Resumo: O presente trabalho almeja defrontar os atuais entendimentos jurisprudências e doutrinários no que se refere à prescrição no Direito Penal Brasileiro. Sabe-se que o aludido instituto traduz-se na perda do direito Estatal de punir aqueles que cometem fatos atípicos e ilícitos pela decorrência temporal nos processos judiciais.
Inicialmente pretende-se demonstrar que a prescrição é gênero que comporta duas espécies, a primeira dela é denominada de prescrição sobre a pretensão punitiva, enquanto a segunda é a prescrição sobre a pretensão executória. Importa ainda salientar que tais espécies comportam várias subespécies, sendo uma dela a prescrição sobre a pretensão punitiva em perspectiva.
A prescrição em perspectiva, também denominada de virtual, antecipada ou baseada na pena ideal é o ápice da presente pesquisa, e cabe-nos apresentar suas formas de incidência e principalmente se sua aplicabilidade ainda encontra-se resguardada pelos atuais entendimentos jurisprudenciais.
Finalmente demonstrar-se-á os impactos causados pela Súmula 438 editada pelo Superior Tribunal de Justiça no ano de 2010 e as possíveis consequências do Anteprojeto do Código Penal que tramita no Senado Federal e que poderá acarretar mudanças no panorama atual a despeito da prescrição em perspectiva.
Palavras Chaves: Direito Penal Brasileiro; Prescrição; Prescrição sobre a Pretensão Punitiva; Prescrição em Perspectiva, virtual, sobre a pena ideal ou antecipada; Súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça; Anteprojeto do Código Penal.
1. Introdução
O presente trabalho objetiva defrontar as atuais discussões jurisprudenciais e doutrinárias inerentes à possibilidade de utilização da prescrição em perspectiva como forma de extinção de punibilidade no atual Direito Penal Brasileiro.
Inicialmente, demonstrar-se-á as bases históricas e fundamentadoras para da aplicabilidade da prescrição “latu sensu”, inclusive como forma de extinção de punibilidade. Posteriormente constataremos a subdivisão que tange a prescrição “latu sensu”, sendo ela fracionada em: a prescrição sobre a pretensão punitiva e a prescrição sobre a pretensão executória.
Em seguida, ficará explícito que a prescrição sobre a pretensão punitiva é gênero que engloba diversos tipos, dentre eles: a prescrição abstrata, a prescrição retroativa, a prescrição intercorrente e a prescrição em perspectiva.
A prescrição em perspectiva, também conhecida como prescrição virtual, antecipada ou baseada na pena ideal será o objeto principal da pesquisa, cabendo dessa fora, debatê-la e destrincha-la, além de demonstrar os atuais entendimentos doutrinários e principalmente jurisprudenciais que tenderam à impossibilidade de sua aplicabilidade.
Por fim, evidenciaremos as teorias favoráveis e desfavoráveis à aplicação da prescrição em perspectiva como modo de extinção de punibilidade no Direito Penal. Observaremos ainda que as teorias favoráveis têm como base a falta de interesse de agir, o princípio da celeridade e economia processual, a inutilidade do julgamento do processo prescrito e o constrangimento ilegal causado pelo processo moroso. Enquanto as teorias desfavoráveis baseiam-se principalmente no princípio da legalidade, da obrigatoriedade da ação penal e da possibilidade da “mutatio libelli”.
Finalmente ficarão evidentes os impactos causados pela publicação da Súmula 438 do Supremo Tribunal de Justiça, que impossibilitou a aplicabilidade da prescrição em perspectiva e uma possível reviravolta causada pela inovação trazida pelo artigo 37 do Anteprojeto do Código de Processo Penal que tramita no Senado Federal e possivelmente trará à tona a possibilidade e reaplicabilidade da prescrição virtual.
2. Os conceitos básicos
A prescrição sempre foi matéria discutida e aperfeiçoada no nosso Ordenamento Jurídico, sendo um dos meios de extinção de punibilidade mais corriqueiros no dia-a-dia dos processos em geral. No Direito Penal e Processo Penal ela se mostra como matéria fundamental para aqueles que exercem a profissão de advogado e desejam evitar que seu cliente seja condenado e receba a sanção imposta pelo Estado, de modo contrário, se mostra temeroso aos Promotores e a própria sociedade que deseja ver condenado e punido aqueles que se voltam contra o próprio interesse e ordem social.
É incontestável que tal instituto causa impactos relevantes na nossa sociedade e acaba nos revelando o quão é ineficaz a atual política criminal brasileira, onde a quantidade de processos cresce assustadoramente e o Estado se torna cada vez mais debilitado em processar e julgar, tornando a prescrição cada vez mais frequente no dia-a-dia penal, onde é utilizada como meio efetivo de evitar possíveis condenações ou sanções estatais.
A prescrição é meio de extinção da pretensão punitiva e executória que implica na cessação do direito punitivo inerente ao Estado como consequência de sua morosidade na atividade jurídica. José Frederico Marque ratifica que a prescrição nada mais é do que: “ a extinção do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo”[1], no mesmo sentido Damásio de Jesus[2], em seu livro Direito Penal: Parte Geral: “ prescrição penal é a perda do poder-dever de punir do Estado pelo não exercício da pretensão punitiva ou da executória durante certo tempo”. E por fim, esclarece o doutrinador José Júlio Lozano Junior:
“Verifica-se que do jus puniendi estatal surgem a pretensão punitiva e a pretensão executória. A primeira nasce com a prática do delito e encerra-se com o trânsito em julgado de uma decisão condenatória, quando então, passa a ter lugar a segunda, por meio da qual o Estado executa a pena efetivamente imposta no decisum irrecorrível”[3]
Tal instituto está arrolado como meio de extinção da punibilidade no artigo 107 do Código Penal, que também expressa os demais meios de extinção, sendo eles caracterizados: Pela morte do agente, pela anistia, graça ou induto, pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso (aberratio criminis), pela prescrição, decadência ou perempção, pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada, pela retratação do agente, nos crimes que a lei admite e finalmente no perdão judicial, nos casos previstos em lei.
2.1 Natureza jurídica
A discussão doutrinária já foi mais árdua sobre tal assunto, alguns entendem que a prescrição penal se encaixa na área material, desse modo, pertenceria ao ramo do direito penal, outros entendem que é instituto jurídico-processual e acreditam que a prescrição é matéria do processo penal e finalmente a Teoria Jurídica de Natureza Mista postula que a prescrição se encaixa tanto em um quanto em outro instituto, possuindo dessa forma uma natureza mista Material-Processual.
Sidio Rosa de Mesquita Júnior[4] em seu Livro Prescrição Penal demonstra as três orientações em que a doutrina diverge:
“Jurídico Material – a prescrição é instituto que ocupa unicamente o campo do direito material (Direito Penal), sem qualquer relação com o direito formal (Direito Processual Penal), visto que constitui a perda do direito ius puniendi, em face do decurso do tempo.
Jurídico Processual – prende-se, principalmente aos efeitos que o tempo exerce sobre os vestígios, fazendo com que estes desapareçam, sendo um instituto que encontra fulcro em razões de natureza processual, eis que voltado ao desaparecimento das provas do processo.
Mista – Volta-se tanto à dificuldade para a produção de provas (de ordem processual) quando à finalidade da pena, que tem sua utilidade mitigada pelo decurso do tempo (de cunho material).”
Atualmente, parece à doutrina ter perdido a razão substancial da discursão, a maior parte da doutrina inclinar-se à Natureza Jurídica Material, principalmente pela prescrição se caracterizar como meio de Extinção da Punibilidade prevista no artigo 107 do Código Penal, para tal doutrina, existem sim consequências processuais, mas estas são simples efeitos que o direito material causa ao processo penal, não caracterizando dessa forma uma natureza jurídica processual.
