A participação do Ministério Público em pedidos de falência

Resumo: Não cabe ao ministério público a atuação anterior a instauração do concurso universal de credores. A sua participação provocada ou espontânea é ilegal e um verdadeiro prejuízo ao processo falimentar. Pretende-se traçar linhas gerais sobre a questão.

Abstract: It’s out of reach of State Prosecution to interfere before the sentence of bankruptcy. It’s participation, regardless if it was provoked or spontaneous, is illegal and armful to the bankruptcy. The goal of this paper is to discuss general aspects of this matter.

Palavras Chave: Direito Empresarial, falência, fase pré-falimentar, participação do ministério público, legitimidade do ministério público, ministério público de massas falidas, curadoria de massas falidas.

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Sumário: 1. Introdução; 2.O Histórico da Lei 11.101/05; 3. O Rigor Formal do Processo Falimentar; 4. O Posicionamento das Procuradorias Regionais; 4.1. Minas Gerais 4.2. São Paulo; 4.3. Rio de Janeiro; 5. Conclusão.

1 – Introdução

A defesa em juízo de uma empresa em fase pré-falimentar é uma das situações mais dramáticas para as partes e os envolvidos, considerando ainda terceiros que dependem direta ou indiretamente da manutenção da atividade produtiva. Profundos efeitos de ordem econômica são verificados pela morte de um organismo vivo, como assim é considerada a empresa.

“Trabalhadores em geral tem o interesse voltado à manutenção daqueles postos de trabalho, para não se agravar o desemprego. Os consumidores dos produtos ou serviços oferecidos no mercado interessam-se pela preservação da empresa que atende às suas necessidades e querências. A outros empresários, fornecedores de insumos, também interessa tal preservação porque disso depende o volume de seus próprios negócios. A atividade econômica é fonte geradora de tributos, sendo a preservação dela, portanto, de imediato interesse do Estado e, em última instância, da sociedade (destinatária dos serviços públicos de educação, saúde, segurança, etc). Enfim, a depender do porte da empresa, sua preservação gera riqueza local, regional, nacional ou até mesmo global”

O novel espírito da Lei de Recuperação Judicial (11.101/2005), hoje uma jovem com mais de dez anos de vigência, é o de proteger a função social da empresa, afinal, sem empresas não há emprego e sem empregos não há salários – a economia do país não se desenvolve, o capitalismo e o seu sistema de distribuição de riquezas morre, nele se operam falhas de mercado. A empresa em si é um organismo vivo que interage não apenas com credores, mas também com a comunidade por meio da geração de empregos e uso produtivo dos meios de geração de riqueza, como preceitua Fábio Ulhoa Coelho em sua obra “Os Desafios do Direito Comercial” (2014; pág. 14):

“Em vista da proteção a todos esses interesses de transcendência meta-individual, voltados a continuidade da atividade econômica empresarial, a lei passou a privilegiar a preservação da empresa. Deslocando a proteção dos interesses dos credores para o plano secundário, ainda que importante. “Fazendo eco nas lições doutrinárias, as empresas, quando julgava medidas de superação de crise ou de liquidação. Em 2005 ocorre a consolidação da mudança naquele ano, depois de uma de uma década de tramitação do projeto no Congresso Nacional, aprova-se a nova lei sobre crise da empresa. Ansiosamente aguardada pela comunicada jurídica, substituiu a anterior, que havia sido editada em 1945, durante a ditadura Vargas”.

O pedido de falência movido de uma empresa para outra não pode ser admitido como um mero processo de cobrança sob pena de desvirtuamento do instituto, face ao exercício indevido da via falimentar como meio de coação para a cobrança de dívidas. Em dado contexto, há de se considerar o real intuito de instituições financeiras que em tese abririam mão da execução singular do crédito (execução de título extrajudicial) em prol da eleição da via falimentar, já que se tornariam credores quirografários.

Do ponto de vista prático, nós que militamos na área presenciamos de forma aflita os efeitos que um mero pedido de falência é capaz de provocar. Mesmo havendo a mera distribuição, diversos periódicos e órgãos de informações cadastrais divulgam que a empresa requerida encontra-se na pendência de uma falência. Jornais de grande repercussão nacional como Valor Econômico divulgam uma lista das empresas as quais foi requerida a falência, mesmo sem ter sido decretada. Contratos que fazem alusão a sua rescisão automática nestas hipóteses podem figurar como elementos para o reconhecimento de lucros cessantes face ao uso da via mais gravosa sem a real comprovação que de fato estar-se-ia diante de uma empresa em estado falimentar.

