requerem nenhuma organização empresarial, nem implicam uma assunção de riscos pelo trabalhador, a determinação da natureza (autônoma ou subordinada) da relação é extraída exclusivamente da posição técnico-hierárquica na qual se encontra ou não o trabalhador, em correspondência a um poder diretivo do empregador que seja inerente ao intrínseco desenvolvimento daquelas prestações, sendo irrelevante, quando ausente esse requisito, a eventual subsistência de características normalmente próprias do trabalho subordinado, como a colaboração, a observância de um determinado horário, a continuidade da atividade e a forma da retribuição (Corte de Cassação n. 12357, de 1998) (…) Em outra decisão (n. 13858, de 1999), também esta relativa à matéria em exame, a Corte individualizou como elemento distintivo unívoco a sujeição dos professores ao poder diretivo e disciplinar do instituto que deve se exteriorizar na emanação de ordens específicas e também no exercício de uma assídua atividade de vigilância e de controle na execução das prestações laborativas” [30].
“Com referência ao professor de escola privada encarregado com horário reduzido de ‘cursos legais’, não constituem, por si mesmos, elementos idôneos a demonstrar o caráter empregatício da relação a continuidade da mesma, a obrigação de se ater aos programas ministeriais, a existência de um horário contratualmente pré-determinado, o cálculo da remuneração em relação às horas de aula, nem nenhum elemento útil é possível ser extraído da assunção, para o mesmo curso, mas para um número maior de horas, de outros docentes como empregados; por outro lado, a caracterização da relação como empregatícia pode derivar de um pontual exercício por parte do empregador de poderes diretivos, com referência também apenas aos aspectos extrínsecos da colaboração (modificação unilateral dos horários, das classes ou das matérias, imposição de turnos de disponibilidade para substituições etc.), ou de poderes disciplinares”. (grifos nossos).[31]
“Não é de natureza empregatícia a relação de trabalho de um professor de escola privada, que, ainda que de caráter contínuo e prestada na presença de uma série de vínculos (obrigação de seguir o programa ministerial, existência de um horário contratualmente pré-determinado, cálculo da remuneração em relação às horas de aula, assinatura de presença, necessidade de avisar no caso de eventuais ausências), não seja caracterizada por um pontual exercício dos poderes diretivos e disciplinares pelo empregador, e também por formas de articulada inserção do docente em um quadro organizativo complexo, análogo àquele das escolas públicas, sob o aspecto das obrigações de programação formativa e didática, de avaliação dos estudantes, de atendimento aos pais e aos próprios estudantes, de participação nos conselhos de classe”. (grifos nossos).[32]
3.1.2 Serventes
Talvez este seja um dos exemplos que causam maior perplexidade. Com o termo “serventes” nos referimos aos trabalhadores encarregados da limpeza de um determinado local, como escolas, condomínios de apartamentos ou edifícios da Administração Pública. Eles eram considerados empregados pela jurisprudência italiana da primeira fase, como revelam as decisões abaixo:
“A relação por força da qual o pessoal (na espécie: feminino) é obrigado à limpeza das escadas, átrios e ingressos de um ou mais edifícios concretiza um trabalho subordinado: tal qualificação não deixa de existir pelo fato de que, dada a elementariedade das prestações, tenha sido concedida ao empregado a faculdade de se fazer substituir ou que lhe seja pago, além do salário, um módico reembolso do custo dos materiais empregados. (…). Das provas, colhidas em primeiro grau, teria resultado que as trabalhadoras não eram submetidas às diretrizes, nem tinham um horário de trabalho e nem mesmo eram obrigadas a trabalhar todo dia. Deviam, ao contrário, apenas assegurar a limpeza dos átrios e das escadas dos edifícios do INCIS, segundo os usos. Para tal fim, as trabalhadoras podiam também se fazer substituir. A Corte considera que os elementos indicados na defesa do INCIS não são conclusivos. É necessário levar em conta a elementariedade do trabalho desenvolvido pelas trabalhadoras de limpeza para concluir que as diretrizes do INCIS podiam ser dadas apenas uma vez; dizendo, no início da relação, que as escadas e os átrios deveriam ser mantidos limpos, não se enxerga qual outra ordem ou diretriz era necessária. Por isso, não se pode dizer que era ausente a subordinação das trabalhadoras em relação ao INCIS. E nem que era ausente o horário de trabalho. As horas de trabalho eram implícitas: aquelas necessárias para a