Resumo: A presente proposta tem por objetivo aprofundar o estudo do diálogo institucional visando investigar se, no contexto brasileiro, existe possibilidade de uma interação dialógica entre Legislativo e Judiciário na interpretação de direitos constitucionais. Com esse propósito, a pesquisa foi desenvolvida a partir de revisão bibliográfica e análise jurisprudencial, adotando-se a análise do discurso dos pronunciamentos proferidos pelos Ministros do STF nas decisões sobre concretização de direitos. A pesquisa demonstrou que no panorama brasileiro pós-constituição de 1988, tornou-se corrente a interpretação de que, diante do desenho institucional, cabe ao Judiciário dizer a “última palavra” quanto ao sentido e alcance da Constituição, com o objetivo de garantir a concretização de direitos individuais. Entretanto, apesar dessa interação dialógica entre Corte e Parlamento ser apontada como um caminho importante para a construção de uma forma alternativa e cooperativa da interpretação constitucional, a pesquisa demonstrou que parece difícil, no cenário brasileiro, a adoção dessa construção de decisão coletiva entre Judiciário e Legislativo, uma vez que o próprio STF afirma que lhe cabe a decisão derradeira em matéria constitucional, por possuir os melhores argumentos, por agir com racionalidade e por estar distante do jogo pautado pelo interesse político, ambiente no qual o legislador está mergulhado.
Palavras-chave: Ativismo judicial. Concretização de direitos. Diálogo institucional.
Abstract: The present proposal aims to deepen the study of institutional dialogue in order to investigate whether, in the Brazilian context, there is a possibility of a dialogical interaction between Legislative and Judiciary in the interpretation of constitutional rights. With this purpose, the research was developed from a bibliographical review and jurisprudential analysis, adopting the analysis of the discourse of the pronouncements pronounced by the STF Ministers in the decisions on the realization of rights. The research showed that in the post-Brazilian constitution of 1988, it became commonplace that, in view of the institutional design, it is up to the Judiciary to say the "last word" about the meaning and scope of the Constitution, with the objective of guaranteeing the realization of individual rights. However, despite the fact that this dialogical interaction between the Court and Parliament has been pointed out as an important way to construct an alternative and cooperative form of constitutional interpretation, the research has shown that it seems difficult in the Brazilian scenario to adopt this collective decision-making between the Judiciary and Legislative, since the STF itself affirms that it is the ultimate decision in constitutional matters, to have the best arguments, to act with rationality and to be far from the game guided by political interest, environment in which the legislator is immersed.
Key-words: Judicial activism. Implementation of rights. Institutional dialogue.
Sumário: Introdução. 2. A postura ativista do Judiciário. 3. A possibilidade de diálogos. 4. Considerações finais. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO:
A criação e o desenvolvimento do controle jurisdicional de constitucionalidade consagrou a ideia da supremacia da Constituição, mas vem criando grande controvérsia no âmbito doutrinário no que diz respeito à existência de um único “guardião das promessas”[1] constitucionais. Apesar da difundida hegemonia da compreensão constitucionalista democrática que atribui à jurisdição constitucional a possível “última palavra” na interpretação do texto constitucional, essa questão é controvertida e a revisão judicial tem sido objeto de muito debate.
No contexto norte-americano há uma nítida divisão da doutrina entre defensores e críticos da jurisdição constitucional. Pelos críticos, dentre outros argumentos, é apontada a feição contramajoritária e antidemocrática da jurisdição constitucional, face à escolha dos magistrados não ser feita pelo voto popular, como acontece com os representantes políticos. Isso significa que haveria um rompimento com os princípios democráticos, pois, diferente do que acontece com os representantes parlamentares que são escolhidos segundo a filosofia política dominante num determinado momento histórico para o exercício de um mandato com duração pré-determinada, demonstrando a variação da vontade do povo, a atuação dos magistrados, ao contrário, não decorre da escolha popular e resta prejudicada no que diz respeito ao requisito de legitimidade.
O presente estudo tem como principal objetivo investigar se é possível e, sendo possível, de que forma o arranjo institucional entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário pode ser implementado no contexto brasileiro, com o propósito de viabilizar a consolidação de uma democracia constitucional, num contexto onde “já existe” um detentor da última palavra em matéria constitucional.
2. A POSTURA ATIVISTA DO JUDICIÁRIO:
A ideia de atribuição às cortes constitucionais da jurisdição constitucional surgiu no contexto norte-americano no final do século XVIII, gerando reflexos na concepção das cortes de justiça como intermediários entre o povo e o Legislativo. Uma vez que não se poderia atribuir ao Legislativo a função de julgar os seus próprios atos, o Judiciário apresentava-se, dentre os poderes, como o mais indicado para zelar pelo cumprimento das normas constitucionais, e, portanto, em face de suas funções, seria também o menos perigoso em relação aos direitos políticos da Constituição. Competia-lhe, assim, tão somente a imparcialidade do juízo (HAMILTON e MADISON, 2003, p. 198).
Atualmente, tem-se percebido que o poder menos perigoso vem ocupando, cada vez mais, lugar de destaque, ditando as regras e elevando a sua vontade a um patamar superior ao da própria lei. Isso tem levado muitos doutrinadores a questionar até que ponto a atuação dos tribunais promove ou afronta a democracia (OLIVEIRA, 2007: p.1), apontando a necessidade de imposição de limites à atuação do Poder Judiciário, de forma que ele não venha a interferir no âmbito de atuação dos demais poderes.
