Resumo: Atualmente um assunto que merece destaque é a proposta de lei de privatização dos presídios. Para tanto, o presente trabalho se propõe ao estudo desse instituto com o escopo de analisar o posicionamento doutrinário e a legislação pátria, como forma de garantir que prevaleça o interesse público sobre particular e a dignidade da pessoa humana. Uma das problemáticas encontradas seria sobre qual o real interesse das empresas privadas estarem a frente da execução penal, como um dos principais garantidores do cumprimento da pena? Este trabalho tem como objetivo analisar criticamente o fenômeno da pena privativa de liberdade no Brasil e a situação em que se encontram os presídios. Elencar alguns aspectos da ressocialização do preso sem a necessidade da privatização dos presídios, garantindo a dignidade da pessoa humana. O método de abordagem adotado na presente pesquisa foi o dedutivo, e quanto aos métodos de procedimento, pode-se afirmar que foram utilizados o descritivo e o analítico. Enquanto a técnica pode ser caracterizada como uma pesquisa bibliográfica, a pesquisa é desenvolvida a partir de material já elaborado, para tanto, foram utilizados livros, artigos e o meio eletrônico com a intenção de abordar a temática em questão. Pelo exposto, vale frisar que a tema esclarecido no presente estudo é de essencial significância para o direito contemporâneo, já que vem incentivando formas mais eficazes de garantir a execução da pena e os direitos fundamentais do preso.
Palavras-chave: Dignidade da pessoa Humana; Pena privativa de liberdade e presidio.
Abstract: Nowadays, a matter that deserves mention is the proposal for a law to privatize prisons. In order to do so, the present work proposes to the study of this institute with the scope of analyzing the doctrinal position and the national legislation, as a way to guarantee that the public interest over private and the dignity of the human person prevails. One of the problems encountered would be the real interest of private companies to be at the forefront of criminal enforcement, as one of the main guarantors of compliance with the sentence? This work aims to analyze critically the phenomenon of the custodial sentence in Brazil and the situation in which the prisons are located. List some aspects of the re-socialization of the prisoner without the need to privatize the prisons, guaranteeing the dignity of the human person. The method of approach adopted in the present research was the deductive, and as for the methods of procedure, it can be affirmed that descriptive and analytical were used. While the technique can be characterized as a bibliographical research, the research is developed from material already elaborated, for that, were used books, articles and the electronic medium with the intention of approaching the subject in question. In the light of the foregoing, it is important to emphasize that the theme clarified in the present study is of essential significance for contemporary law, since it has been encouraging more effective ways of guaranteeing the execution of the sentence and the fundamental rights of the prisoner.
Key words: Dignity of the human person; Penal deprivation and imprisonment.
Sumário: Introdução. Pena privativa de liberdade. Sistema prisional. Privatização das unidades prisionais. A privatização dos presídio em confronto com a dignidade da pessoa humana. Considerações finais.
INTRODUÇÃO
Os conflitos jurídicos vêm surgindo cada vez mais com a evolução da sociedade e o crescimento exacerbado das grandes metrópoles, daí o Estado e seu órgão jurisdicional, o Poder Judiciário, necessitaram restabelecer o equilíbrio causado pelos conflitos de interesses entre os homens, tendo em vista as relações sociais se tornarem cada vez mais intensas.
Desde os primórdios sempre existiu uma ideia de pena e de prisão para fazer com que o individuo pagasse por descumprir alguma regra social, com o passar do tempo, à sociedade foram se aperfeiçoando as espécies de pena e alterando-se a finalidade da prisão. Desta forma, a prisão tomou grandes espaços quando se violaram os direitos considerados mais importantes tendo como base a garantia dos direitos fundamentais.
Com a preocupação da lotação dos presídios e dos gastos extremos do Estado para manter o sistema carcerário, buscou-se tentar achar soluções alternativas para garantir a execução da pena com um mínimo de gastos, e com isso foi apresentada a proposta de lei nº 513/2011, que traz a possibilidade das Parceiras Pública Privada (PPP) das empresas privadas com o Estado.
Destarte, a temática do presente trabalho pretende mostrar que a pena de prisão é exclusiva do Estado e que podem existir outros meios de resolver os problemas dos presídios sem a necessidade de privatização, garantindo assim a finalidade essencial, qual seja, a ressocialização do preso.
