Resumo: A tutela jurisdicional de defesa dos direitos do contribuinte resta muito prejudicada quando se deslegitima o Ministério Público para impetrar ação civil pública contra ilegalidades e abusos perpetrados pelo Fisco. Atualmente, a única defesa do contribuinte contra eventuais ilegalidades encontra-se na Constituição Federal, os chamados princípios constitucionais tributários. Muito embora o rol de princípios não seja exíguo, necessário seguir países como Estados Unidos da América e Espanha, os quais já prevêem mecanismos legais específicos. O Projeto de Lei Complementar n° 38/2007, traz ao direito tributário a noção de ações coletivas e legitima o Ministério Público e associações a ingressar em juízo na defesa de contribuintes lesados. Inova e sobreleva a cidadania, tornando mais proba a relação com o Fisco. Aguarda-se, enfim, sua conversão em lei complementar.
Palavras-chave: Ação Coletiva-Direitos individuais homogêneos-Ação Civil Pública- Contribuinte
Abstract: The judicial protection of rights of the taxpayer remains very inadequate to the legitimization Public Minsitério to prosecute public civil action against violations and abuses perpetrated by the tax authorities. Currently, the only defense against any legal taxpayer is in the Federal Constitution, the so-called constitutional principles of taxation. Muio although the list of principles is not insignificant to follow countries like the United States and Spain, which already provide specific legal mechanisms. The bill Compelementar No. 38/2007, brings to the tax law the concept of collective actions and legitimizes Minsitério Public and associations to file suit in court in defense of taxpayers harmed. Inova and outweighs citizenship, making the more likely the relationship with the tax authorities. Awaited, finally, its conversion into a supplementary law.
Keywords: Collective Action-homogeneous individual rights-Public Civil Action-Taxpayer
1-INTRODUÇÃO
Este trabalho busca analisar os novos direitos agasalhados no Código dos Direitos ou de Defesa do Contribuinte, Projeto de Lei Complementar N° 38/2007, o qual tornando-se lei, traria uma maior igualdade na relação fisco/contribuinte.
Dividiremos nosso estudo em partes. Iniciaremos apresentando os limites ao poder estatal de tributar, os chamados princípios constitucionais tributários. Hodiernamente estes princípios configuram-se a tábua de salvação do cidadão contra o assédio fiscal. A Constituição Federal, que é quem os apresenta ao meio jurídico, assegura no “caput” do artigo 150, que além dos limites principiológicos outras garantias podem ser asseguradas aos contribuintes, e vemos aí a grande oportunidade do Código de Defesa dos Contribuintes.
Em momento seguinte, estudaremos as ações coletivas e seu uso na seara tributária, debatendo, também, a legitimidade do Ministério Público para propor tais demandas. Os direitos do cidadão contribuinte e os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Onde se insere o direito do sujeito passivo da relação tributária?
Na terceira parte enfocar-se-á o Projeto de Lei Complementar N° 38/2007 e as inovações que se pretende injetar no direito tributário com a sua transformação em lei, como as ações coletivas nos moldes do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). O Projeto passa a assegurar as garantias dos contribuintes enquanto direitos transindividuais.
2-PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS
Os princípios tributários previstos na Constituição Federal, funcionam verdadeiramente como mecanismos de defesa do contribuinte frente a voracidade do Estado no campo tributário.
Para Hugo de Brito Machado[1]: “Tais princípios existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder. Em face do elemento teleológico, portanto, o intérprete, que tem consciência dessa finalidade, busca nesses princípios a efetiva proteção do contribuinte.”
Eduardo Pessôa[2], alinhavando o que se entende por princípio narra que princípio é uma proposição, verdade geral, em que se apóiam outras verdades.
A constitucionalidade de um tributo, enfim, deve seguir todos os princípios elencados na Constituição, sob pena de serem eliminados pelo Supremo tribunal Federal por serem inconstitucionais.
2.1- PRINCÍPIO DA LEGALIDADE(Art.150,I,CF)
Segundo Luciano Amaro[3], esse princípio é multissecular, tendo sido consagrado na Inglaterra, na Magna Carta de 1215, do Rei João Sem Terra, a quem os barões ingleses impuseram a necessidade de obtenção prévia de aprovação dos súditos para a cobrança de tributos (no taxation without representation).
