Resumo: Os tratados internacionais em matéria tributária têm hierarquia superior às leis. Isso significa que esses acordos entre países não podem ser revogados por leis tributárias internas, publicadas posteriormente. Todavia, o assunto ainda é controverso.
Palavras-chave: Tratados internacionais. Legislação tributária. Bitributação internacional.
Abstract: International treaties in tax laws have higher hierarchy. This means that these agreements between countries can not be revoked by domestics tax laws, published later. However, the subject is still controversial.
Keywords: International treaty. Tax laws. International double taxation.
Sumário: 1 Introdução; 2 A questão da bitributação internacional; 3 Solução bilateral à bitributação internacional; 4 A recepção dso tratados e convenções internacionais como solução à bitributação; 6 Considerações finais; 7 Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO.
O presente trabalho propõe o estudo sobre a aplicação de tratados internacionais sobre matéria tributária no Brasil. Segundo o ministro Gilmar Mendes, avaliando o caso da Empresa Volvo ainda pendente de julgamento, os tratados internacionais em matéria tributária têm hierarquia superior às leis. Isso significa que esses acordos entre países não podem ser revogados por leis tributárias internas, publicadas posteriormente. Todavia, o assunto ainda é controverso.
Modernamente a questão da bitributação internacional assume maior relevância, na medida em que se estabelecem blocos econômicos de integração regional. E o Brasil, com pretensões de assumir uma posição determinante no comércio internacional, precisa encarar a problemática de frente.
2. A QUESTÃO DA BITRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL.
A bitributação consiste em um fenômeno de Direito Tributário que ocorre quando dois entes tributantes cobram dois tributos sobre o mesmo fato gerador. Não há vedação expressa da bitributação na Constituição Federal brasileira.
No tocante a bitributação internacional, a doutrina exige a regra das quatro identidades. Segundo tal regra é necessária a identidade do objeto, do sujeito (contribuinte), a identidade do período tributário e a identidade de imposto.
Conforme o professor Heleno Torres, a problemática apresentada na questão da bitributação internacional está localizada na relação entre dois ou mais sistemas tributantes de estados soberanos, instigada por inevitáveis concursos de pretensões impositivas sobre um mesmo ato de produção de rendimentos, em base transnacional.[1]
De fato, o problema exsurge quando os países adotam estruturas diversas no que concerne à tributação de rendimentos. E isso ocorre sobre duas formas de estruturas: a baseada no princípio da universalidade (pelo critério da nacionalidade ou da residência) e a baseada no princípio da territorialidade (pelo critério da fonte).
Pelo princípio da universalidade da tributação, o Estado pode tributar rendimentos de residentes em seu território, independentemente do local onde o fato gerador ocorra. A utilização de tal princípio somente é possível em razão da adoção de critérios de conexão pessoal (como defendida pelo Professor Sacha Calmon) entre o fato imponível ou o sujeito e o território do Estado do qual emana a referida lei tributária.
Ao passo que o princípio da territorialidade tributária está unido ao critério espacial da hipótese de incidência tributária, sendo tributáveis os rendimentos auferidos dentro dos limites territoriais do país, por residentes ou não residentes.
Consoante Alberto Xavier, o aspecto puro do princípio da territorialidade está designado pelo aspecto territorial, uma vez que a doutrina procurou delimitar o alcance do princípio da territorialidade aos critérios objetivos/territoriais, de forma que somente seria vislumbrada a possibilidade de tributação de rendas efetivamente produzidas no interior do território do Estado do qual emanou a norma tributária.[2]
Cumpre salientar que a adoção do critério da universalidade não exclui o da territorialidade, uma vez que este pressupõe a possibilidade de tributação de residentes ou não residentes, além de permitir a tributação dos residentes por rendas produzidas fora dos limites territoriais do Estado tributante.
Exatamente por isso, ou seja, pela possibilidade de adoção conjunta de ambos os critérios, isto é, da territorialidade e da universalidade, surge o problema da dupla tributação da renda no plano internacional.
Para as rendas de pessoas jurídicas residentes, o Brasil passou a adotar o regime de universalidade a partir da entrada em vigor da Lei 9.249/95, cujo artigo 25 permitiu o alcance dos rendimentos por conexão pessoal, independentemente do local da sua produção, e, desse modo, afastou o princípio da territorialidade pura para os sujeitos qualificados como residentes, ficando esse último mantido apenas para os sujeitos definidos em lei como não residentes.[3]
Assim o Brasil adota o princípio da universalidade (renda mundial). A tributação da renda mundial tem como elemento de conexão o domicílio. Por esse critério, a pessoa submete-se à tributação em relação à renda global, renda mundial, o total da renda produzida, independentemente do local (território interno ou externo) em que ela foi produzida.
Destarte, a partir de 1995, a incidência do Imposto de Renda passou a alcançar sujeitos passivos localizados no exterior (coligadas, controladas, filiais etc), desde que domiciliados no Brasil (estabelecidos).
Segundo os princípios da justiça fiscal e da capacidade contributiva, a bitributação internacional é muito criticada, além de apresentar um obstáculo às relações internacionais do comércio e da cultura, interferindo no movimento de capitais e pessoas, prejudicando as transferências de tecnologia e intercâmbios de bens e serviços.
Tão importante quanto às consequências já apontadas, destaca-se a consequência natural da bitributação internacional, a elisão e sonegação fiscal internacional. É inegável que diante de elevada carga tributária, muitos se valerão da condição de empresas transnacionais para a práticas de elisão e sonegação fiscal.
3. SOLUÇÃO BILATERAL À BITRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL.
Com vistas a solucionar ou minorar os efeitos da dupla ou múltipla tributação internacional, à disposição dos Estados encontram-se medidas unilaterais ou soluções bilaterais – assinatura de tratados e convenções internacionais.
