Versa o presente artigo sobre a polêmica questão da devolução dos valores pagos pelos consorciados, quando estes vêm a desistir de prosseguir no grupo ao qual pertencem.
Mas o que vem a ser o contrato de consórcio? Segundo a brilhante definição de FABIANO LOPES FERREIRA, contida na sua obra “CONSÓRCIO E DIREITO – Teoria e Prática” – Editora Del Rey, edição atualizada até fevereiro de 1998, p. 19, consórcio nada mais é do que:
“O agrupamento de um determinado número de pessoas, físicas ou jurídicas, aderindo um regulamento coletivo e multilateral, assumindo as mesmas obrigações e visando os mesmos benefícios, administrado por empresas legalmente autorizadas pelo Poder Público, com a finalidade exclusiva de angariar recursos mensais para formar poupança, mediante esforço comum, visando à aquisição de bens móveis e serviços”.
Além da doutrina conceituar o contrato de consórcio, a Portaria 190, de 27 de outubro de 1989, do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, em seu item 1.1, também traz uma noção do que vem a ser consórcio, in verbis:
“Consórcio é a união de diversas pessoas físicas ou jurídicas, com o objetivo de formar poupança, mediante esforço comum, com a finalidade exclusiva de adquirir bens móveis duráveis, por meio de autofinanciamento”.
Veja o que diz FÁBIO KONDER COMPARATO em parecer emitido a respeito do assunto em tela:
“2 – O consórcio de aquisição de bens é uma modalidade negocial recente, estruturada como contrato plurilateral associativo. Em matéria de contratos plurilaterais, só conhecíamos, até há pouco tempo, as sociedades e as associações. Surgiram depois os seguros grupais, os consórcios de empresas (Lei nº 6.404, de 1976, arts. 278 e 279), os acordos de acionistas (mesma lei, art. 118) e os consórcios de aquisição de bens.
A estrutura dos contratos plurilaterais, cuja análise foi feita pioneiramente por Tullio Ascarelli, em artigo doutrinário publicado no Brasil, distingue-se da dos contratos bilaterais em geral, pelo fato de que a relação contratual dos primeiros pode comportar mais de duas partes; a rigor, um número indefinido de partes. Ademais distinguem-se, mais especificamente, os contratos plurilaterais dos bilaterais sinalagmáticos, porque, enquanto nestes as partes se contrapõem uma à outra na troca de prestações (do ut des), perseguindo portanto, cada qual, o seu próprio interesse, na relação plurilateral as partes perseguem uma finalidade ou interesse comum, formando, por conseguinte, um grupo associado.
No consórcio de aquisição de bens móveis, as partes contribuem em dinheiro para a formação de um fundo comum, de onde saem os recursos para atribuição individual dos bens entre os consorciados, por meio de lances ou sorteio. O grupo consorciado pode ser administrado pelos seus próprios membros ou, o que quase sempre acontece, por meio de uma empresa administradora para tanto contratada”.
Nossa jurisprudência pacificou entendimento no sentido de que as administradoras de consórcio devem devolver, ao consorciado que se retira do grupo, tudo aquilo que pagou, devidamente corrigido por um índice de correção monetária vigente no mercado, descontando-se o valor pertinente à taxa de administração. Esta matéria foi até objeto de súmula, a de número 35, editada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “Incide correção monetária sobre as prestações pagas, quando de sua restituição, em virtude da retirada ou exclusão do participante de plano de consórcio”.
Cabe aqui uma pequena ponderação do que é uma súmula e a sua influência no mundo jurídico.
Súmula nada mais é do que a compilação de várias decisões proferidas por um tribunal, sobre uma determinada matéria que lhe é submetida a julgamento.
Uma súmula de jurisprudência tem o condão de orientar os magistrados nas decisões das lides. Mas, não podemos olvidar, também, que uma súmula não é lei, não tem força de lei, pois, evidentemente, não foi elaborada pelo Poder Legislativo, que é competente para tal.
Uma administradora de grupos de consórcios baseia-se na legislação em vigor para gerir e administrá-los, e não em súmulas, visto que as mesmas não têm força de lei e nem capacidade para regulamentar o funcionamento de atividades de pessoas jurídicas, no caso em questão, as administradoras de consórcios, que são permissionárias do Banco Central do Brasil (BACEN).
