Resumo: Este trabalho se preza a levantar a questão das políticas públicas relativas aos benefícios previdenciários e LOAS – Lei orgânica de Assistência Social – Lei 8742/93, sob a ótica da vulnerabilidade do destinatário da norma, sobretudo no que tange à questão dos entraves à sua efetividade e à conscientização acerca de tais direitos pelo cidadão brasileiro.
Palavras-chave: Previdência Social – LOAS – entraves – efetividade.
“Uma sociedade onde os direitos são um falso universalismo. Isso porque nem todos têm direitos, muitos não são cidadãos, ficaram fora do contrato social, lançados no estado da natureza. E também é uma sociedade onde, sobretudo nas cidades coloniais, a sociedade civil não foi constituída. Para os indígenas, os nativos eram constituídos pelos colonos, ou seja, a sociedade civil é sempre o outro, no Estado capitalista” (Boaventura dos Santos)
Introdução
Em nosso país infelizmente a questão social tem se constituído objetivo secundário dos planos governamentais. Referidos planos, sobretudo em um passado mais recente, trataram o desenvolvimento social como subproduto automático do crescimento econômico. Conseqüentemente, critérios de eficiência passaram a ser deixados de lado de forma absoluta.
Dentro dessa concepção, a redução das desigualdades resultaria naturalmente dos impactos indiretos dos investimentos produtivos; expandindo-se a produção e a base tributária da economia, o governo teria condições de mobilizar recursos necessários para atender aos problemas dos segmentos mais pobres da população.
O crescimento da base produtiva da economia é condição sine quan non para a melhoria do bem-estar social. Mas a história de muitos países, inclusive o Brasil, revela que a articulação entre crescimento econômico e desenvolvimento social está longe de ser espontânea.
A fé nesse falso automatismo deu ao desenvolvimento brasileiro um caráter paradoxal: de um lado, o país edificou uma economia no limiar da maturidade industrial – próxima, portanto, dos padrões de mercado dos países capitalistas avançados; de outro, mantém estrutura social injusta, que deixa parcela considerável da população em condições de vida lastimáveis, similares às das nações mais pobres do mundo, uma verdadeira “BelÍndia”.
A instauração da Nova República se deu em período marcado pela crise econômica e por profundas carências sociais. Cerca de 68 milhões de brasileiros pertencem a famílias com renda inferior a três salários mínimos. Mas de 18 milhões de trabalhadores ganham menos que um salário mínimo. A situação é ainda mais dramática em certas áreas rurais e no Nordeste, onde a pobreza atinge grande parte da população. Mas é também grave no meio urbano, pois o número absoluto de pobres vivendo nas cidades é maior que no campo.
A pobreza impõe privações sociais e também restrições objetivas. A expectativa de vida dos brasileiros que ganham menos de um salário mínimo é inferior a 55 anos, enquanto entre os que ganham mais de cinco salários mínimos chega a 70 anos.
Tais disparidades têm coexistido com o crescimento econômico e resultaram, mesmo, do padrão de crescimento do país. As mudanças observadas na sobrevida e mortalidade, como resultado do crescimento, beneficiam majoritariamente classes de maior renda e regiões mais desenvolvidas. A grande maioria da população rural do país permanece sem condições mínimas de salubridade, vivendo em habitações precárias e com excessiva densidade de moradores por cômodos. Os mais pobres não possuem sequer moradias dignas para viver, tendo que conviver com esgoto a céu aberto, dentre outras mazelas.
O crescimento econômico traça um iníquo perfil da distribuição de renda: os brasileiros mais ricos (1% do total) detinham, em 1960, cerca de 12% da renda; tal participação elevou-se para 15% em 1970 e 17% em 1980. Estima-se que, em 1983, os 10% mais ricos captavam cerca de 46% da renda, enquanto os 20% mais pobres ficavam com menos de 4%. Os desequilíbrios regionais não ficaram fora desta estatística, a participação do Nordeste na renda nacional declinou de 15% para menos de 12% ao longo das duas últimas décadas.
