Introdução
As
mudanças são inevitáveis. Os costumes mudam a cada ano, a cada dia. A
velocidade com que os veículos de comunicação vêm trazendo novas informações, e
a facilidade de acesso a elas, vem modificando a forma com que passamos a nos
ver, e também agilizando o conhecimento e socializando a informação. Não só
pela influência dos meios de comunicação, mas, também pela influência de nós
mesmos, a cada tempo há uma revolução diferente a ser feita.
Este trabalho tem como
objetivo principal o estudo da possibilidade de comportamento provocador das
vítimas menores de quatorze anos nos crimes sexuais. Pretende-se estudar aqui,
não só os aspectos jurídicos desta questão, mas também os aspectos vitimológicos que envolvem este tema.
A
Legislação brasileira resguarda a liberdade sexual do indivíduo com bastante
seriedade, imputando severas penas a quem infringe os preceitos nela vigentes.
De uma forma bastante interessante, o legislador pátrio protegeu também, e de
maneira ainda mais rigorosa, a sexualidade de certos indivíduos que, de acordo
com a lei penal, não são capazes ou não podem dar seu consentimento para ato de
tal natureza.
Porém,
este conceito vem sendo modificado, principalmente com o advento do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que vê as crianças e adolescentes como sujeitos de
direitos e obrigações. O ECA entende que o
adolescente tem capacidade de discernir quanto às infrações penais, imputando
medidas sócio-educativas aos infratores, como a internação em estabelecimento
educacional.
Se
este moderno Estatuto tem uma visão mais ampla e atual quanto ao crime, como
não considerar as evoluções no campo sexual do indivíduo? Como não concordar
que o adolescente de hoje tem plena capacidade de consentir com uma relação
sexual?
Levando
em consideração essa possibilidade de consentimento, o trabalho a seguir
exposto demonstrará que existe também a possibilidade de um comportamento
provocador por parte dessa vítima, e essa condição poderá trazer conseqüências
no mundo jurídico.
A possibilidade do
comportamento provocador da vítima menor de 14 anos
Para que se possa afirmar
que nos casos de violência ficta os princípios da Vitimologia
possam ser usados, necessário se faz demonstrar que em muitos casos um menor de
quatorze anos pode dar um consentimento válido. Isso se mostra imprescindível pois, se restar provado que, em nenhuma hipótese, o menor
anteriormente mencionado é capaz de dar o seu consentimento, não há que
se falar em comportamento provocador dessa vítima.
Por outro lado, quando se
afirma que uma pessoa estava em plenas condições de dar o seu consentimento, de
que tinha completa certeza do que estava fazendo, é claro, pode-se dizer que
essa pessoa pode ter um comportamento provocador. Aqui, não há que se dizer
somente do menor de quatorze anos, mas também do alienado mental, que pode, em
algumas hipóteses, ter plena ciência dos assuntos relacionados ao sexo, pois
não é raro que o doente mental seja alheio somente a alguns assunto e que seja
completamente capaz de discernir a respeito de outros
Não se quer explicar aqui
somente da evolução dos costumes e de como os jornais, revistas, televisão têm
uma grande influência no comportamento das pessoas. Nem tampouco o quanto
a legislação brasileira se mostra ultrapassada em relação à realidade. Quer se
mostrar também que a Lei nº 8069/90 (Estatuto da
Criança e do Adolescente) fez uma grande mudança em relação à visão que se
tinha sobre o adolescente.
A evolução pela qual a
sociedade brasileira passa, em especial desde 1940, quando foi publicado o atual
Código Penal, é extraordinária. Desde os costumes, o comportamento, até à
Ciência e à Tecnologia, tudo se modificou. O linguajar, a forma aberta com que
o tema “sexo” passou a ser abordado, o grande acesso à mídia e,
conseqüentemente, informações. As doenças sexualmente transmissíveis, como a
AIDS, trouxeram ao público uma gama muito grande de informações a respeito de
prevenção à doença, vulgarizando as relações sexuais. O problema da gravidez
precoce também fez com que as escolas se preocupassem com o assunto, tentando
orientar os alunos a respeito de métodos de contracepção.
Todos esses problemas
pelos quais passamos hoje trouxeram para a imprensa, de uma forma
bastante veemente, orientações a respeito de sexo para os jovens (e também
adultos desinformados), pois estes são o público alvo
das campanhas de prevenção às doenças e à gravidez precoce. Por outro lado, não
há que se esquecer que muitas vezes o assunto sexo foi banalizado por estes
mesmos veículos de comunicação de massa.