O objetivo geral é analisar, criticamente, o fenômeno da privatização dos presídios no Brasil em face do princípio da dignidade da pessoa humana de forma a garantir o mínimo existencial e que o apenado possa voltar à sociedade. E a escolha do tema se deu por ser atual e de suma importância já que os problemas dos presídios são visíveis e cada vez mais crescente.
O trabalho pode ser caracterizado como uma pesquisa bibliográfica, de acordo com (GIL, 2006) a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado constituindo principalmente de livros e artigos científicos, a principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla, fornecendo ao pesquisador fontes teóricas, de conhecimento, e o treinamento cientifico que habilitam a produção de trabalhos; investigando as diferentes contribuições científicas sobre determinados temas. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato sobre determinado assunto, oferecendo meios para definir, resolver problemas, permite ao cientista reforço paralelo na análise de suas pesquisas.
Para tanto serão utilizados livros, artigos impressos e o meio eletrônico com a intenção de abordar a temática em questão. A pesquisa bibliográfica não é a repetição do que já foi escrito sobre determinado assunto, mas o propiciamento do exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras.
Na primeira parte, se concentra uma breve evolução histórica e conceitual das penas privativas de liberdade, na qual se especifica o cárcere. Em seguida há uma demonstração da situação atual dos presídios no Brasil, onde não são cumpridos os mínimos para subsistência dos presos, além da lotação já existente, ainda há o aumento de presos preventivos.
Posteriormente cita-se o projeto de lei para privatizar os presídios que traz Parcerias Públicos Privadas como uma “tábua de salvação” para se resolver os problemas e por fim, o confronto dessa proposta com o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Em face do exposto, neste trabalho será constatado que a ideia de privatização dos presídios não vai resolver os problemas já existentes e que o Estado deve exercer de forma exclusiva o poder de punir e manter a finalidade de fazer com que o apenado cumpra a pena que lhe foi imposta como forma de pagar pelo que fez e ressocializá-lo de forma a entregá-lo de volta a sociedade apto para trabalhar, reconstruir sua vida profissional e social.
1. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Os principais direitos garantidos na Constituição Federal de 1988 são a vida e a liberdade, este previsto no artigo 5º, inciso II da Carta Magna, quando determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude de lei.
A liberdade, portanto, é uma garantia constitucional, que passa evitar que a máquina estatal use de um poder arbitrário e irregular. Ocorre que quando os limites também impostos pelo Estado são violados, tem-se em mãos o poder de punir, dentre as quais a que mais gera discursões é a pena privativa de liberdade.
Não se sabe ao certo quanto ao início das penas privativas de liberdade no Brasil, já que o cárcere sempre existiu mesmo tendo finalidades distintas com o decorrer do tempo.
O Estado foi se desenvolvendo com as formas de punição, inicialmente a pena de prisão era vista tão somente como uma “prisão preventiva” até que o indivíduo fosse levado a cumprir a pena que lhe foi imposta tais como a pena de morte, trabalhos forçados ou penas que denegrissem a integridade física das mais variadas formas.
É importante ressaltar que após diversas lutas os direitos humanos, principalmente no que se refere aos presos, tomou mais destaque a partir da Constituição Federal de 1988. Hodiernamente o Estado democrático de Direito tem como base fundamental manter uma sociedade justa e igualitária para todos, tendo como base principal o princípio da dignidade da pessoa humana. Para tal feito se faz necessário manter a ordem social, desta forma o Estado toma para si o dever/poder de punir.
Conforme o ensino do doutrinador Fernando Capez, "prisão é a privação de liberdade de locomoção determinada por ordem escrita da autoridade competente ou em caso de flagrante delito". Portanto a finalidade da prisão é punir o condenado pela violação do ordenamento jurídico para sua reabilitação e retorno ao convívio social.
O direito penal é trazido como ultima hipótese, seria a “ultima ratio” do ordenamento jurídico. Quando uma obrigação é descumprida e se esgota todas as outras possibilidades, já que este ramo resguarda os direitos mais importantes.
Como podemos ver no artigo 283 do Código de Processo Penal:
“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”
O referido artigo traz, portanto, os limites impostos pelo próprio Estado para que não saiam limitando o direito de liberdade e de locomoção, que seria a regra no Brasil, sem que haja um mínimo de respaldo legal.
Além dessas hipóteses previstas no citado artigo, também se abrange as hipóteses dos art. 5º, LXI e art. 139, II, ambos da Constituição Federal, vale citar: crime militar próprio, assim definido em lei, ou infração disciplinar militar; em período de exceção. E no CPP, art. 684. Este último caso, pressupõe-se que o sujeito esteja regularmente preso (por flagrante ou ordem escrita de juiz) e fuja, até porque não há como o guarda penitenciário solicitar uma ordem escrita para a recaptura a tempo.
