À procura da felicidade: uma análise da PEC nº 19 no ordenamento jurídico brasileiro

Resumo: Apesar de não se ter um conceito bem definido, a felicidade é algo que sobrepõe a própria natureza humana, de maneira que, cada indivíduo busca, em sua prospectiva, o que lhe deve ter garantida em si um mínimo existencial, razão tal que se discute na inserção da “busca da felicidade no direito social”. É nesse aspecto que o Senador Cristovam Buarque (PDT-DF) pretende ver o referido direito positivado com a Proposta de Emenda Constitucional nº 19, inserindo-o no artigo 6º da Constituição de 1988, ou seja, como Direito Social. Trata-se, pois, de uma teoria que visualiza o cumprimento dos Direitos Sociais pelo Estado pós-moderno com o caminho que possibilita ao homem buscar a sua felicidade.

Palavras-chave: felicidade; direito fundamental; direitos sociais.

Abstract: Despite not having a well-defined concept, happiness is something that overrides human nature itself, so that each individual seeks in his foresight, which will become realized. It happens that, to have to reach this prospective, each individual must have guaranteed themselves a minimum existential reason this is being discussed in the insertion of the "pursuit of happiness in social law." It is this aspect that Senator Buarque (PDT-DF) want to see that right positivised to the Proposed Constitutional Amendment No. 19, placing it in Article 6 of the 1988 Constitution, ie, as social law. It is therefore a theory that sees the fulfillment of social rights by the State with the postmodern way that enables men to pursue their happiness.

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Keywords: happiness; fundamental right; social rights.

Sumário: 1 – Introdução; 2 – Apontamentos sobre a felicidade; 3 – O Projeto de Emenda Constitucional n. 19/10: “a PEC da Felicidade”; 4 – Considerações finais; 5 – Referências bibliográficas.

1 – INTRODUÇÃO

A felicidade é um tema que já fora delineado e estudado por vários outros ramos. Trata-se de um termo sem conceituação definida, devido sua complexidade e amplitude, porém, conhecida e almejada por todos.

Essa relação entre direito e felicidade tem conquistado, cada vez mais espaço nos estudos jurídicos nacionais.

Observa-se, pois, que a felicidade é um bem inato ao homem e essencial para sua vida. É, portanto, um direito e garantia fundamental e como bem ressalta MENDES et all (2009) os direitos e garantias fundamentais, em sentido material, são, pois, pretensões que, em cada momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não trouxe expressamente, em seu texto, o direito à busca da felicidade, porém, garante um mínimo existencial (parcela mínima que cada pessoa precisa para sobreviver) para a proteção da dignidade da pessoa humana.

Como forma de se garantir a felicidade como direito social, abordou-se o Projeto de Emenda Constitucional N. 19/10, apelidada de “PEC da Felicidade”, sua proposta de  alteração e justificativa.

Nesses moldes, com base na doutrina pátria, estudou-se a felicidade por um aspecto conectivo com a concretização dos Direitos Sociais.

Destarte, o objeto deste artigo científico é o Direito Fundamental à felicidade. Seu objetivo é verificar, com base na doutrina, os caracteres da garantia à felicidade como Direito Fundamental no texto da Magna Carta.

Desse modo, o direito à busca da felicidade surge como decorrência dos próprios direitos fundamentais presentes no sistema jurídico, que se projetaram para a realidade pessoal dos cidadãos.

2- UMA REFLEXÃO SOBRE A FELICIDADE

Nos dizeres de Aristóteles (2009, p. 59)

“a felicidade é a finalidade da natureza humana, como dádiva dos deuses, a felicidade é perfeita.  A felicidade é um bem supremo que a existência humana deseja e persegue, de modo que a felicidade depende dos bens exteriores para ser realizada. Deste modo, é na busca da felicidade que se justifica a boa ação humana, sendo os outros bens meios para atingir o bem maior felicidade”.