Contudo, o objeto do presente estudo cinge-se especificamente ao aprofundamento de questões ligadas a atuação do ministério público ainda na fase pré-falimentar, na qual ainda não houve sequer a instauração do chamado concurso universal de credores.

2 – O Histórico da Lei 11.101/05

A Lei nº 11.101/05 literalmente eliminou a hipótese de atuação obrigatória do Ministério Público na fase pré-falimentar, determinando a sua intervenção apenas a partir da sentença que decreta a quebra, afim de defender os interesses da massa, tão somente aos interesses da massa, quando há um processo de falência efetivo, não apenas um pedido:

“Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:

XIII – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento, para que tomem conhecimento da falência.”

21 – A Interpretação do Veto do Parágrafo Único do art. 4° da Lei 11.101/05

Tal modificação substancial no eixo fundamental de atuação do ministério público, no que diz respeito ao momento adequado para o seu ingresso no processo falimentar foi objeto de controvérsias durante todo o processo legislativo, levando, inclusive, posteriormente ao veto do art. 4° e mais especificamente ao seu parágrafo único por parte da presidência da república, que determinava que “Além das disposições previstas nesta Lei, o representante do Ministério Público intervirá em toda ação proposta pela massa falida ou contra esta” – como veremos, tal dispositivo foi vetado sob o alvo de muitas críticas de membros do parquet[1].

A mensagem de veto 59/2005 encaminhada ao Senado Federal pela Presidência da República destacou o fato de que o ministério público já era suficientemente sobrecarregado por já ser legitimado a atuar “não apenas no processo falimentar, mas também em todas as ações que envolvam a massa falida, ainda que irrelevantes, e.g. execuções fiscais, ações de cobrança, mesmo as de pequeno valor, reclamatórias trabalhistas etc., sobrecarregando a instituição e reduzindo sua importância institucional”. Tal conclusão se demonstra suficientemente plausível se levarmos em consideração as inúmeras atribuições que o ministério público passou a ter em meio a um estado democrático de notável e crescente complexidade, sobretudo, se considerarmos que sua atuação, ao menos da fase pré-falimentar, se restringiria a direitos disponíveis.

Ao analisar o veto presidencial imposto ao art. 4º da Lei nº 11.101/05 e compará-lo à redação do art. 210 do DL 7.661/45, Fábio Ulhoa Coelho[2] conclui que ”não se justificavam as inúmeras manifestações reservadas a esse órgão pela lei anterior. Serviam, na maioria das vezes, unicamente para retardar o andamento do processo. A cultura forense associada à Lei de 1945 deve ser, por isso, diluída, de forma a prestigiar a atuação minimalista do Ministério Público prevista pela nova lei”. Logo em seguida o jurista (op.cit, p. 269) conclui: “a partir da entrada em vigor da nova lei, deve-se abandonar a prática largamente difundida de o juiz remeter ao Ministério Público os autos do pedido de falência, para parecer, logo após a manifestação do requerido ou o transcurso do prazo para esta”.

Segundo o magistério de Fábio Ulhoa Coelho (2014; pág 30): “O Ministério Público só começa a participar do processo falimentar depois da sentença declaratória da falência. A lei prevê sua intimação apenas no caso de o juiz decretar a quebra do devedor insolvente (art. 99, XIII). Durante a tramitação do pedido de falência, não há sentido nenhum em colher sua manifestação”.

Magistrados, advogados e procuradores não podem negligenciar a modificação substancial já ocorrida, como será visto nas linhas que seguirão, que nos levarão a conclusão do estudo, admitir a participação do referido órgão pode gerar a nulidade do processo falimentar como todo.

Há que se ressaltar que as demais e diversas hipóteses que legitimam a atuação do parquet no processo falimentar como custos legis, na qualidade de órgão interveniente e, em meio a ações penais como parte (órgão agente), restaram-se naturalmente inalteradas não cabendo aqui, devido a limitação temática do artigo a sua exposição.

