Introdução
Decorridos mais de dez anos de existência da Lei n. 9.099/95, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, a temática ainda não deixa de ser oportuna, e, sem dúvida alguma, deve ser alvo de profundas reflexões.
Com a experiência que se tem hoje é possível uma reflexão mais profunda acerca do que se tem feito e o que se pode fazer para que esse tipo de juizado venha realmente alcançar os objetivos visados pelo legislador.
O direito de representação da vítima, é um tema sempre polêmico, uma vez que em conformidade com a lei enseja a decadência quando decorriam mais de seis meses entre a data da ocorrência do fato e a da realização da audiência preliminar, na maioria das vezes prejudicando pessoas menos esclarecidas.
É certo que há alguns entendimentos de que havia operado a decadência se a vítima não tivesse, nesse período, exercido o direito de representação formalmente.
Verifica-se que muitos ainda continuam defendendo a tese de decadência do direito de representação, visando o arquivamento dos autos, quando a parte ofendida não obstante tenha, por ocasião do registro da ocorrência perante a autoridade policial, manifestado sua vontade de ver o autor do fato processado criminalmente. E o pior, é que muitos Ilustres Julgadores aceitam essa tese, exigindo o excesso de formalismo que, insofismavelmente, não pode encontrar guarida dentro do espírito do juizado especial criminal.
Se com o advento da Lei n. 9.099/95, as penas ficaram mais brandas, por alguns, inclusive, entendidas como a banalização da justiça, imaginemos se viéssemos admitir o cabimento da vítima vir a ser despojada da oportunidade de ver o autor do fato processado, face a não observação a um formalismo desnecessário, mesmo porque já fora suprido pela própria comunicação feita à autoridade policial.
Sabemos que o aumento da criminalidade não é um fenômeno isolado no Brasil e sim um reflexo de uma crise social de proporções mundiais. Esse aumento da criminalidade obrigou o sistema formal a definir prioridades e áreas preferenciais de mobilização.
Entretanto, não podemos deixar que ocorra o colapso da administração da justiça, já tão desacreditada. Simplificar os procedimentos não quer dizer banalizar o sistema punitivo, sob pena de adentrarmos no caos e por conseguinte deixar comprometer seriamente a imagem da justiça criminal.
Interpretação do Artigo 88 da Lei 9.099/95
O artigo 88 da lei 9.099/95, dispõe que além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.
Têm-se daí que o Ministério Público deve contar com a necessária representação da vítima ou de seu representante legal para que a pretensão punitiva estatal, vencida a fase preliminar dos arts. 74 e 76, possa ser exercida.
Como naquela época, a preocupação ainda reside nas hipóteses em que não realizada a audiência em data próxima, mas sim depois de um elástico prazo temporal, que quase sempre ultrapassa o tempo estipulado pelo Código de Processo Penal, para efeito de representação, a vítima cairá prejudicada.
Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta renúncia ao direito de queixa ou representação.
Princípios Processuais do Juizado Especial
Lembrando os princípios processuais, de bom relevo destacar o artigo 2º da lei que criou os juizados especiais em voga e que assim preceitua: “ O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando sempre que possível, a conciliação ou a transação”.
Nesse diapasão o grande mestre Júlio Fabbrini Mirabete, em sua obra “Juizados Especiais Criminais, nos ensina que deve-se combater o excessivo formalismo em que prevalece a prática de atos solenes estéreis e sem sentido sobre o objetivo maior da realização da justiça.
Como é pacífico na jurisprudência, a representação não exige fórmulas especiais, bastando à vítima manifestar a vontade de ver ser processado o autor do fato criminoso.
No mesmo sentido tribunais têm ementado acórdãos, senão vejamos:
“NÃO EXIGE A LEI , PARA QUE TENHA VALIDADE, RIGORISMOS FORMALÍSTICOS, BASTANDO PARA QUE SURTA EFEITO, A INEQUÍVOCA MANIFESTAÇÃO DA VONTADE DE QUE SEJA O AUTOR DO CRIME SUBMETIDO A PROCESSO”. (RTJ 57/391).