Este é o quadro social com que se defrontou a Nova República: níveis intoleráveis de pobreza e forte desigualdade social, fruto de um perfil de planejamento e execução que atribuiu baixa prioridade às políticas sociais, no pressuposto de que os problemas de habitação, saneamento, nutrição, saúde, educação resolvem-se espontaneamente, com o próprio crescimento econômico.
Infelizmente tal quadro vem se agravando, sobretudo em virtude da atual conjuntura, do processo de desaceleração da economia, e ainda do exército de reserva composto por desempregados e subempregados, os quais estão no alicerce da pobreza.
Na época do “social”, da maquiagem das mazelas sociais, o que mais se vê é a miséria, pobreza, desemprego, o que em se levando em consideração a questão previdenciária sinaliza o caos que está por vir sobre esta nação, caso medidas de caráter urgente não sejam efetivadas.
Transformar essa realidade, proporcionando condições para que todos os brasileiros possam usufruir de seus direitos básicos nas áreas econômica, social e política – eis o grande desafio e a prioridade da sociedade brasileira.
É indispensável ter-se me mente que os direitos sociais, intrínsecos à cidadania, são universais. E neste diapasão é preciso trazer à colação que é, pois, dever do Estado tomar por meta sua garantia.
Neste contexto é de suma importância, destacar dentre outros direitos sociais fundamentais à sociedade brasileira, os seguintes:
– trabalho, gerando rendimentos adequados à satisfação das necessidades básicas do trabalhador e sua família;
– previdência social, cobrindo as circunstâncias determinantes da queda do nível de renda e bem-estar dos cidadãos – velhice, invalidez e viuvez – bem como o seguro de acidentes de trabalho;
A demanda por esses direitos é previsível. Seu atendimento pode, portanto, ser planejado.
Nesta ordem de idéias, é que não se pode olvidar que alguns dos direitos fundamentais requerem a organização de serviço público eficiente – é o caso da previdência social. Compete ao governo redirecionar seu dispêndio buscando o resgate da dívida social. Cumpre de início repor, nas áreas essenciais e para as populações mais carentes, as perdas recentes, resultantes de uma política neoliberal que efetivou cortes no gasto social e ausência de orientação social prioritária na política econômica do passado.
A Previdência Social Brasileira como política pública.
A proteção social deve ser vista como uma forma de se proteger o cidadão dos sinistros sociais, assim entendidos como os acontecimentos que previsíveis ou não, alijam do cidadão condições para seu auto sustento.
Sob um sistema de contributividade, onde o pagamento da contribuição é conditio sine qua non ao auferimento dos benefícios, tal regime, protege exclusivamente aos segurados (e seus dependentes) que possuem o contrato de trabalho formal e aqueles que contribuem ao RGPS pelas outras formas estabelecidas por lei, como o contribuinte individual, facultativo, dentre outros.
Assim é, que em não havendo formalização do contrato de trabalho, o que infelizmente vem ocorrendo em nosso país, as chances deste tipo de proteção social alcançar a todos os trabalhadores brasileiros tendem a diminuir sensivelmente.
Desta forma os benefícios como aposentadorias, auxílio-doença, salário-maternidade, auxílio acidente, deixam todos os dias de ser pagos aos trabalhadores, em função da informalidade.
Este certamente é um dos entraves ao acesso a esta política pública, e outro, é com clareza cristalina, o excesso de burocracia ao deferimento dos retro mencionados benefícios aos trabalhadores que possuem a qualidade de segurado, ou seja, que contribuem para o RGPS.
Benefícios como o auxílio doença e aposentadoria por invalidez, trazem em seu bojo normativo administrativo, tantos entraves, que muitas das vezes ou o cidadão desiste, ou pior, morre sem que tenha auferido seu benefício. Não são raras as vezes em que se vê no noticiário da TV, peritos do INSS sendo agredidos ou mortos por segurados revoltados, com o excesso de rigor no benefício.