Alguns segmentos dos órgãos estaduais do ministério público, de forma isolada, se manifestaram logo após a edição da nova lei de falências de forma contrária a supressão da sua atuação, alegando que o veto do art. 4° seria irrelevante face ao disposto no art. 82, III, do Código de Processo Civil de 1973 que possui correspondência com o art. 178, I do atual código (BUENO, 2006):

“Aliás, o próprio artigo 82, III, do CPC prevê expressamente a intervenção do Ministério Público nas causas em que haja interesse público evidenciado pela natureza da lide, o que equivale, conforme melhor orientação doutrinária atual, à presença, repita-se, de interesse social. É notória, pois, a relevância social que sobressai da causa falimentar. Ora, seria total contra-senso imaginar-se que em ações falimentares não existisse interesse público, vislumbrado num momento crucial de análise de insolvência do devedor empresário. Cremos que o interesse público é cristalino. A matéria debatida entre credor e devedor, pelos efeitos jurídico-sociais advindos do acolhimento do pedido de falência, sobressalta qualquer interesse privado ou disponível em conflito”

Com todas as vênias, a premissa levada a cabo de que o art. 82, III, do antigo código previa de forma expressa a participação do ministério público em pedidos de falência e não apenas no processo falimentar em si resta-se equivocada face a incompreensão dos institutos. Não há interesse coletivo ou público enquanto não houver o concurso universal de credores, afirmar que haveria seria o mesmo que dizer que um pedido de falência já nasce como se a falência decretada. Antes do decreto de quebra existem apenas interesses patrimoniais disponíveis, tendo em vista que a requerida além de poder efetuar o depósito elisivo, elidindo a presunção de insolvência jurídica da empresa, ainda pode apresentar seu plano incidental de recuperação judicial.

O mesmo articulista ainda alega: “O processo falimentar, por se tratar de processo de índole coletiva, é processo em que é nítida a presença do interesse social. Assim, com base no art. 82, III, do CPC e, especialmente, com fundamento no art. 127, caput, da CF/88, é obrigatória a intervenção do Ministério Público, sob pena de nulidade, em todas as fases procedimentais, pré-falimentar e falimentar, com o que estará melhor acautelada a tutela constitucional dos interesses sociais”. Novamente ousamos discordar, primeiro, pois processo falimentar e pedido de falência são institutos completamente distintos, no primeiro há sim interesse público e é garantida a intervenção obrigatória do parquet, contudo, no segundo trata-se apenas de um pedido de falência que é manejado por um credor municiado de um título executivo revestido de todas as formalidades.

Eliminando qualquer dúvidas sobre o assunto, colacionamos o julgado do Superior Tribunal de Justiça de Relatoria da Min. Nancy Andrighi:

“PROCESSO CIVIL. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEI 11.101/05. PEDIDO DE FALÊNCIA. F ASE PRÉ FALIMENTAR. DESNECESSIDADE. 1. O interesse público que justifica a intervenção do Ministério Público nos procedimentos falimentares não deve ser confundido com a repercussão econômica que toda quebra compreende, ou mesmo com interesses específicos de credores trabalhistas ou fiscais. 2. Não há, na Lei 11.101/05, qualquer dispositivo que determine a manifestação do Ministério Público em estágio anterior ao decreto de quebra nos pedidos de falência. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO”. (STJ – REsp: 1094500 DF 2008/0206665-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 16/09/2010, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/10/2010)

3 – O Rigor Formal do Processo Falimentar

O pedido de falência, nesta linha de raciocínio, deve ser visto com reservas e severas restrições, mantendo-se sempre estribado, não só nos requisitos formais exigidos em lei, bem como na natureza jurídica do instituto. Em suma, quem pleiteia a falência de outrem deve efetivamente atendê-la e não dela se valer para a cobrança de um crédito amparado por outros meios legais de resgate. O requerimento de falência deve ser o último dos remédios, justamente por ser o mais catastrófico deles, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“FALÊNCIA. COBRANÇA. INCOMPATIBILIDADE. O processo de falência não deve ser desvirtuado para servir de instrumento de coação para a cobrança de dívidas. Considerando os graves resultados que decorrem da quebra da empresa, o seu requerimento merece ser examinado com rigor formal, e afastado sempre que a pretensão do credor seja tão somente a satisfação do seu crédito. Propósito que se caracterizou pelo requerimento de envio dos autos à Contadoria, para apurar o valor do débito, pelo posterior recebimento daquela quantia, acompanhado de pedido de desistência da ação. Recurso conhecido e provido”. (STJ, REsp 136.565/RS , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 23/02/1999, DJ 14/06/1999)

