Autora: Érika Teixeira Soares, acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, email: erikatsoares@gmail.com
Orientador: João Adilson Nunes, professor na Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, email: joaoadilson@hotmail.com
Resumo: O acúmulo de processos aguardando deslinde no judiciário brasileiro atinge números alarmantes. A prescrição virtual surge como uma resposta a morosidade na função punitiva estatal. Apesar de não tratar-se de um dispositivo novo, esse tipo prescricional é tema constante de pautas doutrinarias e jurisprudenciais. A discussão gira em torno da aplicação deste instituto ao processo penal (otimização ou ilegalidade), uma vez que é adotado em diversas comarcas do país. Para compreender melhor esse tipo cheio de controvérsias, analisou os argumentos doutrinário e jurisprudencial, contrários e favoráveis a sua aplicação. Para tanto a análise se deu a partir dos elementos da ação e de princípios constitucionais tais como legalidade, dignidade da pessoa humana, duração razoável do processo, presunção de inocência, instrumentalidade, economia e celeridade do processo. Com esse propósito, utilizou-se do método de abordagem dedutivo, do método de procedimento monográfico e das técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. Ao final verificar-se-á que magistrados de primeiro grau adotam a prescrição virtual, no entanto o mesmo entendimento não é compartilhado pelos tribunais superiores, o STJ inclusive já editou a Sumula 438 versando sob da impossibilidade da aplicação da prescrição virtual.
Palavras-chave: Prescrição virtual, morosidade, princípios constitucionais.
Abstract: The accumulation of cases awaiting resolution in the Brazilian judiciary reaches alarming numbers. The virtual prescription appears as a response to the slowness in the state punitive function. Despite not being a new device, this type of prescription is a constant theme of doctrinal and jurisprudential guidelines. The discussion revolves around the application of this institute to criminal proceedings (optimization or illegality), since it is adopted in several districts of the country. To better understand this type of controversy, analyzed the doctrinal and jurisprudential arguments, against and in favor of its application. Therefore, the analysis was based on the elements of the action and constitutional principles such as legality, human dignity, reasonable duration of the process, presumption of innocence, instrumentality, economy and speed of the process. For this purpose, we used the deductive method of approach, the method of monographic procedure and the techniques of bibliographic and documental research. In the end, it will be verified that first degree magistrates adopt the virtual prescription, however the same understanding is not shared by the higher courts, the STJ has even edited Precedent 438 dealing with the impossibility of applying the virtual prescription.
Keywords: Virtual prescription, slowness, constitutional principles.
Sumário: Introdução; 1. Prescrição Virtual: conceito e fundamentos; 2. Argumentos favoráveis à prescrição penal virtual; 2.1. Dignidade da pessoa humana; 2.2. Duração razoável do processo; 2.3. Falta de interesse de agir; 2.4. Economia e falta de instrumentalidade; 3. Argumentos contrários à prescrição penal virtual; 3.1. Legalidade; 3.2. Presunção de inocência; 3.3. O devido processo legal e a obrigatoriedade da ação penal publica; 3.4. Ampla defesa e contraditório; 4. Entendimento das Cortes Superiores Brasileiras; Conclusão; Referências.
Introdução
O Estado como detentor do poder-dever de punir deve exercê-lo dentro dos prazos estabelecidos em lei, sob pena de ver seu direito sendo extinto como conseqüência do decurso do tempo. O instituto da prescrição penal surgiu então, objetivando delimitar o tempo do ente estatal em exercer a pretensão de punir o infrator da lei penal. O fundamento está na garantia e efetividade de princípios constitucionais como a segurança jurídica, dignidade da pessoa humana, eficiência e duração razoável do processo.
O objeto de estudo deste artigo abordará um tipo prescricional que não está legalizado em nenhum dispositivo jurídico – a prescrição virtual. Também denominada de antecipada, em perspectiva ou projetada, trata-se de uma criação doutrinário e jurisprudencial do direito pátrio, o qual toma por base a pena que seria, em tese, imposta ao agente por ocasião da futura sentença penal condenatória.
A jurisprudência dos tribunais superiores rechaça a aplicação deste tipo prescricional. Por outro lado, há divergência doutrinária quanto à possível adoção pela norma pátria e aplicabilidade no processo penal. A adoção da prescrição virtual se justifica na ausência do interesse de agir do Estado atrelado ao fato de que sua aplicação seria benéfica ao individuo e a máquina judiciária. Isto porque evitaria dar continuidade num processo que visivelmente teria um resultado certo e inútil, uma vez que ao fim será extinta a punibilidade pelo reconhecimento da prescrição. Por outro lado, a sua inaplicabilidade encontra razões na ausência de previsão legal, além de que a aplicação mostra-se como ofensa aos fundamentos do processo penal e aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e presunção de inocência.
Diante a controvérsia, urge aos operadores do direito debater essa temática como meio ampliar o conhecimento sobre os benefícios e malefícios que o instituto traria ao processo.
O presente estudo vai discorrer sobre o instituto da prescrição virtual, abordando seu conceito e fundamento. A seguir, traz argumentos favoráveis e contrários a aplicação do instituto no ordenamento jurídico, e ao final, traz entendimentos adotados pela jurisprudência pátria quanto a aplicação do tipo prescricional.
Nessa ordem de idéias e ausente a pretensão de esgotar as discussões que versam sobre esse tema, o presente estudo, utilizou-se do método de abordagem dedutivo, partindo de uma análise geral para então se situar em um assunto mais específico. Já o método de procedimento foi o monográfico, visto que se trata de um tema e seu desmembramento, a partir dos critérios de metodologia. E, por último, as técnicas de pesquisa foram bibliográfica, documental e jurisprudencial, valendo-se de doutrina, legislação e jurisprudência para a construção do texto.
A prática de uma conduta delituosa faz surgir para o Estado o jus puniendi. Se por um lado o Estado é o único detentor do direito de aplicar a pena cominada em lei, por outro, o ente estatal deve atentar-se ao tempo imposto legalmente para aplicar a correspondente sanção no caso concreto, isto porque este não atenderia aos interesses sociais se permanecesse, eternamente, com esse direito de punir o agente criminoso.
O instituto descrito trata-se da prescrição, o termo é derivado do latim praescriptio originado do verbo praescribere, cujo significado é o ato de escrever antes ou no começo. No sentido jurídico atual, a prescrição exprime a forma pela qual o direito se extingue em razão do não exercício, pela inércia do ente estatal, por certo lapso de tempo, pressupondo, pois, a existência de um direito anterior.
Nucci (2014, p. 485) conceitua a prescrição como a perda do direito de punir do Estado pelo não exercício em determinado lapso de tempo. Não há mais interesse estatal na repressão do crime, tendo em vista o decurso do tempo e porque o infrator não reincide, readaptando-se à vida social.
A discussão neste artigo se dará em torno da prescrição virtual também denominada de antecipada, hipotética, projetada ou em perspectiva. Todos esses termos designam uma mesma espécie prescricional, originada dos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários do nosso país, mas que não há previsão legal.