limpeza. Assim, também o tempo em que o trabalho devia ser prestado. A testemunha ouvida declarou que não era rigidamente fixado, mas que a limpeza devia, no entanto, ocorrer ou de manhã cedo ou à noite tarde, de maneira a não incomodar os inquilinos. E nem mesmo se pode dizer que as trabalhadoras eram ligadas ao INCIS por um contrato de prestação de serviços, pelo qual eram obrigadas a fornecer um resultado: a limpeza de escadas e átrios dos edifícios do INCIS. Também em um contrato certamente empregatício, como é aquele de trabalho doméstico, é alcançado um ‘resultado’ no período de algumas ou poucas horas: a limpeza da casa; mas não por isso se pode falar de contrato de prestação de serviços. Por isso, o critério do resultado, como elemento para distinguir o contrato de prestação de serviços daquele de emprego, é útil quando se trata de atividade complexa, não quando, com a execução de uma atividade simples e elementar (como aquela necessária para a limpeza das escadas e átrios, se obtém também um resultado: a limpeza dos átrios e das escadas. Essa elementariedade do trabalho desenvolvido pelas trabalhadoras da limpeza do INCIS explica também a possibilidade de substituição a elas permitida pelo INCIS, em razão da qual, no caso de doença, se faziam substituir por outras”. (grifos nossos).[33]
“Relação de emprego. Fattispecie. Trabalho de limpeza de partes condominiais. Subsistência. (…). É evidente que a sujeição do trabalhador não consiste na sujeição passiva à vontade do empregador nem é necessário que este dê ordens contínuas e controle constantemente o trabalhador, podendo este perfeitamente ter margens mais ou menos amplas de iniciativa e discricionariedade. Aquilo que, ao contrário, é caracterizador, é a continua dedicação funcional das energias laborativas do trabalhador (físicas e intelectuais) ao resultado produtivo perseguido pelo empresário e caracterizador da empresa, o que postula a existência e o reconhecimento de um poder disciplinar e hierárquico. Quando o trabalho é saltuário, é necessário que, nos intervalos, o trabalhador esteja à disposição do empregador, fazendo, assim parte da organização da empresa. Não é determinante, logo, para fins da qualificação de uma relação, nem o nomen iuris adotado, nem a existência de um horário de trabalho pré-estabelecido, nem que a remuneração seja paga, no todo ou em parte, mediante comissões. Em particular, no trabalho de limpeza das partes comuns de um condomínio subsiste a presunção iuris tantum de subordinação do trabalhador ao mesmo condomínio na medida em que, salvo prova contrária, falte uma, mesmo que mínima, organização de empresa; além disso, o encarregado das limpezas não assume nenhum risco econômico, ao passo que a assunção do risco caracteriza o trabalho autônomo. O trabalho de limpeza consiste simplesmente em uma soma de elementares atividades manuais em atendimento às diretrizes gerais emanadas pelo empregador mesmo que apenas no início da relação de trabalho, sem nenhum emprego de meios e sem arriscar nenhuma organização. (…). Também não é relevante a escritura privada exibida pelo réu que demonstraria que entre as partes teria havido um contrato de empreitada, não apenas porque destituída de data certa, mas também porque, nas relações de trabalho, o nomen iuris adotado pelas partes é irrelevante, devendo ser considerada a efetividade da relação e o tipo de funções realmente exercidas”. (grifos nossos).[34]
“Para fins da qualificação como relação de trabalho autônomo da relação tendo como objeto a limpeza das escadas e das outras partes comuns de um estabelecimento condominial, não são unívocas e decisivas as circunstâncias de que para o serviço de limpeza não tivessem sido estabelecidas, nem a hora nem a duração, nem indicados os meios a serem empregados; que não resultasse a existência de poder diretivo, organizativo e disciplinar por parte do condomínio, e nem um controle sobre o serviço prestado; não pode ser, ao contrário, descuidado, para o fim da qualificação como relação de emprego, o fato do pagamento de um salário mensal, em medida única e fixa por todas as incumbências”. (grifos nossos).[35]
Todavia, no segundo período tais trabalhadores passaram a ser qualificados como autônomos por vários juízes. Estes consideram que os serviços são prestados sem a presença de uma vigilância contínua e da emanação constante de ordens específicas, até porque muitas vezes a prestação laborativa ocorre antes da abertura ou após o fechamento do estabelecimento. Observa-se que não se trata de um serviço eventual, mas sim daquele que é prestado quotidianamente, durante toda a semana, por um tempo prolongado.