Viana (2009) lembra que

“a felicidade é uma questão metafísica prática, ligada a coletividade e não apenas ao indivíduo. Para o Filósofo a discussão sobre o tema felicidade já permeou a Europa durante a Revolução Francesa no século XVIII, uma vez que a ideia de ser feliz na terra, e não mais no céu, aboliu a prometida felicidade religiosa, trazendo para o homem amplos horizontes para a sua realização pessoal”.

A felicidade decorre do dever do Estado de promover o bem de todos, assegurar o direito à liberdade e à igualdade e de garantir o respeito à dignidade de cada um.

Desse modo, como o ser humano nunca deixa de desejar e o desejo sempre pressupõe um fim mais longínquo, a felicidade não seria uma atividade e nem um fim último ou supremo, mas sim o sucesso contínuo na obtenção dos objetos do desejo.

Assim, mesmo não expresso explicitamente na Constituição Federal, o direito à felicidade existe e precisa ser assegurado a todos. Não só pelo Estado, mas por cada um, que além de buscar a própria felicidade, precisa tomar consciência que se trata de direito fundamental do cidadão, de todos eles. (DIAS, 2007, p. 62)

A felicidade estaria na obtenção daquelas coisas que de tempos em tempos os homens desejam, ressaltando que esta seria a felicidade nesta vida, uma vez que não existe uma perpétua tranquilidade de espírito terrena, pois a vida não passa de movimento e jamais pode deixar de haver desejo, ou medo, da mesma forma que não se pode deixar de haver sensação. (RUBIN, 2010, p. 36)

O próprio Supremo Tribunal Federal já invocou a busca da felicidade para inúmeras decisões, reconhecendo-a, inclusive, como direito fundamental. Destacam-se as seguintes:

• União civil entre pessoas do mesmo sexo:

“E M E N T A: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO – ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI 4.277/DF) – O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA – O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE – PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006): DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO – DIREITO DO COMPANHEIRO, NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE DE SEU PARCEIRO, DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL – O ART. 226, § 3º, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA DE INCLUSÃO – A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – A PROTEÇÃO DAS MINORIAS ANALISADA NA PERSPECTIVA DE UMA CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL – O DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR) “QUALQUER DISCRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS” (CF, ART. 5º, XLI) – A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O FORTALECIMENTO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS QUE COMPÕEM O MARCO DOUTRINÁRIO QUE CONFERE SUPORTE TEÓRICO AO NEOCONSTITUCIONALISMO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE SEUS DIREITOS EM RAZÃO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL. – Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual. RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR. – O Supremo Tribunal Federal – apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) – reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. – A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade familiar. – Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA MODERNA. – O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio conceito de família. Doutrina. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. – O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. – O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. – Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado.” (RE 477554 AgR/MG, Relator Min. CELSO DE MELLO, j. 16/08/2011, Segunda Turma, DJe-164 25-08-2011)