A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal somente poderão exigir ou aumentar tributo através de lei. A lei que exigir o tributo deve mencionar, segundo o artigo 146,III,”a”,CF[4]:
a) o fato tributável;
b) a base de cálculo;
c) a alíquota;
d) os critérios para a identificação do sujeito passivo da obrigação tributária;
e) o sujeito passivo.
A lei mencionada pela Constituição é a lei ordinária, salvo se explicitamente for fixada a exigência de lei complementar.
Existem impostos que excepcionam o princípio em comento, a saber:
1) Imposto de Importação(II)
2) Imposto de Exportação(IE)
3) Imposto sobre operações financeiras(IOF)
4) Imposto sobre produtos industrializados(IPI)
Esses impostos podem ser aumentados por meio de ato do Poder Executivo, ou seja, por meio de decreto, sempre respeitando, porém, os limites estabelecidos pela lei.
A Emenda Constitucional nº 33/2001 também excepcionou o princípio em dois momentos, onde a determinação de alíquotas é possível por ato do Executivo. O primeiro é em relação a CIDE- Combustíveis(art. 149, §2º,II, c/c art. 177, §4º,I,b, CF/88), o segundo é em relação ao ICMS sobre combustíveis.(artigo 155, §4º, IV, c, CF/88)
As medidas provisórias podem criar e aumentar impostos que não sejam privativos de lei complementar. Para tanto, deverão ser convertidas em lei dentro do prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60.(art. 62, §7º,CF)
2.2- PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE(Art. 150,III, “b”, CF/88)
Este princípio estabelece que os entes tributantes não podem exigir tributos no mesmo exercício financeiro em que estes foram criados ou majorados.
Para Eduardo de Moraes Sabbag[5], “a verdadeira lógica do princípio da anterioridade é preservar a segurança jurídica, postulado doutrinário que irradia efeitos a todos os ramos do Direito, vindo a calhar na disciplina ora em estudo, quando o assunto é anterioridade tributária.”
A anterioridade não é respeitada, entretanto, nos seguintes casos:
a) Imposto de importação(II)
b) Imposto de exportação
c) Imposto sobre produtos industrializados(IPI)
d) Imposto sobre operações financeiras(IOF)
e) CIDE petróleo
f) Empréstimo compulsório para casos de calamidade pública ou guerra externa
g) Imposto extraordinário de guerra
h) Contribuições sociais, que obedecem à anterioridade nonagesimal ou mitigada
A Emenda Constitucional nº 42/03, introduziu ao artigo 150,III, CF, a alínea “c”, a qual exige que se respeite um período de 90 dias entre a data que criou ou aumentou o tributo e sua efetiva cobrança. Exceções a essa regra, são os empréstimos compulsórios para os casos de calamidade pública ou guerra externa, os impostos de importação, de exportação, sobre operações financeiras, sobre a renda, extraordinário de guerra e a fixação da base de cálculo do IPVA e do IPTU.
2.3- PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE(Art. 150,III, “a”,CF)
Conforme leciona Ricardo Cunha Chimenti[6], “os fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que houver instituído ou aumentado os tributos (estabelecida a hipótese de incidência ou a alíquota maior) não acarretam obrigações. A lei nova não se aplica aos fatos geradores já consumados”.(art.105 CTN)
O Código tributário nacional permite a retroatividade em seu artigo 106, quando a lei:
I- em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, ou
II- tratando-se de ato não definitivamente julgado
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente à época do fato gerador ou da prática do ato.
Trata-se da retroação benéfica para multas tributárias, segundo lição de Eduardo de Moraes Sabbag[7].
Em síntese, é vedada a incidência de tributos sobre fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei.
2.4- PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU ISONOMIA TRIBUTÁRIA (Art. 150,II, CF/88)
O princípio da igualdade tributária proíbe distinções arbitrárias, entre contribuintes que se encontrem em situações semelhantes.
Luciano Amaro[8] relata que “nem pode o aplicador, diante da lei, discriminar, nem se autoriza o legislador, ao ditar a lei a fazer discriminações. Visa o princípio à garantia do indivíduo, evitando perseguições e favoritismos.”