“Desenvolvida apenas no ordenamento jurídico pátrio, a prescrição virtual nada mais é do que o reconhecimento do interesse de agir, diante da comprovação da possibilidade de decretação da prescrição retroativa, logo no início do processo antes do recebimento da denúncia ou de proferida a sentença, levando em consideração uma pena hipotética aferida pelas circunstâncias apuradas até aquele momento. O objeto pretendido por esta teoria da prescrição virtual é afastar da análise do poder judiciário os processos inúteis, isto é, aqueles processos que pelas a circunstancias do fato e/ou condições pessoais do acusado, traria uma possível sentença condenatória e fixaria uma pena hipotética em determinada quantidade, por meio do qual já se poderia constatar a prescrição” (GOMES, 2016)
A prescrição antecipada é uma subespécie da prescrição da pretensão punitiva, em que se leva em conta a pena que virtualmente seria imposta ao réu, isto é, a pena que seria em tese fixada pelo juiz, no momento futuro de uma sentença condenatória.
“A prescrição retroativa antecipada – ou simplesmente prescrição antecipada ou em perspectiva – consiste, assim, no reconhecimento da prescrição antes do oferecimento da denúncia ou da queixa e, no curso do processo, anteriormente à prolação da sentença, sob o argumento de que eventual pena a ser aplicada em caso de condenação ensejaria, inevitavelmente, ou com grande margem de probabilidade, a prescrição retroativa da pretensão punitiva.” (QUEIROZ, 2008, p.428)
A prescrição virtual baseia-se na possibilidade de aplicar-se uma pena hipotética e futura, desde que observados os elementos circunstanciais de majoração e diminuição cabíveis no processo, para chegar a um quantum condenatório que, ao adequar-se aos prazos previstos no art. 109, do CP, restaria prescrita a pretensão punitiva do estado.
O tipo prescricional em estudo possui fundamento em linha contrária ao que ocorre na prescrição da pretensão punitiva em abstrato. Esta se funda na análise do tempo máximo previsto na conduta tipificada, isto é, a interpretação se dá na pior das hipóteses. De outro lado, a prescrição virtual se concentra no reconhecimento da prescrição retroativa, em caráter excepcional, baseando-se na pena mínima aplicada, e considerando as circunstâncias favoráveis ao réu, que exige um juízo hipotético da dosimetria da pena, ou seja, por meio da dosimetria da pena o juiz antejulga qual será o resultado na composição da lide.
Ressalte-se que, não se aguarda a sentença, tampouco o trânsito em julgado para reconhecê-la, podendo ser feita basicamente em qualquer fase do processo, isto é, ressalvada a vedação inserida pela Lei nº 12.234/10, que vedou o reconhecimento desta entre a data do fato e a data do recebimento da denúncia.
O magistrado, ao analisar o caso concreto, verificará as circunstâncias da conduta tipificada e as condições pessoais do acusado, isto é, a primariedade, bons antecedentes, boa conduta social, de modo a vislumbrar a pena que seria imposta em sede de sentença condenatória, idônea a ensejar a prescrição retroativa. A prescrição retroativa antecipada é assim denominada porque a eventual pena estipulada no futuro já estaria, neste momento, prescrita, caso houvesse sentença condenatória, fazendo-se a retroação da mesma.
Ressalta-se que, logo no início do processo, analisando as circunstancias do caso, é possível a realização de um juízo de possibilidade de condenação, bem como, de quantidade de pena provável, com o escopo de aferir a utilidade do processo, ou se esse já nasceria fadado à prescrição, a ser reconhecida apenas ao fim do longo e demorado tramite processual.
O dever do Estado é cumprir a pretensão punitiva em determinado lapso temporal que seja plausível para a sua efetividade, isto porque a grande delonga em fazer valer o jus puniendi faz com que o propósito pretendido se perca e a sua finalidade não se demonstra tão pertinente, uma vez que a demora gera um esquecimento da lesão jurídica e de seus reflexos na sociedade
A aplicação da prescrição virtual é uma maneira de atenuar os danos que decorrem do déficit do sistema judiciário e da longa espera para o julgamento dos fatos. O objetivo deste tipo prescricional é extinguir os processos inúteis e viabilizar a concentração da atenção do judiciário em processos que realmente a mereçam, os quais terão resultado útil e efeitos sobre o indivíduo e a sociedade, a fim de preservar a efetivação da pretensão punitiva Estatal. Nesse sentido:
A aplicação do instituto da prescrição em perspectiva fundamenta-se basicamente em razões de política criminal, consistentes em auxiliar a administração da justiça, que se encontra sobrecarregada de processos, tornando-a mais célere; economizar recursos humanos e materiais, uma vez que pessoas e equipamentos serão poupados; evitar o desgaste judicial provocado pela ineficácia das decisões; livrar o réu da penalização pela morosidade da Justiça. Consubstanciados nos fundamentos políticos apresentados acima, os partidários do instituto da prescrição em perspectiva buscam evitar que o aparelho estatal seja movimentado sem motivo. Para eles, não há interesse do Estado em movimentar toda a máquina na persecução punitiva para, ao final, perceber que extinta está a punibilidade. Movido por razões de política criminal, e atendendo aos reclamos da sociedade, que está a pedir mais agilidade e eficácia nas decisões judiciais, é que falamos no novo instituto. (AMORIM, 2005)
A prescrição em perspectiva, embora sem previsão em lei, fundamenta-se na ausência de uma das condições da ação, isto é, na falta de interesse de agir estatal, dando-se início ou prosseguimento a um feito que, desde logo já se sabe que, ante a provável pena a ser aplicada estará fulminado pela prescrição, evidenciando assim a falta de justa causa para a dedução da pretensão punitiva ou mesmo para o prosseguimento da persecutio criminis in iudici.
Nas palavras de Damásio de Jesus (2011, p. 698), o fundamento político da prescrição retroativa é a chamada “pena justa”, pois, não havendo recurso da acusação ou de seu improvimento, a pena aplicada na sentença era, desde a prática do fato, a necessária e a suficiente para aquele determinado caso concreto, devendo, então, servir como parâmetro para o cálculo da prescrição desde a consumação do fato.
Luiz Vicente Cernicchiaro apud Jose Carvalho Junior (2017) entende que reconhecer antecipadamente a prescrição penal retroativa é a solução ideal, desafoga as pautas de julgamento, evita a perda de tempo útil para outros processos, pois a celeridade da justiça é colocada como pano de fundo.
Contudo, a prescrição virtual tem como finalidade tornar mais célere o poder judiciário, de modo a evitar que processos inócuos usurpem o lugar daqueles que ainda poderão ter a efetiva atuação do jus puniend estatal, fazendo com que desafogue os fóruns e varas criminais das jurisdições. Além de razões de política criminal, o instituto da prescrição antecipada tem como fundamento a observância dos princípios constitucionais, considerando ainda, que o individuo tem o direito de ver seu processo julgado em tempo razoável sem que a longa demora de uma resposta pelo poder judiciário traga prejuízo à sua vida.