Em razão da maior simplicidade e elementariedade do conteúdo da prestação, é suficiente que o empregador dê orientações gerais, no início do contrato, sobre o modo como deve ser concretizada a atividade, sem necessidade da reiteração de ordens contínua e quotidianamente. Além disso, é claro que existe um controle sobre a prestação, pois esta deve produzir um resultado determinado, isto é, a limpeza e conservação dos estabelecimentos.
Esses fatores, no entanto, não são considerados suficientes pela jurisprudência majoritária na segunda fase para caracterizar a subordinação, pois que se fazem presentes também no trabalho autônomo (notadamente naquele parassubordinado), sendo, assim, imprescindível a presença de uma forte heterodireção patronal sobre a prestação laborativa. Cumpre observar que, a partir do reducionismo operado pela jurisprudência, estão sendo excluídos do campo da subordinação – e, assim, dos direitos e garantias trabalhistas – inclusive obreiros não qualificados e hipossuficientes em grau elevado, como os serventes. Nesse sentido, confira as seguintes decisões da Corte de Cassação, sendo que a primeira delas foi proferida por seu Pleno (“Sezione Unite”):
“O juiz de apelação, de fato, evidenciou de forma exata o elemento qualificador da relação de emprego, constituído pela ‘subordinação’, como sujeição do trabalhador ao poder hierárquico do empregador, exteriorizado na emanação de precisas disposições e também no exercício de controles e de contínua vigilância. Isso está plenamente conforme ao consolidado entendimento destas Seções Unidas. (…). O discriminen entre trabalho empregatício e trabalho autônomo foi, exatamente, identificado por tal jurisprudência na ‘subordinação’, entendida como a presença, no trabalhador, de um vínculo de sujeição hierárquico, e, no empregador, de diretrizes inerentes ao intrínseco desenvolvimento das prestações. (…) no desenvolvimento do próprio encargo – limpeza dos locais sede da Secretaria provincial da agricultura de Salerno – a recorrente era livre na organização do próprio trabalho, cuidando, como por ela mesma admitido, de efetuar as próprias incumbências ou de manhã, antes da abertura dos escritórios, ou à tarde, no horário de fechamento, enquanto que nenhuma particular diretriz, que limitasse ou anulasse tal sua liberdade de determinação, lhe tenha sido jamais dada, nem os entes administrativos-réus tivessem jamais desenvolvido particular vigilância sobre a execução das prestações”. (grifos nossos).[36]
“Para que o serviço de limpeza de locais possa se configurar como relação de emprego não são elementos suficientes nem a repetição diária da prestação, nem o pagamento de uma remuneração fixa, nem o fato de que a mesma prestação fosse regulada pelas diretrizes gerais do empregador com relação aos horários e às modalidades de execução, mas é, ao contrário, necessária a existência de um vínculo de subordinação, vale dizer, a estável inserção do trabalhador na empresa com constante sujeição do mesmo ao poder diretivo do empregador e com conseqüente limitação da sua liberdade, em razão do qual ele seja obrigado, também nos intervalos entre as prestações, à observância das obrigações jurídicas inerentes à mesma relação (na fattispecie foi qualificado como trabalho autônomo o serviço de limpeza dos locais)”. (grifos nossos).[37]
“Para fins da qualificação de uma relação de trabalho como empregatícia ou como autônoma é necessário fazer referência, além do momento de atuação da relação, também à atuação da vontade das partes no momento constitutivo da mesma, de modo que quando estas tenham declarado de querer excluir a subordinação é possível chegar a uma diversa qualificação da relação apenas no caso de se demonstrar que tal subordinação se é de fato realizada na fase de execução, com a sujeição do trabalhador ao poder do empregador de dispor da sua prestação e de controlar intrinsecamente o seu desenvolvimento, restando, ao contrário, excluída a possibilidade de utilizar, para fins da afirmação da natureza empregatícia da atividade, elementos compatíveis com um ou com o outro tipo de relação, como a continuidade da prestação, a remuneração fixa, as diretrizes e os controles sobre a execução, a inexistência de uma organização empresarial pertencente ao trabalhador (fattispecie relativa à atividade desenvolvida em favor de uma Prefeitura por alguns trabalhadores encarregados da limpeza e de outras simples funções manuais)”. (grifos nossos).[38]