Há possibilidade de dois momentos da pena de prisão, a primeira é quando se torna necessário para o bom desempenho das investigações, caso o investigado de alguma forma possa prejudicar o bom andamento do momento processual que se encontre, este tem natureza meramente processual e finalidade cautelar que é a chamada prisão sem pena ou prisão cautelar que só pode ser efetivada se cumprir os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris.
Já a segunda possibilidade de prisão é quando já existe uma sentença condenatória transitada em julgado, esta trata-se de execução de uma pena imposta pelo Estado, desde que cumprido o devido processo legal, que seria a chamada prisão pena ou prisão penal.
No ordenamento jurídico brasileiro existe a divisão das espécies de prisão como forma de organização, cada um com seus requisitos e prazos que devem ser observados e cumpridos. Portanto o fundamento da prisão é a execução da pena, que tem como escopo fazer com que o apenado pague pelo delito cometido e possa se ressocializar e voltar a ter uma vida digna e harmônica em sociedade.
2. SISTEMA PRISIONAL
A partir da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 houve uma valoração da dignidade da pessoa humana e de forma a chamar mais atenção no processo penal, já que trouxe um rol de direitos e garantias que devem ser observados no julgamento até o final do cumprimento de uma sentença condenatória.
Atualmente deve-se compreender o direito penal e o processo penal junto com a Constituição de forma a trazer uma melhor efetividade dos direitos fundamentais e essenciais para que se possa manter uma vida digna e atingir a finalidade da pena de prisão que é a ressocialização.
Alguns desses princípios constitucionais são clausulas pétreas dada a importância que elas têm. Já os princípios infraconstitucionais devem adaptar-se a ordem maior. Segundo Pedro lenza:
“O art. 5.º, caput, da CF/88 estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos dos seus 78 incisos e parágrafos. Trata-se de um rol meramente exemplificativo, na medida em que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (§ 2.º)”. (Pedro Lenza, página 1.633)
Além do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III da CF, devem ser aplicados os princípios do artigo 5º que traz a garantia dos presos: o respeito à sua integridade física e moral e que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; que a pena deverá ser cumprida em estabelecimento qualificado pela natureza do crime, da idade e do sexo; às detentas é assegurado ter condições para permanecer com seus filhos no período de amamentação mas, como é sabido por todos, muitas dessas garantias e princípios não são cumpridas. (Art. 5º,III, XLIX , XLVIII, L, da Constituição Federal).
Percebe-se que a realidade nos presidio do Brasil é bem diferente do que está previsto em lei, acaba fugindo do seu papel de ressocializador e passa a ser uma “escola do crime”, faz com que o preso seja obrigado a se adequar ao convívio.
Colocando esses presos em um local totalmente inadequado e que não lhe deem chances de melhorar sua condição acaba piorando sua condição e tornando mais frágil para continuar no crime. A situação das unidades prisionais brasileiras é descrita por Carvalho Filho (2002, p.10):
“As prisões brasileiras são insalubres, corrompidas, esquecidas. A maioria de seus habitantes não exerce o direito de defesa. Milhares de condenados cumprem penas em locais impróprios. O Relatório da caravana da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados por diversos presídios do País, divulgado em setembro de 2000, aponta um quadro ‘fora da lei’, trágico e vergonhoso, que invariavelmente atinge gente pobre, jovem e semialfabetizada”.
Ao invés de enxergamos a pena privativa de liberdade como uma oportunidade de quem comete algum delito voltar à sociedade como uma pessoa ressocializada e pronta para seguir uma vida longe da criminalidade, o que vemos é totalmente o inverso. O descaso do Estado entrega pessoas em um meio totalmente degradante e que não respeita o mínimo para ser ter uma vida digna, mesmo sendo uma garantia estatal.
Seria utopia achar que o sistema penitenciário brasileiro funcionaria de forma que cumprisse com todos os respaldos previstos em lei. Os problemas são muitos: a superlotação dos presídios, falta de médicos o que claramente faz com que se espalhem doença com uma velocidade aterrorizante; falta de condições mínimas para subsistência de um individuo tais como saúde, educação, trabalho, alimentação, entre outros garantidos pela Carta Maior, enquanto a quantidade de presos provisórios só aumenta; a morosidade na justiça; falta de políticas públicas voltadas à segurança pública são só alguns dos fatores mais visíveis para que esse quadro posso ser revertido.