O fato é que esta é uma matéria de grandes controvérsias e polêmicas entre os operadores do Direito, havendo ponderáveis argumentos favoráveis e desfavoráveis à aplicação da prescrição virtual no processo penal pátrio.
De um lado, há os que defendem a possibilidade da aplicação da prescrição virtual, sob o argumento de que esta não feriria princípios constitucionais, tampouco provocaria prejuízo para qualquer das partes. Inclusive, a sua adoção seria uma medida na busca da celeridade e desabarrotamento da justiça. Em face oposta, há os que arrazoam haver impossibilidade de aplicação dessa modalidade de prescrição, e o fazem com fundamento nos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, aliado a ausência de previsão legal sobre este tipo prescricional.
2.1. Dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana foi consagrado como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil pela CF/88. Esse valor é considerado como um direito intrínseco à natureza humana de caráter irrenunciável e inalienável, embasador de todos os outros direitos humanos. Sarlet apud Natália Santana (2011), define a dignidade como:
“[…] qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” (SANTANA, 2011, p. 07)
A dignidade revela-se, pois, como um conjunto de direitos existenciais exercido por toda a comunidade mundial, em igual proporção, sendo cada individuo titular deste valor em que decorre da própria condição humana. Ao apresentar-se como princípio constitucional, este sobressai-se como a norma de maior valor axiológico do direito pátrio, servindo, dessa forma, de parâmetro para aplicação, interpretação e integração dos direitos fundamentais e de todo o nosso ordenamento jurídico.
Esse princípio deve vigorar em todas as áreas jurídicas, e ainda que no direito penal a função primordial seja a de punir, é necessário garantir que a intervenção não viole os direitos do individuo, de modo que seja assegurada a condição de ser humano ao infrator. Portanto, o principio da dignidade humana ser observado na elaboração bem como na aplicação das normas penais.
Conforme defendido por Aury Lopes Júnior (2016, p. 37) o processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente à pena, não devendo ser compreendido como simples instrumento do poder punitivo, mas sim, como instrumento de efetivação das garantias constitucionais, de modo que a repressão ao crime e o respeito às garantias constitucionais possam andar lado a lado. Portanto, o processo penal deve desde o seu início pautar se no principio da dignidade humana consagrado na Carta Magna.
A partir do conceito e considerações sobre este principio axiológico, parte da corrente doutrinaria defende que a não aplicação da prescrição virtual no processo penal fere diretamente ao principio constitucional, isto porque, se verificada a possibilidade da prescrição por esse tipo prescricional, o seu reconhecimento evitaria um processo longo e demorado, que ao fim chegaria a uma pena que não seria aplicada ao réu. A persecução penal de um processo infrutífero não teria outro objetivo senão martirizar o acusado, tornando um instrumento de sofrimento e vingança, inexistindo qualquer finalidade útil ou de possível pacificação social.
“A dignidade humana significa que o ser humano, diferentemente das coisas, é um ser que deve ser tratado e considerado em si mesmo, e não como meio para se obter um resultado. Tratando-se de investigar o valor probatório das declarações do acusado em processo penal, é evidente que a inviolabilidade física e psíquica do mesmo, como corolário da dignidade humana, é questão de suma importância. É o reconhecimento do direito à dignidade enquanto ser humano que veda simplesmente desfazer-se da condição humana do acusado para tratá-lo como mero objeto da relação processual. Portanto, todo procedimento capaz de violar a integridade física, psíquica, moral ou psicológica do acusado atenta contra a dignidade humana e deve ser coibido e a ele deve ser garantido o direito de se defender da forma como lhe aprouver, seja mantendo o silêncio, seja exercendo o direito de ser ouvido.” (GANDRA, 2010)
O fato é que o Estado tem o dever de punir o infrator dentro do prazo estipulado em lei, por um processo penal que seja célere e cumpra com sua finalidade, isto é, que ao fim do processo haja uma pena concretizada para que seja possível o cumprimento desta pelo réu, como forma de sanção pelo delito cometido. De modo diverso, ao se dar prosseguimento a um processo infrutífero, há ofensa direta ao principio da dignidade humana, não sendo plausível que o acusado tenha sua dignidade atingida com a inoperância Estatal, ainda mais considerando que o processo penal pode perdurar por longos anos até que se obtenha o deslinde processual para ao fim, ser declarada a prescrição que poderia ser reconhecida desde logo. Nesse raciocínio, Marcos Bandeira apud Cassia Valim:
“Na verdade o prolongamento injustificável do processo penal representa, sem dúvida, afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana porque deixa o acusado de uma imputação penal preso aos grihões de um normativo exegético formal conservador, de sorte que todo o esboço de defesa inicial não passa de um mero simulacro da defesa, já que se exige o transcorrer de todos os atos processuais – manifestamente inúteis – para no final ratificar o que já se sabia anteriormente, ou seja, a pena aplicada estará prescrita.” (VALIM, 2017, p. 46)
Conforme foi salientado por Antonio Scarance Fernandes (apud CARVALHO JR, 2017, p.63) submeter alguém aos dissabores de um processo penal, tendo a certeza que será inútil, constitui constrangimento ilegal, uma vez que a mesma injustiça, decorrente da acusação posta sem que seja possível antever a condenação do réu, existe quando não há possibilidade de cumprimento da sentença condenatória porque será alcançada pela prescrição.
“Ao adaptar um olhar mais crítico, de se ver que os efeitos decorrentes da propositura de uma ação penal vão muito além do tradicional conceito de pena, pois quanto maior a demora na formação do juízo cognitivo da culpa, maior também será a ingerência do estado na vida do cidadão, logo o caráter punitivo atrelado a pena vai muito além dos muros das prisões para adentrar na vida do acusado, em sua família, no seu trabalho e daí por diante, sem mencionarmos os aspectos psicológicos envolvidos.” (AMORIM, 2005, p. 16)
Portanto, se verificado desde o início do processo circunstâncias favoráveis do crime, bem como, boas condições pessoais do réu, dar continuidade a sua tramitação apenas para constranger o acusado a responder a acusação, não faz sentido, pois já se sabe que o processo não terá utilidade, viável desde logo o reconhecimento da prescrição virtual e posterior arquivamento.
2.2. Duração razoável do processo
A morosidade processual não é um problema contemporâneo. Há muito tempo já se sabe que a celeridade no âmbito jurídico é considerada essencial à efetividade do acesso à justiça. A duração razoável do processo é um princípio constitucional disposto no artigo 5º, inciso LXXVIII, pelo qual deverá ser assegurado a todos um processo de razoável duração, bem como os meios que garantam a sua celeridade.
O Estado tem como obrigação promover a prestação da tutela jurisdicional em um tempo adequado e razoável, de modo que seja atribuído uma resposta a sociedade, e que possa combater o sentimento de impunidade e garantir a aplicação da lei penal. Entretanto, muitas vezes o Estado se depara com alguns obstáculos que impedem a completa satisfação do direito, como a insuficiência de recursos, a quantidade baixa de magistrados, servidores e estagiários que movimentam os processos da maquina judiciária, o que causa prejuízo direto na efetividade da prestação jurisdicional.