Como exemplo dessa
banalização, tem-se a Internet, que possibilita livre acesso a sites
pornográficos, sem qualquer ressalva. Mesmo que, no Brasil, a Internet ainda
não seja acessível a todos, este é um poderoso meio de
comunicação que vem crescendo de forma espantosa nos últimos anos. Quanto mais
a Internet se torna acessível, mais pornografia ela sustenta, pois não há
nenhum critério de hospedagem de páginas pessoais, desde que não firam a lei
(como a pornografia infantil). Quanto mais o tempo passa (em se tratando de tecnologia
em computação, pode-se contar por meses) mais cedo as crianças têm acesso a
esse tipo de “informação”, já que é difícil um controle por parte dos
pais.
A mídia também, por outro
lado, faz com que meninas se transformem em mulheres cobiçadas, principalmente
no mundo da moda e cinema. Essas meninas são exemplos de beleza e
comportamento, que são seguidos justamente pelo seu público alvo, qual seja, as próprias adolescentes. A aparência e comportamento
de mulher brilham nas passarelas e movimentam muito dinheiro.
Porém, é claro, não há
que se esquecer que o País é de imensas terras e que não se pode contar com a
acessibilidade da informação trazida pela imprensa por todos. Não se pode dizer
que todos os adolescentes menores de quatorze anos têm um nível de
informações que possibilita um consentimento válido, pois isso, seria excluir os que não têm acesso a essas informações (o
que não se faz tão raro assim). Não se pode, pois, comparar um adolescente que
vive em grandes centros, como as capitais São Paulo e Rio de Janeiro, com mesmo
adolescente que mora no interior nordestino. Esse, por muitas vezes não sabe
sequer ler.
Frisa-se aqui a palavra adolescente,
pois não vislumbro a possibilidade de a criança dar um consentimento válido,
salvo raríssimas exceções, que devem ser analisadas com extrema cautela.
Para que haja justiça
quanto a validade ou não de um consentimento dado por
um adolescente menor de quatorze anos, ou como foi dito acima, excepcionalmente
por uma criança, é necessário que seja feita uma análise minuciosa na
personalidade, caráter, cultura e comportamento dessa pessoa. É claro que o
acompanhamento do caso por profissionais (médicos, psicólogos, etc.) é
exigível, pois somente laudos especializados poderão dizer qual a
capacidade desse indivíduo. Portanto, não é qualquer pessoa sem formação
específica que poderá aventurar-se a dizer que aquele adolescente envolvido em
uma relação sexual era plenamente capaz de dar o seu consentimento. Também, é
claro, é preciso que o interessado que argüir essa capacidade,
possa prová-la.
A prova de capacidade de
consentimento só se torna possível quando o magistrado (ou o tribunal) entende
que a presunção do artigo 224, alínea a, do Código Penal pátrio é relativa,
pois nesse tipo de presunção, faz-se possível a produção de prova em
favor do réu.
Uma posição bastante
interessante do magistrado Márcio Bártoli, é no momento de fixar a época em que
a pessoa está apta a dar o seu consentimento em uma relação sexual. Diz o autor
que não é possível determinar que em um dia a pessoa não está
apta a dar o seu consentimento e no outro dia ela está. Por isso, o juiz
critica o critério de fixação da maturidade pela idade da pessoa. Talvez, o
melhor critério de fixação da autodeterminação sexual de uma pessoa, seja o
critério da antiga União Soviética, que dizia da “madurez
sexual da vítima”. Somente haveria violência ficta se a vítima não tivesse
atingido a sua maturidade sexual.
“Determinar
o conceito do que seja liberdade sexual das pessoas não constitui tarefa gravosa.
A dificuldade apresenta-se, em verdade, no momento de fixar a época em que a
autodeterminação sexual pode ser exercitada livremente. É comum vincular-se tal
ocasião a uma determinada faixa etária. Mas, o que se tem é que tal critério é
de manifesta impropriedade, porque significa que a pessoa adquire a capacidade
para decidir, com liberdade, sua vida sexual ao atingir uma idade, legalmente
prefixada, mas está proibida de fazê-lo, até a véspera de completar tal idade.