• Lei de Biossegurança:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANÇA). PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO. I – O CONHECIMENTO CIENTÍFICO, A CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E SEUS REFLEXOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANÇA. As "células-tronco embrionárias" são células contidas num agrupamento de outras, encontradiças em cada embrião humano de até 14 dias (outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de blastocisto, ocorrente em torno de 5 dias depois da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino). Embriões a que se chega por efeito de manipulação humana em ambiente extracorpóreo, porquanto produzidos laboratorialmente ou "in vitro", e não espontaneamente ou "in vida". Não cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre qual das duas formas de pesquisa básica é a mais promissora: a pesquisa com células-tronco adultas e aquela incidente sobre células-tronco embrionárias. A certeza científico-tecnológica está em que um tipo de pesquisa não invalida o outro, pois ambos são mutuamente complementares. II – LEGITIMIDADE DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS PARA FINS TERAPÊUTICOS E O CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. A pesquisa científica com células-tronco embrionárias, autorizada pela Lei n° 11.105/2005, objetiva o enfrentamento e cura de patologias e traumatismos que severamente limitam, atormentam, infelicitam, desesperam e não raras vezes degradam a vida de expressivo contingente populacional (ilustrativamente, atrofias espinhais progressivas, distrofias musculares, a esclerose múltipla e a lateral amiotrófica, as neuropatias e as doenças do neurônio motor). A escolha feita pela Lei de Biossegurança não significou um desprezo ou desapreço pelo embrião "in vitro", porém u'a mais firme disposição para encurtar caminhos que possam levar à superação do infortúnio alheio. Isto no âmbito de um ordenamento constitucional que desde o seu preâmbulo qualifica "a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça" como valores supremos de uma sociedade mais que tudo "fraterna". O que já significa incorporar o advento do constitucionalismo fraternal às relações humanas, a traduzir verdadeira comunhão de vida ou vida social em clima de transbordante solidariedade em benefício da saúde e contra eventuais tramas do acaso e até dos golpes da própria natureza. Contexto de solidária, compassiva ou fraternal legalidade que, longe de traduzir desprezo ou desrespeito aos congelados embriões "in vitro", significa apreço e reverência a criaturas humanas que sofrem e se desesperam. Inexistência de ofensas ao direito à vida e da dignidade da pessoa humana, pois a pesquisa com células-tronco embrionárias (inviáveis biologicamente ou para os fins a que se destinam) significa a celebração solidária da vida e alento aos que se acham à margem do exercício concreto e inalienável dos direitos à felicidade e do viver com dignidade (Ministro Celso de Mello). III – A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS DIREITOS INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO PRÉ-IMPLANTO. O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria "natalista", em contraposição às teorias "concepcionista" ou da "personalidade condicional"). E quando se reporta a "direitos da pessoa humana" e até dos "direitos e garantias individuais" como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança ("in vitro" apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição. IV – AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO NÃO CARACTERIZAM ABORTO. MATÉRIA ESTRANHA À PRESENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. É constitucional a proposição de que toda gestação humana principia com um embrião igualmente humano, claro, mas nem todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente humana, em se tratando de experimento "in vitro". Situação em que deixam de coincidir concepção e nascituro, pelo menos enquanto o ovócito (óvulo já fecundado) não for introduzido no colo do útero feminino. O modo de irromper em laboratório e permanecer confinado "in vitro" é, para o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva. Isto sem prejuízo do reconhecimento de que o zigoto assim extra-corporalmente produzido e também extra-corporalmente cultivado e armazenado é entidade embrionária do ser humano. Não, porém, ser humano em estado de embrião. A "controvérsia constitucional em exame não guarda qualquer vinculação com o problema do aborto." (Ministro Celso de Mello). V – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AUTONOMIA DA VONTADE, AO PLANEJAMENTO FAMILIAR E À MATERNIDADE. A decisão por uma descendência ou filiação exprime um tipo de autonomia de vontade individual que a própria Constituição rotula como "direito ao planejamento familiar", fundamentado este nos princípios igualmente constitucionais da "dignidade da pessoa humana" e da "paternidade responsável". A conjugação constitucional da laicidade do Estado e do primado da autonomia da vontade privada, nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa. A opção do casal por um processo "in vitro" de fecundação artificial de óvulos é implícito direito de idêntica matriz constitucional, sem acarretar para esse casal o dever jurídico do aproveitamento reprodutivo de todos os embriões eventualmente formados e que se revelem geneticamente