“FALÊNCIA. Protesto. Intimação. A falência, instituto que tem sido desvirtuado para servir de instrumento coativo à cobrança de dívidas, não pode ser deferida se não atendidas rigorosamente as exigências formais."(REsp n. 157.637/SC, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 1º.9.1998)”

O poder de influenciar negativamente as decisões do magistrado é algo perigoso, sobretudo, quando tal mister é feito de forma vaga e evidentemente às cegas do contexto ao qual as partes estariam inseridas. Também devendo-se considerar que não há que se cogitar interesse público existente na fase pré-falimentar ou indisponível que justifiquem a sua atuação nele e não numa execução fiscal, por exemplo.

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE FALÊNCIA. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA FASE PRÉ-FALIMENTAR. DESNECESSIDADE. 1. Não houve qualquer inovação legislativa quanto à obrigatoriedade de intervenção do ministério público nos pedidos de falência eis que os interesses em discussão, na fase pré-falencial, são interesses disponíveis, que não justificam a necessidade de fiscalização pelo ministério público. A eventual remessa dos autos ao parquet configura mera praxe forense. 2. A não intervenção do ministério público na fase que antecede o decreto falimentar não se relaciona com o advento da nova lei ou veto ao seu artigo 4º, mas tão somente pela ausência total de interesse público que justifique sua participação enquanto a fase processual trata de interesses patrimoniais disponíveis. 3. Agravo conhecido e improvido. unânime. (TJ-DF – AGI: 20070020023721 DF, Relator: EDITTE PATRÍCIO, Data de Julgamento: 04/07/2007, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: DJU 28/03/2008 Pág. : 84)”

A participação do Ministério Público guardaria alguma pertinência a fim de possibilitar a defesa dos interesses potencialmente conflitantes da massa falida, não para opinar no sentido ou não da decretação, já que até então estar-se-ia discutindo direitos disponíveis – este era o entendimento que justificava a participação anterior, havendo, inclusive, quem justificasse que a sua participação era conferida para que o parquet fosse se familiarizando com o objeto daquilo que seria marcado por sua atuação, um argumento falho e anticientífico.

4 – O Posicionamento das Procuradorias Regionais

O Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, não estando subordinada a nenhum dos poderes, o que não significa que possa ir de encontro com o ordenamento jurídico vigente ou em desrespeito à lei e a constituição.

O processo falimentar é conduzido e processado quase que exclusivamente perante a Justiça Comum do estado a qual se encontra a sede da requerida. Por sua vez, a atuação do ministério público estadual se dá por meio de leis orgânicas com base na constituição e na Lei Ordinária nº 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).

Considerando tais premissas e, apesar da origem em comum e da vocação constitucional do parquet, cada órgão estadual se distingue por suas leis orgânicas e atos interpretativos das procuradorias gerais em âmbito regional.

Cabe aqui, no avançar do artigo a seguinte pergunta: as procuradorias regionais têm se reservado a atuar apenas após a instauração do dito concurso universal de credores?

4.1. Minas Gerais

Em 2007 o Ministério Público de Minas Gerais divulgou o relatório final da Comissão Especial Designada para a Apresentação de Proposta de Otimização da Intervenção do Ministério Público no Processo Civil, opinando de forma conclusiva sobre a desnecessidade de sua intervenção na fase pré-falimentar:

“Cabe indagar, contudo, qual seria o momento inicial de intervenção: quando do pedido pré-falimentar ou apenas após a decretação da quebra? Muito embora haja entendimento em sentido oposto, a intervenção do Ministério Público deve-se dar tão-somente a partir da existência da execução concursal. Com efeito, o pedido de falência não se confunde com o processo de falência – este, sim, de execução coletiva, quando emerge o interesse público e a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público, por expressa disposição legal. Desse modo, entende-se que o órgão do Ministério Público deve atuar no processo falimentar somente após a decretação da quebra. Registre-se que 71% dos membros da instituição pesquisados concluíram pela desnecessidade dessa intervenção”.

Tal posicionamento encontra-se em consonância os avanços do seu modelo institucional, merecendo aplausos pela iniciativa do parquet quanto a elaboração de uma proposta de otimização da intervenção de sua intervenções em meio ao processo civil.