Outros benefícios, requerem do cidadão tantas formalidades, que o mesmo se vê alijado do direito em virtude da falta absoluta de atendimento das condições pré estabelecidas pelo INSS para concessão do benefício, tal é o caso do lavrador brasileiro.
A lei 8.213/91 prevê em seu art. 48: “ A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea “a” do inciso I, na alínea “g” do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º Para os efeitos do disposto no parágrafo anterior, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período mediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido”.
Questão relativa à efetividade e relevante se nos impõe quando o tema é a necessidade de prova de tempo de serviço do trabalhador rural. A contagem de tempo de serviço do trabalhador rural se equipara à contagem do trabalhador urbano empregado, sendo que a prova desse se dá quase que exclusivamente pela apresentação das anotações da CTPS. Porém, na maioria das vezes, o rurícola não dispõe de CTPS, trabalha clandestinamente, não recolhe contribuições e acaba ficando à margem do procedimento previsto para a contagem de tempo. Sendo a legislação lacunosa, acaba por inviabilizar o exercício pleno do direito à aposentadoria em virtude de tal fato. Assim, o rurícola por mais que trabalhe, muitas das vezes não consegue provar o exercício da atividade, por absoluta falta de prova documental.
O trabalhador que se submete a atividades insalubres também sofre com as constantes mudanças na legislação, que de tempos em tempos segrega um pouco mais dos seus direitos.
Benefícios Assistenciais LOAS – lei 8742/93.
Com relação aos benefícios assistenciais, o mesmo ocorre, e ainda de forma mais intensa. Se havendo contribuição já existe dificuldade em se auferir direitos, o pior se dá quando não se contribui e ainda que titular de direitos, o cidadão tem que passar por um verdadeiro processo seletivo para alcançar direito que lhe é facultado por lei.
A lei 8742 LOAS, trouxe em seu bojo normativo, direitos que jamais havia, de forma tão particular, protegido aos cidadãos incapacitados para seu auto sustento. Proteger-se o idoso, e o deficiente, talvez tenham sido, o primeiro mecanismo real de garantia digna de vida a estes cidadãos fragilizados socialmente. Apesar de ter sido uma grande conquista não se pode deixar de trazer à colação a grande dificuldade que o cidadão possui em gozar de tais direitos.
Para se ter uma breve noção da questão da dificuldade de efetividade das políticas públicas, necessário é que se faça uma linha cronológica para se vislumbrar o tempo necessário entre a criação da norma e o inicio de sua efetividade, dentro do contexto jurídico do cidadão. Em 1988, a nossa Carta Magna, em seus objetivos fundamentais da República, inscreveu a universalização dos direitos da cidadania, inaugurando uma era de perseguição ao ideal de igualdade. Seus capítulos relativos aos direitos e garantias fundamentais e à ordem social visam assegurar os objetivos de bem-estar e justiça social, além de acesso dos necessitados à assistência social, independentemente da contribuição à seguridade social. Porém somente em 1993, com a LOAS (lei 8742), foi que efetivamente tais direitos começaram a se desenhar, sendo certo que em 1995, com o decreto 1744, os direitos passaram a ter uma forma de serem “cobrados” ou melhor dizendo “efetivados”. Assim, somente entre a sua previsão e efetivação decorreram mais de sete anos.
Além do tempo citado que proporcionou grande dificuldade à concessão do direito, ainda há que se acrescer o problema da seletividade de tal beneficio. O mesmo apresenta tantas regras para a concessão que por vezes exclui, ao invés de incluir o cidadão.
Exemplo claro de tal assertiva é o fato de os assistidos ouvirem dos próprios funcionários do INSS “se entrou andando com as próprias pernas, não tem direito ao benefício”, ou seja, o cidadão deve estar “quase morto” para ter o direito de receber o benefício.
