Resumo: A atual crise no Distrito Federal fez com que o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, pedisse ao Presidente do Supremo Tribunal Federal-STF, Gilmar Mendes, a decretação de intervenção federal no Governo do Distrito Federal. A medida postulada pelo Procurador-Geral, notoriamente excepcional, busca resgatar a normalidade institucional, a própria credibilidade das instituições e dos administradores públicos. Tal medida, segundo o Procurador–Geral se faz necessária devido o envolvimento do Legislativo no caso.
Sumário: 1. A intervenção federal. 2. Caracteres da intervenção federal; 3. Espécies de intervenção; 4. Decretar e executar a intervenção federal; 5. Controle da intervenção; 6. A legitimidade do procurador-geral da república na requisição de intervenção federal junto ao STF. 7. Conclusão.
A atual crise no Distrito Federal fez com que o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, pedisse ao Presidente do Supremo Tribunal Federal-STF, Gilmar Mendes, a decretação de intervenção federal no Governo do Distrito Federal.
Em seu pedido, o Procurador-Geral demonstra que os elementos colhidos na Operação Caixa de Pandora, realizada pela Polícia Federal e acompanhada por membros do Ministério Público Federal, demonstram que o Governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, lidera um grupo constituído por Secretários de Governo, Deputados Distritais, pelo Presidente do Legislativo local e pelo Vice-Governador, entre outros e assim, utilizam as funções públicas para desviar e apropriar-se do dinheiro público.
A medida postulada pelo Procurador-Geral, notoriamente excepcional, busca resgatar a normalidade institucional, a própria credibilidade das instituições e dos administradores públicos. Tal medida, segundo o Procurador–Geral se faz necessária devido o envolvimento do Legislativo no caso.
A INTERVENÇÃO FEDERAL.
Segundo Alexandre de Morais (2008) a intervenção consiste em medida excepcional de supressão temporária da autonomia de determinado ente federativo, fundado em hipóteses taxativamente previstos no texto constitucional, e que visa à unidade e preservação da soberania do Estado e das autonomias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Em regra, a União somente poderá intervir nos Estados e no Distrito Federal, não podendo assim intervir nos municípios.
A Constituição Federal de 1988 dispõe:
“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I – manter a integridade nacional;
II – repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V – reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta”. (grifei)
Roberto Gurgel, em seu pedido, salienta que é certo que a decretação de medidas como a presente é feita em caráter absolutamente excepcional, quando demonstrada a ocorrência de um de seus pressupostos bem como evidenciada sua razoabilidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
Não menos certo é, porém, que esgotadas as inúmeras medidas tendentes a recompor a ordem e a conferir legitimidade às decisões da Câmara Legislativa do Distrito Federal no curso da apuração das responsabilidades e a restaurar um mínimo de compostura numa administração distrital em que Governador, Vice- Governador e Secretários de Estado aparecem envolvidos nos crimes, alternativa não resta senão a intervenção da União no Distrito Federal, no intuito de assegurar a observância do princípio republicano.
Reponta intuitivamente claro – a partir da mera dicção do texto constitucional – que o conceito de República não se equipara à reduzida idéia de prestar contas. Tanto é assim que o artigo 34, VII abriga um item próprio à “forma republicana” (“a”) e outro devotado à “prestação de contas” (“d”).
O procurador cita James Madison, ainda nos idos de 1891, bem proclamava o conceito de República: “(…) – um governo que extrai todos os seus poderes direta ou indiretamente da grande maioria do povo e é administrado por pessoas que conservam seus cargos enquanto são aprovadas e por um período limitado, ou enquanto exibem bom comportamento (…)”.
O chefe da Procuradoria-Geral da Republica, deixa claro que: “está em causa, portanto – para além de uma tributária exposição de planilhas contábeis – o dever de o agente público, em qualquer instância e circunstância, expor-se a um julgamento isento e eficaz de seus atos; a fortiori os relacionados a irregularidades financeiras, com perspectiva de apropriação do recurso público, em colisão frontal com a basilar concepção de poder exercido em nome do povo e sustentado num patrimônio comum, insuscetível de apropriação”.
CARACTERES DA INTERVENÇÃO FEDERAL
A intervenção federal possui caracteres que devem ser mencionados. São eles:
a) Natureza política;
b) Provisoriedade.
NATUREZA POLÍTICA
Segundo Silva Neto (2009) quando se defende a natureza política do processo de intervenção, está-se a firmar, por outro prisma, o entendimento de que os critérios sobre os quais se movimenta a autoridade responsável pela expedição do decreto são essencialmente políticas. Utiliza-se, portanto, do juízo de conveniência e oportunidade da medida.