“O direito a um processo em tempo razoável é um corolário do devido processo legal. Em outros termos, o processo com duração razoável é uma consequência inafástavel do due process of Law, com o qual se confunde. Concluindo, deve-se sopesar, de um lado, os valores constitucionais do exercício do poder-dever de julgar (art. 5º, XXXV) e, de outro, o direito subjetivo à razoável duração do processo, aliás, reforçado, com o que denominou Dotti, a “cláusula de eficiência”, qual seja, assegurar os “… meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, LXXVIII da CF de 1988).” (BITENCOURT, 2012, p. 1980)
Este princípio constitucional tem como objetivo impedir que o acusado fique sob uma condição indefinida, aguardando o devido andamento processual e sofrendo as mais adversas conseqüências advindas pela demora judicial. Humberto Theodoro Júnior (2010, p. 27) entende que a lentidão de resposta da justiça quase sempre a torna inadequada para realizar a composição justa da controvérsia. Mesmo saindo vitoriosa no pleito judicial, a parte se sente, em muitas vezes injustiçada, porque justiça tardia não é justiça e, sim, denegação de justiça.
Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 904) defende ainda que não se pode ignorar que a excessiva demora (além do prazo razoável) da prestação jurisdicional efetiva deve-se exclusivamente à inoperância do Estado, que, com frequência, não cumpre suas funções institucionais em tempo razoável. O ônus da inoperância do Estado não pode mais recair sobre os ombros do cidadão acusado, preso ou solto. Sobre o assunto, Rosa apud Lopes Neto (2018) discorre:
“Precisamos, definitivamente, falar sobre a duração razoável do processo. Isso porque se o acusado inicia a partida processual com a presunção de inocência, a demora no desfecho do processo é uma forma de tormento torturante e deve ser mitigado com medidas paliativas, sob pena de praticarmos a tortura psicológica com a demora processual. Para tanto, precisamos compreender os lugares e nos implicarmos nas posições, especialmente de garantes, para que tudo não passe de uma promessa de amor.” (LOPES NETO, 2018, p. 17)
É indiscutível o fato de que o processo deve atender à duração razoável considerando que sua tramitação só postergará o constrangimento do acusado e seus direitos fundamentais mencionados no tópico anterior. Nessas condições, a aplicação da prescrição virtual mostra-se viável como meio de findar maiores constrangimentos ao acusado, que ocupa o pólo passivo do processo penal durante o longo procedimento judicial, para ao fim ser reconhecida a prescrição da sua pena.
2.3. Falta de interesse de agir
O exercício da ação penal se dará pautado nas condições da ação penal, sendo que a ação deverá atentar-se a legitimidade, possibilidade jurídica, justa causa e interesse processual.
O interesse de agir se dará quando a demanda possuir alguma utilidade para aquele que intenta uma resposta judicial, sendo que no âmbito do ordenamento jurídico penal, essa resposta está concretizada em uma sanção penal, em conseqüência da prática de um delito tipificado em lei.
Desta forma, no momento da propositura da ação penal deve ser aferida, desde logo, a presença da utilidade do provimento pleiteado, com fundamento nos elementos, provas e demais circunstâncias que estiverem baseadas o pedido, de modo que, se, por meio dessa aferição o pedido se amostrar inútil, não se justifica o início do procedimento penal.
“Embora sempre haja o interesse-necessidade, às vezes pode faltar ao legitimado ativo o chamado interesse-utilidade da medida. Embora a jurisdição penal seja sempre necessária à aplicação de uma pena, pode acontecer que, no caso concreto, sua intervenção já não seja mais útil, como acontece na hipótese em que, durante o curso da ação penal, embora não tenha ainda ocorrido a prescrição, levando-se em consideração a pena máxima cominada em abstrato, tiver decorrido período suficiente para que, ao final, após a aplicação da pena em concreto, haja o reconhecimento da prescrição.” (GRECO, 2015, p. 797)
Assim, é possível que, ainda que esteja presente a justa causa pleitear a ação, poderá não haver o legítimo interesse de agir da pretensão penal condenatória, sendo que o interesse-utilidade só existe se de fato houver ao menos uma expectativa de concretização do jus puniendi, e posterior sanção penal. Dessa forma, a ação mostra-se desnecessária e inútil ao considerar que a sanção penal jamais será de fato aplicada em razão do decurso do tempo, uma vez que faltará interesse de agir, ante a impossibilidade de atingir sua finalidade, isto é a efetiva aplicação da sanção penal.
Com efeito, a jurisprudência e doutrina pátrias, baseadas nestas considerações, passaram a reconhecer a prescrição virtual, como meio de solução à ausência do interesse de agir pela perspectiva da inutilidade da ação processual. O tipo prescricional leva em consideração a pena que eventualmente seria aplicada na hipótese de uma posterior sentença penal, por meio da análise dos elementos processuais, que desde logo são suficientes para detectar a inutilidade na procedência da ação penal. Nesse diapasão, Fernando Capez escreveu:
“A utilidade traduz-se na eficácia da atividade jurisdicional para satisfazer o interesse do autor. Se, de plano, for possível perceber a inutilidade da persecução penal aos fins a que se presta, dir-se á que inexiste interesse de agir. É o caso, de se oferecer denúncia quando, pela análise da pena possível de ser imposta ao final, se eventualmente comprovada a culpabilidade do réu, já se pode antever a ocorrência da prescrição retroativa. Nesse caso, toda a atividade jurisdicional será inútil; falta, portanto, interesse de agir. Esse entendimento, todavia, não é absolutamente pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência.” (CAPEZ, 2016, p. 204)
O interesse de agir, por configurar-se como pressuposto da ação penal, encontra previsão legal no artigo 395 do CP, sendo que este mesmo dispositivo mostra que na ausência de um desses pressupostos processuais o magistrado poderá, desde logo, dar fim a demanda judicial. Nesta linha de raciocínio, Guilherme Nucci, explica:
“Ao invés de julgar extinta a punibilidade, o que não encontra previsão legal, pode o magistrado, acolhendo o pedido do Ministério Público, determinar o arquivamento do inquérito policial por falta de interesse de agir, uma vez que este se constitui, dentre outros fatores, na utilidade do processo. Se não houver requerimento do órgão acusatório, nesse sentido, pode o juiz rejeitar a denúncia ou queixa, pelo mesmo fundamento. A Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo vinha adotando esse posicionamento há algum tempo, quando o juiz, fundado no art. 28 do Código de Processo Penal, não acolhe o pedido de arquivamento do promotor, baseado na falta de interesse de agir, por ter sido considerada a hipótese de prescrição antecipada. Narra Luiz Antonio Guimarães Marrey sobre o tema: ‘Com apoio na doutrina, sempre entendi viável o reconhecimento da inexistência do interesse de agir, em face daquilo que se convencionou chamar de ‘prescrição antecipada’ ou ‘virtual’, ou seja, quando se verifica que em face de pena a ser concretamente aplicada ocorrerá a ‘prescrição retroativa’. Isto porque, tendo embora o acusado direito a uma sentença de mérito, nosso sistema processual penal, inspirado no princípio da economia processual, determina, como regra, o encerramento do processo, antes mesmo do julgamento do mérito, sempre que ocorrer uma causa extintiva da punibilidade, ou outra causa que prejudique o exame do mérito da ação, como, verbi gratia, na hipótese da inutilidade de virtual provimento jurisdicional.” (NUCCI, 2014, p. 489-490)
Partindo do fato de que a condição da ação é vista como matéria de ordem pública é, pois, correto afirmar que a sua ausência deve ser declarada de ofício e em qualquer grau de jurisdição. Desse modo, se o juiz, no curso da ação penal averiguar a futura ocorrência da prescrição retroativa a partir da eventual pena em concreto, deve declará-la em razão da superveniente carência de ação penal.