No primeiro caso, as medidas são ordinariamente tomadas por aqueles Estados que adotam o princípio da universalidade, mediante leis nacionais com elementos capazes de atenuar os efeitos da bitributação internacional, tal qual medidas de concessão de isenção, a aplicação do método da imputação, da redução da alíquota ou o da dedução na base de cálculo dos valores pagos no exterior a título de tributos.
Na verdade, estas medidas adotadas unilateralmente não constituem, a rigor, medidas para solução do problema ora apresentado. Assim, em razão da insuficiência unilateral, os tratado e as convenções bilaterais constituem hodiernamente a solução mais aplicada.
Nesta perspectiva, por meio de tratados e convenções internacionais podem os Estados contratantes delimitam suas respectivas competências tributárias, enquanto estados da fonte produtora dos rendimentos ou estados da residência (da matriz). Assim, poderão limitar sua soberania tributária.
Ademais, os tratados e convenções internacionais, podem estabelecer como objetivo a eliminação da bitributação internacional econômica (e não apenas a jurídica). Assim, o Estado da residência poderá conceder a dedução dos valores pagos por outro sujeito passivo com tributos no estrangeiro.
Entretanto, os Estados se deparam com outra controvérsia: conferir ou não primazia ao direito internacional convencional sobre o direito interno.
A Suprema Corte do Brasil ainda não pacificou seu entendimento, tendo em vista os preceitos permissivos para tanto, sejam eles constitucionais (art. 4º, inc. IX e parágrafo único e art. 5º, parágrafo 2º), legais (art. 98 CTN) ou doutrinários.
A tendência da jurisprudência pátria é priorizar o direito convencional internacional sobre o direito interno, mormente num contexto político e histórico que tem por objetivo maior a interação entre os povos para o progresso da humanidade.
A adoção destes princípios pelos tribunais brasileiros só leva a entender que a República Federativa do Brasil, passa assim, a gozar de prestígio na ordem jurídica internacional, tendo em vista a ética e respeito dedicados ao direito das gentes, seja quando este se expressa na ordem exclusivamente internacional, ou quando se integra ao ordenamento jurídico pátrio.
4. A RECEPÇÃO DOS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS COMO SOLUÇÃO À BITRIBUTAÇÃO.
Quando o assunto é a aplicação de tratados internacionais pelo ordenamento jurídico brasileiro, a legislação interna apresenta inúmeras lacunas, criando a possibilidade de diversas formas de interpretação, ocasionando dissensos doutrinários e jurisprudenciais.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n.º 349.703, afirmou a supralegalidade dos tratados internacionais. Além disso, o Congresso Nacional aprovou a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados por meio do Decreto Legislativo n.º 469/2009, segundo o qual “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.
Por outro lado, cumpre destacar julgado dissonante:
“114788 – IMPOSTO DE RENDA – PESSOA JURÍDICA DOMICILIADA NO EXTERIOR – DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS – RETENÇÃO NA FONTE – PRETENSÃO DE TRATAMENTO IDÊNTICO AOS CONTRIBUINTES NACIONAIS – INVIABILIDADE – 1. Considerando que, no ordenamento jurídico brasileiro, inexiste superioridade hierárquica dos tratados e convenções internacionais em relação à Lei ordinária, válida a exigência do imposto de renda na fonte, relativamente ao sócio residente no exterior, tendo em vista a expressa previsão na legislação posterior à “convenção internacional entre Brasil e Suécia para evitar dupla tributação sobre a renda” (Decreto nº 77.053/76). 2. Não vislumbrada a violação ao princípio constitucional da isonomia tributária, pois inexiste relação de similitude entre o sócio, residente e domiciliado em território estrangeiro, súdito do Reino da Suécia e o sócio residente e domiciliado no Brasil. 3. Apelação improvida”. (TRF 4ª R. – AC 97.04.26084-9 – PR – 2ª T. – Rel. Juiz Fernando Quadros da Silva – DJU 11.04.2001 – p. 200)
Como pudemos observar, o fundamento jurídico adotado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, para não dar aplicação interna à convenção internacional firmada pelo Brasil e pela Suécia com vistas a evitar a bitributação sobre a renda, foi a de que os tratados e convenções internacionais não possuem superioridade hierárquica em relação à lei ordinária, podendo, portanto, ser revogados por lei posterior.
A par do entendimento do respeitado Tribunal, resta aguardar ma posicionamento definitivo do Supremo com fim de apasiguar e trazer solução aos conflitos apresentados, de modo a não comprometer ainda mais o comércio internacional em que o Brasil figura como parte determinante.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A dupla ou múltipla tributação internacional se manifesta como empecilho ao desenvolvimento econômico e sociocultural das nações, prejudicando o intercâmbio de tecnologias, pessoas, bens, capitais e serviços, promovendo, por outro lado, a prática de condutas de elisão e sonegação fiscal internacional.
Diante desta realidade, o sistema jurídico brasileiro precisa dotar a eficácia ponderada dos tratados e convenções internacionais firmados com o objetivo de evitar a bitributação internacional, sem comprometer a fiscalização dos órgãos competentes.
Assim, honrando os seus compromissos internacionais, gozará o Estado brasileiro de confiança no cenário internacional, garantindo um ambiente de segurança jurídica necessário ao aporte de capitais estrangeiros.
Advogada militante em Direito de Família, graduada pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) em convênio com a Associação Catarinense do Ministério Público (ACMP) e Especialista em Direito Cível e Empresarial pela Universidade Anhanguera em convênio com o Grupo Luiz Flávio Gomes
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