Segundo José Júlio Lozano Junior[5]:
“Diante disso, a prescrição, atingindo o direito de punir estatal ( que não se confunde com o autônomo direito de ação que lhe é correlato), afeta, direta e indiretamente, a punibilidade (instituto de direito material) e , somente por consequência, a ação penal (instituição de direito processual)
Cremos, assim que a prescrição tem caráter de Direito Penal, diante da aniquilação do direito de punir do Estado, que evidentemente possui essa qualidade.”
No mesmo sentido aponta o ilustre doutrinador Damásio de Jesus[6]:
“Cremos, entretanto, que a prescrição tem natureza exclusivamente penal. Tanto que, constituindo causa extintiva da punibilidade, vem disciplinada no CP. O impedimento à persecução penal que dela decorre configura simples efeito de natureza processual penal, como acontece com outras causas, como a anistia, e renúncia do direito de queixa, a reparação do dano no peculato culposo etc.”
E finalmente, o doutrinador Antônio Lopes Baltazar[7] certifica que “Apesar dessas doutrinas divergirem, é majoritária a corrente no sentido de ser a prescrição um instituto de direito penal”.
Mesmo parecendo um discursão irrelevante ao instituto prescricional, se engana quem pensa que estas teorias não podem causar consequência práticas, o autor Francisco Afonso Jawsnicker[8] nos trás fundamento razoável para efetivar tal discussão doutrinária. Segundo o doutrinador:
“Essa definição tem importância prática. Se as normas que regulam a prescrição são processuais, então a lei nova que amplia o prazo prescricional tem aplicação imediata, por força do art. 2º do Código de Processo Penal. Ao contrário, se são normas de direito substantivo, segue-se que a lei nova mais gravosa não pode ser aplicada, em obediência ao princípio da reserva legal (CF, art. 5º, inc. XXXIX: CP, art. 1º)”.
Dessa forma, fica evidente que tal discussão é de grande relevância doutrinária e irá ocasionar consequência práticas a aplicação da prescrição penal. Parece-nos que a melhor doutrina se inclina de forma veemente para caracterizar a prescrição como matéria penal, a principal fundamentação é que a própria matéria prescricional se encontra no Código Penal, ficando a ideia de que o legislador entendeu pela corrente materialista.
2.2 Fundamentos da Prescrição
Os fundamentos apresentados pela doutrina são os mais diversos possíveis, por esse motivo, cada autor apresenta um rol diferenciado de fundamentos jurídicos relacionados à prescrição. Nesse momento utilizar-se-á a relação empregada pelo doutrinador Sidio Rosa de Mesquita Júnior:
1.“Falta de interesse de agira – este é um fundamento de ordem processual, eis que se refere a uma das condições da ação. Poe esse fundamento, a prescrição penal baseia-se na demonstração de desinteresse do Estado na persecução criminal, eis que se manteve inerte aos fatos”[9]
Esse primeiro está relacionado ao conceito clássico da prescrição, indicando que a essa, nada mais é do que a privação do direito estatal de punir pela sua simples inércia. Guilherme de Souza Nucci[10] nesse sentido assevera que a prescrição: “É a perda do direito de punir do Estado pelo não exercício em determinado lapso temporal”
2.Com fulcro na máxima ubi societas, ini jus, pela qual se exprime que o direito está presente no meio social para assegurar o bem comum, a prescrição emerge como um instrumento de garantia de segurança jurídica, visando evitar a ameaça da punição por período exageradamente longo.”[11]
Tal fundamento nada mais faz do que se basear princípio da segurança jurídica, justificando dessa forma que o Estado não pode punir quando “desejar”, sendo a prescrição um instrumento eficaz para obrigar o Estado a processar e punir os indivíduos em tempo razoável. Segundo Carvalho Filho:
“Ainda que a situação de insegurança pessoal, admitamos, mesmo, de intranquilidade, em que vive o criminoso, enquanto corre a prescrição, esteja longe de igualar, como sofrimento, à pena -, por que afinal, antes a liberdade sob riscos ou temores-, é indiscutível que o Estado, retardando ou descuidando o exercício da função punitiva, não tem o direito de alongar aquela situação, como seria, indefinidamente, se lhe não fora imposto um termo legal, pela prescrição”[12].
1.“Desaparecimento dos efeitos do delito e esquecimento dos fatos. O tempo faz com que a sociedade esqueça-se do delito que a ofendeu.”[13]
O presente fundamento nos indica o debate Delito x Tempo, indicando que o tempo apaga o sentimento social de represália e também as consequências que o crime a causou, não existindo dessa forma mais sentido em efetivar uma punição efetiva ao acusado.
2.“Dificuldade para apurar os fatos. O tempo faz com que os vestígios do crime despareçam.” [14]
Convém ressaltar que o quarto tópico está intrinsecamente ligado ao terceiro, pois o tempo influenciaria tanto na memória social deixada pelo crime e também nos rastros deixados pelo crime, ocasionando o esquecimento/desaparecimento tanto de um como de outro.
3.“Desnecessidade da pena. Decorrido muito tempo, se que o criminoso pratique novo crime, despiciente é a aplicação da pena. Essa noção foi consagrada pela lei, tendo em vista que, se o réu reincidir, haverá interrupção do prazo prescricional. Aumentando-o.”[15]
2.3. Teorias Justificadoras
As teorias justificadoras são decorrências lógicas dos fundamentos da prescrição. Tais teorias foram criadas com o intuito de discutir e justificar o porquê da consagração da prescrição no nosso ordenamento jurídico. Existem várias classificações e teorias relacionadas à existência da prescrição, Guilherme Souza Nucci[16] apresenta classificação relevante para tentar explicar e elucidar tais teorias.
1. Teoria do Esquecimento: se baseia no simples fato da decorrência temporal apagar a memória da sociedade sobre determinado crime. Segundo Nucci: “a lembrança do crime apaga-se da mente da sociedade, não mais existindo o temor causado pela sua prática, deixando, pois, de haver motivo para a punição.”[17]
2. Teoria da Expiação moral: onde o indivíduo seria “espiado” pela sociedade e isso lhe atordoaria, pensando este que, a qualquer tempo pode ser descoberto, processado ou preso pelo crime. Nucci assevera: “o criminoso sofre a expectativa de ser, a qualquer tempo, descoberto, processado e punido, o que já lhe serve de aflição, sendo desnecessária a aplicação da pena.”[18]
3. Teoria da emenda do delinquente: se alicerça na possibilidade de o tempo transformar o comportamento criminoso. Nucci ratifica: “o decurso do tempo traz, por si só, mudança de comportamento, presumindo-se a sua regeneração e demonstrando a desnecessidade da pena”[19]
4. Teoria da dispersão de provas: baseado na dificuldade e até impossibilidade de colher provas e efetivar um decreto condenatório de provas produzidas há um longo lapso temporal. Nucci sustenta: “decurso do tempo provoca a perda das provas, tornando quase impossível realizar um julgamento justo muito tempo depois da consumação do delito”[20] e ainda confirma que tal situação pode gerar erros judiciários “Haveria maior possibilidade de ocorrência de erro judiciário”[21]
5. Teoria psicológica: Se assemelha a teoria da emenda do delinquente, afirma Nucci: “funda-se na ideia de que, com o decurso do tempo, o criminoso altera o seu modo de ser e de pensar, tornando-se pessoa diversa daquela que cometeu a infração penal, motivando a não aplicação da pena.”[22]
É sabido que cada teoria se baseia em ideias diferenciadas, mas isso não implica numa exclusão mútua ou em conflitos, em verdade, todas as teorias têm que ser construídas em harmonia para explicar e fundamentar a existência da prescrição.