2.4. Economia e falta de instrumentalidade
O princípio da economia processual pela definição de Fernando Capaz (2016, p. 633) consiste na idéia de que os atos processuais devem ser praticados no maior número possível, no menor espaço de tempo e da maneira menos onerosa.
O ordenamento jurídico pátrio, ao adotar o principio da economia processual, objetiva que a atividade deve ser prestada sempre visando o maior numero de resultados possíveis com o mínimo de esforços possíveis, evitando-se, desse modo, o desperdício de dinheiro bem como também, de tempo. Em outras palavras, o principio revela que a movimentação da máquina do judiciário pode ser em vão, ou simplesmente desperdiçada com a tramitação de processos inúteis. Nesse pensamento, Cintra, Grinover e Dinamarco (2012, p. 82) entendem que:
“Se o processo é um instrumento, não pode exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa. E mesmo quando não se trata de bens materiais deve haver uma necessária proporção entre fins e meios, para equilíbrio do binômio custo-benefício. É o que recomenda o denominado princípio da economia, o que preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais […].”
Fernando Capez (2016, p. 797), acrescenta ainda que a forma não pode ser considerada um fim em si mesma ou um obstáculo insuperável, pois o processo é apenas um meio para se conseguir solucionar conflitos de interesse, e não um complexo de formalidades sacramentais e inflexíveis.
Ao analisar o instituto da prescrição virtual e sua aplicação no processo penal, é possível verificar que este vai ao encontro do principio da economia processual, isto porque o tipo prescricional objetiva dar fim à má ação penal que futuramente estará prescrita, e com isso prestar melhor assistência jurisdicional para aqueles processos que ao final do procedimento poderão produzir efeitos e estabelecer uma sanção suscetível de cumprimento pelo criminoso.
“A economia no âmbito processual significa o bom uso dos instrumentos formais, colocados à disposição das partes e do Juiz, para que haja o mais adequado funcionamento e andamento dos atos processuais, culminando com um resultado eficiente e útil. Deve-se evitar o desperdício, em particular de tempo e de trabalho de todos os envolvidos no feito, abrangendo não somente as partes, mas também as pessoas que gravitam, eventualmente, em certos processos – peritos, testemunhas, vítimas etc.” (NUCCI, 2014, p. 369)
O fato é que não há justificativa razoável em dar continuidade a uma ação penal destinada ao fracasso, uma vez que futuramente estará prescrita, devendo-se considerar que a máquina judiciária vem sofrendo com o acúmulo de processos e com a morosidade para a solução das demandas, e que esses processos já fadados à inutilidade serão capazes apenas de agravar a realidade da acumulação do acervo processual.
Nesse raciocínio, Luiz Sergio Fernandes de Souza apud Cesar Romão (2009, p. 122), entende ser incompreensível que, depois de toda a movimentação do aparelho repressivo do Estado, bem como, da máquina judiciária, com aplicação de recursos de ordem material e intelectual custeados pela sociedade, venha-se mais tarde a declarar que, embora o réu tivesse sido condenado a cumprir determinada pena, aquela condenação, na verdade, inexiste.
3.1. Legalidade
O principio da legalidade possui força constitucional e encontra-se previsto no artigo 5º, inciso XXXIX da CF/88.
O CP também consagrou o principio em seu artigo 1º em que diz: Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Na seara penal, o principio da legalidade, representado pela expressão em latim nullum crimen, nulla poena sine lege, revela-se como uma limitação ao poder estatal no alcance das liberdades individuais, isto é, garante um poder punitivo mínimo do Estado em face ao máximo de garantias do indivíduo.
“Ao cuidarmos da legalidade, podemos visualizar os seus três significados. No prisma político é garantia individual contra eventuais abusos do Estado. Na ótica jurídica, destacam-se os sentidos lato e estrito. Em sentido amplo, significa que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5.º, II, CF). Quanto ao sentido estrito (ou penal), quer dizer que não há crime sem lei que o defina, nem tampouco pena sem lei que a comine. Neste último enfoque, é também conhecido como princípio da reserva legal, ou seja, os tipos penais incriminadores somente podem ser criados por lei em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, de acordo com o processo previsto na Constituição Federal.” (NUCCI, 2014, p. 80)
A legalidade, ou melhor, a ausência da legalidade é o principal argumento dos operadores do Direito que não concordam com a aplicação da prescrição retroativa antecipada em nosso ordenamento, isto porque o tipo prescricional constitui criação doutrinária e jurisprudencial, portanto, não positivada.
Parte majoritária da doutrina pátria é contrária a adoção da prescrição virtual e esse argumento vem sendo adotada pelos tribunais superiores, eis que aludem ser inadmissível a extinção da punibilidade em virtude de prescrição da pretensão punitiva em perspectiva, com base na ausência de previsão legal e por apresentar risco de violação aos princípios constitucionais.
Por outro lado, como bem expresso por Cássia Valim (2017, p. 58), a lei não necessariamente deve ser interpretada em sua letra fria, uma vez que há previsão da prescrição retroativa, bem como determinação dos prazos e a respectiva prescrição no artigo 109. Além disso, os dispositivos previstos nos artigos 59 e 68 do CP permitem o cálculo da pena, bem como o artigo 395, incisos I e II, do CPP, prevê a possibilidade de o juiz não receber a denúncia na ausência de pressuposto ou condição para o exercício da ação penal, ou justa causa para o seu exercício.
É importante salientar que as causas extintivas da punibilidade elencadas no artigo 107 do CP, são meramente exemplificativas, como acentuou Rogério Greco (2015, p. 783), pois existem outras causas de extinção da punibilidade fora desse dispositivo, tais como a reparação do dano no peculato culposo (art. 312, §3º, CP) e o decurso do período de prova sem revogação do sursis processual (art. 89, §5º da Lei 9.099/95). Nesse diapasão, seria possível o reconhecimento da prescrição virtual como causa extintiva da punibilidade.