Para contribuintes que estão em situações distintas é permitido tratamento tributário diferenciado, como ensina Hugo de Brito Machado[9]: “Não fere o princípio da igualdade, antes o realiza com absoluta adequação, o imposto progressivo. Realmente, aquele que tem maior capacidade contributiva deve pagar imposto maior, pois só assim estará sendo igualmente tributado. A igualdade consiste, no caso, na proporcionalidade da incidência à capacidade contributiva, em função da utilidade marginal da riqueza.”
2.5- PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO(Art. 150,IV,CF/88)
A cobrança de tributos deve se pautar dentro de um critério de razoabilidade, não podendo ser excessiva, antieconômica.
O Supremo Tribunal Federal entende que o princípio da vedação ao confisco também se estende às multas, conforme julgamento da ADI 551/RJ, cujo relator foi o ministro Ilmar Galvão, decisão de 24 de outubro de 2002.
Não se aplica o princípio em relação aos impostos extrafiscais, que poderão trazer em seu bojo alíquotas pesadas, regulando a economia.
O Imposto sobre produtos industrializados também não sofre a aplicação do princípio em estudo. Produtos supérfluos podem ter tributação excessiva, como os cigarros e as bebidas alcoólicas.
2.6- PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE TRÁFEGO(Art. 150,V,CF/88)
O tráfego de pessoas ou de bens não pode ser limitado pela cobrança de tributos, quando estas ultrapassam as fronteiras dos Estados ou Municípios. Este princípio tributário está em consonância com o artigo 5º,LXVIII, CF/88, direito à livre locomoção.
A cobrança de pedágios pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público, é considerada pela doutrina exceção ao princípio.
2.7-PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE GEOGRÁFICA(Art. 151,I, CF/88)
Este princípio proíbe que a União institua tributo de forma não uniforme em todo o país, ou dê preferência a Estado, Município ou ao Distrito Federal em detrimento de outro ente federativo.
Permite-se, entretanto, a diferenciação, se favorecer regiões menos desenvolvidas. Visa promover o equilíbrio social e econômico entre as regiões brasileiras. Exemplo tradicionalmente citado é a Zona Franca de Manaus.
2.8-PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA(Art. 145,§1º,CF/88)
Existem autores que colocam este princípio como um subprincípio do princípio da igualdade ou isonomia tributária. Reza o texto constitucional que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.
Aplicação prática deste princípio encontra-se na alíquota progressiva, presente no imposto de renda, no imposto sobre a propriedade territorial urbana, no imposto sobre a propriedade territorial rural, etc.
2.9-PRINCÍPIO DA VINCULABILIDADE DA TRIBUTAÇÃO
O magistério dominante inclina-se, segundo o ensino de Paulo de Barros Carvalho[10], por entender que, nos confins da estância tributária, hão de existir somente atos vinculados( e não atos discricionários) fundamento do princípio em tela.
2.10-PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA DO CONTRIBUINTE (ANUALIDADE, ANTERIORIDADE, LAPSOS TEMPORAIS PREDEFINIDOS)
Para Sacha Calmon Navarro Coêlho[11], o princípio da não surpresa do contribuinte é de fundo axiológico. É valor nascido da aspiração dos povos de conhecerem com razoável antecedência o teor e o quantum dos tributos a que estariam sujeitos no futuro imediato, de modo a poderem planejar as suas atividades levando em conta os referenciais da lei.
2.11-PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA DOS IMPOSTOS OU DA TRANSPARÊNCIA FISCAL
O artigo 150, § 5º, CF/88, reza que a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.
As denominações deste princípio são utilizadas, respectivamente, pelos mestres Luciano Amaro e Ricardo Lobo Torres, segundo magistério de Fábio Periandro.[12]
2.12-PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE (Arts. 155, §2º,I; art. 153, §3º,II,; art. 154,I, CF/88)
Este princípio refere-se a três impostos: ICMS, IPI e impostos residuais da União. Deve-se compensar o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.
2.13- PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE (Art. 153, §3º,CF)
Visa tributar mais fortemente produtos menos essenciais. Já produtos essenciais terão alíquotas menores. No IPI sua aplicação é obrigatória, para o ICMS e o IPVA sua aplicação é facultativa.
