A progressão de regime na lei dos crimes hediondos à luz do STF

Sumário: INTRODUÇÃO – 1. MOVIMENTO POLITICO CRIMINAL DA LEI
E DA ORDEM – 2. MOVIMENTO LEI E ORDEM E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 – 3. PRINCÍPIOS
– 3.1. Conceito – 3.2. Diferenciação entre Principio, Postulado e Regra –3.3.
Princípios Constitucionais – 3.3.1. Principio da Dignidade da Pessoa Humana –
3.3.2. Principio da Humanidade da Pena – 3.3.3. Principio da Individualização
da pena. 3.3.3.1 Individualização Legislativa. 3.3.3.2 Individualização
judicial. 3.3.3.2.1 Ponderações acerca do Art.59 do CP – 3.3.3.3 Individualização
Executória – 3.3.4 Princípio da Proporcionalidade – 4. PROGRESSÃO DE REGIME –
4.1. Conceito – 5. DA CONSTITUCIONALIDADE
– 6. DA INCONSTITUCIONALIDADE  –
6.1 Efeitos da Decisão do STF – CONCLUSÃO – REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.

Introdução

Desde promulgação da lei 8.072, de 25 de julho de 1990, a
qual dispõe sobre os crimes hediondos, criou-se uma verdadeira polêmica em
torno da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do §1°do artigo 2°, da
presente lei que dispõe “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida
em regime integralmente fechado”.

A Suprema Corte do país vinha se posicionando
favorávelmente pela constitucionalidade deste artigo, no entanto com as
profundas mudanças na composição de seus ministros, e pela densidade dos argumentos
doutrinários e jurisprudenciais vem ganhando fôlego a idéia da
inconstitucionalidade do referido dispositivo o que se confirmou com o
julgamento do hábeas corpus 82959/SP no dia 23/02/2006, que teve como relator o
eminente Ministro Marco Aurélio.

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A decisão do tribunal, por maioria
deferiu o pedido e declarou “incidenter tantum” a inconstitucionalidade do § 1°
do artigo 2° da lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, nos termos do voto do
relator, vencidos os ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie,
Celso de Mello e presidente (ministro Nelson Jobin) .O tribunal, por votação
unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do
preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas as penas já
extintas.Pois esta decisão envolve únicamente o afastamento do óbice
representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da
apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos
pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.

Desta maneira em razão da pequena
diferença de votos favoráveis a inconstitucionalidade (6×5) sobre este tema,
está longe de uma pacificação doutrinária a respeito das decisões da mais alta
corte do país, suscitando ainda alguns conflitos doutrinários. Assim nesse artigo procuraremos analisar a
evolução dessa matéria, contextualizando o movimento lei e ordem na política
criminal brasileira, a Constituição Federal e seus princípios norteadores,bem
como a lei infraconstitucional 8.072/90, tudo isso á luz do entendimento da
mais Alta Corte do País, cotejando assim suas decisões e súmulas sobre o
assunto.

1.
Movimento
politico–criminal da lei e da ordem

A política
criminal é a disciplina que oferece aos poderes públicos as opções cientificas
concretas mais adequadas para o eficaz controle do crime e as suas alternativas
legais,que tem como finalidade metamorfosear conhecimentos empíricos sobre o
crime , propondo alternativas e programas a partir deste vetor[1].
Um dos idealizadores do movimento, é o sociólogo alemão Ralf Dahrendorf, um dos
mais importantes pensadores liberais do mundo contemporâneo que vivenciou em
1945 as agruras e a decomposição do Estado Nazista. Assim não devemos
interpretar essa corrente filosófica sobre o manto de um pensamento
pseudo-nazista, como propõe opositores desta corrente.

Na analise do
movimento law and order iremos nos ater as suas premissas deixando de lado
posicionamentos ferozes que tentam solapar o conteúdo teórico e a contribuição
jurídica filosófica deste movimento que se evidenciou como um dos principais
vetores de política criminal das décadas de 1970 até os dias de hoje. Por isso
nos manteremos eqüidistantes, fora do discurso passional e não usaremos
expressões que tentam de alguma forma desqualificar ou até mesmo imputar certos
posicionamentos ideológicos distintos a esse movimento. Enfim nos manteremos
fiel aos posicionamentos jurídicos e ideológicos evitando o maniqueísmo
doutrinário.

As premissas do movimento estam fundadas, ou
melhor, alicerçados sobre a base fictícia da ordem social, o contrato
social,pois compreende-se que com a erosão das leis e o enfraquecimento das
instituições poderão resultar em uma anomia o qual se define como uma condição
social das normas reguladoras do comportamento das pessoas que perderam sua
validade ou como aquela condição em que tanto a eficácia social como a
moralidade cultural das normas tendem a zero, nesse entendimento a anomia
descreve um estado de coisas em que as violações de normas não são punidas ou
progressivamente enfraquecidas[2].