Sob outra perspectiva, frise-se que o fato de não existir uma previsão legal em nosso ordenamento, não impede que se reconheça o instituto por analogia, uma vez que é um instrumento lícito, desde que não seja contrario as garantias inerentes do processo penal. Nesse sentido, seria possível extinguir o processo por ausência de interesse de agir, com fundamento no artigo 395, inciso II do CPP. Ora, o processo está fadado à prescrição, portanto não há que se falar em interesse Estatal em movimentá-lo.
3.2. Presunção de inocência
O princípio da inocência encontra-se consubstanciado no rol de garantias constitucionais da CF em seu artigo 5º, inciso LVII – ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatório.
O principio revela-se como impedimento ao reconhecimento da prescrição virtual, isto porque este tipo prescricional requer a extinção processual ainda que inacabada a instrução processual, e o principio em questão impõe que o acusado não deve ser considerado culpado antes que o processo tenha seu fim, e seja dada uma condenação definitiva. Nesta linha de pensamento, argumentam que a prescrição virtual trata-se de um instrumento utilizado de forma prematura na ação penal, pois reconhecê-la no início do processo, por meio de uma pena hipotética antes de terminada a instrução processual, constitui uma grande afronta ao princípio da presunção da inocência.
“Apesar de o reconhecimento antecipado da prescrição ser uma rotina no dia a dia de fóruns criminais, contando com o respaldo de respeitada parte da doutrina processual penal, convém destacar que a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem se posicionado contrariamente a ela, sob o argumento de que referida espécie de prescrição não tem amparo no ordenamento jurídico pátrio, além de contrariar o princípio da presunção de não culpabilidade, já que parte do pressuposto de que o acusado será condenado ao final do processo.” (LIMA, 2011, p. 251)
Em contestação aos argumentos acima, defensores do instituto prescricional entendem que a análise da pena hipotética considera tão somente a possibilidade de condenação do acusado, não a sua concretização, porquanto afastando-se o seguimento do processo penal, é inviável falar-se em condenação.
“Ao fazer uma perspectiva da pena a ser aplicada não está se afirmando a condenação, tampouco se descrendo na inocência do réu, mas apenas fazendo-se uma perspectiva sobre a pior das hipóteses para o acusado do resultado daquele processo que, neste caso, resultaria, igualmente, na extinção da punibilidade e, pior, após a condenação, ou seja, com julgamento de mérito, o que, com efeito, seria muito mais prejudicial ao réu.” (VALIM, 2017, p. 48)
Vale destaque aqui, uma percepção feita por Marcelo Gomes (2018) no sentido de que o ordenamento jurídico adota institutos que seriam taxados como ilícitos ao considerar este argumento, a título de exemplo, a transação penal, por meio do qual o acusado, por livre escolha, em troca do não andamento processual, é submetido a uma sanção não corporal para devido cumprimento.
“Ora, se na transação penal, onde há efetiva imposição de pena sem processo (processo assim entendido nos moldes tradicionais), não há violação à presunção de inocência, o referido princípio, com ainda mais razão de ser, mantém-se absolutamente hígido diante do reconhecimento da prescrição virtual. Desse modo, parece restar claro que a prescrição virtual, assim como a transação penal, não importa em reconhecimento de culpa. Na prescrição virtual, há apenas e tão somente um juízo de probabilidade acerca da quantidade de pena que o réu receberia na eventualidade de ser condenado.” (GOMES, 2018, p. 33)
Pelo exposto, nota-se que a decisão que extingue o processo pelo reconhecimento da prescrição retroativa antecipada não faz julgamento de mérito, portanto, não induz à dúvida sobre a inocência do acusado, e ainda mostra-se benéfico ao réu, o que não viola o principio em questão.
3.3. O devido processo legal e a obrigatoriedade da ação penal publica
O devido processo legal consagrado nas garantias constitucionais da nossa Carta Magna, no artigo 5º, inciso LIV, assegura a todo indivíduo, o direito fundamental a um processo justo, leal e devido. Na seara penal, a observância ao principio se deu como forma de limitação dos poderes do Estado, bem como para servir como escudo contra atos arbitrários deste ente.
O processo penal deve então prover um procedimento pautado em critérios de justiça, razoabilidade e proporcionalidade. Além disso, deve legitimar o uso do direito penal, de modo que o processo seja eficiente garantindo a punição aos infratores da lei, mas também que seja assegurador das garantias constitucionais.
Pela relevância deste principio, a obrigatoriedade da ação penal se mostra importante para a efetiva garantia do devido processo legal. Embora este principio não possua previsão legal, é decorrente do principio da legalidade, por meio do qual os agentes percussores do procedimento penal devem atuar em prol de um processo que tenha ao fim uma resolução jurídica. Nesse sentido a polícia civil deve instaurar o inquérito policial, o Ministério Público deve ingressar com a ação, o magistrado dar andamento ao procedimento, para ao fim se obter uma sentença.
“O princípio da obrigatoriedade ou da legalidade traduz-se no fato de que o Ministério Público tem o dever de dar início à ação penal desde que o fato praticado pelo agente seja, pelo menos em tese, típico, ilícito e culpável, bem como que, além das condições genéricas do regular exercício do direito de ação, exista, ainda, justa causa para a sua propositura, ou seja, aquele lastro probatório mínimo que dê sustento aos fatos alegados na peça inicial de acusação.” (GRECO, 2015, p. 772)
Na observância desses princípios, há quem defenda que eles são um empecilho para a efetiva aplicação da prescrição retroativa antecipada. Tal entendimento justifica que a ação penal pública está regida pelo princípio da obrigatoriedade, portanto vincula o Parquet a intentá-la, caso haja materialidade e indícios de autoria, acrescentando-se que o seu reconhecimento interrompe o andamento processual de forma prematura, impedindo assim a procedência das etapas processuais garantida pelo devido processo.
A ação penal pública é obrigatória somente quando verificado que estão presentes todas as condições da ação. Portanto, na ausência de um dos requisitos, in casu, o interesse de agir, não há que se falar em obrigatoriedade da ação pelo órgão ministerial.
“Do ponto de vista da realidade judiciária, desde sempre delegados de Polícia não abrem inquérito policial para apurar crimes de origem desconhecida ou que, por qualquer razão, se revelem totalmente sem interesse. Neste caso, não se trata de prevaricação da autoridade policial, mas sim de evitar-se perda de tempo e gastos inúteis. Dá-se o mesmo nas ações penais. O MP, diante de casos de bagatela ou naqueles em que as partes se compuseram (p. ex., apropriação indébita), com frequência pede o arquivamento do inquérito, em razão da flagrante inutilidade de uma futura ação penal. Por outro lado, a Lei 9.099 de 1995, que criou os Juizados Especiais, abriu a primeira fenda no secular princípio, ao permitir que o Ministério Público celebre acordo com o acusado, nos crimes apenados até 2 anos de prisão, e também que proponha a suspensão da ação penal naqueles delitos cuja pena mínima não supere 1 ano.” (FREITAS, 2019)
Defender a não aplicação da prescrição virtual com apego na indispensabilidade da ação penal, parece irrelevante, isto porque se o magistrado reconhecer o tipo prescricional, a ação já foi em tese, proposta pelo Parquet, não ocorrendo a violação de tal principio. A extinção se dará ante a falta de condição da ação, que pode ser arguida em qualquer tempo e grau de jurisdição, uma vez que o magistrado estará diante de um processo que não haverá algum aproveitamento jurídico.