viáveis. O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana opera por modo binário, o que propicia a base constitucional para um casal de adultos recorrer a técnicas de reprodução assistida que incluam a fertilização artificial ou "in vitro". De uma parte, para aquinhoar o casal com o direito público subjetivo à "liberdade" (preâmbulo da Constituição e seu art. 5º), aqui entendida como autonomia de vontade. De outra banda, para contemplar os porvindouros componentes da unidade familiar, se por eles optar o casal, com planejadas condições de bem-estar e assistência físico-afetiva (art. 226 da CF). Mais exatamente, planejamento familiar que, "fruto da livre decisão do casal", é "fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável" (§ 7º desse emblemático artigo constitucional de nº 226). O recurso a processos de fertilização artificial não implica o dever da tentativa de nidação no corpo da mulher de todos os óvulos afinal fecundados. Não existe tal dever (inciso II do art. 5º da CF), porque incompatível com o próprio instituto do "planejamento familiar" na citada perspectiva da "paternidade responsável". Imposição, além do mais, que implicaria tratar o gênero feminino por modo desumano ou degradante, em contrapasso ao direito fundamental que se lê no inciso II do art. 5º da Constituição. Para que ao embrião "in vitro" fosse reconhecido o pleno direito à vida, necessário seria reconhecer a ele o direito a um útero. Proposição não autorizada pela Constituição. VI – DIREITO À SAÚDE COMO COROLÁRIO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DIGNA. O § 4º do art. 199 da Constituição, versante sobre pesquisas com substâncias humanas para fins terapêuticos, faz parte da seção normativa dedicada à "SAÚDE" (Seção II do Capítulo II do Título VIII). Direito à saúde, positivado como um dos primeiros dos direitos sociais de natureza fundamental (art. 6º da CF) e também como o primeiro dos direitos constitutivos da seguridade social (cabeça do artigo constitucional de nº 194). Saúde que é "direito de todos e dever do Estado" (caput do art. 196 da Constituição), garantida mediante ações e serviços de pronto qualificados como "de relevância pública" (parte inicial do art. 197). A Lei de Biossegurança como instrumento de encontro do direito à saúde com a própria Ciência. No caso, ciências médicas, biológicas e correlatas, diretamente postas pela Constituição a serviço desse bem inestimável do indivíduo que é a sua própria higidez físico-mental. VII – O DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO CIENTÍFICA E A LEI DE BIOSSEGURANÇA COMO DENSIFICAÇÃO DESSA LIBERDADE. O termo "ciência", enquanto atividade individual, faz parte do catálogo dos direitos fundamentais da pessoa humana (inciso IX do art. 5º da CF). Liberdade de expressão que se afigura como clássico direito constitucional-civil ou genuíno direito de personalidade. Por isso que exigente do máximo de proteção jurídica, até como signo de vida coletiva civilizada. Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vocação para os misteres da Ciência que o Magno Texto Federal abre todo um autonomizado capítulo para prestigiá-la por modo superlativo (capítulo de nº IV do título VIII). A regra de que "O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas" (art. 218, caput) é de logo complementada com o preceito (§ 1º do mesmo art. 218) que autoriza a edição de normas como a constante do art. 5º da Lei de Biossegurança. A compatibilização da liberdade de expressão científica com os deveres estatais de propulsão das ciências que sirvam à melhoria das condições de vida para todos os indivíduos. Assegurada, sempre, a dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal dota o bloco normativo posto no art. 5º da Lei 11.105/2005 do necessário fundamento para dele afastar qualquer invalidade jurídica (Ministra Cármen Lúcia). VIII – SUFICIÊNCIA DAS CAUTELAS E RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA LEI DE BIOSSEGURANÇA NA CONDUÇÃO DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. A Lei de Biossegurança caracteriza-se como regração legal a salvo da mácula do açodamento, da insuficiência protetiva ou do vício da arbitrariedade em matéria tão religiosa, filosófica e eticamente sensível como a da biotecnologia na área da medicina e da genética humana. Trata-se de um conjunto normativo que parte do pressuposto da intrínseca dignidade de toda forma de vida humana, ou que tenha potencialidade para tanto. A Lei de Biossegurança não conceitua as categorias mentais ou entidades biomédicas a que se refere, mas nem por isso impede a facilitada exegese dos seus textos, pois é de se presumir que recepcionou tais categorias e as que lhe são correlatas com o significado que elas portam no âmbito das ciências médicas e biológicas. IX – IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Afasta-se o uso da técnica de "interpretação conforme" para a feitura de sentença de caráter aditivo que tencione conferir à Lei de Biossegurança exuberância regratória, ou restrições tendentes a inviabilizar as pesquisas com células-tronco embrionárias. Inexistência dos pressupostos para a aplicação da técnica da "interpretação conforme a Constituição", porquanto a norma impugnada não padece de polissemia ou de plurissignificatidade. Ação direta de inconstitucionalidade julgada totalmente improcedente. [grifado]” (ADI 3510/DF, Relator Min. AYRES BRITTO, j. 29/05/2008, Tribunal Pleno, DJe-096 27-05-2010)