3.1.3 Leituristas
Os denominados “leituristas” são trabalhadores contratados pelos entes públicos ou por empresas concessionárias de serviço público para fazer a leitura dos “relógios” que medem o consumo de utilidades como energia elétrica, água e gás, e, após a emissão dos respectivos boletos, para cobrá-los dos consumidores/clientes. Na primeira fase, a jurisprudência os considerava como empregados, destacando que a sua prestação laborativa é parte integrante e indispensável da atividade exercida por seu empregador. O fato de eles não estarem submetidos a ordens e controles constantes se deve, simplesmente, à natureza da sua prestação, que é exercida fora do estabelecimento empresarial. Assim, ilustrativamente, a Pretura de Sapri, na decisão de 20 de maio de 1978, considerou um leiturista que trabalha para a Enel (“Ente Nazionale per l’Energia Elettrica”) um trabalhador subordinado, dando relevância ao fato de que o obreiro encontra-se “inserido na organização da empresa prestando, com subordinação e remuneração por unidade de tempo, a própria e estável colaboração para o alcance das finalidades próprias da empresa elétrica”[39]. No mesmo sentido, confira as decisões abaixo:
“O objeto da prestação, consistente na leitura dos medidores e na cobrança dos boletos, constitui atividade a ser considerada intrínseca e essencial às finalidades empresariais perseguidas pela sociedade, cuja atividade de distribuição do gás não seria do ponto de vista econômico realizável sem os serviços dos leituristas-cobradores: portanto, mesmo que tais atividades sejam exercidas fora da empresa, elas implicam, todavia, uma colaboração constante e um empenho sistemático de trabalho em favor da empresa, destinatária final única dos resultados de tais atividades, com a conseqüência de que não se pode negar a subsistência de uma relação de emprego. Se, de fato, por sua natureza, o trabalho dos leituristas-cobradores deve ser exercido fora da empresa, é totalmente conseqüente que exista uma forma mais atenuada da subordinação. Do mesmo modo se explica a ausência de predisposição de um preciso horário de trabalho. Logo, na realidade, aquilo que poderia ser configurado como ampla discricionariedade na execução do trabalho, consiste apenas nas características particulares de execução da prestação dotadas de maior elasticidade exatamente em razão da própria natureza da atividade desenvolvida (…) a ausência por parte dos leituristas de uma, mesmo que embrionária, organização de empresa e a ausência de um risco ‘qualificado’ que incida sobre o resultado econômico total de uma atividade, e não, como na fattispecie, reduzido à variabilidade da remuneração”. (grifos nossos).[40]
“A remuneração por meio de comissões (na espécie: relativa ao serviço de leitura do medidor de energia elétrica e da cobrança dos boletos) não é um indício característico de um contrato de prestação de serviços, sendo perfeitamente compatível também com a hipótese de uma relação de emprego, como resulta da disposição do art. 2099, último parágrafo, do Código Civil de 1942” (grifos nossos).[41]
Na segunda fase, ao contrário, tal obreiro vem sendo qualificado como autônomo pela jurisprudência majoritária, que exclui a subordinação – identificada com a heterodireção patronal forte e constante – pelo fato de o trabalhador não estar submetido a ordens e controles contínuos, como revelam as decisões abaixo:
“Na espécie a Suprema Corte confirmou a decisão de mérito que tinha qualificado a relação de trabalho do ‘leiturista’ como autônoma com base nas efetivas modalidades de desenvolvimento, no cálculo da remuneração com base nos boletos cobrados, e também em razão da presença de simples diretrizes programáticas e prescrições pré-determinadas com um controle extrínseco da atividade, atinente ao resultado da mesma”. (grifos nossos).[42]