3.4. Ampla defesa e contraditório
A ampla defesa e o contraditório apresentam-se como derivados do principio do devido processo legal e, portanto, inerentes ao mesmo. Possuem previsão legal no art. 5º, LV, da CF/88, em que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Juntos, buscam garantir a observância das formas instrumentais adequadas na prestação jurisdicional.
Importante mencionar que apesar de encontrarem-se lado a lado, não se confundem, e não possuem o mesmo conceito. Enquanto o contraditório assegura a oportunidade de resposta, de argumentar o que foi alegado pela parte contrária, a ampla defesa, que de certa forma decorre do contraditório, garante ao indivíduo a defesa dos seus direitos em todas as fases do processo, permitindo se defender, apresentar suas razões e produzir provas.
“Nota-se que o contraditório é de suma importância para a garantia da ampla defesa, porém não é sua única forma de manifestação. O contraditório é direito concedido a ambas as partes do processo: acusador e acusado. O mesmo não ocorre com a ampla defesa, que é direito apenas do acusado. Logo podemos ter contraditório sem ampla defesa e ampla defesa sem contraditório. Essa distinção implica que “é possível violar-se o contraditório, sem que se lesione o direito de defesa. Não se pode esquecer que o princípio do contraditório não diz respeito apenas à defesa ou aos direitos do réu. O princípio deve aplicar-se em relação a ambas as partes, além de também ser observado pelo próprio juiz.” (CAMPOS; SOUZA, 2019)
Ao dispor dos princípios aqui previstos, os operadores do direito contrários a aplicação da prescrição retroativa antecipada argumentam que há ofensa direta aos mesmos, isto porque o magistrado estaria fazendo um juízo prévio de condenação, inexistindo o uso de todos os meios de prova, bem como o fim da instrução processual. Nesse sentido, Carla Rahal Benedetti apud Cesar Romao:
“Em tal hipótese, há a presunção da condenação do denunciado sem qualquer exame de provas, sem a presença do contraditório para que se possibilite a defesa e, principalmente, sem a apreciação do mérito do caso, Há, conforme afirmam, total desprezo da garantia constitucional arduamente conquistada, vez que ainda que hipoteticamente, como argumentam seus defensores, admitiu-se a sua culpa sem examinar as provas e sem um édito condenatório.” (ROMAO, 2009, p. 134)
Em defesa a aplicação da prescrição virtual, VALIM (2017, p. 51) entende que não há ofensa ao contraditório, isto porque ainda que seja extinto o processo o réu foi instado a se manifestar e contrapor pontos até aquele momento. É certo também que há condenação previa do acusado, mas apenas prevendo que na pior das hipóteses, ocorrendo a condenação, o resultado do processo seria o mesmo, extinção da punibilidade, arquivamento do processo. O que se faz, na verdade, é antecipar o resultado final, mas sem fazer um juízo acerca do mérito.
Até aqui fez-se a exposição da prescrição virtual do ponto de vista doutrinário. Importante agora visualizar como a matéria é tratada pela jurisprudência pátria: juízes de primeira instância e tribunais superiores.
A prescrição em perspectiva, conforme já mencionado, originou-se de uma construção doutrinaria e jurisprudencial. O tipo prescricional é uma realidade nos juízos de primeira instância. Ali, se houver um entendimento compartilhado entre o magistrado e o representante do Ministério Público, e estando presentes condições e fatores que podem ensejar a extinção do processo, deste logo será, pois reconhecida a prescrição virtual.
Apesar da ampla adoção pelos magistrados de primeira instância, o tipo prescricional não é bem aceito pelos tribunais superiores, ao contrário, sustentam ser inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética. Tal entendimento tem como fundamento principal o fato deste tipo prescricional nunca tenha vindo a integrar a legislação pátria, não passando de mera construção doutrinária proveniente de interpretação extensiva da prescrição retroativa.
Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem posição contrária à aplicação da prescrição virtual:
EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA PELA PENA EM PERSPECTIVA. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. SÚMULA Nº 438 DO STJ. PRECEDENTES STF E STJ. CASSAÇÃO DA DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. NECESSIDADE. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. 1. A prescrição antecipada não recebe amparo legal, consistindo em inovação não recepcionada pela ordem jurídica brasileira, devendo a punibilidade ser extinta pela prescrição apenas nos casos expressos no Código Penal. Inteligência da Súmula nº 438 do STJ. 2. A aplicação desta modalidade de prescrição não prevista no ordenamento jurídico brasileiro representa violação aos princípios do devido processo legal, presunção de inocência e ampla defesa. 3. Não tendo sido prolatada sentença condenatória com a aplicação de pena concreta, a única modalidade possível de prescrição é pela pena em abstrato, o que ainda não ocorreu. 4. Recurso provido. (TJMG – Rec em Sentido Estrito 1.0384.15.002223-2/001, Relator(a): Des.(a) Marcílio Eustáquio Santos , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 26/01/2022, publicação da súmula em 28/01/2022)
EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES – “PRESCRIÇÃO VIRTUAL” – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – EMBARGOS REJEITADOS. 1. Duas são as modalidades de prescrição da pretensão punitiva previstas em nosso ordenamento jurídico: uma, pela pena em abstrato, cujo parâmetro é o máximo cominado para cada espécie delitiva; e outra, pela pena em concreto, aplicada ao condenado, com trânsito em julgado para a acusação. 2. Inexiste, portanto, previsão legal de prescrição pela pena em perspectiva, não sendo admitida a criação doutrinária da “prescrição antecipada, projetada ou virtual” (Tema n.º 239 STF e Súmula n.º 438 do STJ). 3. Embargos não acolhidos. VV. A administração pública em geral é regida, entre outros, pelos princípios da razoabilidade e do interesse público, donde se conclui que nenhum ato administrativo deva ser desprovido de objetividade e resultado prático para a comunidade. Assim, dar prosseguimento a uma ação penal para, ao final, retroagir os efeitos da prescrição pela pena concretizada, implica movimento inócuo da jurisdição, prejuízo ao erário e desvio de finalidade. (TJMG – Emb Infring e de Nulidade 1.0040.06.052543-9/002, Relator(a): Des.(a) Eduardo Brum , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 27/10/2021, publicação da súmula em 05/11/2021)
Nota-se que nestas decisões proferidas pelo TJMG, bem como nas diversas outras que não reconhecem o instituto da prescrição virtual, o fundamento está basicamente sob a ausência de previsão legal, pautado na súmula 438 do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). O Tribunal defende, ainda, a idéia de resguardar princípios constitucionais como o do devido processo legal, da inocência e ampla defesa.