2.14-PRINCÍPIO DA NÃO DIFERENCIAÇÃO TRIBUTÁRIA (Art. 152,CF/88)
O texto constitucional é auto explicativo. Os Estados, Municípios e o Distrito Federal estão proibidos de estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.
2.15-PRINCÍPIO DA TIPICIDADE
Alguns estudiosos inserem este princípio dentro da legalidade tributária.
A tipicidade tributária, semelhantemente à penal, quer dizer que o tributo somente será devido se o fato concreto se enquadrar exatamente na previsão da lei tributária, assim como o fato criminoso tem que se enquadrar na lei penal.
2.16-PRINCÍPIO DA IMUNIDADE(Art. 150,VI, “a”, CF)
A imunidade é uma hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada, que diz respeito, em regra, aos impostos. Possuem imunidade os entes federativos reciprocamente e em relação a impostos sobre patrimônio, renda e serviços; os templos de qualquer culto(art. 150,VI,”b”,CF); os partidos políticos, as entidades sindicais de trabalhadores, as instituições de educação ou de assistência social sem fins lucrativos, desde que observados os requisitos legais(art. 150,VI,”c”,CF) e os livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão(art. 150,VI,”d”,CF).
Estudar os princípios constitucionais tributários é descobrir que o Estado sofre limitações no seu poder dever de instituir e cobrar tributos. Não fossem essas limitações, a vida social tornar-se-ia insuportável. Com todos esses bloqueios, a sanha fiscal estatal é voraz, imagine-se sem elas.
3- AS AÇÕES COLETIVAS NA SEARA TRIBUTÁRIA. DIREITOS INDIVIDUAIS, COLETIVOS E DIFUSOS.
Ensina Kazuo Watanabe[13] que as ações coletivas são derivadas das “class actions” do direito norte-americano. O autor de tais ações, ingressa em juízo, defendo os chamados interesses difusos ou coletivos, evitando assim, decisões judiciais díspares e enaltecendo o princípio da economia processual. São exemplos destas ações a ação civil pública, a ação popular, o mandado de segurança coletivo.
O Código de Defesa do Consumidor[14], em seu artigo 81, define interesses difusos como os “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.” Já os interesses coletivos são assim estatuídos pelo estatuto consumerista: “transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo , categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.” Finalmente são interesses individuais homogêneos “os decorrentes de origem comum.” Os direitos do contribuinte seriam melhor enquadrados nesta terceira categoria, visto que são divisíveis e seus titulares podem ser determinados ou determináveis e entre eles existe uma relação jurídica-base que surge após o dano.
Hugo Nigro Mazzilli[15], pontua sobre os interesses individuais homogêneos, narrando que seus “titulares são determinados ou determináveis, e o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável.”
3.1- CABE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA?
Existe intensa discussão doutrinária a respeito da possibilidade de uso da ação civil pública neste campo de atuação jurídica. A ação civil pública está prevista na Lei n° 7.347/85. A doutrina e a jurisprudência prevalentes atuais, infelizmente, tendem a considerar incabível a ação civil pública cujo objeto seja a defesa dos contribuintes.
De acordo com a doutrina do Professor Ricardo Lobo Torres[16], a relação jurídica tributária “é a que, estabelecida por lei, une o sujeito ativo (Fazenda Pública) ao sujeito passivo (contribuinte ou responsável) em torno da prestação pecuniária (tributo) ou não pecuniária (deveres instrumentais).”
Notamos que a relação jurídica tributária não é uma relação de consumo. Na relação de consumo há a aquisição ou utilização de produto ou serviço como destinatário final. Por seu turno a relação tributária opera diretamente da lei, independentemente da aquisição ou utilização de produto ou serviço.
Cleide Previtalli Cais[17], rechaça o uso da ação civil pública na área em comento: “por sua própria natureza, caracterizados pela indivisibilidade, indeterminação dos indivíduos e indisponibilidade, os direitos difusos jamais compreenderão temas tributários, marcados pela divisibilidade, identificação do titular e disponibilidade, posto que de cunho eminentemente patrimonial. Como a ação civil pública se presta para a defesa de interesses difusos e coletivos restaria inviável sua utilização.
