Resumo: Análise doutrinária acerca da incidência da prescrição no Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente em face dos atos infracionais e das infrações administrativas.
Palavras-chave: lei 8.069/90. Eca. Prescrição. Atos infracionais. Infrações administrativas.
Abstract: Doctrinal analysis on the effects of prescribing the Statute of Children and Adolescents, especially in the face of offenses and administrative offenses.
Keywords: Lei 8.069/90. ECA. Prescription. Acta infractions. Administrative Violations.
Sumário: Introdução. 1. Modalidades de prescrição dos atos infracionais. 2. Prescrição das infrações administrativas. Conclusão.
Introdução
O Estatuto da Criança e do Adolescente não detém qualquer regramento quanto à prescrição, mas determina que a legislação penal e processual-penal devem ser aplicadas subsidiariamente na esfera da Infância e da Juventude, em consonância com o mandamento dos artigos 152 e 226, ambos da Lei nº 8.069/90.
Contudo, por possuírem natureza distinta das penas criminais, as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não poderiam ser atingidas pelas disposições relativas à prescrição, contidas especificamente no Código Penal.
Isso porque, no procedimento regido pelos princípios do estatuto juvenil, busca-se a ressocialização educativa do adolescente, com imposição de medidas de caráter eminentemente pedagógico, sem cunho punitivo (ao menos stricto sensu), ao passo que na seara criminal visa-se à aplicação de pena pelo crime cometido, necessária e suficiente para a respectiva reprovação e prevenção penal.
Daí que eventual reconhecimento da perda da pretensão socioeducativa constituiria inquietante contrassenso ao princípio da proteção integral do adolescente, adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Todavia, a evolução das decisões judiciais, inclusive dos Tribunais Superiores, caminhou no sentido de reconhecer a viabilidade da prescrição das medidas socioeducativas.
Alexandre Morais da Rosa e Ana Christina Brito Lopes[1], asseverando que no período da adolescência as mudanças subjetivas são constantes e rápidas, entoam que, além da prescrição, deve-se perceber que “…se as respostas não forem imediatas, inexiste vinculação do ato praticado e a medida imposta”.
Impõe sobressair, pela notoriedade autoral, que a inaplicabilidade do instituto da prescrição penal em relação à prática infracional é defendida por Eduardo R. Alcântara Del-Campo[2], o qual entende que “…as medidas sócio-educativas têm por finalidade a proteção e a educação do infrator…” e que elas “…em sua maioria, não comportam prazo determinado…”, e por Válter Kenji Ishida[3], para quem, dado o escopo de reeducação do adolescente infrator, a medida socioeducativa seria “imprescritível”.
Mas, Luciano Alves Rossato, Paulo Eduardo Lépore e Rogério Sanches Cunha[4], acompanhados no entendimento por Wilson Donizeti Liberati[5], Elson Gonçalves de Oliveira[6], Thales Tácito Cerqueira[7] e Roberto Barbosa Alves[8] anotaram que o “…STJ firmou entendimento no sentido de serem aplicadas, de forma subsidiária, as regras pertinentes à punibilidade da Parte Geral do Código Penal em relação aos atos infracionais praticados pelos adolescentes, como extensão, a essas pessoas, dos direitos assegurados aos adultos, editando, em função disso, a Súmula 338”, a qual assenta que “a prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas”.[9]
1. Modalidades de prescrição dos atos infracionais.
Assim, admitido o instituto, para o cálculo da prescrição em abstrato dever-se-á levar em consideração o prazo de três anos, fixado no artigo 121, § 3º, da Lei nº 8.069/90, que é máximo limitado pelo legislador.
Já a prescrição em concreto – seja na modalidade retroativa, seja na superveniente – e a prescrição da pretensão executória serão calculadas a partir da socioeducativa estipulada na sentença.
Nas situações do parágrafo anterior, o cômputo prescricional dos atos infracionais, sob o influxo das normas penais, deve observar três situações distintas: (a) medidas socioeducativas de advertência e a de obrigação de reparar o dano, desvinculadas de aspectos temporais; (b) medida socioeducativa sem termo final, ou seja, sem lapso determinado e (c) medida socioeducativa com termo final, isto é, como prazo especificado, aí incluída a que a sentença estabelece um período mínimo.
No primeiro caso (a), em que o cumprimento da medida se exaure instantaneamente, isto é, não se protrai no tempo, a prescrição deve ser declarada em um ano e meio, que é o atual menor lapso do Código Penal (inciso VI, do artigo 109), já ponderada a redução gravada no artigo 115, do mesmo codex.
Importante consignar, com respeito a essa redução, que os atos infracionais submetidos à disciplina da Lei nº 8.069/90 não são incompatíveis com a regra redutor-etária da prescrição penal.
A jurisprudência do Excelso Supremo Tribunal Federal[10] e do Colendo Superior Tribunal de Justiça[11], ao pronunciar-se sobre essa específica parte do tema, firmou a possibilidade jurídica de redução, pela metade, do lapso prescribente, contemplada, para tanto, a norma inscrita no artigo 115, do Código Penal.[12]
Na segunda hipótese (b), em que o prazo da medida socioeducativa é indeterminado, a prescrição será modulada sobre três anos, que é o teto da internação (artigo 121, § 3º, da Lei nº 8.069/90), e, portanto, operar-se-á em quatro anos, nos termos do inciso IV, do artigo 109, c.c. o artigo 115, ambos do Código Penal.