A autoridade responsável pelo início da intervenção não usa um ou outro juízo, mas os dois.
PROVISORIEDADE
O artigo 36, § 4º da Constituição Federal dispõe:
“§ 4º – Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal.”
Essa é a característica referente à provisoriedade da intervenção.
Medida excepcionalíssima que vulnera as autonomias estaduais e municipais, o procedimento interventivo deve durar rigorosamente o tempo apto ao retorno da normalidade institucional da entidade federativa atingida.
ESPÉCIES DE INTERVENÇÃO
a) Espontânea:
Por intervenção espontânea entende-se aquela a ser iniciada pelo Presidente da República sem que haja necessidade de provocação.
Na intervenção espontânea o Presidente deve ouvir os Conselhos da República e o de Defesa Nacional e, após, poderá discricionariamente decretar a intervenção.
b) Provocada:
O presidente da República pode ser levado à expedição do decreto interventivo, quer porque houve solicitação dos poderes coactos no âmbito estadual, quer em virtude de requisição por parte do Supremo Tribunal Federal ou de outro Tribunal Superior.
A intervenção Provocada assume duas feições:
A) A provocada por solicitação: defesa dos Poderes Executiva e Legislativa local; e
b) A provocada por requisição: nessa modalidade, também denominada de intervenção vinculada, o Presidente da República deverá atender à determinação de intervenção. Em tal situação o Poder Judiciário verificou a necessidade de se intervir em uma unidade da Federação por se encontrar desatendido a norma constitucional.
DECRETAR E EXECUTAR A INTERVENÇÃO FEDERAL
A intervenção será formalizada através de decreto presidencial, que uma vez publicado terá eficácia imediatamente, dando legitimidade a todos os atos concernentes a intervenção.
No decreto interventivo constará: a sua amplitude, as condições e o prazo de execução. Se necessário, constará o afastamento das autoridades locais e a nomeação de um interventor, tal decisão deverá ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, no prazo de 24 horas. O interventor será considerado servidor público federal e terá sua competência e funções moderadas pelos limites impostos no decreto interventivo.
CONTROLE DA INTERVENÇÃO
Segundo LENZA (2010), O Congresso Nacional realizará controle político sobre o decreto de intervenção expedido pelo Executivo no prazo de 24 horas. Assim, nos termos do art. 49, IV da Carta Maior, o Congresso Nacional ou aprovará a intervenção federal ou a rejeitará, sempre por meio de decreto legislativo, suspendendo a execução do decreto.
Em caso de rejeição o Presidente da República deverá cessá-lo imediatamente, sob pena de cometer crime de responsabilidade.
Em casos excepcionais não haverá o controle do Congresso Nacional.
A Constituição Federal dispõe:
“Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:
I – no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário;
II – no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral;
III de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal.
§ 1º – O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembléia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas.
§ 2º – Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembléia Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas.
§ 3º – Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV, dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembléia Legislativa, o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade.
§ 4º – Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal”. (grifei)
AFASTAMENTO DAS AUTORIDADES ENVOLVIDAS
Por meio do decreto interventivo, que especificará a amplitude, prazo e condições de execução, O presidente da República nomeará se necessário, interventor, afastando as autoridades envolvidas.
Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos AM estes voltarão, salvo impedimento legal.
A LEGITIMIDADE DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA NA REQUISIÇÃO DE INTERVENÇÃO FEDERAL JUNTO AO STF.
A Constituição Federal de 1988 dispõe:
“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (…)
VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático”.
“Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: (…)
III – de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34,VII, e no caso de recusa à execução de lei federal”.
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;” (GRIFEI).
A luz do disposto na Constituição, não apenas há legitimidade do Procurador-Geral da República para ajuizar tal medida, mas também há competência da Suprema Corte para prover o pedido e requisitar ao Presidente da República a intervenção federal.
CONCLUSÃO
Conclui-se, é certo que a decretação de medidas de intervenção federal é feita em caráter absolutamente excepcional, quando demonstrada a ocorrência de um de seus pressupostos bem como evidenciada sua razoabilidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
Porém, passados meses desde que deflagrada a Operação Pandora, nenhuma medida concreta foi adotada pelo Legislativo Distrital, no intuito de promover a apuração das responsabilidades.
A medida postulada, notoriamente excepcional, busca resgatar a normalidade institucional, a própria credibilidade das instituições e dos gestores públicos bem como resgatar a observância necessária do princípio constitucional republicano, da soberania popular, atendida mediante a apuração da responsabilidade dos gestores, eleitos de forma direta, pelos cidadãos distritais. Eleito para servir a comunidade distrital e não servi-se da comunidade.
Especialista em Direito Processual Penal – Gama Filho, professor de direito em diversos cursos preparatorios no DF.
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