Essa postura de rigidez atrita contra a lógica e o bom senso, porque não pode
existir uma passagem brusca da privação de liberdade sexual para o exercício
pleno dessa liberdade1”.
Como já foi exposto,
parece-me que a antiga União Soviética tinha a forma mais justa de se analisar
se era possível atribuir violência ficta a certo crime sexual, analisando a
maturidade sexual de cada vítima. Dessa forma, havia uma individualização do
crime, respeitando as particularidades de cada ofendido.
Porém, mesmo que a nossa
legislação fixe uma faixa etária que considera ainda imatura para o sexo
(menores de quatorze anos), ainda será possível, se o magistrado ou tribunal
acreditar que se trata de presunção relativa de violência, provar que aquela
vítima tinha plena capacidade de consentir com a relação e assim o fez.
Portanto, a faixa etária serviria somente como um parâmetro para que se
soubesse a partir de quantos anos não haveria, de forma alguma (a não ser
por eventual incidência das outras alíneas do artigo 224 do Código
Penal), a violência ficta. Por exemplo, pode-se dizer que se o “ofendido” for
maior de quatorze anos, não haverá violência ficta, portanto, não haverá crime.
Se a vítima for menor de quatorze anos, pode se dizer que talvez tenha havido
um crime com violência ficta, desde que não reste provado que essa vítima tinha
autodeterminação sexual. Isso seria o ideal.
Os veículos de
comunicação, obviamente, não têm o poder de revogar as Leis, mas, servem como
um espelho da sociedade atual, de sua evolução, e de seus novos costumes. A
imprensa traz ao público as novas tendências e pode influenciar na revogação de
leis antiquadas e publicação de leis mais atuais, condizentes com o
comportamento social.
Portanto, pode-se afirmar
que se for possível demonstrar a capacidade do adolescente menor de quatorze
anos de consentir com uma relação sexual, e que, conseqüentemente, não houve
crime porque sequer houve violência ficta (uma vez que o a inocentia
consilli que o legislador quer proteger não existe
mais na vítima) haverá a plena aplicação da justiça.
Não bastasse essa grande
evolução nos costumes que vivenciamos a cada dia, há na nossa legislação algo
mais concreto que mostra que o adolescente de hoje tem plena capacidade de
consentir: o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O ECA trouxe a possibilidade
até da aplicação de pena restritiva de liberdade ao adolescente (entre 12 e 18
anos) porque considera que este possa cometer ato infracional.
Portanto, considera o Estatuto que o adolescente entre 12 e 18 anos tem plena
capacidade de entender o caráter ilícito e reprovável da sua conduta, que
merece ser punida.
Transcreve-se, pois, o
artigo 105 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
8069/90) para melhor ilustração:
“Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão às medidas
previstas no art. 1012”.
Reconhece, então, o ECA que até a criança pode cometer ato infracional
e estará sujeita a uma sanção (medida protetiva) se
acaso cometê-la. E o próprio Estatuto dá o conceito de “ato infracional”,
qual seja, “a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Também
traz esse Estatuto, em seu artigo 112, a possibilidade de aplicação de medidas
sócio-educativas aos adolescentes que praticarem ato infracional,
quais sejam: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à
comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento
educacional e, por fim, qualquer uma das previstas no artigo 101, I a VI.
Portanto, o Estatuto da
Criança e do Adolescente traz em seu bojo a liberdade assistida, a inserção em
regime de semiliberdade e a internação em
estabelecimento educacional como formas de punição ao adolescente infrator.
“Já não existe menor
dúvida, como se percebe, que o inimputável no Brasil
(assim considerados os menores de dezoito anos, conforme o art. 104 da mesma
lei) pode praticar crime ou contravenção. O que se modifica (e cuida-se de
mudança puramente formal, eufemística) é o nome:
legalmente tal infração chama-se ato infracional3”.
Se o
legislador considerou que um adolescente tem capacidade para discernir o certo
do errado, que pode ser até internado porque cometeu ato infracional,
isso mostra que o legislador de 1990 já acreditava que o adolescente dessa
época já tinha sim capacidade de dar um consentimento válido porque, se
tomarmos o exemplo de um crime cometido por um adulto, e um adolescente
colaborar para essa infração (havendo concurso de pessoas entre eles, art. 29,
caput, do Código Penal) ele poderá ser punido
com tal internação. Se ele foi punido porque aderiu à vontade ou proposta da
pessoa adulta, considera-se então que esse seu consentimento seja válido.