3. PRIVATIZAÇÃO DAS UNIDADES PRISIONAIS
A partir da década de 80 com um modelo de política neoliberal e no modo de produção capitalista, foi trazida a ideia de delegar alguns serviços estatais para o particular até então exercidas exclusivamente pelo Estado.
Os problemas que atingem o sistema penitenciário não são exclusivos dos países subdesenvolvidos, vários problemas são discutidos em todo o mundo e como forma de tentar resolver alguns deles, uma das possibilidades seria diminuir os gastos do Estado atribuindo também ao particular a possibilidade de auxiliar nesta função, o que geraria a privatização das prisões.
Atualmente existem dois modelos, que se destacam, são eles: o modelo norte-americano e o modelo francês. Como a situação das penitenciarias do Brasil é alarmante, em que as necessidades básicas não são observadas prejudicando assim a reabilitação do recluso, nos últimos anos o Brasil tenta acompanhar esse modelo de transferir a atividades a terceiros passando a gerenciar e fiscalizar a sua prestação como forma de melhorar esse sistema.
A ideia central é a contratação de uma empresa para realizar uma atividade meio, já que o momento a qual se encontra o sistema penitenciário é de crise e precisa-se buscar meios alternativos para que a pena de prisão possa devolver o apenado para a sociedade ressocializado.
Surge então uma ideia recente de privatização forma de ajudar a resolver tantos problemas. Uma das primeiras propostas de Privatização foi apresentada em 1992, pelo então Presidente do Conselho de Política Criminal e Penitenciaria do Ministério da Justiça, professor Oliveira (2007, on line):
“A primeira proposta de privatização do sistema penitenciário brasileiro é oriunda da reflexão sobre as modernas e recentes experiências que, nesse sentido, vêm sendo colocadas em prática em estabelecimentos prisionais dos Estados Unidos, da França, da Ingraterra e da Austrália”.
A primeira proposta feita pelo Ministério público apresentada em 1992 foi arquivada em decorrência das divergências dentro e fora dos órgãos governamentais. A exemplo da Ordem dos Advogados de Brasil que tratou do assunto como um retrocesso.
Atualmente se voltou ao debate dessa questão, que é o projeto de Lei do Senado nº 513, de 2011, que prevê a Parceria Público Privada do Poder Público com o particular que deverá ser feito por licitação, abrangendo os presos provisórios e definitivos em qualquer regime de pena que de forma resumida daria a liberdade para o concessionário explorar o trabalho dos presos e utilizar ambientes do estabelecimento penal para a comercialização de produtos e serviços oriundos desse trabalho.
Mister se faz destacar a diferença entre privatização e terceirização, já que existe uma confusão entre as dois e o foco principal aqui seria tratar da privatização.
Segue neste rumo, a doutrina de Di Pietro (2008, p.211):
“A terceirização, bastante utilizada no âmbito da iniciativa privada, aparece hoje entre os institutos pelos quais a Administração Pública moderna busca a parceria com o setor privado para a realização de suas atividades. Pode-se dizer que a terceirização constitui uma das formas de privatização (em sentido amplo) de que vem se socorrendo a Administração Pública.”
Portanto, entende-se por terceirização quando a administração pública não consegue manter sozinha a atividade fim, busca ajuda da administração privada através de meios e serviços que garantam o exercício adequado da atividade meio, sem mudar de objetivo. O Estado não possui vínculo e nem subordinação ao particular, pelo contrário, o agente particular que deve obediência a regulamentação estatal.
Já no que se refere a privatização conceitua Di Pietro (2008, p. 5-6), desta forma:
“[…] abrange todas as medidas adotadas com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado e que compreendem, fundamentalmente: a. a desregulação (diminuição da intervenção do Estado no domínio econômico); b. a desmonopolização de atividades econômicas; c. a venda de ações de empresas estatais ao setor privado (desnacionalização ou desestatização); d. a concessão de serviços públicos (com a devolução da qualidade de concessionária à empresa privada e não mais a empresas estatais, como vinha ocorrendo); e. os contracting out (como forma pela qual a Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do setor privado, podendo-se mencionar, como exemplos, os convênios e os contratos de obras e prestação de serviços; é nessa última fórmula que entra o instituto da terceirização.”