4.2. São Paulo

Logo em seguida, em meados do ano de 1998 o então Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo proferiu o despacho 72.873/97 que servia como base para orientar a atuação dos demais membros do ministério público de sua alçada, já questionando a necessidade de atuação do ministério público, na mesma linha a qual foi posteriormente adotada pelo legislador:

“Hoje, entretanto, o quadro é outro, com normas constitucionais expressas e expressivas quanto à missão institucional do Ministério Público e de seu verdadeiro papel na defesa dos interesses efetivamente públicos, coletivos ou homogêneos, sobejando, inclusive, atribuições extrajudiciais na condução de enorme feixe de investigações e/ou medidas, visando ao cumprimento desses misteres. Descabe, pois, nesse superior contexto, permanecer o órgão ministerial intervindo em meros pedidos de falência. Além de tudo isso, na atualidade o frequente uso desses pedidos de falência como forma indisfarçável de ação de cobrança, e a elevação abrupta de seu número total, lembre-se, a todo tempo indo e vindo à Promotoria, tem consumido precioso e muitas vezes até inexistente tempo dos membros do Ministério Público, de forma a prejudicar a prestação do efetivo serviço naquilo em que, nesta ou noutras áreas, deve, legalmente, ocorrer a sua intervenção."

São Paulo seguiu a mesma linha adotada por Minas Gerais, reforçando a otimização do tempo dos poucos e sobrecarregados procuradores e multiplicidade de atribuições.

4.3. Rio de Janeiro

Contudo, a Procuradoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro publicou a Recomendação 01/2005 – recomendando que seus membros desconsiderassem o comando claro da Lei 11.101/05 no que diz respeito a não intervenção do Ministério Público em meio a pedidos de falência. Logo em seguida, em 2008, o mesmo órgão colegiado por meio da Deliberação 20-A de 18 de Novembro de 2008 de forma taxativa determinou como essencial a atuação do parquet na fase pré-falimentar, demonstrando que não abriria mão do modelo institucional anteriormente adotado:

“Art. 1º – Além das hipóteses previstas nos artigos 127 e 129 da CRFB e na legislação infraconstitucional, existe interesse público a justificar a intervenção ministerial nos seguintes casos:

VIII – requerimento de falência, na fase pré-falimentar

Tal posicionamento além de ser diametralmente contrário a lei e ao entendimento dos tribunais superiores, em dissonância aos demais estados, lança um alto grau de incerteza para as relações jurídicas, que deveriam ser dotadas de suficiente grau de previsibilidade. Seguir aplicando tal entendimento acarreta riscos processuais que facilmente gerariam a nulidade de processos futuros, atrapalhando mais ainda os processos falimentares.

Justificar a atuação com base apenas no interesse público como pretende o ministério público do Estado do Rio de Janeiro é medida que não se sustenta e que se distancia a realidade do novo modelo institucional adotado tanto do ministério público quanto da nova lei de falências. Caso exista um interesse tão relevante que obrigue e justifique o interesse público da sua atuação em meio a defesa da fé pública, do comércio e da economia, teríamos um homo juridicus de Jhering, que faria com que o ministério público participasse até de execuções de títulos extrajudiciais, caso a urgência de sua intervenção em defesa da economia fosse convincente e bastasse por si própria.

Cabe repisar que o texto original submetido a sanção da presidência da república do projeto de Lei 4.376/93, que posteriormente se tornou a Lei 11.101/05, O eloquente veto ao art. 4º da Lei nº 11.101/05 por parte da Presidência da República– historicamente a contar do ano de 2005 eliminaram-se quaisquer hipóteses de participação do Ministério Público na fase pré-falimentar, estamos diante de interesses disponíveis, inclusive, este assunto já foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça:

“FALÊNCIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. FASE PRÉ-FALIMENTAR. DESNECESSIDADE DEINTERVENÇÃO. LEI N. 11.101/05. NULIDADE INEXISTENTE. I – A nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/05) não exige a atuação geral e obrigatória do Ministério Público na fase pré-falimentar, determinando a sua intervenção, apenas nas hipóteses que enumera, a partir da sentença que decreta a quebra (artigo 99, XIII). II – O veto ao artigo 4º daquele diploma, que previa a intervenção do Ministério Público no processo falimentar de forma genérica, indica o sentido legal de reservar a atuação da Instituição apenas para momento posterior ao decreto de falência. III Ressalva-se, porém, a incidência da regra geral de necessidade de intervenção do Ministério Público antes da decretação da quebra, mediante vista que o Juízo determinará, se porventura configurada alguma das hipóteses dos incisos do artigo 82 do Código de Processo Civil, não se inferindo, contudo, a necessidade de intervenção pela natureza da lide ou qualidade da parte (artigo 82, inciso III, parte final) do só fato de se tratar de pedido de falência. IV – Recurso Especial a que se nega provimento. (STJ – REsp: 996264 DF 2007/0241453-4, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 19/08/2010, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/12/2010)”.