A regra da incapacidade para os atos da vida civil e I N D E P E N D E N T E, alija a maioria dos desassistidos, uma vez que o entendimento da perícia vem sendo no sentido de que o cidadão deve estar completamente incapaz para a vida, ou seja, um ser vegetativo. Aliada a esta regra segregatória, ainda existe a renda per capta igual ou inferior a ¼ do salário mínimo, o que significa dizer que se existem quatro pessoas em uma residência e um único receba um salário mínimo, o cidadão portador de deficiência não terá direito à percepção do benefício dado que recebe R$0,1(um centavo) a mais do teto estabelecido por lei.
Regras como renda per capta, idade, deficiência, são seletivas, e excludentes. O destinatário da norma deve, para conseguir o deferimento do benefício passar por verdadeira via crucis, sendo por vezes humilhado, e maltratado pelos servidores do INSS para poder se valer de direito fundamental de todo o cidadão que é a dignidade da pessoa humana.
Cidadania via Estado. Condição indispensável à efetividade dos direitos sociais.
“A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”. (DALLARI, 1998).
Direitos humanos, ou também como são conhecidos, direitos de cidadania, são frutos da declaração universal dos direitos do homem em 1948. Esta, sem a menor sombra de dúvidas fora a maior fonte de inspiração para o aperfeiçoamento dos direitos sociais do nosso tempo.
Cronologicamente falando, até chegar-se aos chamados direitos sociais, as lutas para garantias de direitos se restringiam aos chamados direitos civis políticos, assim, pode-se claramente vislumbrar duas fases distintas, a primeira em que o objetivo principal era o de se assegurar basilarmente direitos formais de liberdade individual, conhecidos como declarações individualistas, e uma segunda fase, ou onda, em que o objetivo central enfatizava a questão da igualdade e da necessidade, sendo este período, marco das mais importantes declarações nesta seara dos direitos: o Manifesto Comunista de Marx e Engels de 1848; a Declaração dos Direitos Sociais, da Constituição Mexicana de 1917 que resultou da revolução de 1910, e que ainda figura no texto constitucional vigente daquele país, e a Declaração do Povo trabalhador e esplorado, aprovada em janeiro d 1918 pelo terceiro Congresso Panrusso dos Sovietes, como conseqüência da revolução russa de outubro de 1917.
Tais declarações não partiram do indivíduo, mas sim dos interesses coletivos, que queriam não mais colocar somente a questão da liberdade individual como objetivo central, mas enfatizar sobretudo a igualdade e a necessidade, fazendo proposições para o edificar de condições de igualdade econômica e social entre os indivíduos. Havia a persecução de um ideal de igualdade, que por vezes sacrificava até o ideal de liberdade.
Nas suas diversas instâncias, o Estado deve assegurar através de sua ação positiva a criação de várias formas de se garantir à sociedade como um todo, não só o surgimento de normas que venham de encontro às necessidades sociais, mas muito além disto, garantir a efetividade das mesmas de forma que o cidadão possa exercer plenamente a sua cidadania. É imperativo ter de forma cristalina que os direitos à cidadania definem-se sempre em relação ao Estado, ao poder público. Nessa ordem de idéias é de entender-se que a definição de cidadania acaba por ser uma definição política, sobretudo no que tange à relação de poder. Assim, para que haja cidadãos com direitos e deveres é necessário previamente a existência do poder que reconheça tais direitos e que se coloque em posição de garantí-los – o Estado.
Não há cidadãos sem Estado e Estado sem cidadãos. Assim é que se pode definir cidadania como sendo uma relação entre o Estado e um indivíduo, ou um conjunto de indivíduos. E se define desta forma sempre em relação à maior ou menor presença do Estado em forma de ingerência, sobre a vida de tais indivíduos.