Por que, então, não
considerar válido o consentimento do adolescente menor de 14 anos quanto aos
assuntos relacionados ao sexo? Se acaso ele possa consentir com um ato infracional (crime ou contravenção), com mais propriedade
pode-se dizer que esse adolescente já tem capacidade para consentir com uma
relação sexual.
“O
reconhecimento legal de que o adolescente (entre doze anos e dezoito anos) está
sujeito a medidas sócio-educativas (só formalmente diferentes das sansões penais), inconfundíveis com as aplicadas ao
menor (medidas de proteção), é a prova mais que suficiente de que o legislador
agora nele entreviu certa capacidade de discernimento, de compreensão. 4”.
Percebe-se, então, que o
legislador de 1990 (ECA) vê de forma bastante diferente do legislador de 1940
(Código Penal) a capacidade de compreensão do adolescente. O Estatuto da
Criança e do Adolescente está bem mais atualizado quanto aos novos costumes e
maior nível de informação dos adolescentes de hoje, que já não mais conservam
aquela inocentia consilli
que o legislador de 1940 tanto tentou resguardar. O ECA
traz a realidade à tona, mostrando que as legislações sempre devem se
modernizar.
“Para se
sujeitar a medidas punitivas do ECA a vontade do
adolescente é válida. Para anuir a um ato sexual não seria? Que diferença
fundamental existiria entre compreender o caráter ilícito do fato criminoso
(dentro de certas limitações, é verdade) e compreender o caráter sexual de
certos comportamentos, ainda mais quando se considera que esta última, em
geral, surge antes daqueloutra? Que sentido tem,
destarte, depois do ECA, a presunção legal do art. 2245”?
Apesar de concordar com o
autor acima citado, vejo com certo exagero dizer que o artigo 224 do Código
Penal, após a publicação do ECA, não tem mais sentido,
porque não há que se esquecer dos menores de 12 anos, que, mesmo pelo ECA,
apesar de poderem cometer ato infracional, são
punidas somente com medidas protetivas. Então, para
os menores de 12 anos, o artigo 224 do Código Penal, ainda é bastante válido.
Uma situação interessante
que pode facilmente ocorrer: um adolescente menor de 14 anos mantém
relação sexual com outro adolescente da mesma idade. O que acontecerá? O
primeiro adolescente, será punido porque, pelo Código Penal, cometeu estupro
com violência ficta, e pelo ECA, cometeu um ato infracional grave, por isso, poderá ser até punido com uma
internação, já que tem capacidade de entender o “caráter ilícito” do ato. Por
outro lado, estará sendo punido porque a “vítima”, que tem a sua mesma idade,
não tem capacidade de entender aquele ato libidinoso, e por isso, seu
consentimento é inválido. Enquanto um adolescente menor de quatorze anos
pode até ser internado porque praticou ato libidinoso com outro adolescente da
sua mesma idade, esse outro adolescente, pela lei Penal, não tem sequer
capacidade de consentir com aquele ato.
Não se pode dizer
mais que o adolescente menor de quatorze anos é imaturo para a compreensão
do caráter sexual do ato. A ficção jurídica do artigo 224, que diz que esse
adolescente ainda mantém sua inocentia consilli, não tem mais sentido, a não ser pela sua
aplicação à vítima criança, ou seja, menor de 12 anos, analisando-se, como dito
acima, cada situação.
Além do artigo 112, do ECA, que traz as medidas sócio-educativas, há também os
artigos 171 e ss, que trazem da apuração do ato infracional atribuído ao adolescente e também suas
garantias processuais. Portanto, considera o adolescente
parte no processo que irá apurar os atos infracionais
cometidos por ele. Outro artigo interessante trazido pelo ECA, é o artigo
190, que prevê a intimação da sentença na pessoa do adolescente, caso a medida
sócio-educativa a ser aplicada seja a internação.
O ECA, portanto, prevê que o
adolescente tem “legitimidade passiva ad causam para
o procedimento infracional, capacidade para o
procedimento infracional, capacidade para a intimação
da sentença, para ser ‘interrogado’, etc. 6” e, conseqüentemente, “a fortiori, nos dias que correm, é evidente que tem
capacidade também para compreender o caráter sexual de alguns atos humanos7”.