3.Tipos de Prescrição
Como regra a prescrição se divide em 2 grandes categorias, a primeira está relacionada diretamente com a extinção da pretensão punitiva e a segunda se relaciona com a extinção da pretensão executória. A presente divisão é consagrada pelo nosso Código Penal nos artigos 109 e 110, estando o primeiro relacionado à prescrição da pretensão punitiva e a segunda relacionada à prescrição pretensão executiva.
3.1 Da Prescrição da Pretensão Punitiva.
Essa espécie se dá até efetivar-se o trânsito em julgado da sentença final, podendo ser utilizada tanto a pena abstrata como a pena concreta para incidência de tal prescrição. Do presente tipo prescricional se subdividem algumas subespécies, cada uma possui uma peculiaridade e é por esse motivo que a doutrina as divide como regra, em quatro subtipos de prescrição punitiva.
3.1.1 Prescrição Punitiva em Abstrato
Como o nome dado a subespécie já indica, nesse tipo de prescrição utiliza-se a pena em abstrato para caracterizar a prescrição. Primeiramente é imperioso ressaltar que por ser subespécie da prescrição da pretensão punitiva, e por esse motivo só será aplicada entre os fatos e o momento da decisão transitada em julgado, utilizando a pena abstrata (do tipo penal o qual a o acusado está sendo processado) em seu máximo, e finalmente observando se estas se encaixam nos prazos previstos pelo artigo 109 do Código Penal. Segundo André Motoharu Yoshino :
“A prescrição em abstrato (ou propriamente dita) é aquela que leva em consideração a pena máxima em abstrato prevista no tipo, já que não se sabe a pena que será aplicada ao sujeito. Dessa maneira, sabendo a pena máxima, bem como as qualificadoras e as causas de aumento e de diminuição que poderão ser aplicadas e, com a utilização do artigo 109 do Código Penal, é possível descobrir o lapso temporal prescricional.”[23]
3.1.2. Prescrição punitiva retroativa
Esta se dá no momento da aplicação da pena concreta ao indivíduo, sendo relevante ressaltar a necessidade do trânsito em julgado para a acusação, pois assim, salvo exceções, a decisão não poderá mais sofrer reformatio in pejus, garantindo que a pena ali aplicada será a máxima. O doutrinador Nucci assevera:
“ é a perda do direito de punir do Estado, considerando-se a pena concreta estabelecida pelo juiz, com trânsito em julgado para a acusação, bem como levando-se em conta prazo anterior à própria sentença (entre a data do recebimento da denúncia ou queixa e a data da sentença, como regra, Há outros lapsos previstos especificamente para o procedimento do júri”[24]
Necessário é mencionar que com a nova redação apresentada pela Lei nº 12.234 de 2010, a prescrição retroativa agora se limita ao período entre a denúncia/queixa e a sentença, não mais cabendo esse tipo de prescrição com relação à data entre os fatos e a denúncia. O doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete[25] ratifica:
“ A Lei nº 12.234, de 05-05-2010, tomando a inovar na disciplina da matéria, deu nova redação ao §1ª e revogou o §2º do art. 110 do Código Penal. A intenção inicial do legislador era a de “excluir a prescrição retroativa”, conforme enuncia expressamente o art. 1º da Lei. Previa-se no projeto original que a prescrição com base na pena em concreto não poderia “ter por termo inicial data anterior à publicação da sentença ou do acórdão”. A aprovação da emenda ao projeto acabou por manter a prescrição retroativa, restringindo-se, porém, o seu alcance ao processo penal, ao afastar a possibilidade de seu reconhecimento no período compreendido entre o fato criminoso e a denúncia ou a queixa.”
3.2.3. A prescrição Punitiva Intercorrente.
Também conhecida como prescrição superveniente ou subsequente, o presente tipo prescricional dá-se entre a sentença e o efetivo trânsito em julgado para as partes processuais. Segundo Bitencourt[26]:
“As prescrições retroativa e intercorrente assemelham-se, com a diferença de que a retroativa volta-se para o passado, isto é, para períodos anteriores à sentença, e a intercorrente dirige-se para o futuro, ou seja, para períodos posteriores à sentença condenatória recorrível.”
O referido autor ainda afirma que para a caracterização de tal prescrição é necessário alguns pressupostos, sendo estes:
“a) Inocorrência de prescrição abstrata e de prescrição retroativa. b) Sentença condenatória. c) Trânsito em julgado para a acusação ou improvimento do seu recurso.”[27]
3.2.4. A Prescrição Virtual (Em perspectiva)
A prescrição virtual será mais bem analisada no tópico 5 da presente pesquisa. Trata-se de prescrição ainda muito debatida pela doutrina e jurisprudência, já que se utiliza de suposições/perspectivas para se efetivar.
3.3. Da Prescrição da Pretensão Executória
Pela análise do tópico 3.2, percebe-se que a prescrição da pretensão punitiva se dá estritamente entre fatos e o trânsito em julgado para a acusação e para a defesa, diferentemente dessa, a prescrição da pretensão executória se dá após o trânsito em julgado, dessa forma, não há que se falar em extinção do processo, mas, somente ocorre a extinção da pena, em decorrência da já citada morosidade estatal.
Nucci[28] atesta:
“é a perda do direito de aplicar efetivamente a pena, tendo em vista a pena em concreto, com o trânsito em julgado da decisão condenatória para a acusação e o início do cumprimento da pena ou a ocorrência de reincidência”
Bitencourt[29] confirma:
“O decurso do tempo sem o exercício da pretensão executória faz com que o Estado perca o direito de executar a sanção imposta na condenação. Os efeitos dessa prescrição limitam-se à extinção da pena, permanecendo inatingidos todos demais efeitos da condenação, penais e extrapenais.”
Importante salientar que a prescrição da pretensão punitiva regula-se pela pena in concreto, baseando-se no artigo 110 do código penal, que observa os mesmos prazos já fixados no artigo 109 do mesmo dispositivo normativo, aumentando-as em 1/3, se o réu é reincidente.
4.Dos aspetos gerais
4.1. Início da Contagem dos Prazos Prescricionais
Os termos iniciais dos prazos prescricionais estão elencados nos artigos 111 e 112 do Código Penal, o artigo 111 nos traz os termos relativos à prescrição da pretensão punitiva, enquanto artigo 112 evidencia os termos relativos à prescrição da pretensão executória.
4.1.1 – Da pretensão punitiva
No caso da prescrição punitiva, o código penal solidifica cinco hipóteses diferenciadas para caracterizar o termo inicial para a contagem do prazo. São eles:
a) Do dia em que se consumou o crime.
O presente termo se dá no momento da consumação dos fatos, pode-se considerar o presente marco como o mais corriqueiro na prática penal. Segundo Nucci[30] :
“Deve-se verificar qual a data da consumação: materiais, no dia em que houve o resultado naturalístico; formais e de mera conduta, na data da atividade; omissivos próprios, na data do comportamento negativo; omissivos impróprios, no dia do resultado naturalístico; qualificados pelo resultado (incluindo os preterdolosos), na data do resultado naturalístico; culposos, na data do resultado naturalístico”
b) No caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa.
No presente termo, conta-se do momento em que houve a prática do último ato executório, antes da interrupção por evento alheio a sua vontade.
c) Dos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência.
Obviamente, no crime permanente conta-se do momento em que a permanência se cessa, até pelo fato da incerteza de quando tal crime teve início. Sustenta Julio Fabbrini Mirabete[31] que:
“no crime permanente, a ação é contínua, indivisível e o estado violador da lei se prolonga enquanto durar a consumação, depende da conduta do agente. No caso em que o agente não cessa a conduta delituosa, o prazo inicia-se na data em que o Estado inicia a repressão criminal, através da instauração do inquérito ou do processo.”
d) Nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assento de registro civil, da data que o fato se tornou conhecido.