Indubitavelmente,
este movimento questiona uma diferenciação entre o direito e política social ou
econômica e afirma que o direito deve apresentar-se na noção exata da lei, onde
coaduna comportamentos aceitos ou não pela sociedade, uma vez não aceitos estão
sobre o império da aplicação absoluta da lei, por serem contrários a esta, não
podendo ter condicionantes de exclusão em razão da política social ou econômica
adotada pelo governo que gerou pobreza, desemprego entre outros, pois nenhum
tribunal é dotado do poder supremo de abolir tais situações, pois o que irá
importar é se existiu um ato ou conjuntos de ações que infligiram ou não a lei.

Conseqüentemente
condena as chamadas penalidades negociáveis entre os quais podemos citar a
transação, a delação premiada, o principio da insignificância, multa ou
trabalho útil (restrições no padrão de vida) entre outros, pois elas possuem
uma abordagem de política social econômica, e retira das sanções seu caráter de
validade (eficácia) normativa. E propõe a (des) individualização da pratica
penal, não através do retorno ao legalismo, e sim do propósito de reconstruir o
contrato social a partir do reconhecimento das reais necessidades e exigências
das instituições, e tem como resultado lógico o endurecimento ou a efetiva
aplicação da norma penal.

Enfim, é um
movimento que está ancorado filosoficamente no contrato social, afasta do
debate jurídico o maniqueísmo argumentativo das lutas de classe[3],
das condições sociais e a multiplicação de sanções e regras formais sem estarem
fundadas nas instituições, defende uma adequação da força policial, um
tratamento breve e agudo nas áreas de exclusão e o endurecimento na aplicação
das penas.

2. O movimento lei e ordem e a constituição de 1988

Para Alberto Silva
Franco “as valorações políticos criminais próprios do movimento lei e ordem
(law and order) se fizeram presentes à retaguarda do posicionamento assumido
pelo legislador constituinte” [4].

Já Alberto
Zacharias Toron afirma que a constituição de 88 “[…] traz consigo uma forte
carga retórica e apelativa com vistas a mostrar a preocupação com a contenção
da criminalidade” [5]. Porém,
entende que na própria carta maior constata-se o endurecimento penal como sendo
um dos vetores desta.

Sem embargo
podemos nos filiar em parte a corrente do festejado doutrinador Toron uma vez
que fazendo um apanhado histórico da assembléia nacional constituinte, o
legislador constituinte tinha a preocupação com a contenção da criminalidade,
pois entre “1978 a 1989, temos o colapso econômico e político da ditadura civil
– militar (1985) e o inicio da transição pactuada da sua derrubada com o
primeiro governo de transição e a assembléia nacional constituinte. Com as
instituições da República em frangalhos, o sistema de segurança publica e
repressão montado pelos militares boicota o esforço da redemocratização e cruza
os braços” [6].

Assim o número de
mortes geradas pela violência que no ano de 1930 eram de 2% cresceram em 29%
entre o inicio e o final da década de 1980, sendo somente o delito “homicídio”
responsável por 177.418 óbitos entre os anos de 1979 e 1988, segundo os dados
do ministério da justiça[7].
Destarte não nos parece apelativa ou retórica a preocupação do legislador
constituinte com a contenção da criminalidade. Por outro lado balizar ou valorar
o modelo político criminal adotado na Constituição Brasileira pelo legislador
constituinte nos crimes de especial gravidade, a partir de uma interpretação
pontual e /ou gramatical é ofender a hermenêutica constitucional que no dizer
de Vicente Ráo[8]:

Tem por
objeto investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e
leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins
das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para
efeito de sua aplicação e interpretação; por meio de regras e processos
especiais procurar realizar, praticamente, estes princípios e estas leis
cientificas; a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação
dos preceitos nelas contidos assim interpretados, às situações de fato que se
lhes subordinam.”

Destarte
quando a constituição no seu artigo 5° inciso XLIII dispõe que “a lei
considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a pratica
de tortura o trafico ilícito de entorpecentes e droga afins, o terrorismo e os
definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que podendo evitá-los, se omitirem”. Não podemos afirmar que
este seguiu este ou aquele modelo político criminal uma vez que regidos pelos
princípios implícitos e explícitos devem ser interpretados no texto
constitucional de forma sistemática como um todo e não interpretados de forma
isolada, contemplando como principio basilar a dignidade da pessoa humana, dos
quais se originam os demais princípios como o da individualização da pena, da
humanidade, da proporcionalidade entre outros. Conseqüentemente não acreditamos
que o poder constituinte teve por premissa no texto constitucional o movimento
lei e ordem, pois nossa carta maior apresenta-se de forma garantista em relação
à tutela dos direitos individuais e sociais.

3. Princípios

3.1 Conceito

Para Alexy[9],
os princípios consistem apenas em uma espécie de normas jurídicas por meio da
qual é estabelecido deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo
as possibilidades normativas e fáticas. Normativas porque a aplicação dos
princípios depende dos princípios e regras que a eles se contrapõem. Fáticas,
porque o conteúdo dos princípios como normas de conduta só podem ser
determinados quando diante dos fatos.