O mestre FABIANO LOPES FERREIRA (Op. cit., p. 102) tece algumas considerações sobre o tema da aplicação da Súmula 35 do STJ:
“Porém, como já mencionamos, as maiores críticas à Súmula nº 35 referem-se ao princípio jurídico do equilíbrio dos contratos. A súmula não estipulou nenhum ônus para os consorciados desistentes e excluídos que pleiteiam a restituição dos valores pagos corrigidos. O equilíbrio entre as partes contratantes é um princípio jurídico respeitado por todos os Estados Democráticos de Direito. Infelizmente, no Brasil, após a edição da súmula, isso não tem ocorrido, e o sistema de consórcio passou a viver numa ditadura do Judiciário. Desistir de consórcio passou a ser um alto negócio para os consorciados, em detrimento dos demais integrantes dos grupos e da administradora”.(grifos nossos)
Por esta razão, é possível afirmar que a Súmula 35/STJ veio a causar um grande desequilíbrio do sistema de consórcio, haja vista o grande número de decisões a favor dos consorciados, em detrimento das administradoras, razão pela qual não deve a mesma ser aplicada aos casos de devolução de parcelas de consórcio.
E qual o motivo para a sua não aplicação?
De conformidade com os dispositivos da nomatização expedida pelo BACEN supracitada, para se apurar o montante restituível, não se deve proceder à somatória pura e simples de todas as prestações pagas e sobre elas aplicar algum índice de correção monetária vigente no mercado financeiro nacional.
As contribuições mensais (parcelas) representam sempre um percentual do preço do bem vigente no dia da realização da assembléia, dividido pelo número de meses de duração do plano ao qual pertence o consorciado. Se fazia parte de um grupo cuja duração, por exemplo, é de 50 meses, então o valor da contribuição mensal será de 2% (dois por cento) do valor do bem objeto do contrato.
A cada parcela que é paga, o consorciado está abatendo tal valor do montante total do crédito a que tem direito quando aderiu ao grupo de consórcio. O somatório de tal percentual, calculado sobre o valor atualizado do bem, representa o valor corrigido dos pagamentos efetuados pelo consorciado.
O que se tem visto nos dias de hoje são casos dessa jaez: o consorciado paga, por exemplo, 20 (vinte) parcelas, o que equivale a 40% (quarenta por cento) de um crédito no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a que tem direito. Pois bem, por algum motivo, o consorciado desiste da continuar a pagar as parcelas e requer a devolução daquilo que pagou.
Ocorre que, obedecendo aos comandos da legislação editada pelo Banco Central do Brasil, órgão competente para fiscalizar as atividades das administradoras de consórcio, esta entrega ao consorciado desistente exatamente o valor da porcentagem paga do crédito, ou seja, no exemplo acima, 40% (quarenta por cento) do crédito de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), o que corresponde a R$ 8.000,00 (oito mil reais), descontando-se, evidentemente, o valor da taxa de administração.
Não satisfeito com esta situação, ingressa o consorciado em juízo, pleiteando a devolução de todas as 20 (vinte) parcelas que pagou, acrescidas de juros e correção monetária contados do desembolso de cada parcela. Fazendo esta conta, chegaremos, tranqüilamente, a um valor muito superior ao que efetivamente pagou, o que é um absurdo e, por não dizer, um locupletamento sem causa.
Conforme os ensinamentos do Mestre Fabiano Lopes, desistir de prosseguir em determinado grupo de consórcio tornou-se um negócio extremamente vantajoso para o desistente, pois, fulcrado no entendimento de nossos tribunais, pleiteia quantia superior à que pagou, chegando, muitas vezes, ao absurdo de, conforme já vimos em alguns casos, o consorciado pagar menos da metade do crédito, desistir e querer receber a integralidade do crédito!
Os defensores dessa tese argumentam que a devolução das parcelas pagas, corrigidas monetariamente, é a forma mais justa de ressarcimento do consorciado, pois a correção monetária nada mais é do a capenga atualização do poder aquisitivo daquilo que foi desembolsado.
No consórcio, o reajuste das parcelas é feito com base no aumento do preço do bem objeto do contrato, e não da aplicação de algum índice de correção vigente no mercado sobre as parcelas, ou seja, as parcelas sobem apenas quando sobe o preço do veículo objeto do contrato.
Frise-se, mais uma vez, que a forma mais justa de se proceder à devolução das parcelas é a aquela onde há proporcionalidade entre a porcentagem efetivamente paga e o valor do veículo zero quilômetro objeto do contrato de consórcio. Se pagou 40% de um automóvel “popular 1.0”, então receberá exatamente os 40% de um automóvel “popular 1.0”, nada mais, nada menos!
Torcemos para que nossos tribunais começarem a rever esta posição, que há muitos anos tem causado enormes prejuízos às administradoras de consórcio, que são obrigadas a devolver a quantia infinitamente superior àquela efetivamente paga pelo consorciado.
Advogado em Londrina/PR
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