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A participação de Advogados nos crimes de lavagem de dinheiro

Trata-se, sem dúvida, de tema da ordem do dia, de delicado tratamento.
Sob o título “PF apura suposta ação
criminosa de advogados
” A Folha Online publicou matéria no dia 29/1/06.

Refere-se queSob supervisão do Ministério Público, a
Polícia Federal abriu uma investigação para apurar o envolvimento de
escritórios de advocacia em crimes de lavagem de dinheiro. O inquérito, ainda
em fase inicial, nasceu da análise da movimentação bancária de alguns
advogados, cujos nomes são mantidos em segredo. (…) Suspeita-se que o profissional tenha emitido recibo fraudulento
por serviços que não realizou. Em troca de comissões, cedeu a sua conta para
operações de lavagem de dinheiro
”.

Há muito temos alertado para tais situações. Sob o manto de proteção
do “sigilo profissional”, alguns “maus profissionais”, Advogados, felizmente a
minoria, tem utilizado os seus escritórios, movimentando dinheiro sujo ou
suspeito de origem ilícita, de ditos clientes. Recebem percentuais e costumam
alegar ser dinheiro de “honorários” advocatícios.

Segundo o site Monitor das Fraudes: “Em todo o mundo, segundo dados da ONU, são lavados aproximadamente 500
bilhões de dólares todos os anos. Desse total, 400 bilhões de dólares vêm do
narcotráfico. Os paraísos fiscais desempenham um importante papel nessas
operações financeiras. Por esta razão existem movimentos internacionais que
estão pressionando tais países, e outros que por alguma razão não estejam
cooperando na luta à lavagem de dinheiro, a implantarem políticas e leis que
coíbam tais praticas, pelo menos no que diz respeito ao narcotráfico. Este
processo de pressão internacional, que está tendo um razoável êxito, é liderado
por entidades oficiais que atuam publicando listas negras dos países que não
cooperam, particularmente relevantes são as listas da OECD e o FATF-GAFI.
Países com leis e estruturas bastante efetivas para coibir a lavagem de
dinheiro, como a Alemanha ou a Itália, tomaram o cuidado de não subestimar o
possível envolvimento de entidades não financeiras nos processos de lavagem de
dinheiro”.

Na Europa, por exemplo, conforme diretiva em vigência a partir de
2004, aprimora-se situação em que antes, somente as Instituições Financeiras
eram obrigadas a relatar situações suspeitas às autoridades. Após a reforma de
2003, portanto para vigência atual, Auditores Fiscais e Bancários, Cassinos,
Vendedores de obras de arte, Agentes imobiliários, Comerciantes de artigos de
luxo, e Advogados são obrigados por
lei a notificar qualquer operação com valor superior a 15 mil Euros,
independente que seja em espécie ou não. Enfatizo, que a necessidade de rigor
ao combate à lavagem de dinheiro na União Européia (EU-Richtlinie gegen
Geldwäsche)  fez a legislação tornar
obrigatório que – inclusive os Advogados de suspeitos, abrindo mão do sigilo
profissional, informem as autoridades a respeito das operações e situações
suspeitas. (Vide: http://www.falschgeld-infopoint.de/richtl.htm – EU-Richtlinie gegen Geldwäsche).

O direito de sigilo profissional, como qualquer outro direito, não
pode ser absoluto. Não é possível interpretar, nesses casos, que o advogado não
possa ou não deva, “por dever de sigilo profissional” recusar-se a prestar
informações a respeito de “qual a Causa” que defende, e “quem” é ou quem são os
seus clientes. O sigilo profissional do advogado é evidentemente inerente ao
âmbito do teor do processo, e não aos dados exteriores a ele relativos.

Há, em resumo, duas situações possíveis: 1- O advogado,
conscientemente, recebe dinheiro, sem defender qualquer causa, de uma pessoa,
justifica-o como honorários, e deixa a quantia passar por sua conta (ou de seu
escritório); 2- O advogado recebe, efetivamente, dinheiro, a título de
honorários, por uma Causa que efetivamente defende em nome do cliente (regularmente
constituído), sabendo ou podendo suspeitar, que ele não teria condições de
arcar com aquele valor;

No primeiro caso o Advogado pode tornar-se autor ou co-autor do crime
de lavagem de dinheiro, desde que se prove que ele tinha conhecimento da origem
ilícita do dinheiro (dolo direto), cf. art. 1° § 2° II da Lei n° 9.613/98; No
segundo caso, entendemos, além de imoral, em face da ocorrência de dolo
eventual, a conduta pode ser capitulada como incidente nos termos do art. 1° §
1° II (recebe, movimenta ou transfere)
da Lei n° 9.613/98.

Isto nos faz refletir em direção à decantação do entendimento de que o
Advogado, sempre essencial ao exercício da justiça, não admita ser usado por
agentes criminosos como mecanismo ou instrumento de lavagem de dinheiro. O
nobre e imprescindível direito de sigilo profissional dos Advogados não pode
acobertar atividades criminosas, tornando, neste caso, passível de
determinações judiciais de quebra de sigilos – de comunicações e movimentações
financeiras, evidentemente, com a finalidade da viabilização da busca da
verdade real.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Marcelo Batlouni Mendroni

 

Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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