Esse termo inicial foi fruto de uma maior cautela legislativa, já que nesses tipos de crime é comum que os fatos fiquem acobertados por longos períodos de tempo.
e) Nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.
O inciso V, que corresponde ao tópico anterior foi fruto de nova Lei nº 12.650 de 2012, prestigiando dessa forma uma maior severidade nos crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes.
4.1.2. Da Prescrição Executória
Os termos iniciais da prescrição executória estão presentes no artigo 112 do código penal, sendo eles apenas dois, demonstrados a seguir:
a) Do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga suspensão condicional da pena ou livramento condicional. Nas palavras de Bitencourt[32]:
“Nesses termos, percebe-se, podem correr paralelamente dois prazos prescricionais: o da intercorrente, enquanto não transitar definitivamente em julgado; e o da executória, enquanto não for iniciado o cumprimento da condenação, pois ambos iniciam na mesma data, qual seja, o transito em julgado para a acusação”
b) Do dia em que interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena. Segundo Damásio de Jesus[33], quanto à primeira parte do presente inciso: “Interrompida a execução da pena pela fuga do condenado, inicia-se a contagem do prazo prescricional da pretensão executória (art. 112, II, 1ª parte)”, com relação a segunda parte o ilustre doutrinador sanciona: “Nos casos dos arts. 41 e 42 do CP (Superveniência de doença mental ou internação em hospital), em que se aplica o princípio da detração penal, embora interrompida a efetiva execução da pena, não corre a prescrição (art. 112, II, 2ª parte)”.
4.2. Causas Modificadoras do Curso Prescricional
4.2.1. Redução dos Prazos Prescricionais
A lei se mostra límpida ao trazer as causas de redução do prazo prescricional apenas por decorrência da idade do sujeito à época do crime ou da data da sentença. Segundo o artigo 115 do Código Penal, são reduzidos pela metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime menor de 21 anos, ou, na data da sentença, maior de 70 anos. Importante ainda aludir que a questão dos 70 anos na data da sentença pode ser relativizada em bonam partem, já que segundo Mirabete[34]:
“Já se decidiu, por interpretação mais favorável ao acusado, que deve ser reconhecida a prescrição, pela redução do prazo, no julgamento de apelação, quando o réu completou 70 anos enquanto pendente de julgamento de seu recurso”
E ainda em relação à maioridade civil afirma:
“A redução penal do prazo prescricional para maior de 18 e menor de 21 funda-se em presunção penal absoluta que se baseia expressamente na idade do agente e não em sua relativa incapacidade civil. Sua aplicabilidade independe, portanto , dos conceitos e regras da lei civil. (…) Ademais, o art. 2.043 do Código Civil determina “até que por outra forma se disciplinem, continua em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou penal, constantes das leis cujos preceitos de natureza civil hajam sido incorporados ao Código”
É inevitável não mencionar que a lei penal, nos indica como marco para a utilização desse benefício à idade de 21 anos, sendo essa presunção absoluta, não podendo o legislador em malam partem utilizar-se do marco da capacidade civil, de 18 anos, para prejudicar o réu. Por fim, faz-se necessário aludir que tais causas redutivas se aplicam tanto a prescrição da pretensão punitiva quanto nos casos da prescrição executória.
4.2.2. Das Causas Suspensivas e Interruptivas da Prescrição
4.2.2.1. Das causas suspensivas do prazo prescricional
As causas suspensivas do prazo prescricional, como o próprio nome já impõe, suspendem o prazo prescricional até que, por suprimento de algum requisito legal tal prazo volte a correr normalmente. As causas suspensivas da prescrição se encontram sancionadas como regra no artigo 116 do Código Penal, mas, o nosso ordenamento jurídico trouxe outras hipóteses, elas se encontram na Constituição Federal em seu artigo 53,§2º e nas Leis 9.099/95 e 9.271/96.
As causas elencadas no artigo 116 do Código Penal são três:
a) Enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime.
Quando o Código afirma “questão que dependa o reconhecimento da existência de crime”, acaba por indicar as questões prejudiciais que se encontram presentes nos artigos 92 a 94 do Código de Processo Penal. Bitencourt[35] certifica que “São chamadas questões prejudiciais (…), cuja relação com o delito é tão profunda que a sua decisão, em outro juízo, pode determinar a existência ou inexistência da própria infração penal”. Lembrando que, esta se refere à forma exclusiva da prescrição da pretensão punitiva, ocorrendo somente antes de passar o trânsito em julgado da sentença.
b) Enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.
Segundo Bitencourt[36] esse inciso se justifica por conta de uma política-jurídica, já que durante o cumprimento de pena do réu em país estrangeiro, não é possível a sua extradição, desse modo, quase como regra, os processos brasileiros ficariam prescritos.
c) Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo. O presente dispositivo é logico, já que se tal prescrição não fosse suspensa, crimes prescreveriam quase como regra.
As hipóteses apresentadas a seguir são aquelas que não constam no artigo 116 do Código Penal, estando esparsas pelo nosso Ordenamento Jurídico.
i) A hipótese apresentada pelo artigo 53,§2º, nada mais é do que a prerrogativa funcional dos membros do Congresso Nacional, necessitando da licença pela Casa Legislativa de onde pertence o parlamentar para que esse seja processado, caso contrário o processo ficará suspenso.
ii) A Lei 9.099/95, conhecida também como lei dos Juizados Especiais, trouxe em seu artigo 89,§6º a hipótese de suspenção da prescrição quando o feito se encontra em “Sursis” (Suspensão Condicional do Processo), Bitencourt[37] ratifica:
“ esse dispositivo dispensa um tratamento isonômico à defesa e à acusação: o denunciado é beneficiado pela suspensão do processo, mas em contrapartida a sociedade não fica prejudicada pelo curso da prescrição. Na hipótese de revogação do benefício o Ministério Público disporá de tempo normal para prosseguir na persecutio criminis”
iii) A Lei 9.271/96, que determinou a redação do artigo 366 do Código de Processo Penal, sanciona: “Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada de provas considerada urgentes e, se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do dispositivo no art. 312”.
A presente hipótese é a garantidora de que o réu terá efetivo direito a defesa no processo penal, diferentemente do processo civil que aplica a citação por edital como plena, no âmbito penal, existe uma cautela maior na busca da “verdade real”, pois aqui se impõe elevada atenção já que direito a Liberdade prospera.
iv) A Lei 9.271/96, que determinou a redação do artigo 368 do Código de Processo Penal, ratificou a possibilidade da suspensão do prazo prescricional até que seja cumprida a citação no estrangeiro através da carta rogatória.
4.2.2.2. Das causas interruptivas do prazo prescricional.
Como já foi aludido anteriormente, sabe-se que com a ocorrência das causas suspensivas a contagem prescricional cessa-se por determinado período e retorna a contagem com o suprimento do impedimento, não desaparecendo dessa forma o lapso temporal já transcorrido antes da suspenção. As causas interruptivas possuem uma sistemática diferenciada, já que, ao ser caracterizada ela gera o desaparecimento do lapso temporal já ocorrido até o momento, desse modo, volta-se a contar o prazo prescricional do início, como se o lapso ocorrido anteriormente nunca tivesse existido. O artigo 117 do Código Penal traz elencadas as causas interruptivas da prescrição penal:
1) São as causas interruptivas da pretensão punitiva:
a) Recebimento da denúncia ou queixa.