Os direitos sociais são os mais jovens em nossa história dependendo para sua plena efetividade da ação positiva do Estado, assim sua natureza é oposta às dos demais direitos de cidadania.
Em função desta natureza é que os mesmos geralmente possuem sua efetivação mais complexa e demorada. Uma vez criados, assumem caráter pragmático, ou de propostas a serem exercidas em futuro próximo. Isto se dá porque, com a criação de tais normas, toda uma estrutura preexistente tem de ser remodelada, mudanças tem que ser efetivadas nas políticas públicas, na forma dos agentes públicos e dos serviços públicos “agirem” se adaptando às mudanças. Referidas mudanças encontram muitas vezes óbice em interesses contrários, na inércia de muitos e indiferença de outros.
As políticas sociais, sobretudo se analisadas sob a égide do desenvolvimento social, revelam que dentre suas funções endógenas estão a questão da renda e do emprego, o que demonstra os efeitos econômicos das mesmas no seio social. Exemplo claro de tal fato são as medidas de apoio ao pequeno produtor rural, a possibilidade do segurado especial ser beneficiário da previdência social em função do simples exercício da atividade rural, dentre outras medidas.
Nas últimas décadas os programas sociais foram desenvolvidos com elevados níveis de centralização decisória, burocratização, concentração e inflexibilidade na alocação dos recursos. Além disso, careceram de avaliação e acompanhamento, seja do ponto de vista técnico, seja do político. Prevaleceram controles formais, distanciados da realidade, com erros e desperdícios. Impõe-se, portanto, imediata reavaliação dos diferentes programas sociais, com vistas a ajustá-los à orientação política de democratização, descentralização de molde a torna-los enquanto políticas públicas, efetivos.
Nos últimos anos, os efeitos da crise econômica foram particularmente graves para os trabalhadores. A falta de mecanismos de proteção e a posição relativamente omissa do governo contribuíram para agravar o impacto do desemprego, subemprego e da alta rotatividade da força de trabalho. Além disso, a escassez de recursos reduziu a eficácia da fiscalização destinada a proteger o trabalhador. Foram igualmente prejudicados os programas de formação profissional, promoção cultural e de lazer da classe.
O governo necessita assumir sua responsabilidade na proteção dos direitos trabalhistas e no aperfeiçoamento do mercado de trabalho, para que os trabalhadores, possam gozar via formalização dos direitos esculpidos na CF/88, Lei 8231/98, decreto 3048/99 dentre outros. Não Basta a existência de normas, é preciso garantir sua aplicação em benefício de seus destinatários.
No campo da assistência social, a justificativa se dá em função do empobrecimento da população e as dificuldades de acesso ao LOAS especificamente ao amparo ao idoso e ao portador de deficiêcia. Uma das variáveis pode ser o excesso de centralização e burocratização na condução do programa, aliados a um modelo com estratégias inadequadas, atuando sobre grupos e categorias da população de forma isolada de seu meio familiar e comunitário
O problema da efetividade, tanto na previdência, quanto na assistência social, passa por entraves e facilitadores, sendo necessário o diagnóstico dos entraves da política, sua análise, a proposição de facilitadores, bem como a análise dos facilitadores existentes de modo a proporcionar uma contribuição a essa área e a toda a sociedade brasileira, assim considerados os destinatários das políticas públicas no Brasil.
Para isso, é indispensável aperfeiçoar a articulação das atividades dos governos federal, estadual, municipal essa articulação deverá voltar-se para atender ao maior número possível de pessoas, evitando superposições de atividades.