“Toda atividade humana economicamente relevante pode ser objeto seja de uma relação de emprego, seja de uma relação de trabalho autônomo, dependendo das modalidades do seu desenvolvimento. O elemento típico que distingue o primeiro dos tipos de relação acima mencionados é constituído pela subordinação, entendida como disponibilidade do prestador frente ao empregador com sujeição às diretrizes por este emanadas acerca das modalidades de execução da atividade laborativa; outros elementos – como a observância de um horário, a ausência de um risco econômico, a forma da remuneração e a própria colaboração – podem ter, ao contrário, valor indicativo, mas jamais determinante. (…). (Na espécie, a Suprema Corte confirmou a decisão de mérito que tinha excluído o caráter subordinado da relação de um leiturista da Enel). (grifos nossos).[43]
A Corte de Cassação, na decisão n. 7171, de 10 de maio de 2003, confirmou o acórdão de 2° grau que havia qualificado como autônomo um leiturista contratado pela Enel. A sua prestação laborativa consistia, nas palavras do Tribunal, no dever de “medir os consumos de energia elétrica e de transcrevê-los nas tabelas de leitura fornecidas pela Enel”. Essa prestação, em seu conteúdo, era equivalente àquela exercida por empregados da Enel, mas o trabalhador em tela tinha sido formalmente contratado por essa última como “colaborador autônomo”. O Tribunal e a Corte atribuíram relevância, além do “nomen iuris”, à “ampla autonomia” do obreiro e a ausência de rígidos “vínculos de horário” no exercício da sua atividade. A Corte concluiu que:
“Constitui um princípio consagrado pela jurisprudência aquele segundo o qual toda atividade humana, economicamente apreciável, pode ser objeto de uma relação de emprego ou de uma relação de trabalho autônomo, dependendo das modalidades da sua atuação concreta. Daí decorre que o elemento peculiar que distingue a primeiro da segunda relação é constituído pela subordinação, entendida como sujeição do trabalhador ao poder diretivo, organizativo e disciplinar do empregador, exercido através da emanação de ordens específicas sobre as modalidades de realização da atividade laborativa em concreto e verificada mediante o exercício de uma assídua atividade de vigilância e de controle. Ao contrário, outros elementos, como a observância de um horário, a ausência de risco econômico, a forma de remuneração e a própria medida da colaboração, podem ter, ao contrário, valor indicativo, mas nunca decisivo”. (grifos nossos).[44]
Importa observar que no caso de a prestação laborativa ser exercida fora da empresa é óbvio que o trabalhador não estará submetido ao mesmo controle de horário e vigilância do que aquele que trabalha dentro dela, sendo dotado, obviamente, de maior discricionariedade na fixação do seu horário de trabalho. Essa circunstância é tão evidente que a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) brasileira dispõe, em seu art. 62, I, a presunção relativa de que os trabalhadores que prestam a sua atividade fora da empresa não têm o seu horário de trabalho controlado, não fazendo jus, assim, à percepção de horas-extras. Mas a jurisprudência majoritária na segunda fase, notadamente a da Corte de Cassação, parece desconsiderar completamente esse aspecto.
4 A insuficiência dos direitos e garantias aplicáveis aos parassubordinados
Os direitos trabalhistas aplicáveis aos trabalhadores parassubordinados formam um conjunto bastante modesto, sendo muito inferior, quantitativa e qualitativamente, àquele previsto para os empregados. Tais direitos compreendem: aplicação do processo do trabalho (art. 409, §3°, do CPC); da disciplina especial sobre os juros e correção monetária dos créditos trabalhistas (art. 429, §3°, do CPC); da disciplina das renúncias e transações (art. 2113, do Código Civil de 1942); do regime fiscal do trabalho subordinado (art. 47, §1°, “c” bis, do Decreto n. 917, de 1986). Inclui ainda: a cobertura previdenciária da aposentadoria[45] e da maternidade[46] e os auxílios familiares[47] (art. 2°, §26 e ss., da Lei n. 335, de 1995; art. 1°, §212 e ss., da Lei n. 662, de 1996; art. 59, §16, da Lei n. 449, de 1997; art. 80, §12, da Lei n. 388, de 2000; art. 64 do DL n. 151, de 2001); o seguro obrigatório contra os acidentes do trabalho e as doenças profissionais (art. 5° do DL n. 38, de 2000) e o reconhecimento da liberdade sindical e do direito de greve[48].