Ricardo Lobo Torres[18], listando as possíveis ações a serem utilizadas pelos contribuintes, elenca entre elas a ação civil pública.
O Supremo Tribunal Federal tem compreendido que o Ministério Público possui legitimidade ativa para defender interesses individuais homogêneos em juízo, quando “impregnados de relevante natureza social[19]”, ou “dotados de alto relevo social[20]”.
O juiz federal Antônio de Souza Prudente[21] é ferrenho defensor da legitimação constitucional do Ministério Público para ação civil pública em matéria tributária na defesa dos direitos individuais homogêneos. Para o juiz, “a Constituição Federal e a Lei Complementar n° 75, de maio de 1993, traçam, dentre outras, a função institucional do Ministério Público como legitimado a propor ação civil pública para defender os interesses sociais, individuais indisponíveis, bem como os chamados interesses individuais homogêneos”.
A Lei Complementar n° 75 de 1993[22], a qual dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, traz em seu bojo dispositivos favoráveis à tese da ação civil pública tributária. No artigo 5°, inciso II está assentado que é função institucional do Ministério Público da União, zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos ao sistema tributário, às limitações do poder de tributar, à repartição do poder impositivo e das receitas tributárias e aos direitos do contribuinte. (grifei).
No artigo 6°, VII, a supracitada Lei descreve que compete ao Ministério Público da União, promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a defesa de outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em julgado (AgRg 98.286- DJU de 23/03/98), relatado pelo Ministro José Delgado, assim capitaneou seu entendimento sobre o assunto:
“PROCESSUAL CIVIL. MINISTERIO PUBLICO. LEGITIMIDADE. AÇÃO COLETIVA. TAXA DE ILUMINAÇÃO.
1. – CONFORME DISPOSTO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988, A ATUAÇÃO DO MINISTERIO PUBLICO FOI AMPLIADA PARA ABRANGER A SUA LEGITIMIDADE NO SENTIDO DE PROMOVER AÇÃO CIVIL PUBLICA PARA PROTEGER INTERESSES COLETIVOS. NÃO HA MAIS AMBIENTE JURIDICO PARA SE APLICAR, EM TAL CAMPO, A RESTRIÇÃO IMPOSTA PELO ART. 1., DA LEI NUM. 7.347/1985.
2. – EM SE TRATANDO DE PRETENSÃO DE UMA COLETIVIDADE QUE SE INSURGE PARA NÃO PAGAR TAXA DE ILUMINAÇÃO PUBLICA, POR ENTENDÊ-LA INDEVIDA, NÃO HÁ QUE SE NEGAR A LEGITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO PARA, POR VIA DE AÇÃO CIVIL PUBLICA, ATUAR COMO SUJEITO ATIVO DA DEMANDA. HA SITUAÇÕES EM QUE, MUITO EMBORA OS INTERESSES SEJAM PERTINENTES A PESSOAS IDENTIFICADAS, ELES, CONTUDO, PELAS CARACTERISTICAS DE UNIVERSIDADE QUE POSSUEM, ATINGINDO A VARIOS ESTAMENTOS SOCIAIS, TRANSCENDEM A ESFERA INDIVIDUAL E PASSAM A SER INTERESSE DA COLETIVIDADE. (grifei)
3. – O DIREITO PROCESSUAL CIVIL MODERNO, AO AGASALHAR A AÇÃO CIVIL PUBLICA, VISOU CONTRIBUIR PARA O ACELERAMENTO DA ENTREGA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, PERMITINDO QUE, POR VIA DE UMA SÓ AÇÃO, MUITOS INTERESSES DE IGUAL CATEGORIA SEJAM SOLUCIONADOS, PELA AUTUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
4. – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.”
Depreende-se que o entendimento esposado foi no sentido de legitimar o “Parquet” para, por via de ação civil pública, atuar como sujeito ativo da demanda, demanda esta na qual uma coletividade de pessoas se insurgia contra a cobrança de taxa de iluminação pública, por reputá-la indevida.
Atualmente o entendimento no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o Ministério Público não tem legitimidade para ajuizar ação civil pública em matéria tributária nas questões cuja tese jurídica não tem repercussão para a sociedade. Conclui-se, em sentido contrário, que se houver repercussão para a sociedade haverá legitimidade.
O Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo[23], editou a Súmula 07, cuja cópia integral necessária se faz.
Súmula nº 7 – “O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, tais como: a) os que digam respeito a direitos ou garantias constitucionais, bem como aqueles cujo bem jurídico a ser protegido seja relevante para a sociedade (v.g., dignidade da pessoa humana, saúde e segurança das pessoas, acesso das crianças e adolescentes à educação); b) nos casos de grande dispersão dos lesados (v.g., dano de massa); c) quando a sua defesa pelo Ministério Público convenha à coletividade, por assegurar a implementação efetiva e o pleno funcionamento da ordem jurídica, nas suas perspectivas econômica, social e tributária.” (grifei)
Fundamento para o item “c” – Quando, pela via da defesa de interesses e direitos individuais homogêneos, o que pretende o Ministério Público é zelar pelo respeito à ordem jurídica em vigor, levando aos tribunais violações que, de outra parte, dificilmente a eles chegariam, o que poderia, em conseqüência, desacreditar o ordenamento econômico, social ou tributário. Temos, aí, relevância social alicerçada em ratio pragmática (grifei)
As vantagens da ação civil pública são muito bem alinhadas por Carreira Alvim[24]: (…) a grande vantagem da ação civil pública é evitar as inúmeras demandas judiciais (economia processual), vulgarmente denominadas “ações múltiplas”, e evitar decisões incongruentes sobre idênticas questões jurídicas, com o que cumpre a sua função de proporcionar o máximo de resultado (jurisdicional) com o mínimo de esforço (processual). Dessa forma, impede a obstrução das vias judiciais, proporcionando com um só processo e uma única sentença (genérica) a satisfação de incontáveis pretensões substanciais, para o que seriam necessários incontáveis processos. Infelizmente essa vantagem não tem sido notada pelos juízes e tribunais, que, sem qualquer constrangimento, limitam o alcance da ação coletiva.
O alhures citado juiz federal Antônio Souza Prudente[25] é lapidar na conclusão de seu artigo: De ver-se, assim, que, em matéria tributária, os interesses individuais homogêneos, legalmente definidos, como aqueles decorrentes de origem comum, uma vez agredidos, coletivamente, em seu núcleo originário (hipótese de incidência tributária e conseqüente fato gerador, de natureza homogênea, a gestar obrigações tributárias e resultantes interesses individuais também homogêneos), sofrem, por força do impacto agressor, o fenômeno da atomização processual, em defesa de interesse coletivo e social, relevantes a legitimar a pronta atuação do Ministério Público, na linha de determinação institucional dos arts. 127, caput e 129, III, da Constituição da República, traduzidos nas disposições dos arts. 5º, II, a e 6º, incs. VII, a e d e XII, da Lei Complementar n. 75/93, mediante as garantias instrumentais da ação civil pública, evitando, assim, a pulverização dos litígios, com o conseqüente acúmulo de feitos judiciais nos tribunais do País, nessa seara histórica de abusos tributários, onde o contribuinte, individualmente considerado, sem recursos e órfão da assistência judiciária do Estado, queda-se inerte e vitimado, sem qualquer defesa, ante a brutal arrogância do Fisco. Com o devido respeito às opiniões contrárias, entendo que a única interpretação válida, nesse contexto, é aquela que brota do tecido constitucional e se mantém fiel e conforme a Constituição, no corpo da normativa legal, a ponto de não frustrar a vocação institucional do Ministério Público, essencial à função jurisdicional do Estado, feito guardião da ordem jurídica, do regime democrático, do sistema tributário nacional e dos interesses individuais homogêneos, coletivos e sociais, no espaço tributário. A hermenêutica gestada nas entranhas da legislação ordinária, sem força bastante para alcançar os comandos constitucionais em referência, afigura-se insuficiente à garantia plena dos direitos do contribuinte e da Justiça, no Estado democrático de Direito.
Também James Marins[26] defende o uso da ação civil pública em causas tributárias: “Sem dúvida os danos tributários causados na esfera econômica dos contribuintes, através de atos de arrecadação pública ilegais ou inconstitucionais, são espécies de interesse coletivo, mais especificamente, na maioria das hipóteses, interesses individuais homogêneos, perfeitamente tuteláveis, portanto, através da ação civil pública.”