Agora, já demonstrada a
capacidade de consentir do adolescente menor de quatorze anos, à conclusão que
se pode chegar é de que esse menor pode ter um comportamento provocador.
“Se se quisesse estabelecer um conceito
operacional de vítima provocadora, para viabilizar uma mais ampla compreensão
do que aqui é dito a respeito da conduta desse tipo de vítima, poder-se-ia
afirmar que uma vítima enquadrada nessa modalidade, quando referida a um crime
sexual, é ‘aquela que, sob a influência de móveis estritamente pessoais,
teleologicamente afinados com os do vitimizador, e
determinados por suas próprias idiossincrasias sexuais, deflagra um processo sinalagmático de estimulação de respostas por parte do vitimizador, as quais vêm a se constituir, no limite, em
projeção, sobre a pessoa da vítima, de atos/fatos produzidos pelo vitimizador na esfera de sua sexualidade8’”.
Pela conceituação de vítima
provocadora acima citada que, em outras palavras, é aquela que, de alguma
forma, contribuiu para o crime, porque provocou, de qualquer maneira, aquela
ação criminosa do agente; é necessário que a vítima tenha vontade própria e
capacidade de responder pelos seus atos.
A vontade, nessa
situação, tem que ser livre de qualquer vício, ou seja, a vítima tem que
querer, de qualquer maneira, participar da ação, mesmo que essa vontade seja
inconsciente. Porém, pode ocorrer de a vítima participar da ação, provocando o
agente, mas, não querer o resultado, ou não acreditar que ele realmente venha a
ocorrer. Mesmo assim, essa vítima, pode-se dizer, tem vontade própria e,
qualquer pessoa normal, poderia prever aquele resultado, haja vista essa
provocação.
A capacidade da vítima de
responder pelos seus atos, na legislação brasileira, está ligada à sua
faixa etária e/ou a sua sanidade mental. Os alienados mentais não têm
capacidade de responder por algumas de suas ações, ou por qualquer uma de suas
ações, dependendo da sua enfermidade. Portanto, não podem ser consideradas
vítimas provocadoras, já que qualquer provocação que venha de sua parte é
considerada nula, ineficaz. Por outro lado, aqui foi exposto que o adolescente
menor de quatorze anos tem capacidade de consentir, porque, até mesmo
para a nossa legislação, a mais recente (ECA), ele pode ser responsabilizado
por seus atos e deverá cumprir uma pena, que poderá, inclusive, chegar à
internação. Mas, como já foi dito, considera-se que a criança (menor de doze
anos) não é capaz de responder por seus atos e, portanto, a seu comportamento
provocador não pode ser considerado.
Tomando-se por base o
artigo 224 do Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e os estudos
de Vitimologia, chega-se à conclusão de que o
adolescente menor de quatorze anos pode ter um comportamento provocador e,
conseqüentemente, ser uma vítima provocadora. Mas, como no artigo 224 a violência real não é
usada, pois este trata somente da violência ficta, diz-se, então, que se esse
adolescente manter relação sexual com alguém, ele não
poderá ser chamado de “vítima”, porque sequer houve crime. Não houve violência
real (e nem pode se considerar a violência ficta, devido à capacidade de
discernimento desse adolescente), o adolescente tinha capacidade de entender o
que estava se passando e dar um consentimento válido e, portanto, não houve
crime.
Porém, mesmo que
tenha havido um comportamento provocador por parte da vítima, a violência nunca
é justificável. Não se pode “perdoar” um crime sexual porque a vítima provocou
o agente. O que se pode, no máximo, é diminuir a pena cabível ao criminoso, já
que, teoricamente, sem a provocação da vítima, não haveria o crime.
Em se tratando de vítima
provocadora adolescente menor de quatorze anos, se se
considerar que esse adolescente tem capacidade de dar um consentimento válido e
que houve uma provocação por parte dela (já que pode,
como visto, ser considerado vítima provocadora), também deveria haver uma
diminuição na pena do agente, de acordo com o artigo 59, “caput”, do Código
Penal Brasileiro, caso contra ele ocorresse crime com violência real (já que a
ficta não pode ser considerada, pois está presente a capacidade de consentir).
Conclusão
De acordo com o que foi
exposto, pode-se vislumbrar a possibilidade de um comportamento provocador da
vítima menor de quatorze anos, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente
coloca o menor como sujeito de direitos e obrigações. Este Estatuto traz
responsabilidades para o adolescente, aceitando que este tem discernimento
suficiente para entender o caráter ilícito de ato infracional
que acaso venha cometer, inclusive, imputando medida sócio-educativa de
internação em estabelecimento educacional.