Com exceção dos direitos acima citados, não se aplicam aos parassubordinados as tutelas previstas pela ordem jurídica aos empregados[49], tais como: o direito a uma remuneração suficiente, previsto pelo art. 36, §1o, da Constituição[50]; o direito à correção monetária e ao privilégio em relação aos juros, após a abertura do procedimento de execução concursal[51]; o direito previsto no art. 2126, do Código Civil de 1942 (CC/42), que consagra a denominada teoria trabalhista das nulidades, assegurando ao trabalhador a percepção de todos os direitos relativos ao período em que prestou a sua atividade, anteriormente à invalidação do contrato[52]; o direito previsto no art. 2125, do CC/42 (conforme entendimento jurisprudencial majoritário), que impõe limites ao estabelecimento do pacto de não concorrência, relativo a período posterior à cessação do contrato de trabalho; direito à disciplina sobre as funções laborativas prevista no art. 2103, do CC/42[53].
Também não se aplicam aos parassubordinados: o impedimento do curso do prazo prescricional durante a vigência da relação de trabalho[54]; os privilégios previstos pela ordem jurídica aos créditos do empregado sobre os bens do empregador[55]; o seguro-desemprego[56]; a tutela da atividade sindical nos locais de trabalho, fortemente assegurada pelo Estatuto dos Trabalhadores (Lei n. 300, de 1970)[57]; o direito à formação, de modo que, caso queiram se manter atualizados e competitivos no mercado de trabalho, são obrigados a custeá-la.
Além de ser excluído de todos os direitos acima mencionados, o parassubordinado também não conta com a proteção contra a dispensa imotivada, podendo o seu contrato ser cessado “ad nutum”, conforme ressaltado pela Corte de Cassação na decisão n. 4849, de 25 de maio de 1996[58]. Demais disso, ele não entra na contagem do número mínimo de trabalhadores da empresa necessário para a aplicação do regime da tutela real, que prevê a reintegração do obreiro dispensado imotivadamente (art. 18, do Estatuto dos Trabalhadores) [59]. Assim, por meio da parassubordinação, a empresa atinge dois objetivos: a) os parassubordinados não contam com a proteção contra a dispensa imotivada; b) eles servem para reduzir o número de empregados da empresa, para que estes não tenham direito à tutela real, mas apenas àquela indenizatória.
Há de se mencionar, ainda, as restrições normativas impostas aos parassubordinados no que tange à denominada “totalização das contribuições para a aposentadoria”. Por meio desta, os diferentes períodos de trabalho nos quais foi recolhido um certo número de contribuições a diversas caixas previdenciárias são somados para se obter uma única aposentadoria. Os parassubordinados inscritos na gestão específica do INPS podem requerer a totalização, desde que: tenham no mínimo 20 anos de contribuição e 65 anos de idade ou 40 anos de contribuição independentemente da idade; o pedido de totalização deve ser relativo a todos os períodos de contribuição, em sua integralidade; é possível totalizar os períodos de contribuição em cada caixa previdenciária apenas se iguais ou superiores a 6 anos. Considerando que a atividade dos parassubordinados é caracterizada por períodos de não trabalho e, assim, de ausência de contribuições, na prática, esses vínculos e limites impostos pela lei excluem grande parte desses obreiros do direito à totalização[60].
Desse modo, levando em conta as restrições acima descritas, aliadas à baixa remuneração desses trabalhadores, à descontinuidade na carreira, às jornadas de trabalho reduzidas e, conseqüentemente, à limitação no valor das contribuições previdenciárias recolhidas, é difícil que os parassubordinados consigam se aposentar de forma decente, com a percepção de um provento de valor razoável[61].