Portanto a privatização é a transferência completa e total do setor público para o privado, o que seria inconstitucional já que é atividade exclusiva e indelegável do Estado. Desta forma a terceirização é uma das modalidades da privatização, sendo que a principal diferença é que a primeira é uma descentralização parcial e não encontra impedimento no ordenamento jurídico, enquanto a outra é uma descentralização total e inconstitucional.
Um dos pontos frisados é que a execução da pena seria uma atividade exclusiva do Estado, no entanto o que se percebe é que o Estado não pode perder tal atribuição, já que é prevista na Constituição Federal, no artigo 144 que trata do seu dever de garantir a segurança pública e a ordem social e traz os órgãos que também tem essa capacidade.
Mesmo com esse dever, o Estado ainda deve fiscalizar, como bem retrata o art. 72, inciso II, da Lei de Execução Penal.
“Art. 72. São atribuições do Departamento Penitenciário Nacional:
II – inspecionar e fiscalizar periodicamente os estabelecimentos e serviços penais;”
O poder público tem o poder/dever de garantir a segurança, fiscalizar se estão sendo cumpridas as previsões legais de forma que se tenha a ordem social e que sejam observados o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana.
4. A PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIO EM CONFRONTO COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Necessário se faz observamos o fundamento do princípio da dignidade da pessoa humana prevista na Carta Magna como principio fundamental:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…)
III – a dignidade da pessoa humana;”
Vale destacar também o conceito de um princípio tão importante e consagrado que seria a dignidade da pessoa humana. Segundo Alexandre de Moraes:
“Concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente as personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mais sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.” (Pág. 19)
É possível perceber que desde o momento em que nascemos temos garantido a uma vida digna apenas pela qualidade de pessoa humana e nenhum outro indivíduo pode violá-la. Entretanto, é o primeiro a ser violado quando a pessoa encontra-se encarcerada.
A mídia atualmente tem grande influência sobre o senso comum social, o que acaba gerando uma sensação de que a prisão é a única solução e que quem está lá deve sofrer, esquecendo que são humanos e que também tem garantias para uma vida digna. De acordo com BULLOS:
“Princípios fundamentais são diretrizes imprescindíveis à configuração do Estado, determinam-lhe o modo e a forma de ser. Refletem os valores abrigados pelo ordenamento jurídico, espelhando a ideologia do constituinte, os postulados básicos e os fins da sociedade. […] São qualificados de fundamentais, porquanto constituem o alicerce, a base, o suporte, a pedra de toque do suntuoso edifício constitucional […].Tais princípios possuem força expansiva, agregando, em torno de si, direitos inalienáveis, básicos e imprescritíveis, como a dignidade humana […]”. (2012, p.503)
Quando a Constituição Federal retrata sobre a dignidade da pessoa humana em seu artigo 1º, inciso III, traz como fundamento a justiça social, para garantir a igualdade entre todos como meio necessário para uma vida justa e harmônica também inclui-se os presos durante o cárcere.
Certo é que a dignidade da pessoa humana cabe a toda pessoa humana e é dever do Estado garantir que sejam cumpridas as condições básicas para isso, entretanto, o que se observa é a situação atual dos presídios que se encontram em uma catástrofe.
Por mais que se busquem alternativas para se alterar a condição em que se encontram os presídios, a privatização não é a solução adequada. Podemos analisar alguns aspectos tais como:
A competência exclusiva do Estado prevista constitucionalmente de punir e ressocializar o delinquente. Podemos ver no texto legal da Carta Magna:
“Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico. (…)
§ 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.”
Podemos perceber também que a iniciativa privada tem como único interesse e preocupação o lucro e não a reintegração social do delinquente e nem o seu bem-estar, é certo que as empresas privadas buscam o lucro mais quando se tem como único interesse iria prejudicar o com funcionamento da execução penal. O Estado usa como justificativa os altos gastos com cada preso e retratam a superlotação dos presídios, isso já seria motivo de maior lucro para as empresas, quanto mais presos e quanto mais tempo eles passassem presos melhor seria para as empresas privadas.
Em um país onde se tem a maior taxa de população nos presídos, segundo dados do DEPEN, no qual a taxa de ocupação é de 161% em 2014 e só tende a encarcerar cada vez mais. Os Estados Unidos, é um exemplo do endurecimento das penas e uma repressão policial ainda mais ostensiva depois da privatização do sistema carcerário. Ou seja, começou a se prender mais e o tempo de permanência na prisão só aumentou. Hoje, as penitenciárias privadas nos EUA são um negócio bilionário que apenas no ano de 2005 movimentou quase 37 bilhões de dólares.