3.2- NOSSO ENTENDIMENTO
A Medida Provisória n° 2.180-35, de 24/08/2001, acrescentou o parágrafo único ao artigo 1º da Lei n° 7.347/85[27], o qual reza que: Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço-FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.
O citado parágrafo é de duvidosa constitucionalidade, vez que afronta o preceito constitucional insculpido no inciso XXXV do artigo 5°, o qual veda a lei de excluir de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Entendemos perfeitamente cabível a ação civil pública em causas tributárias, vez que a Lei Complementar n° 75/1993 a permite, e da mesma forma a Constituição Federal, ao proibir que lei exclua da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, ao consagrar como base do sistema jurídico o princípio da dignidade da pessoa humana, além de uma série de preceitos morais e processuais a exigir economia processual e duração razoável dos processos, decisões judiciais harmônicas, ética e probidade nas relações entre o Fisco e o contribuinte.
O contribuinte tem o dever de pagar à Fazenda tudo que se lhe deve, vez que as receitas tributárias são parte integrante do patrimônio público e, caso o patrimônio público seja lesado por atos ilegais ou inconstitucionais, o Ministério Público terá, com o apoio unívoco da jurisprudência, legitimidade para defendê-lo. Porque, então, quando o Fisco cobra um tributo violando a Constituição e as leis, prejudicando o cidadão-contribuinte, não se permite ao Ministério Público agir em defesa dos cidadãos? Não estaria o Estado favorecendo de forma desproporcional o Fisco em detrimento do contribuinte? Não restaria violado de forma cabal o princípio da isonomia? Dois pesos e duas medidas?
A moralidade administrativa, princípio estrutural da Administração Pública, deve se sentir desprestigiada quando, o mesmo Estado que cobra um tributo indevido, proíbe o uso das ações civis públicas em defesa dos contribuintes lesados. Como bem assenta Hely Lopes Meirelles[28]: O certo é que a moralidade do ato administrativo, juntamente com a sua legalidade e finalidade, constituem pressupostos de validade, sem os quais toda atividade pública será ilegítima.
Reputo, ainda, forma de enriquecimento sem causa, indevido, a restrição imposta pelo Estado através da Medida Provisória n° 2.180-35, de 24/08/2001, vez muitos cidadãos não buscarão seus direitos, e o recurso auferido com o tributo indevido não retornará ao bolso do cidadão, precipuamente do cidadão de parcos recursos.
4- O PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR N° 38/2007
O Código de Defesa do Contribuinte guarda muita semelhança com o Código de Defesa do Consumidor e com o Estatuto da Criança e do Adolescente, leis que vieram ao mundo jurídico em 1990. Sua aprovação seria um repente de cidadania desde então adormecida.
A idéia de um Código de Defesa do Contribuinte nasceu com o projeto de Lei Complementar n° 646/99 no Senado Federal, e continuou na Câmara com os Projetos n° 70/2003 e 231/2005.
Nos Estados Unidos e na Espanha existem leis que defendem os direitos fundamentais dos contribuintes. Nos EUA temos o Taxpayer Bill of Rights II de 1996, e na Espanha a Ley de Derechos y Garantias de los Contribuyentes de 1998.
Passaremos, agora, a explicitar algumas inovações que se pretendem inserir no cenário das leis brasileiras. O Projeto está disponível no portal direitosdocontribuinte.com.br/código_defesa_contribuinte_2007.htm.
O Código, uma vez transformado em lei complementar, será válido para as administrações fazendárias da União, do Distrito Federal e dos Municípios.
Repetindo muitos dos princípios constitucionais existentes, considera justa a tributação (artigo 2°) que contemple os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da eqüitativa distribuição da carga tributária, da generalidade, da progressividade e da não-confiscatoriedade. Tem a lei a intenção de reunir toda a legislação esparsa que existe, republicando os direitos do contribuinte, para assim criar um código/estatuto especializado.