O recebimento da denúncia ou queixa ocorre através de despacho específico, nesse momento o juiz considera que a forma do instrumento, os fatos e provas apresentados pela acusação já são minimamente suficiente para dar início ao processo. Importante salientar que doutrinador Nucci[38] sustenta:
“Não se deve considerar, para efeito de prescrição, a data constante da decisão do recebimento da denúncia ou da queixa, mas, sim, a de publicação do ato em cartório. Esta última confere publicidade ao ato e evita qualquer tipo de equívoco.”
O aditamento da denúncia ou queixa também pode gerar a interrupção do prazo prescricional, segundo Bittencourt[39] “O aditamento da denúncia ou queixa somente interromperá a prescrição se incluir a imputação de nova conduta típica, não descrita anteriormente, limitando-se a hipótese”.
Ainda, outra hipótese que gera dúvida se dá na rejeição da denúncia ou queixa em 1º grau e o possível recurso da acusação, esclarecendo Damásio de Jesus[40] que, “se o juiz rejeita a denúncia ou a queixa, vindo uma ou outra, em face de recurso de acusação, a ser recebida pelo Tribunal, a interrupção da prescrição ocorre na data do julgamento em sessão.”
b) Da pronúncia.
É hipótese restritiva do procedimento do tribunal do júri, sendo proferida pelo juiz togado, que analisará se existem indícios suficientes de autoria e provas da existência do crime para justificar a pronúncia do réu. Importa salientar que a súmula 191 do Superior Tribunal de Justiça afirma “A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime”. A impronúncia ou absolvição sumária por óbvio não serão considerados marcos de interrupção da prescrição.
c) Decisão confirmatória da pronúncia.
É consequência da hipótese de recurso à decisão de pronúncia ou impronúncia proferida pela instância inferior. Agora, na instância superior, se os julgadores decidirem pela pronúncia do réu ficará caracterizada como causa interruptiva.
d) Publicação da sentença ou acordão condenatório recorrível.
O presente inciso foi introduzido ao artigo 117 do Código Penal pela Lei 11.596 de 2007 procurando efetivar uma política criminal mais severa em decorrência da morosidade do judiciário em julgar recursos, segundo Bitencourt[41] :
“A Lei n. 11.596/2007, cumprindo mais uma etapa de uma política criminal repressora que procura, desenfreadamente, dizimar o instituto da prescrição, ignorando, inclusive, seu fundamento político (item n. 2), tenta eliminar a prescrição intercorrente ou superveniente. Com esse objetivo, o novo diploma legal alterou a redação do inciso IV do art. 117 do Código Penal, que ficou nos seguintes termos: “pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis”. Constata-se, na verdade, que se pretendeu criar mais uma causa interruptiva da prescrição intercorrente, qual seja, a publicação de eventual acórdão condenatório.”
Guilherme de Souza Nucci[42] mostra-se divergente a esse entendimento, asseverando que essa hipótese foi certamente fixada pelo legislador e ainda vai além, atestando que:
“Deveria o acórdão, qualquer que fosse seu conteúdo, servir como marco interruptivo de prescrição, tendo em vista que os recursos levam muito tempo para ser julgados atualmente. Entretanto, somente se inclui o acórdão reformador da decisão absolutória, cuja finalidade é condenar o réu, pela primeira vez.”
Vale ressaltar que Bitencourt[43] ratifica que as sentenças e acórdãos absolutórios, os que concedem perdão judicial e os anulados não poderão servir como marco interruptivo da prescrição. E ainda:
“Concluindo, realmente, acórdão confirmatório ou ratificatório pode ser semelhante, mas não é igual ao condenatório, e, em sendo diferente, não pode utilizar-se da analogia para justificar sua aplicação, pois com ela se supre uma lacuna do texto legal — que ocorre na hipótese sub examen. Por essas singelas razões, venia concesa, somente o acórdão (recursal ou originário) que representa a primeira condenação no processo tem o condão de interromper o curso da prescrição, nos termos do inciso IV do art. 117 do CP.”
2) São as causas interruptivas da pretensão executória
a) Início ou continuação do cumprimento de pena. Nucci[44] afirma que “Preso ou dando início à restrição de direito, o Estado faz valer a sanção, de modo que está interrompida a prescrição” e posteriormente confirma “Se o condenado fugir da prisão ou deixar de cumprir a restrição imposta, reinicia-se o cômputo do prazo prescricional, a ser novamente interrompido com a continuação do cumprimento da pena”. Bitencourt[45] sustenta que nas hipóteses de sursis e do livramento condicional a prescrição executória não corre, já que é como se o sujeito estivesse cumprindo a pena.
b) Reincidência. A reincidência é instituto sancionado pelo artigo 63 do Código Penal, segundo tal dispositivo “Verifica-se reincidência quando o agente comete novo crime depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. A discursão doutrinária gira em torno da expressão “cometer novo crime”, já que, somente por tal afirmação não fica claro se o novo crime se caracterizaria pela sua prática, ou seja, pelo dia dos fatos, ou pela condenação transitada em julgado do crime
Nucci[46] sustenta:
“Há quem sustente que, pelo princípio da presunção de inocência, somente a data da condenação com transito em julgado, pela prática do segundo delito, pode fazer o juiz conhecer a existência da reincidência. Esta última posição não é correta, em nosso entendimento, pois a lei é clara ao mencionar “reincidência”, que é o cometimento de outro crime depois de já ter sido cometido”.
Antônio Rodrigues Porto no mesmo sentido assevera:
“o réu será considerado reincidente quando passa em julgado a condenação pelo segundo crime; mas o momento da interrupção da prescrição, relativamente à condenação anterior; é a da prática do novo crime, e não a data da respectiva sentença. A eficácia desta retroage, para esse efeito, à data em que se verificou o segundo delito.” (Da prescrição penal, p89[47])
O posicionamento até aqui apresentado é considerado corrente majoritária, sustentando que a reincidência quando em relação a prazos da prescrição deve ser considerada da data dos fatos e não da data do trânsito em julgado. A corrente minoritária encabeçada por Júlio Fabbrini Mirabete[48] discorda:
“Interrompe também a prescrição a reincidência (art.117, inciso VI). O momento da interrupção não é determinado pela prática do segundo crime, mas pela sentença condenatória irrecorrível que reconhece a prática do ilícito, embora encontre decisões em sentido contrário”
Mirabete parece postar-se de forma mais garantista, tentando apresentar uma visão mais favorável ao réu, já que a lei não se mostrou expressa em sentido contrário, mesmo assim, parece a doutrina majoritária estar correta, já que a lei mesmo não sendo explícita, parece se mostrar mais consonante, de uma forma implícita, com a primeira corrente.
5. A Prescrição em Perspectiva
5.1. Surgimento
Segundo Antônio Lopes Baltazar[49], a história e as discussões que envolvem a prescrição em perspectiva sugiram no Brasil em meado de 1923, baseando-se no Decreto nº 4.780. Conforme o referido autor, a prescrição em perspectiva foi fruto de uma acirrada discussão doutrinária brasileira e possuiu embasamento numa “política criminal” fundamentada na economia processual. Antônio Lopes Baltazar aduz que:
“A prescrição retroativa como modalidade de prescrição punitiva é criação pretoriano, nenhuma outra legislação a contempla. Desde o Decreto nº 4.780/1923, que permitia a contagem do prazo prescricional com base na pena imposta na sentença, quando somente o réu houvesse recorrido, surgiram debates sobre a possibilidade de se contar o prazo em data anterior à sentença. Já nessa época, O Supremo Tribunal Federal chegou a admitir a contagem do prazo retroativamente.