Com isso, vê-se, claramente, que a intenção do Poder Executivo, ao vetar o art. 4º, foi a de ajustar a Lei n.º 11.101/05 ao novo perfil institucional do Ministério Público, privilegiando a sua atuação como órgão agente.

5 – Conclusão

Devemos sempre recorrer as lições mais básicas do estudo do direito, mesmo quando o assunto possa vir a suscitar questões de alta indagação. A interpretação teleológica é aquela que busca interpretar a finalidade da norma ou de fato da vida em sentido mais amplo. Há que se dissociar o pedido de falência do processo de falência, há que enxergar os fins práticos que levam um credor a requer inicialmente tal medida do aquilo que a ela juridicamente se compõem.

Os diversos órgãos que integram o ordenamento jurídico não pode se acastelar face a evolução do seu próprio modelo. Dia após dia a advocacia e a magistratura têm se adaptado aos novos modelos urgentes de sua ordem institucional, como por exemplo a criação do Conselho Nacional de Justiça e a sua boa recepção em meio aos Tribunais de todo país. Deve o Ministério Público fazer o mesmo, como visto exceto posições isoladas, as próprias procuradorias reagiram de forma positiva as inovações trazidas pela Lei 11.101/05, o que demonstra a maturidade das instituições brasileiras e da tão antiga e prestigiada instituição do Ministério Público.

Com o reconhecimento pelos Tribunais Superiores da nulidade, caso comprovado prejuízo, em meio aos casos em que o ministério público tenha atuado na fase pré-falimentar, sua atuação passou a ser vista como um elemento certo de insegurança jurídica e contestação de todo o processo. Não devem os juízes remeterem os pedidos de falência ao Ministério Público ou se permitir a sua atuação espontânea e, caso isso ocorra, deve o membro do parquet emitir nota de competência negativa, justificando-a com base nos próprios entendimentos já consolidados.

 

Referências
BUENO, José Renato Rodrigues. O Ministério Público na Nova Lei de Falência. Revista Jurídica do Ministério Público, Vol. 6, 2006. Disponível em https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/296/MP%20nova%20lei%20falencia_Bueno.pdf?sequence=1
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 29.
COELHO, Fábio Ulhoa. Os Desafios do Direito Comercial – Com Anotações ao Projeto de Código Comercial. Ed. Renovar, Rio de Janeiro: 2014.
FILHO, José Maria Rocha. Curso de Direito Comercial. 3ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
GARNER, A. Brian. Black's Law Dictionary, Ninth Edition 9th Edition, .
JUNIOR, Mario Moraes Marques. O Ministério Público na nova lei de falências. Revista da Associação do Ministério Púbico do Estado do Rio de Janeiro. Website: http://amperj.temp.w3br.com/artigos/view.asp?ID=86, acesso em 19/03/2017.
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. Vol 1. São Paulo: Saraiva, 2010.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2007.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial – Teoria Geral e Direito Societário. Vol. 1. São Paulo: Atlas, 2008.
STJ – REsp: 996264 DF 2007/0241453-4, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 19/08/2010, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/12/2010
STJ, REsp 136.565/RS , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 23/02/1999, DJ 14/06/1999
Recomendação 01/2005 emitida pela Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro
Lei 4.376/93
Lei nº 11.101/05
DL 7.661/45

Notas

[1] JUNIOR, Mario Moraes Marques. O Ministério Público na nova lei de falências. Revista da Associação do Ministério Púbico do Estado do Rio de Janeiro. Website: http://amperj.temp.w3br.com/artigos/view.asp?ID=86, acesso em 19/03/2017.
[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 29.

Informações Sobre o Autor

Matheus dos Santos Buarque Eichler

Graduado em Direito pela UCAM. Especialista em Direito Tributário, Empresarial, Propriedade Intelectual e Direito Marítimo. Advogado atuante


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Equipe Âmbito Jurídico

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