Os problemas hoje enfrentados nesta área – dos direitos da cidadania – decorrem de diversos fatores, dos quais os principais são:
– a natureza do desenvolvimento econômico e social, que nos últimos anos acentuou as desigualdades sociais e regionais, restringiu a participação dos cidadãos e aumentou a violência urbana e rural;
– a importância relativamente pequena que os investimentos públicos federais concederam, dentro da área social, ao aperfeiçoamento e modernização dos organismos relacionados com segurança e justiça;
Maria Lúcia Luz Leiria, no texto A Interpretação No Direito Previdenciário pontua: “ A efetividade de determinado direito tutelado pela ordem jurídico-constitucional depende de expressão e força vinculativa do poder político-jurídico. Dentre muitos direitos fundamentais estampados na Declaração Universal, foram reconhecidos os chamados direitos sociais, tanto para o homem enquanto indivíduo, como para o homem enquanto coletividade. Esses novos direitos ou novas faces de interesses, que vão surgindo pela própria multiplicação das relações intersubjetivas, abrangem o direito à prestação do Estado para aqueles que não mais podem produzir ou que não mais se podem sustentar, que são aqueles diretamente ligados à chamada Seguridade Social. Trata-se de direitos da chamada segunda geração, que convivem com aqueles ditos de primeira geração, bem como com os denominados de terceira geração.
Tais direitos sociais, ditos de segunda geração e que se caracterizam pela necessidade de serem atendidos pelo Estado, justamente para que o princípio de garantia de vida digna seja obedecido, foram convivendo com novos direitos coletivos e difusos, onde predomina o interesse social de manutenção do meio ambiente, de preservação do patrimônio público e social, de proteção aos progressos da ciência, sem que se anulem aquelas bases e direitos fundamentais ditos individuais.
Entre tais direitos, estão aqueles que dizem respeito especificamente à Previdência Social, estatal e pública, assentados na Constituição com princípios norteadores que não podem ser afastados pelo político ou pelo jurista. Princípios esses que informam a aplicação das normas e textos referentes à Previdência Social e que devem ser buscados quando reconhecidos os direitos e não implementados, e enquanto assegurados e não efetivados, para que a norma abstrata se converta em situação concreta e de efetiva justiça social.
A par dos benefícios ditos sem contraprestação – o benefício assistencial(5) e os concedidos aos segurados especiais -, todos os demais estão diretamente dirigidos pelo princípio contributivo-retributivo, observando-se critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (artigo 201 da Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Constitucional nº 20). Ou seja, o cidadão, enquanto trabalhador, contribui para que, em determinado momento e sob determinadas regras e condições, possa continuar mantendo uma vida digna com o percebimento de benefícios da Previdência Social.
Como todo direito fundamental, inscrito na Carta Constitucional, os benefícios previdenciários são direitos fundamentais sociais, comportando, para tanto, interpretação conforme os princípios constitucionais”.
“Importante salientar que o reconhecimento de tais direitos vem atrelado à necessidade de mecanismos capazes de garantir a sua efetividade – por isso direitos e garantias vêm enfeixados quase que num mesmo conceito. Tanto que tais normas que protegem e dizem os direitos fundamentais necessitam ser aplicadas imediatamente, por força da própria determinação constitucional.
A plena existência de ditos direitos fundamentais, quer de primeira, quer de segunda, terceira ou quarta geração, está insculpida em uma Constituição que, inclusive, aponta os mecanismos necessários para que sejam imediatamente aplicados e que não podem ser suprimidos pelo Poder Constituinte derivado – é o que se vê do artigo 60 da Constituição Federal.
Dentro deste espírito do exame constitucional do operador do direito, todos os textos infraconstitucionais devem-se adequar às garantias dos direitos fundamentais; em caso de infração, de atuação contrária aos ditos direitos, estão titulados o cidadão, as entidades de classe e o Ministério Público como autores diretos das ações constitucionais elencadas para que se efetivem e se tornem eficazes os direitos fundamentais acaso ameaçados ou violados.
Assentada, portanto, a clara natureza destes direitos referentes à previdência social, só com uma nova postura hermenêutica torna-se possível antever a pretendida concretização de tais direitos.
E é justamente aí que se torna absolutamente necessário conscientizem-se os operadores desta área da efetiva necessidade de adequação a estes novos conceitos”.