“A REPRESENTAÇÃO, COMO CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA AÇÃO PENAL, PRESCINDE DE FÓRMULA RÍGIDA, SENDO SUFICIENTE A MANIFESTAÇÃO INEQUÍVOCA DA VÍTIMA OU DE QUEM TENHA QUALIDADE PARA REPRESENTÁ-LA, NO SENTIDO DE QUE O REPRESENTADO SEJA PROCESSADO COMO AUTOR DO CRIME. PRECEDENTES DO STJ” (RSTJ 73/101-2)
Aufere-se desta forma, que o simples fato da vítima dirigir-se à autoridade policial, já constitui em tese uma manifestação inequívoca de ver o autor do fato processado em conseqüência do fato típico que cometera.
Em audiência Preliminar, dar-se-á, apenas uma nova oportunidade da vítima vir a desistir desse direito, preferindo a composição dos danos civis.
Mais recente decisão vem apenas fortificar um pensamento já dominante:
“Para o exercício do direito de representação basta a manifestação de vontade do ofendido em querer ver apurado o fato como delituoso. (TACrim/SP, SER 1.110957/9, Santos, 15ª Câm., rel. juiz Fernando Matallo, j.25.02.99, v.u)
Vale a pena transcrever parte de brilhante peça:
“Em que pese a r. decisão, tenho que não ocorreu, in casu, decadência, posto que jamais a vítima renunciaria expressamente ao direito de representação. Ao contrário, ela compareceu ao distrito policial e desencadeou o início das investigações com a lavratura do boletim de ocorrência, submeteu-se a exame de corpo de delito.
Posteriormente a vítima constituiu advogado para dar-lhe assistência jurídica e ambos compareceram à audiência preliminar que alude a lei 9.099/95.
Foi exatamente na referida audiência preliminar que o magistrado oficialmente reconheceu como implícita a representação do ofendido.
Por tais motivos, não é justo que se lhe subtraia, posteriormente o direito de ver o réu processado.
Não se deve chegar ao ponto da exigência de uma representação com formalismo que a própria legislação persecutória penal não exige.
Sabidamente, a Lei Processual não estabelece fórmula específica para a representação, basta que ela contenha a manifestação da vontade do ofendido em querer ver apurado o fato apontado como delituoso, podendo ser escrita ou oral.
É o que se vê no caso sub exame.
Ademais, a decisão recorrida fere o real espírito da novel legislação, que introduziu a possibilidade de composição amigável entre as partes sobre danos, em acordo homologo, como uma das maneiras de extinguir-se o processo pela renúncia ficta ao direito de representação (artigo 74, parágrafo único da Lei n. 9.099/95).
Destarte, houve representação da vítima (fls. 60) e, ao contrário não houve renúncia expressa ao direito de representação, de sorte que a r. decisão recorrida deve ser reformada, reabrindo-se o procedimento, prosseguindo-se na instrução criminal, até final julgamento”.
Ainda, dentro da mesma linha de raciocínio, dispõe um dos enunciados criminais extraído do “IV Encontro de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, realizado em novembro de 1998:
Enunciado 4 – “A vítima só poderá desistir da representação em Juízo”.
CONCLUSÃO
Destarte, em conclusão sugere-se:
– O Membro do Ministério Público deve conferir mais importância ao sentido material da representação, zelando para que seja respeitado s manifestação de vontade do ofendido de processar o ofensor, de modo que o aspecto essencialmente formal deva ser relegado a plano secundário;
– O Membro do Ministério Público, como defensor da sociedade, não pode deixar que uma de suas maiores aspirações, justiça célere e de fácil acesso aos menos aquinhoados, seja frustada pela exigência do excesso de formalismo.
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