No panorama brasileiro pós-constituição de 1988, tornou-se corrente a interpretação de que, diante do desenho institucional, caberia ao Poder Judiciário dizer a “última palavra” quanto ao sentido e alcance da Constituição, função que lhe foi atribuída pelo Poder Constituinte. Entretanto, também é relevante a ideia de que as instituições podem e devem estabelecer um diálogo que previna ao Judiciário o monopólio da “última palavra”, no que diz respeito à interpretação dos direitos constitucionais.
Neste contexto, quando se discute a tensão entre supremacia judicial e supremacia legislativa, a doutrina apresenta a teoria dos diálogos institucionais enquanto perspectiva que permite uma deliberação conjunta entre as instituições, possibilitando uma interação mais harmônica (ou menos conflituosa) entre os Poderes do Estado, respeitando e fazendo prevalecer o ideal democrático.
3. A POSSIBILIDADE DE DIÁLOGO:
A ideia de diálogos institucionais ou deliberação dialogada enfatiza que o Judiciário não será detentor do monopólio na interpretação constitucional e, portanto, as decisões constitucionais devem ser produzidas por um processo de elaboração compartilhada entre o poder Judiciário e outros atores constitucionais. As teorias do diálogo oferecem uma forma alternativa de preencher a lacuna de legitimidade democrática, superando a dificuldade contramajoritária do Judiciário. Por esse motivo, essa teoria vem ganhando espaço principalmente no que diz respeito à discussão da legitimidade democrática associada à revisão judicial. (BATEUP, 2006: p. 1).
A viabilidade dessa interação dialógica entre corte e parlamento vem sendo apontada como um caminho importante para a reaproximação entre a representação democrática e o sistema de revisão judicial, além de sinalizar a possibilidade da construção de uma forma alternativa e cooperativa da interpretação constitucional, uma vez que a tarefa de dar significado ao texto constitucional deve ser compreendida como resultado da intervenção de muitos atores e não somente um (SUNSTEIN, 2009).
Essa controvérsia sobre quem deve ser detentor da última palavra naquelas situações que envolvem conflitos sobre direitos pode ser vista, para muito além de uma simples tensão entre corte e parlamento, como uma tensão entre dois ideais políticos – democracia e constitucionalismo (MENDES, 2011: p. 19).
Também compartilha desse entendimento Kent Roach, para quem a teoria dos diálogos institucionais entre Cortes e o Legislativo seria um meio para reconciliação entre a democracia e o sistema de controle de constitucionalidade, pois através dos diálogos, o Legislativo teria a possibilidade de responder às decisões judiciais proferidas pela Corte Constitucional (ROACH, 2006). Esse momento de interação entre as Cortes Constitucionais e o Poder Legislativo seria composto por três fases: argumento, resposta e réplica, de modo a permitir que as decisões proferidas pelo tribunal em matéria de jurisdição constitucional admitisse uma resposta do legislador possibilitando, até mesmo, a modificação da decisão pelo Judiciário, o que seria feito na réplica (LINARES, 2008: p. 200).
Adotar uma postura de diálogo poderia sinalizar uma maior preocupação em solucionar problemas constitucionais, pois o Poder Judiciário não é (e nem pode ser considerado) o intérprete, por excelência, da Constituição. Para tanto, será vital quebrar o mito da supremacia judicial e compreender o processo de interpretação constitucional como atividade interativa entre os Poderes Judiciário e Legislativo onde eles possam compartilhar igual responsabilidade.
Não se pode negar que em muitas situações a atuação do Parlamento é pautada por interesses políticos eleitorais e até mesmo por trocas de favores, mas não se pode dizer que se trata de uma instituição que não leva os direitos e os desacordos a sério (WALDRON, 1999: p. 250). Por outro lado, também não é razoável acreditar, de forma ingênua, que a corte é a melhor das instituições porque esteja imune a esses vícios apontados em relação ao Legislativo, por não fazer parte desses jogos de poder ou porque trata os direitos com mais seriedade, por se tratar de “fórum de princípio” [2].
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A análise de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) demonstrou certa dificuldade na utilização dessas decisões construídas coletivamente. Em muitas decisões, os próprios ministros afirmam a necessidade de instauração do diálogo. O Ministro Gilmar Mendes mencionou essa possibilidade de diálogo quando se pronunciou na Audiência Pública de Saúde, convocada pelo STF em 2009, ao afirmar que “casos de omissão de serviços, de falha de serviços, ou falha do sistema como um todo na sua implementação, não podem ser resolvidos apenas com uma ação, ou ação isolada de um único ente, eventualmente do Judiciário. […] Daí a necessidade de que nós tenhamos esse diálogo” [3].
É induvidoso o papel do Judiciário na concretização de direitos constitucionais, mas ele não consegue fazer tudo sozinho. Principalmente quando se vê, com muita nitidez, que o ativismo judicial adquiriu posição de destaque no cenário de concretização de direitos.
Também nesse sentido, Claudio Pereira de Souza Neto entende que “o juiz contemporâneo deve, sobretudo, aprofundar o diálogo com a sociedade e com as demais instituições, evitando se restringir às partes formalmente legitimadas”, pois, segundo entendimento desse mesmo autor, as decisões que determinam a entrega de prestações públicas devem ter uma construção dialógica que possa envolver as instituições que se inserem no contexto em que a decisão produzirá efeitos[4].
A pesquisa demonstrou que, apesar dos benefícios do diálogo na interpretação constitucional, parece difícil vigorar essa concepção de decisão construída coletivamente pelo Judiciário e Legislativo, uma vez que o próprio STF se afirma detentor da última palavra em matéria constitucional, acreditando que possui os melhores argumentos, por agir com racionalidade e por estar distante do jogo pautado pelo interesse político, ambiente no qual o legislador está mergulhado.
Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, Pós-graduada em Direito Civil pela Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC/ MG, Advogada.
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