Existe também a grande possibilidade de implantação de trabalho forçado sem a livre adesão do preso. É previsto legalmente a possibilidade do preso trabalhar mas de forma opcional e não obrigatória, não podendo ser forçado fisicamente ou moralmente, já que a empresa passaria a ter interessa como se afirma no art. 5º, XLVIII, alínea c da Carta magna. E de acordo com o artigo 31 da LEP atendidas as suas aptidões e capacidades do preso. Se a empresa contrariar tais preceitos, ela estará cometendo um crime, e, portanto será penalizada, inclusive em flagrante.
Outro ponto negativo seria o risco da empresa ter negócio com o crime organizado e mesmo que o Estado permanecesse com o dever de fiscalizar não o afastaria da responsabilidade por não ter tido meios suficientes para prevenir.
Por fim, existe uma possibilidade real de a empresa poder falir, o que dificultaria mais ainda o Estado até que outra empresa pudesse assumir, e o Estado deveria estar preparado para assumir esse risco e a possibilidade de acompanhar o faturamento da empresa. Também existe a possibilidade da empresa realizar greve, já que é um direito garantido constitucional do servidor e nesse caso seria inadmissível, pois é um serviço público essencial e que não pode ser suspenso ou interrompido.
O Estado é garantidor do bem-estar da sociedade e isso não exclui os apenados que por terem infringido o ordenamento jurídico não devem ficar à margem da sociedade e tratados como se não fossem humanos, privatizar os presídios seria, portanto, uma afronta ao Estado democrático de Direito.
Portanto a sociedade deve ser justa e igualitária, e o Estado deve cumprir com seu dever de inicialmente trazer políticas públicas voltadas a evitar a criminalidade e também posteriormente, caso já tenha ocorrido o crime que o Estado o mantenha o apenado com condições mínimas para que possa o entregar de volta a sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No desenvolver do presente trabalho se buscou analisar a pena de prisão, as falhas do sistema penitenciário brasileiro e o serviço do cárcere dando maior ênfase à proposta de privatização. Essa proposta é um tema que gerou muitas discursões tanto no meio acadêmico, quanto nas searas jurídica, profissional e política.
É um tema bastante controvertido, existindo bases teóricas bem fundamentadas tanto para quem é a favor quanto pra quem é contrario a proposta, mas fazendo uma analise profunda sobre o tema fica claro que não seria o ideal para o momento em que o Brasil se encontra.
Os problemas do cárcere no Brasil são muitos, existem violações dos direitos básicos do preso para terem um mínimo de subsistência digna, mas a proposta de uma Parceria Público Privada do Estado com as empresas particulares só iria piorar a situação, já que o particular teria interesse na execução penal abrindo margem para trabalhos forçados, lucros exorbitantes, dentre outros aspectos.
Os direitos fundamentais devem ser observados pelo Estado já que são garantias previstas na CF/88 como forma de atingir o essencial para uma vida digna, e são consideradas clausulas pétreas, pela importância que lhes foram atribuídas já que são necessárias a todos os seres humanos independente de estarem em liberdade ou não, e o Estado é detentor exclusivo da execução penal, desse modo, obrigado a garantir esses direitos e quando um bem for violado se tem a possibilidade de uma resposta para sua resolução.
O que não pode ocorrer é que o lucro seja elevado a um nível superior do que a finalidade da pena privativa de liberdade que é a de ressocializar o apenado e o devolver a sociedade pronto para seguir sua vida longe da criminalidade, seria assim, uma forma de garantir a dignidade da pessoa humana.
Advogado Bacharel em Direito pela FAFIC Pós-graduado no Curso Latu Senso de Direito Penal da FAFIC Pós-graduado no Curso Latu Senso de Docência do Ensino Superior da Faculdade Santa Maria Pós-graduando no Curso Latu Senso de Gestão Pública Municipal pela UECE
Advogada, Bacharel em Direito pela FAFIC, Pós-graduada no Curso Latu Senso de Direito Penal da FAFIC
Enfermeira, Possui graduação em Enfermagem pela Faculdade Santa Maria-FSM, Pós Graduada em Bloco Cirúrgico e Clínica Médica pelo Centro de Treinamento São Camilo Cariri-CE, pós graduada em Enfermagem Dermatológica pela Faculdade Santa Maria (FSM), pós graduada em Docência no Ensino Superior-FSM
Advogado, Bacharel em Direito pela UNIPÊ, Pós-graduado no Curso Latu Senso de Direito Constitucional da UNIPÊ
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