Como o Código Penal de 1940 adotou a mesma redação do Decreto mencionado, a discussão sobre a prescrição retroativa persistia, até que, em 1964, O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 146, consagrando a prescrição retroativa. Atualmente, em virtude de alteração trazida pela Lei nº 7.209/1984, que modificou a parte geral do Código Penal, o prazo retroativo, pode, inclusive, ser contado em data anterior ao do recebimento da denúncia, conforme determina o art. 110, § 2º.
Devido a uma série de problemas sociais, nas últimas décadas, a grande maioria do provo brasileiro abandonou o campo e migrou para as cidades, especialmente para as grandes capitais, onde não há, em regra, infraestrutura capaz de absorver tanta gente que chega diariamente. Surgem, desse modo, a falta de moradia, o desemprego, a falta de escolas, falta de saneamento básico, enfim, um caminho fértil em direção à criminalidade.
Não há dúvida alguma que essa situação é a causa principal do assustador crescente índice de criminalidade nos grandes centros urbanos, em todos os níveis, e que, consequentemente, “abarrota” os Distritos Policiais de Inquéritos e, as Varas Criminais, de processos. Por outro lado, nossa legislação processual penal contém uma excessiva dose de formalismo, também responsável pela morosidade no desencadeamento da persecutio criminis.
Essas situações, inexoravelmente, levam ao retardamento do processo, de maneira que, após a condenação, já ocorrera o prazo prescricional retroativo, ou seja, o réu foi punido no papel, mas não na prática, pois a prescrição retroativa anula todos os efeitos, principais e acessórios da sentença. É muito comum ainda, e cada vez mais, vem ocorrer situação em que processos, mesmo antes de findados, já indicam a inequívoca existência futura de prescrição. Em resumo, o Estado movimentou a máquina judiciária por um período prolongado, com dispêndio financeiro considerável, entretanto não conseguiu impor uma punição concreta ao autor do delito.
Em razão desse quadro, surgiu uma corrente, na doutrina e jurisprudência, defendendo a tese de uma e outra modalidade de prescrição, oriunda da prescrição retroativa: a chamada prescrição antecipada, com o objetivo de se evitarem tramitação processual desnecessária e julgamentos inúteis.” (2003, p. 105).
5.2. Conceito de prescrição em perspectiva
A prescrição em perspectiva, também chamada de “prescrição virtual, antecipada, abstrata ou projetada” não é prevista expressamente na legislação brasileira. Tornou-se conhecida por ser fruto constante de discussões e debates entre doutrinadores e julgadores. Nas palavras do doutrinador Carlos Gustavo Ribeiro Reis[50]:
“A prescrição retroativa antecipada, por sua vez, criação da doutrina e jurisprudência brasileira, consiste na possibilidade de se aplicar a prescrição retroativa antes mesmo do recebimento da denúncia ou queixa ou da prolação da sentença nos casos de processo em curso, ao se alcançar o prazo prescricional em fulcro em uma pena hipotética que venha a ser aplicada pelo magistrado de acordo com as circunstâncias do caso concreto”
Segundo Guilherme de Souza Nucci:[51]
“A denominada prescrição antecipada ou virtual leva em conta a pena a ser virtualmente aplicada ao réu, ou seja, a pena que seria, em tese, cabível ao acusado por ocasião da futura sentença.”
Daniel Mattioni[52] esclarece que a construção doutrinária da prescrição virtual possuiu objetivos claros, o qual pretende “dotar de efetividade o processo, direcionando-o às situações realmente interessantes” o que por decorrência lógica “contribui para o assoberbamento da carga de trabalho do poder Judiciário, que desde há muito não vem conseguindo administrar a Justiça de forma eficiente”.
Em suma, o referido tipo prescricional foi criado para evitar o desgaste excessivo do judiciário, possuindo como fundamento primordial uma política criminal baseada na economia processual. O doutrinador Juliano Serpa[53] assevera que:
“Com isso, a referida prescrição permite ao magistrado vislumbrar a possibilidade de, em caso de condenação, e dependendo da pena aplicada, antever que, ao final, eventual pena imposta seria alcançada pela prescrição.
Nestes casos, o juiz tem o poder-dever de reconhecer a prescrição retroativa antes mesmo do recebimento da denúncia, ou anteriormente a sentença, evitando, com isso, o dispêndio de tempo com um processo fadada à extinção da punibilidade.”
No mesmo sentido, Daniel Mattioni[54], no artigo jurídico “A prescrição virtual no processo penal e a Súmula nº 438 do STJ” leciona:
“Não se pode negar que a tese acerca da prescrição virtual encerra uma posição clara em questão de política criminal. Ao pugnar por sua aplicação, acaba-se também pugnando por um novo modelo ideal de processo penal, mais atrelado à noção de economia, de racionalização de esforços – sem falar num novo modelo de comportamento por parte dos operadores do Direito.
Não parece, contudo, que se possa extrair daí maiores críticas, uma vez que não raro defende-se que o operador deve mesmo adotar posição ativa na aplicação do Direito, não devendo se preocupar com eventuais rótulos pertinentes a “opções políticas”. Não é segredo que as outras espécies de prescrição, previstas expressamente em lei, também encerram opções políticas do legislador. Neste aspecto, também a prescrição virtual, em consequência de uma interpretação sistemática da legislação, carrega essas mesmas opções políticas.”
5.3. Teoria Favorável à Prescrição Virtual
Os doutrinadores e pesquisadores do direito que se filiam à determinada corrente possuem vários fundamentos a justificar a aplicabilidade da prescrição virtual, dentre eles estão: a falta de interesse de agir, o princípio da celeridade do julgamento, o princípio da economia processual, a inutilidade do julgamento do processo prescrito, o constrangimento ilegal causado pelo processo penal etc.
5.3.1. Falta de Interesse de Agir
O interesse de agir está localizado entre as três principais condicionante da ação penal, dentre elas, estão também: a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade e o interesse de agir. Segundo Fernando Capez[55] o interesse de agir:
“Desdobra-se no trinômio necessidade e utilidade do uso das vias jurisdicionais para a defesa do interesse material pretendido, e adequação à causa, do procedimento ou provimento, de forma a possibilitar a atuação da vontade concreta da lei segundo os parâmetros do devido processo legal”
A falta do interesse de agir, conforme os seguidores dessa corrente afetaria de modo irreparável a necessidade da propositura da ação, já que, desde o início, órgão acusador já saberia que o processo não atingiria o resultado devido. Juliano Serpa afirma:
“A aplicação da prescrição antecipada baseia-se essencialmente na perda do direito material de punir pelo Estado, já que lhe faltará uma das condições para a propositura da ação penal, ou o seu prosseguimento, qual seja, o interesse de agir, posto que não se alcançará com a propositura da ação penal o resultado que dela se espera, no caso, a punição de indivíduo que praticou ato ilícito.”
5.3.2. Princípio da Celeridade do Julgamento e da Economia Processual
Os princípios da celeridade do julgamento e da economia processual estão intrinsecamente ligados à agilidade e utilidade processual. Tais princípios, em tese, pregam que o processo judiciário deve evitar construção de atos inúteis ao processo visando dessa a construção de um processo célere. Segundo César Eduardo Lavoura Romão[56]:
“Justiça lenta e tardia não é justiça verdadeiramente eficaz, não atendendo ao clamor dos jurisdicionados. Dessa forma, o seu oposto, justiça rápida e veloz, tampouco garante por si só o melhor julgamento ou efetividade da Justiça. Entre estes extremos prevalece o ponto de equilíbrio de razoabilidade.”