Na última situação (c), na qual há lapso certo ou fixação de um limite mínimo, a prescrição será calculada sobre o respectivo montante temporal e, por conseguinte, poderá ocorrer em um ano e meio, em dois ou em quatro anos, conforme o resultado da incidência dos incisos VI, V ou IV, do artigo 109, c.c. o artigo 115, ambos do Código Penal.
Obtempere-se, a propósito, que a indeterminação abstrata de prazo máximo para a medida socioeducativa de liberdade assistida, inserta no § 2º, do artigo 118, da Lei nº 8.069/90[13], não impede a incidência da prescrição, pois a alteração do lapso (ou do mínimo estipulado na sentença) estará condicionada a evento futuro e incerto.
Dito de outra forma, enquanto não verificada concretamente alguma condição autorizadora para prorrogação, não há como refutar, sem fragmentar a coerência sistêmica, que a medida socioeducativa da liberdade assistida deve ser considerada, para fins prescricionais, como de prazo certo e determinado.
Tem-se, ainda, que não se pode estender para a medida de liberdade assistida com prazo mínimo de seis meses o mesmo lapso prescribente que se destina aos atos infracionais de natureza grave, aos quais a internação é reservada, pois o juízo de reprovabilidade da conduta, definido pelo legislador penal, deve ser sopesado, sob pena de emprestar-se tratamento igualitário a situações significativamente diferentes.
Ademais, entendimento contrário ensejaria inobservância ao princípio da brevidade e afronta à proporcionalidade da execução da medida socioeducativa em relação à ofensa cometida, esta em flagrante descompasso com o estatuído no inciso IV, do artigo 35, da Lei nº 12.594/2012[14], que é a lei que regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional.
Não se pode desprezar, paralelamente, que a mesma Lei nº 12.594/2012 prevê, em seu artigo 1º, § 2º, inciso III, que um dos objetivos da medida socioeducativa é visar à desaprovação da conduta infracional, “…efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei” (sem destaques no original).
Outra hipótese que vem sendo aventada, por ser mais benéfica ao adolescente, é a do caso em que o tipo penal prevê, para o adulto, pena inferior e, consequentemente, com lapso prescricional menor, demandando que o cômputo prescribente juvenil deva ser realizado sobre a pena cominada ao delito praticado.
Em outras palavras, para evitar a instituição de situações mais severas e duradouras aos adolescentes do que em idênticas situações seriam impostas aos imputáveis, deve ser contrabalanceado, para fins prescricionais, o prazo da pena máxima em abstrato, se inferior ao máximo da medida socioeducativa de internação.
Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, HC nº 93.281/SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 04.08.2008; 5ª Turma, HC nº 116.692/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 13.04.2009; dentre inúmeros outros.
Por outro lado, para preservar coerência com o sistema jurídico-penal, a prescrição das medidas socioeducativas deve trazer ínsitas as causas suspensivas e interruptivas, em analogia àquelas prenunciadas nos artigos 116 e 117, ambos do Código Penal.
2. Prescrição das infrações administrativas.
Ressalve-se, à derradeira, que as infrações administrativas, planificadas em capítulo próprio do Estatuto da Criança e do Adolescente (Capítulo II, do Título VII, da Parte Especial), por serem dotadas de perfis administrativamente puros – quer por sua inteligência, quer por assim tipificadas estatutariamente –, não se submetem à regência relativa à prescrição insculpida na Parte Geral do Código Penal, mas à prescrição administrativa, pois “…a natureza da infração administrativa é que decreta a utilização da analogia circunscrita à esfera administrativa, e a prescrição da infração administrativa do Estatuto da Criança e do Adolescente é de cinco anos”.[15]
Conclusão
Malgrado as medidas socioeducativas contenham caráter educacional, de cunho induvidosamente protetivo, não se pode negar que também desvelam natureza retributiva e repressiva, de modo que não há motivo, minimamente razoável, para excluí-las do campo prescricional.
Acresça-se que as medidas socioeducativas, assim como as sanções penais, encerram mecanismos de defesa social e, também por isso, reclamam limitação da atuação estatal, não sendo demais destacar que a imprescritibilidade é exceção absoluta no cenário jurídico nacional, tolerada apenas para os casos restritos dos incisos XLII[16] e XLIV[17], do artigo 5º, da Constituição Federal.
Impende-se afirmar, com segurança, que a correção sociopedagógica do adolescente em conflito com a lei só conquista legitimidade se constatada a contemporaneidade à prática infracional, sob pena de intolerável perda da função reeducativa da medida.
Noutros dizeres, em sede de reeducação social, a imersão do ato infracional no tempo aniquila, por completo, o procedimento especializado e torna inútil a resposta estatal, já que tardia, pondo em xeque o princípio da imediatidade.
Pós-graduado pela Escola Paulista da Magistratura, especialista em Direito Penal. Assistente Jurídico do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
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