Com isso, demonstra-se
que o adolescente de hoje tem capacidade de dar consentimento válido, inclusive
quanto aos assuntos relacionados a sexo. Sendo assim, tendo essa capacidade,
pode-se também concluir que a vítima menor de quatorze anos pode ter um
comportamento provocador no crime sexual, depois de analisada as suas condições
psíquicas e seu amadurecimento sexual para dar tal consentimento.
Mas, se não há a
possibilidade de aplicação do artigo 224 do Código Penal, haja vista que a inocentia consilli desse menor já
não mais existe e, portanto, o objeto jurídico a ser tutelado também é
inexistente, qual a importância de saber se um menor de quatorze anos pode ter
um comportamento provocador? A importância é de que assim, o artigo 59,
“caput”, do Código Penal poderá ser alegado quando houver crime sexual com
violência real contra esse menor, já que o magistrado, ao estabelecer a pena,
deverá analisar o comportamento dessa vítima. Caso contrário, o magistrado não
poderia levar em consideração o comportamento provocador da vítima menor de
quatorze anos, já que ela era considerada incapaz de consentir com qualquer
ato, ou até mesmo incapaz de entender os atos libidinosos e, por isso, seu
comportamento deveria ser irrelevante.
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Editora Universitária LTDA, 1943.
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FERNANDES, Valter. Criminologia Integrada, 1ª edição. São Paulo: Ed. Revista
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GOMES, Luiz Flávio. “A
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Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 4 – n. 15, julho-setembro.
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PRADO, Luiz Regis. Curso
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Editora Revista dos Tribunais, 2000.
SOUZA, José Guilherme de.
Vitimologia e Violência nos Crimes Sexuais – Uma
Abordagem Interdisciplinar – 1ª ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor,
1998.
Notas
1 Gomes, Luiz Flávio
citando Márcio Bártoli. “A Presunção de Violência nos Crimes Sexuais (Enfoque
Crítico) – 1ª Parte”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 4 – n. 15,
julho-setembro. Revista dos Tribunais, 1996. pág.
164/165
2 Art. 101. “Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente
poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I- encaminhamento aos pais ou
responsável, mediante termo de responsabilidade;
II- orientação, apoio e acompanhamento
temporários;
III- matrícula e freqüência
obrigatórias em estabelecimento de ensino fundamental;
IV- inclusão em programa comunitário
ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V- requisição de tratamento médico,
psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI- inclusão em programa oficial ou
comunitário de auxílio, orientação e tratamento de alcoólatras e toxicômanos;
VII- abrigo em entidade;
VIII- colocação em família substituta.
Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma
de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de
liberdade”. (Estatuto da Criança e do Adolescente).
3 Gomes, Luiz Flávio, “A
Presunção de Violência nos Crimes Sexuais (Enfoque Crítico) – 1ª Parte”.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 4 – n. 15, julho-setembro.
Revista dos Tribunais, 1996. pág. 166
4 Gomes, Luiz Flávio, “A
Presunção de Violência nos Crimes Sexuais (Enfoque Crítico) – 1ª Parte”.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 4 – n. 15, julho-setembro.
Revista dos Tribunais, 1996. pág. 166
5 Gomes, Luiz Flávio. “A
Presunção de Violência nos Crimes Sexuais (Enfoque Crítico) – 1ª Parte”.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 4 – n. 15, julho-setembro.
Revista dos Tribunais, 1996. pág. 167
6 Gomes, Luiz Flávio, “A
Presunção de Violência nos Crimes Sexuais (Enfoque Crítico) – 1ª Parte”.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 4 – n. 15, julho-setembro.
Revista dos Tribunais, 1996. pág. 167.
7 Gomes, Luiz Flávio, “A
Presunção de Violência nos Crimes Sexuais (Enfoque Crítico) – 1ª Parte”.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 4 – n. 15, julho-setembro.
Revista dos Tribunais, 1996. pág. 167
8
Souza,
José Guilherme de. Vitimologia e Violência nos Crimes
Sexuais – Uma Abordagem Interdisciplinar – 1ª ed. Porto Alegre: Sergio Antônio
Fabris Editor, 1998. pág. 85
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