O trabalho parassubordinado, sendo destituído de tutelas fundamentais, mostra-se bastante conveniente aos olhos do empregador. Ele acaba servindo de “via de fuga” da relação de emprego e da conseqüente aplicação das normas trabalhistas[62]. Não por acaso, a “Confederazione Generale Italiana del lavoro” (CGIL), maior central sindical italiana, é contrária à parassubordinação, pois os empregadores terão, evidentemente, todo o interesse em recorrer a esses colaboradores, cujo custo atualmente é cerca da metade daquele ligado à relação de emprego. O grande risco – que se está concretizando – é a multiplicação desses “falsos autônomos”, que irão aumentar ainda mais as fileiras dos “trabalhadores pobres” (“working poors”) [63].
Luisa Galantino nota que os contratos de colaboração coordenada e continuada “conheceram uma extraordinária difusão ao longo dos últimos anos – e, especialmente, no curso dos anos noventa – em razão da sua flexibilidade e, sobretudo, da possibilidade oferecida aos tomadores de poder contar com colaboradores juridicamente autônomos, mas freqüentemente utilizados com modalidades não muito diversas daquelas típicas da relação de emprego”. Houve uma “crescente consciência por parte dos potenciais empregadores” quanto à capacidade dessa figura contratual de representar uma “cômoda alternativa” à relação empregatícia, em razão das enormes diferenças quanto aos ônus sociais (notadamente os contributivos), à remuneração devida (não se aplicando os limites da suficiência e da proporcionalidade), às tutelas previdenciárias (em caso de doença, acidente de trabalho, gravidez, etc.), aos limites impostos à cessação da relação de trabalho. As “co.co.co.” serviram para dar uma “veste jurídica cômoda” a verdadeiras relações de emprego[64].
5 Conclusão
Pelo exposto, resta claro que a parassubordinação gerou resultados diametralmente opostos àqueles sustentados por seus defensores. Estes afirmavam que ela seria uma forma de estender parte da proteção do Direito do Trabalho a trabalhadores autônomos, que dela são excluídos. Mas, na verdade, ela ocasionou a restrição do conceito de subordinação, reduzindo-o à sua noção clássica ou tradicional. Disso resultou que trabalhadores tradicionalmente – e pacificamente – enquadrados como empregados passaram a ser considerados parassubordinados, sendo, assim, privados de direitos e garantias trabalhistas.
Foram estendidas pouquíssimas tutelas aos parassubordinados e, mesmo assim, em entidade bastante inferior às correspondentes aplicáveis aos empregados. O resultado é que o custo de um trabalhador parassubordinado é muito inferior àquele de um empregado, o que torna a figura uma via preferencial de fuga ao Direito do Trabalho. Assim, sob a aparência de ampliativa e protetora, a figura é, na essência, restritiva e desregulamentadora. É exatamente o oposto da tendência expansionista necessária para a realização das finalidades e objetivos do Direito do Trabalho.
Por tais razões, discordamos totalmente da sua instituição no Direito brasileiro. Em regra, os doutrinadores nacionais se inspiram no Direito estrangeiro, sobretudo naquele de países desenvolvidos, como a Itália, para propor o aperfeiçoamento e o avanço da ordem jurídica brasileira. Mas a análise do Direito estrangeiro também é muito útil para nos fornecer “contra-exemplos”, isto é, aquilo que não deve ser implementado na nossa realidade. A instituição da parassubordinação no Brasil afrontaria a própria Constituição Federal de 1988. Esta, ao valorizar o trabalho como meio essencial à realização da dignidade da pessoa humana e à busca de maior justiça social (art. 1o, III e IV, art. 3o, I, III e IV, arts. 6o e 7o, art. 170, caput e incisos VII e VIII, art. 193), veda terminantemente o retrocesso nas condições laborativas no País (art. 3o, II, e art. 7o, caput), retrocesso este que seria provocado pela introdução da parassubordinação, como nos mostra claramente o exemplo italiano.
Especialista e Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Roma II. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-Minas. Bacharel em Direito pela UFMG. Advogada.
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