Importa ainda salientar que o princípio da celeridade é garantia prevista pela Constituição Federal, conforme o art. 5º, LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
5.3.3. A Inutilidade do Julgamento do Processo Prescrito
Em resumo, a inutilidade do processo prescrito se dá pela própria falta de interesse de agir do Estado, além de representar um verdadeiro desperdício dos recursos públicos, ao Erário e desse modo, ao dinheiro pago pelo próprio contribuinte.[57]
A respeito de tal tema, Luiz Sérgio Fernandes da Souza de forma brilhante afirma:
“O que não se compreende, de outra forma, é que depois de toda a movimentação do aparelho repressivo do Estado, bem como, da máquina judiciária, com aplicação de recursos de ordem material e intelectual, custeado pela sociedade, venha-se mais tarde a declarar que, embora o réu tivesse sido condenado a cumprir determinada pena, aquela condenação, na verdade, inexiste”[58]
5.3.4. O Constrangimento Ilegal Causado Pelo Processo Penal.
Em verdade tal constrangimento é gerado pela falta de celeridade presente nos processos judiciais brasileiros. Segundo os defensores de tal corrente, os longos períodos de tempo que cercam os processos acabam por atormentar os réus, que ao menos sabem se vão ser punidos ou não ao final. Com maestria, Francisco Afonso Jawsnicker[59] afirma:
“Ressalta-se que não se trata apenas de isentar o agente dos incômodos do processo. Trata-se de livrá-lo de um processo inútil, porque não trará nenhum resultado concreto, face ao inevitável reconhecimento da prescrição retroativa. […] a prescrição antecipada não evita os incômodos de um processo legítimo, que devem ser suportados pelo réu, mas apenas o constrangimento ilegal do processo sem justa causa, que não precisa ser aceito, ensejando a impetração de habeas corpus, com fulcro no art. 648, inc. I, do Código de Processo Penal.” (2010, p.106).
5.4. Teoria Desfavorável à Prescrição Virtual
A corrente doutrinária e jurisprudencial que inadmite a possibilidade da prescrição virtual é considerada majoritária atualmente. Os autores que se filiam a essa corrente se embasam nos princípios da legalidade, da obrigatoriedade da ação penal e da possibilidade da “mutatio libelli”.
5.4.1. O Princípio da Legalidade
Um dos argumentos mais utilizados pela referida corrente doutrinária está baseado na falta de previsão legal para dar amparo ao instituto da prescrição virtual.
Ocorre que, alguns autores criticam veementemente tal posição, conforme o autor César Eduardo Lavoura Romão[60] citando Ricardo Pieri Nunes:
“Insto porque, dentro do atual contexto de evolução da ciência jurídica, identifica-se um nítido esgotamento do clássico moderno positivista, com o início de uma fase onde desponta a normatização de postulados. Neste incipiente era, os operadores do Direito extraem princípios do ordenamento jurídico enquanto todo harmônico, imputando-lhes densidade normativa, a fim de aplica-los no deslinde de questões desprovidas de uma solução justa diante da legislação em vigor.”
Ainda, segundo o referido autor[61]:
“Amparar-se na legalidade estrita, ignorando os demais elementos da aplicação do Direito, e especialmente diante da ausência de interesse de agir, é excesso de formalismo e apego exagerado ao texto da lei, ignorando a teleologia jurídica”.
5.4.2 A Obrigatoriedade da Ação Penal
Segundo os defensores da referida corrente autores seguidores dessa corrente, o Código de Processo Penal em seu artigo 42 sanciona que iniciada a ação penal, “o Ministério Público não poderá desistir da ação penal”[62]. O autor Afrânio Silva Jardim[63] sobre o tema assevera:
“Desta maneira, não se justifica que, como regra geral, pudessem os funcionários investidos no órgão público afastar a aplicação do Direito Penal, legislado ao caso concreto, ao seu talante ou juízo discricionário, baseado em critérios de oportunidade e conveniência, nem sempre muito claros ou definidos. É princípio assente no Direito que a ninguém é dado dispor do que não lhe pertence, mormente em se tratando valores sociais absolutamente relevantes”.
Os defensores da referida corrente doutrinária afirmam ainda que a lei deve ser aplicada uniformemente para todos, e por isso, todo o fato deve ser investigado, processado e julgado com imparcialidade. Desta maneira, o processo deve seguir obrigatoriamente até o final, para assim obter um processo mais justo.
5.4.3 A Possibilidade da “mutatio libelli”.
A possibilidade da “mutatio libelli” é um dos argumentos mais fortes para os defensores da presente corrente doutrinária. A “mutatio libelli” ou aditamento da denúncia está prevista no artigo 384 do Código de Processo Penal, prevendo a possibilidade do aditamento da denúncia pelo Ministério Público nas situações a seguir expostas:
“Art. 384, Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.”[64]
O autor Francisco Afonso Jawsnicker citando Rogério Felipeto, sobre tal tema afirma:
“Admitindo-se, por absurdo, que a prescrição antecipada pudesse verificar-se, não satisfaria ela a possibilidade da mutatio libelli, eis que inexistindo coisa julgada, a nova tipificação penal alteraria o prazo prescricional”
5.5. A Súmula 438 do STJ
Até o ano de 2010 a discussão acerca da possibilidade de aplicação da prescrição virtual ainda era muito acirrada. Na doutrina, a corrente majoritária parecia tender pela utilização da prescrição em perspectiva, já a jurisprudência não compartilhava do mesmo entendimento, as decisões mais constantes julgavam pela impossibilidade de sua aplicação.
Com a publicação da Súmula 438 (28/04/2010 – DJe 13/05/2010) do Superior Tribunal de Justiça, que indica: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal” a discussão perdeu seu sentido. O Superior Tribunal Federal através da referida Súmula, buscou uniformizar a jurisprudência para proibir o reconhecimento da Prescrição Virtual. Jéssica Araújo Batista[65] crítica de tal decisão:
“Neste contexto, é importante salientar que com as alterações do Código Penal, reescrevendo os arts. 109 e 110, e com o estabelecimento da Súmula 438 do STJ que desconsiderou a possibilidade de ocorrer a prescrição virtual com fulcro em pena hipotética, ficou claro que princípios como o da razoabilidade, da duração razoável do processo, da celeridade e da economia processual ficaram em segundo plano”
A Súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça baseou-se principalmente na falta de previsão legal desse tipo prescricional. Conforme o entendimento de Daniel Mattioni[66], a mera falta de previsão legal não poderia justificar a inutilização da Prescrição Virtual:
“Ao estabelecer que a prescrição virtual é impossível porque carece de previsão legal – e esse foi justamente um dos fundamentos defendidos nos precedentes invocados pela Corte por ocasião da edição da Súmula – o Superior Tribunal de Justiça contraria frontalmente os princípios, de natureza inclusive supralegal, de que a dúvida deve favorecer o agente, pois, se não há na lei certeza em contrário à tese criada, deve esta ser aceita – até porque cria mais um benefício ao acusado/indiciado. Na ânsia de “fazer lei onde não há”, a Corte acaba por desconsiderar um princípio basilar do sistema penal.”
Ainda, conforme o referido autor em crítica a Súmula 438 Superior Tribunal de Justiça:
“Quando rejeita a prescrição virtual, o Superior Tribunal de Justiça acaba condicionando a aplicação do próprio Direito Penal a partir da visão de que o processo penal é “necessário”. Dito de outro modo: ao imaginar um processo devido “por si”, no ínterim de que não se pode levantar qualquer questão acerca de interesse ou oportunidade, especialmente diante de infrações penais consideradas pouco relevantes, o que é justamente levado em conta quando da invocação da prescrição virtual, a Corte Superior põe por terra a visão minimalista do Direito Penal – para a qual esses crimes de menor repercussão devem ter, também, resposta penal de menor repercussão.”[67]
Importa salientar, que a Súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça não é vinculante, ou seja, não tem o condão de obrigar que os órgãos inferiores julguem da mesma forma. Mesmo assim, demonstra o entendimento de uma das mais altas Cortes de Julgamento e fica implícito que se julgado contrariamente ao referido entendimento, poderá ser reformado caso haja recurso.