No capítulo II, das normas fundamentais, mencionem-se três artigos. O artigo 10 garante o direito de acesso a certidões independentemente de se estar em dia com o Fisco; o artigo 14 veda a prática de sanções políticas como meio extrajudicial de cobrança de tributos; finalmente o artigo 18, § 1° inexige qualquer depósito, fiança, caução, aval ou qualquer outro ônus para a admissibilidade de defesa ou recurso no processo tributário-administrativo ou no processo judicial.
O capítulo III do Código traz em seu bojo os direitos do contribuinte.
Interessante apontar o artigo 34 do Código, que guarda semelhança com o processo de execução cível ao impor à Administração Fazendária, no desempenho de suas atribuições, que atue de forma a impor o menor ônus possível aos contribuintes, assim no procedimento e no processo administrativo, como no processo judicial.
Sobre parcelamento dispõe o artigo 36, ao referendar que este implica novação, fazendo com que o contribuinte retorne, a este título, ao pleno estado de adimplência, inclusive para fins de obtenção de certidões negativas de débitos fiscais.
Repetindo muitos dos princípios referentes à Administração Pública existentes no caput do artigo 37 da Constituição Federal, reza o artigo 39 que a Administração fazendária obedecerá, dentre outros aos princípios da justiça, legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Impende ressaltar, ainda, dois artigos, antes de entrarmos no capítulo VI, da defesa do contribuinte. O artigo 43 ordena que a ação penal contra o contribuinte, pela eventual prática de crime contra a ordem tributária, assim como a ação de quebra de sigilo, só poderão ser propostas após o encerramento do processo administrativo que comprove a irregularidade fiscal. O§ 2° do mesmo artigo considera circunstância atenuante para os fins do processo penal e definição de tipo penal, o histórico do contribuinte quanto à geração de empregos e benefícios sociais, e o volume de impostos e/ou contribuições que até hoje o contribuinte tenha recolhido e realizado a favor do Estado e da sociedade, desde o início de sua atividade produtiva.
Necessário deixar claro o Código não busca deixar impune a sonegação fiscal que assola o país, mas antes, tornar mais cristalina a relação Fisco/cidadão. Necessário, da mesma maneira, que a Administração Pública atue com ética em suas relações com o cidadão. Como aceitar o calote velado relativo aos precatórios? Como aceitar que a Administração postergue a devolução de restituições de impostos porque está sem dinheiro? Cabe assinalar, também, que no ano de 2008, segundo o portal oficial da Receita Federal do Brasil, a arrecadação federal alcançou a soma de R$ 685.675.000.000,00 (seiscentos e oitenta e cinco bilhões e seiscentos e setenta e cinco milhões de reais), o que convenhamos, é soma suficiente para proporcionar saúde e educação da mais alta qualidade à população.
O capítulo IV do Projeto de Lei Complementar, relativo à defesa do contribuinte, guarda muita semelhança com o Código de Defesa do Consumidor. Referido capítulo amplia as defesas do contribuinte nas suas relações com o Fisco. O artigo 47 narra que a defesa dos direitos e garantias dos contribuintes poderá ser exercida administrativamente ou em juízo, individualmente ou a título coletivo. O § 3°, diz que a defesa coletiva será exercida quando se tratar de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, e repete os conceitos esposados no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor. O § 4° legitima o Ministério Público e as associações legalmente constituída há pelo menos um ano, a exercerem a defesa coletiva proposta. Finalmente o artigo 48 torna possível, para a defesa dos direitos previstos na Lei, o uso de qualquer tipo de ação, desde que apta a proporcionar a efetiva tutela.
5- CONCLUSÃO
Procuramos com este trabalho, defender o uso da ação civil pública em matéria tributária, e destacar a importância da aprovação de um Código de Defesa do Contribuinte, mecanismo apto a clarificar a relação desigual existente entre o Fisco e o sujeito passivo da relação obrigacional tributária. Não se sabe exatamente o motivo pelo qual os Projetos que tentam implementar tais regras sucumbem, quais são os interesses que vedam o nascimento no seio da sociedade de tal conjunto leis. Certamente, dentro de um conceito amplo de moralidade administrativa, de ética e probidade nas relações entre o Estado e o cidadão, tal Código já deveria ser realidade entre nós.
Delegado de Polícia Federal, Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal, Especialista em Dieito Público, Mestrando em Direito
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