Liszt Vieira, em Cidadania e Globalização, assevera no capítulo 5 de seu livro tratando do direito e cidadania entre o moderno e o pós moderno:” A filosofia individualista do liberalismo fundamentou seu político nos direitos de primeira geração. Inspira-se, entre outras nas concepções de Locke, para quem o individuo precede o Estado. O governo, portanto, é para os indivíduos, e não o contrário. Por isso, o governo deve limitar-se a garantir os direito civis e políticos e evitar intrometer-se na atividade econômica, onde cada um, ao perseguir seus interesses individuais, contribuiria para o interesse coletivo pela ação da “mão invisível” de Adam Shimith, isto é pelo livre jogo das forças de mercado. A formulação conteporanea mais acabada do liberalismo é o pensamento Hayek, com sua crença mítica no mercado como única solução para o problema da produção e distribuição de riquezas. Com seu desprezo pelos direitos sociais e pelo welfore state, o liberalismo não resolveu o problema social, econômico e político da desigualdade” .
A existência de políticas públicas é de fundamental importância para uma sociedade organizada. O Estado possui o dever de desenvolver políticas que venham a atender as necessidades da sociedade. No caso vertente nos defrontamos com a existência de normas legais que amparam a estas necessidades sociais, porém o acesso as mesmas se tornam muitas das vezes inviável face à burocracia e a dificuldade que o cidadão possui em fazer valer seu direitos nos moldes pré estabelecidos por lei, o que acaba por inviabilizar o acesso ao direito em questão.
Negar ao cidadão, meios de exercer sua cidadania na mais pura acepção da palavra é vedar-lhe direito constitucional. Se existe uma forma, ainda que indireta de se provar algo real, concreto, como no caso em particular do rurícola e que não venha de modo algum de encontro com a norma, essa deve ser assegurada a quem de direito. Assim, abrindo-se essa possibilidade, a de provar algo que está estampado na sua face, mãos, pés e alma, estaria se devolvendo a esse cidadão o direito a dignidade da pessoa humana.
Tal prova é de suma importância, pois que devido à dificuldade encontrada para se comprovar o exercício da atividade rural, o implemento da política pública não se reveste da eficácia esperada para atender essa demanda social. O que pode acarretar como conseqüência a desmotivação de uma geração inteira a permanecer no campo, uma vez que a luta diuturna de seus pais sob o sol escaldante sobretudo do norte de minas não foi capaz de garantir-lhes o ingresso na terceira idade de forma digna. Em decorrência de tais fatos corre-se o risco do êxodo rural tomar mais impulso, aumentando muitas das vezes o processo de favelização dos municípios, diminuindo a riqueza circulante em determinada região, bem como trazendo problemas sociais de grande monta. Por mais simples que pareça, tal prova pode trazer grande desenvolvimento social, a região norte de minas que é predominantemente agrícola.
Os entraves existentes a garantia da efetividade das políticas públicas, como visto, vão desde à falta de conscientização dos cidadãos, até a burocratização do processo de concessão, o que traz à sociedade como um todo prejuízo grave, e de difícil reparação. Uma dívida social que vem crescendo a olhos vistos, e que infelizmente tem o condão de manter milhares e milhares de brasileiros em condições subumanas, fato, que se não contido, irá, em futuro não muito distante, causar uma crise tão grande na área social, que o preço a ser pago pelo resgate de tais direitos, será muito mais alto do que toda a sociedade possa imaginar.
Professora titular das cadeiras de Direito e Legislação Social, Direito Previdenciário e Introdução ao Direito da FAVAG Faculdade Vale do Gorutuba – Nova Porteirinha/MG. Fundadora da Ramos de Oliveira Assessoria e Consultoria Jurídica. Advogada especialista em Direito Público, atuando nas áreas tributária e previdenciária no Estado de Minas Gerais. Autora de diversos artigos e obra jurídica na área previdenciária e tributária.
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