A Súmula 438 foi editada pelo STJ em 2010, adotando o posicionamento no sentido da impossibilidade da aplicação da prescrição virtual. Foi redigida nos seguintes termos: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO. PRESCRIÇÃO VIRTUAL. INAPLICABILIDADE. SÚMULA N. 438 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, inclusive pela edição da Súmula n. 438/STJ, a denominada prescrição em perspectiva, antecipada ou virtual carece de amparo legal, sendo inadmissível, independentemente da existência ou sorte do processo penal.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE ESTELIONATO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO. PENA HIPOTÉTICA DE 1 (UM) ANO DE RECLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. CÁLCULO DA PRESCRIÇÃO. PENA MÁXIMA EM ABSTRATO. PRAZO DE 12 ANOS PARA O CRIME DE ESTELIONATO. TRANSCURSO DO PRAZO ENTRE MARCOS INTERRUPTIVOS. NÃO OCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1. Este “Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal são firmes na compreensão de que falta amparo legal à denominada prescrição em perspectiva, antecipada ou virtual, fundada em condenação apenas hipotética” (AgRg nos EDcl no REsp 1820788/AM, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 3/10/2019, DJe 10/10/2019).2. No caso, não houve a aplicação da pena em concreto e não cabe aplicar a pena mínima de 1 ano de reclusão que supostamente seria imposta ao paciente. Assim, a prescrição regula-se pela pena máxima em abstrato, que para o delito em tela é de 5 anos de reclusão, com a contagem do prazo de 12 (doze) anos entre os marcos interruptivos da prescrição ? datas do recebimento da denúncia, da publicação da sentença condenatória e do acórdão que desclassificou a conduta ?, prazo este que não transcorreu.3. Agravo regimental desprovido.(AgRg no HC 636.207/RJ, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 19/10/2021, DJe 25/10/2021)
A edição da Sumula em questão teve como objetivo uniformizar o entendimento pela adoção, ou não, da prescrição virtual na legislação federal, isto porque até então, havia posições diversas sobre o tema na jurisprudência nas várias instâncias.
O entendimento do STJ é também adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao dispor que inexiste norma legal, interpretada e aplicada, que viabilize aplicar a prescrição da pretensão punitiva, considerada a possível sentença condenatória. Conforme a ementa a seguir:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CRIMINAL. ATOS OBCENOS. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Controvérsia decidida à luz de norma infraconstitucional. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. As alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame prévio de normas inferiores, podem configurar, quando muito, situações de violação meramente reflexa do texto da Constituição. 3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de não admitir a prescrição antecipada pela pena em perspectiva. Agravo regimental a que se nega provimento.(AI 728423 AgR, Relator(a): EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 26/05/2009, DJe-113 DIVULG 18-06-2009 PUBLIC 19-06-2009 EMENT VOL-02365-12 PP-02555)
Vale ressaltar que a Sumula 438, não é vinculante, isto porque a edição de súmula vinculante competiria exclusivamente ao STF. Portanto, não possui eficácia erga omnes, o que não impedem os magistrados de decidirem de acordo com entendimento aplicado a cada caso concreto. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já proferiu decisão favorável à aplicação da prescrição antecipada tendo em vista a economia processual e a inutilidade em movimentar a máquina judiciária, consoante já defendido neste trabalho:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO TENTADO. PRESCRIÇÃO PELA PENA PROJETADA. CASO CONCRETO QUE RECLAMA A MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. O delito de furto simples, na forma tentada, portanto sem consumação, de objeto reconhecidamente de pouco valor e praticado por menor de 21 anos, enseja, no caso concreto, a possibilidade de reconhecimento antecipado da extinção da punibilidade do agente, posto que, na hipótese de condenação e aplicação de pena em tais circunstâncias, resultará em inevitável reconhecimento da prescrição, não justificando, no caso, a movimentação da máquina judiciária. Absolvição confirmada. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação-Crime, Nº 70064854607, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em: 08-07-2015)
Mostra-se visível que a prescrição virtual visa propiciar maior celeridade aos processos, bem como, evitar o trabalho desprovido de utilidade da maquina judiciária, extinguindo aqueles processos que não terão resultados úteis e efeitos almejados ao fim do rito processual.
Conclusão
A prescrição virtual baseia-se na pena mínima que seria em tese fixada pelo juiz, no momento futuro de uma sentença condenatória. Considera para o calculo as circunstâncias favoráveis ao réu, e os elementos circunstanciais de majoração e diminuição cabíveis no processo, ficando evidente a futura ocorrência da prescrição retroativa, deve o magistrado reconhecê-la antecipadamente.
A prescrição virtual mostra-se útil ao ordenamento jurídico ao conferir uma alternativa ao magistrado para os processos em que não se verifica o interesse de agir, isto é não há utilidade, uma vez que não produzirão efeitos jurídicos. De modo contrário, haverá apenas desperdício de tempo, trabalho e dinheiro público para se chegar a uma sanção penal que jamais será aplicada em razão do decurso do tempo.
No entanto, parte majoritária da doutrina entende que este tipo fere a ordem jurídica, sobretudo princípios como o da legalidade, obrigatoriedade da ação penal, presunção de inocência e devido processo legal.
Ante o debate da aplicabilidade da prescrição virtual, as cortes superiores têm firmado entendimento de não ser possível o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética. O entendimento foi matéria da Súmula 438 do STJ em 2010.
Verifica-se que, na prática, o reconhecimento efetivo da prescrição antecipada só é possível quando há entendimento compartilhado e concordância com o representante do Ministério Público, uma vez que sobrevindo recurso para instância superior, é bastante provável que a sentença de primeiro grau seja anulada, em razão do entendimento da súmula proferido pelo STJ e adoção pelos tribunais superiores.
Referências
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BRASIL, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA PELA PENA EM PERSPECTIVA. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. SÚMULA Nº 438 DO STJ. PRECEDENTES STF E STJ. CASSAÇÃO DA DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. NECESSIDADE. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. Rec em Sentido Estrito 1.0384.15.002223-2/001. Relator(a): Des.(a) Marcílio Eustáquio Santos , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 26/01/2022. Disponível em: https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do;jsessionid=EAB1FBFA92C6390943CA6FA96F69DC96.juri_node1?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0384.15.002223-2%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar
BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. HABEAS CORPUS. DANO QUALIFICADO. EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. TIPICIDADE DO FATO IMPUTADO. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. AUSÊNCIA DE HIPÓTESE DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA INGNIFICÂNCIA. Habeas Corpus Nº 70072988256, Oitava Câmara Criminal. Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 26/04/2017. Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/buscas-solr/?aba=jurisprudencia&q=&conteudo_busca=ementa_completa
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BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE ESTELIONATO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO. PENA HIPOTÉTICA DE 1 (UM) ANO DE RECLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. CÁLCULO DA PRESCRIÇÃO. PENA MÁXIMA EM ABSTRATO. PRAZO DE 12 ANOS PARA O CRIME DE ESTELIONATO. TRANSCURSO DO PRAZO ENTRE MARCOS INTERRUPTIVOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO AgRg no HC 636.207/RJ, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 19/10/2021. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?livre=636.207&b=ACOR&p=true&tp=T
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