Rubin (2010, p. 42), afirma que “a felicidade é um bem condicionado, tendo em vista que insuficiente para fundamentar um fim moral por ser ela determinada por um elemento empírico, sendo formalmente indeterminada e indeterminável”. Neste sentido, o ser humano não tem condições necessárias para delimitar precisamente o conjunto de condições necessárias para a sua perfeita felicidade.

Para Aristóteles (2009), “a felicidade é a finalidade da natureza humana”. Nesta esteira, se qualquer coisa possuída pela humanidade é uma dádiva dos deuses, é razoável supor que a felicidade seja uma concessão divina.

A felicidade, nesse ponto, pode ser uma condição material que determina a ação do sujeito, não sendo causa de moralidade, mas sim uma das suas consequências no nível da fundamentação da moral que visa primordialmente um princípio universalmente válido.

3 – O PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19/2010: A “PEC DA FELICIDADE”

Com o objetivo de se ver garantida a felicidade em nível constitucional, o Senador da República Cristovam Buarque editou a tão falada “PEC da Felicidade”, já aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.

Trata-se de Projeto de Emenda a Constituição n. 19/10, visando alterar o art. 6º da Constituição  da República Federativa do Brasil para incluir o direito à busca da felicidade por cada indivíduo e pela sociedade, mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade das adequadas condições de exercício desse direito.

Assim, passaria o art. 6º da Constituição Federal a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 6º São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Ressalta-se que a Proposta de Emenda à Constituição não encontra impedimento no art. 60, §4º de nossa Carta Magna, uma vez que não há supressão de qualquer direito gravado em cláusula pétrea.

Segundo o projeto, a busca individual pela felicidade pressupõe a observância da felicidade coletiva, evidenciado na observância dos itens que tornam a sociedade mais feliz, ou seja, é a garantia e efetivação dos direitos sociais dos cidadãos. Ao passo que, uma sociedade mais feliz é uma sociedade desenvolvida, onde todos têm acesso aos serviços públicos básicos de saúde, educação, previdência social, cultura, lazer, entre outros.

A PEC da felicidade não obrigará o governo a criar projetos com o objetivo de garantir a felicidade dos cidadãos, mas sim, procurará carimbar no imaginário da sociedade a importância da dignidade humana.

 É evidente que as alterações não buscam autorizar um indivíduo a requerer do Estado ou de um particular uma providência egoística a pretexto de atender à sua felicidade, mas nada obsta que o governo possa garantir aos cidadãos o direitos previstos na Constituição, principalmente àqueles tidos como fundamentais, convergentes para a felicidade da sociedade.

É perceptível, que a "PEC da Felicidade", a partir da análise do promitente texto do artigo 6º de nossa Constituição, enfatiza a importância dos direitos sociais como mecanismos de promover a busca da felicidade, a qual é o fim maior.

Araújo (2000, p. 74) nos remete a ideia de que

"Não se concebe a idéia de que o Estado Moderno deva buscar um caminho diferente daquele que pressupõe a felicidade de seus componentes. O homem se organiza para obter felicidade. Submete-se ao regramento do Estado, aceita suas regras, paga os impostos, limita-se, sabendo, no entanto, que os fins dessa associação só podem levar à busca da felicidade. (…) / Ao arrolar e assegurar princípios como o do Estado Democrático, o da dignidade da pessoa humana e o da necessidade de promoção do bem de todos, sem qualquer preconceito, o constituinte garantiu o direito à felicidade. Não o escreveu de forma expressa, mas deixou claro que o Estado, dentro do sistema nacional, tem a função de promover a felicidade, pois a dignidade, o bem de todos, pressupõe o direito de ser feliz. Ninguém pode conceber um Estado que tenha como objetivo a promoção do bem de todos possa colaborar para a infelicidade do indivíduo. Portanto, a interpretação constitucional leva à busca da felicidade do indivíduo, não de sua infelicidade".