5.6.Anteprojeto do Código de Processo Penal
Desde 2009 encontra-se tramitando no Senado Federal o Projeto do Código de Processo Penal de número 156/2009. Também conhecido como Anteprojeto do Código de Processo Penal, tal dispositivo, ao ser disponibilizado, reavivou a velha discussão que já parecia não ter mais sentido. Segundo seu artigo 37:
“Art. 37. Compete ao Ministério Público determinar o arquivamento do inquérito policial, seja por insuficiência de elementos de convicção ou por outras razões de direito, seja, ainda, com fundamento na provável superveniência de prescrição que torne inviável a aplicação da lei penal no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias objetivas e subjetivas que orientarão a fixação da pena.”(grifo nosso).
Desse modo, fica evidente que o novo Projeto do Código de Processo trouxe uma grande novidade ao admitir o arquivamento pela “provável superveniência de prescrição que torne inviável a aplicação da lei penal no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias objetivas e subjetivas que orientarão a fixação de pena”[68], admitindo dessa forma, a prescrição virtual como uma das causas de arquivamento do inquérito policial.
Insta salientar que o Anteprojeto do Código de Processo Penal ainda tramita pelo Senado Federal, e por esse motivo, ainda pode sofrer diversas alterações. Segundo Gecivaldo Vasconcelos Ferreira[69] a entrada em vigor do referido projeto não apenas reavivaria a discussão com relação à prescrição virtual, como também poderia ser palco de uma confusão generalizada, “in verbis”:
“Pelo exposto, imperioso que haja uma mudança no art. 37 do projeto de CPP para adequá-lo ao texto do Código Penal, considerando as inovações operadas pela Lei nº 12.234/2010, pois caso contrário pode surgir improdutiva discussão quanto ao reconhecimento da prescrição virtual contada a partir da data do fato. Ademais, segundo pensamos, a permanecer da forma como está a proposta de art. 37, o arquivamento via reconhecimento de prescrição virtual somente poderia ser levado a efeito relativamente aos inquéritos que apuram fatos ocorridos anteriormente a 06/05/2010 (data que entrou em vigor a Lei nº 12.234/2010). Falamos isto porque apesar do artigo em comento permitir o reconhecimento da prescrição virtual, a existência desta depende da regulação da prescrição retroativa inserta no Código Penal.
Ademais, bom também lembrar que recentemente o STJ aprovou a Súmula nº 438 (DJe 13/05/2010), com o seguinte teor, repelindo o instituto da prescrição virtual: "É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal".
Assim, considerando o panorama jurídico já construído em nosso país sobre a prescrição virtual, o melhor caminho é mudar urgentemente o texto do art. 37 do projeto de CPP para evitar confusões desnecessárias.”
O Projeto do Código de Processo Penal número 156/2009 ainda está em tramitação e deve ser palco de diversas alterações. É esperado que a doutrina e jurisprudência discutam amplamente sobre o tema, para assim chegar a uma solução que vá de encontro aos princípios que norteiam o direito penal.
Além do mais, sabe-se que, tanto aqueles que defendem a aplicabilidade ou inaplicabilidade da prescrição virtual têm as suas razões, mas, importante seria analisar não apenas correntes doutrinárias por mero egoísmo, mas sim, procurar soluções que realmente possam surtir efeitos no Brasil. Atualmente o que vemos, por exemplo, é o vasto desperdício de verbas públicas em processos que não surtirão efeito ao invés do investimento na educação, saúde ou até mesmo em políticas criminais para prevenir e não apenas remediar o Sistema.
Conclusão
A prescrição no direito e processo penal sempre foi fruto de severas discussões dentro do mundo jurídico. Em geral, os defensores a utilizam como modo efetivo para resguardar os direitos do seu cliente, enquanto os acusadores sempre a temem, com o fundamento convincente de que é dificultoso saber que um réu confesso de crimes atemorizadores possa ter extinta sua punibilidade por uma mera formalidade processual.
Dentre as mais diversas espécies prescricionais, encontrando-se como subtipo da prescrição da pretensão punitiva, a prescrição em perspectiva, também chamada de virtual, antecipada ou baseada na pena ideal. A prescrição virtual foi um dos tipos prescricionais mais debatidos pela doutrina e jurisprudência, chegando a ser corrente majoritária na doutrina e a ser constantemente utilizada pelos julgadores.
Com o passar do tempo, formaram-se duas doutrinas a respeito do tema, aquela que prima pela possibilidade da utilização da prescrição em perspectiva e aquela que a repudia. Os defensores da primeira corrente se baseavam principalmente no princípio da razoabilidade, da duração razoável do processo, da celeridade e economia processual, da falta de interesse de agir, no constrangimento ilegal causado pelo processo penal e na inutilidade do julgamento do possesso prescrito. Já aqueles que inadmitiam a aplicabilidade da prescrição virtual suscitam princípios como o da legalidade, da obrigatoriedade da ação penal (até como forma de proteção ao réu), da possibilidade da “mutatio libelli” e até nos atuais entendimentos da jurisprudência.
Após anos de debates doutrinários e jurisprudenciais, a prescrição em perspectiva, que nunca esteve expressa em nenhuma lei, agora se estaria proibida sob o entendimento de uma das mais altas Cortes de Julgamento do Brasil. O Supremo Tribunal de Justiça através de sua Súmula 438 que foi publicada no ano de 2010 ratificou: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.”
Com a publicação da Súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça, a discussão parecia ter se extinguido, até porque, mesmo tal Súmula não tendo força de vinculante, demonstrava o entendimento de uma das maiores Cortes de Julgamento brasileira. Ocorre que, atualmente tramita no Senado Federal denominado Anteprojeto do Código de Processo Penal, e ele nos traz a expressa possibilidade da prescrição em perspectiva em seu artigo 37, quando afirma:
“Compete ao Ministério Público determinar o arquivamento do inquérito policial (…) com fundamento na provável superveniência de prescrição que torne inviável a aplicação da lei penal no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias objetivas e subjetivas que orientarão a fixação da pena.”
Logo, percebe-se que a prescrição em perspectiva é assunto atual e ainda pode ser fruto de severos debates no futuro. Em verdade, o Anteprojeto do Código de Processo Penal reavivou uma discussão que merecia e merece um novo debate doutrinário e jurisprudencial, já que envolvem diversos princípios basilares tanto do processo penal quando do direito penal propriamente dito.
Diante do estudo apresentado, cabe-nos concluir que é imprescindível que tal debate ocorra, tanto para admiti-la quanto para repudia-la do nosso ordenamento jurídico. E, desse modo, fica-nos a missão de pessoalmente analisar o que se mostra mais relevante para a atual situação político-processual brasileira. Principalmente, se é válido ou não sacrificar princípios como da legalidade ou da possibilidade da “mutatio libelli” em prol de uma economia processual para desentupir o sistema processual brasileiro, que, atualmente se encontra em uma situação de morosidade absurda.
Fica explícito que a possibilidade da utilização da prescrição em perspectiva é totalmente viável e resolveria diversos problemas que assolam os processos brasileiros atuais. Em nosso entendimento, não pode ser tomada a prescrição em perspectiva como um instrumento único para resolver os problemas da morosidade processual, mas como uma forma paliativa para a formulação de políticas criminais que realmente surtam efeitos ao longo do tempo e acabe com esse problema tão evidente no Brasil.
Acadêmico de Direito
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