Poder-se-ia, então, mencionar que não se precisaria emendar o texto constitucional, visto que o direito fundamental à felicidade já se encontra reconhecido em nosso sistema, posto que garante os princípios já adotados na atual Constituição. No entanto, tornar explícito o direito à busca da felicidade torna-se imprescindível para o resgate e proteção da garantia dos direitos sociais, principalmente diante do fenômeno da reserva do possível (insuficiência de recursos públicos, impossibilitando a garantia dos direitos previstos na Constituição), utilizado, muitas vezes, como "desculpa inconcebível" pelo Estado para a não implementação da efetividade dos direitos sociais.

Sabe-se, também, que a felicidade aparece como um caráter tanto subjetivo, presente em cada indivíduo, acarretando a existência de diversos tipos de felicidade. Assim, é impossível o Estado, por si só, trazer felicidade plena aos cidadãos. Para alguns, ser feliz é viver no agito da cidade, para outros, no silêncio do campo; alguns só se contentam com riquezas materiais, outros se satisfazem com a simplicidade. No entanto, o Estado pode oferecer condições mínimas para que, a partir daí, cada pessoa viabilize a buscar de sua felicidade da melhor maneira que lhe convém.

4 – CONCLUSÃO

A felicidade é a busca individual de cada ser humano para sua autorrealização, pois se trata de concretizar o projeto de vida elaborado no intelecto cada um. Porém, para que cada pessoa possa ter o direito a buscar a sua felicidade, faz-se necessário garantir um mínimo essencial para que o mesmo atinja esse fim.

Os Direitos Sociais assegurados pelo Estado pós-moderno possibilitam condições mínimas para que o indivíduo tenha uma vida digna, sendo que o maior problema de nossa realidade se encontra na concretização de tais direitos.

Nessa esteira, ao positivar a Felicidade na Constituição Federal de 1988 como Direito Social, ocorrerá uma oxigenação na interpretação de nosso do texto constitucional, sendo um compromisso do Estado Brasileiro em cumprir os direitos assegurados principalmente no art. 6º de nossa Carta Magna.

Desse modo, o imprescindível é que o Estado e o Direito contribuam para a diminuição do sofrimento das pessoas, garantam os direitos básicos para se viver e ajudem na construção de uma sociedade mais feliz e harmônica.

 

Referências
(ADI 3510/DF, Relator Min. AYRES BRITTO, j. 29/05/2008, Tribunal Pleno, DJe-096 27-05-2010)
ARAÚJO, Luiz Alberto David. A Proteção Constitucional do Transexual, 1. ed. – São Paulo: Editora Saraiva, 2000.
ARISTOTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Edson Bini. 3. ed. Bauru: Edipro, 2009.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Texto consolidado até a Emenda Constitucional nº 64, de 04 de fevereiro de 2010. Brasília: Senado Federal, Disponível tp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm último acesso em 12 de maio de 2013.
DIAS, Maria Berenice. O Direito à felicidade. Disponível em http://www.mariaberenice.com.br/uploads/o_direito_%E0_felicidade.pdf. Acesso em 22/05/2013
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. – 4. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 271.
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 PEC – Proposta de emenda à constituição, Nº 19 de 2010.
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Informações Sobre o Autor

Diego Coelho Antunes Ribeiro

Mestrando em Direito Constitucional pela UFF, Pós Graduando em Ciências Criminais pela UERJ, Pós Graduando em Direito Penal pela UGF, Advogado


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Equipe Âmbito Jurídico

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