Por outro lado,
José Afonso da Silva define princípio a noção de mandamento nuclear de um
sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para a sua
exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico[10].

Estes podem advir
explícitamente quando recolhidos no texto da constituição ou de forma implícita
quando analisados de um ou mais preceitos constitucionais a partir de uma lei
ou conjunto de textos normativos de legislação infraconstitucional.

3.2 Diferenciação entre Princípio X Postulado X Regra

Humberto Ávila[11], por sua vez, propõe uma
diferenciação a partir dos princípios, que como normas imediatamente
finalísticas, são normas que impõem à promoção de um estado ideal de coisas por
meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como
necessários àquela promoção.

Diversamente, os
postulados, de um lado, não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso
estruturam a aplicação  do dever de
promover um fim;de outro,não prescrevem indiretamente comportamentos,mas modos
de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente
prescrevem comportamentos. As regras, por sua vez, são normas que imediatamente
descritivas de comportamentos devidos ou atributivos de poder,pois
diferentemente, os postulados não descrevem comportamentos e sim estruturam a
aplicação de normas que o fazem.

Destarte, a partir
desta diferenciação, alguns doutrinadores como Eros Roberto Grau (Ensaio e
discurso sobre a Interpretação/ Aplicação do Direito) e o próprio Humberto
Ávila (Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos)
entendem que a proporcionalidade não consubstanciaria um princípio, mas sim um
postulado normativo aplicativo, pois, a proporcionalidade seria uma condição
formal ou estrutural de aplicação de outras normas, porém grande parte da doutrina
enquadra o princípio da proporcionalidade na categoria de princípios.

Outro critério de
diferenciação ou distinção[12]
entre princípios e regras são as diferenças quanto à colisão, na medida em que
os princípios colidentes apenas têm sua realidade normativa limitada
recíprocamente, ao contrário das regras, cuja solução é feita com a declaração
de invalidade de uma delas ou com a abertura de uma exceção que exclua a
antinomia. Há também a diferença quanto à obrigação que instituem, pois as
regras instituem obrigações absolutas, não superadas por normas contrapostas,
enquanto os princípios instituem obrigações “prime facie”, na medida em que
podem ser superadas ou derrogadas em função de outros princípios colidentes.

3.3 Princípios Constitucionais

3.3.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O principio da
dignidade da pessoa[13]
humana se reveste de suma importância, pois é um valor supremo que atrai o
conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem desde o direito a vida,que
estabelece a dignidade como fonte ética para os direitos, as liberdades e as
garantias pessoais e os direitos econômicos, sociais e culturais. É o
fundamento da própria existência do estado democrático de direto como se
depreende do artigo 1°, inciso, III da Constituição da República Federativa do
Brasil.

Embora assuma
concreção de direito individual, a dignidade da pessoa humana, enquanto
principio, constitui ao lado do direito a vida, o núcleo essencial dos direitos
humanos, observa-se ademais, neste passo, que a dignidade da pessoa humana
apenas restará plenamente assegurada se e enquanto viabilizado o acesso de
todos não apenas as chamadas liberdades formais, mas, sobretudo, as liberdades
reais[14].

Anotam os mestres
Jose Joaquim Canotilho e Vital Moreira[15]
sobre principio ora em questão que:

“Concebida como referência
constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de
dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em
conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não qualquer idéia
apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido de dignidade humana a
defesa dos direitos tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais,
ou invocá-la para construir uma “teoria do núcleo da personalidade” individual,
ignorando-a quando se trate de direitos econômicos e sociais”.

Dessa maneira, nos
ensina Willis Guerra Filho[16]
sobre o alinhamento entre Estado Democrático de Direito e legalidade, de um
lado, e Democracia e legitimidade do outro, concluindo que:

“A democracia, por seu turno,
apresenta o reconhecimento de uma igual dignidade em todas as pessoas
individualmente, a ser acatada no convívio social. Essa dignidade não pode ser
sacrificada em nome da segurança, na hipótese de um confronto entre os dois
valores, o que pode ocorrer com freqüência,embora a garantia de segurança seja
essencial para haver respeito a dignidade humana.Cabe,porem,distinguir entre
segurança individual e a segurança coletiva, enquanto essa,por sua vez, tanto
pode ser a segurança de uma parte ou grupo da sociedade como  a segurança dela como um todo”.

Assim toda a
formação e orientação do direito penal e processual penal devem estar em
consonância com este principio sobre pena de padecer de inconstitucionalidade,
pois afronta a própria existência do Estado Democrático de Direito. Todavia
todos os demais princípios decorrem deste, ou melhor, se originam a partir da
dignidade humana.

3.3.2 Princípio da
Humanidade

Já o princípio da
humanidade das penas, encontrou amparo na Constituição de 1988 como forma de expressão
em normas proibitivas tendentes a obstar a formação de um ordenamento penal de
terror e em normas asseguradoras de direitos de presos ou de condenados,
objetivando tornar as penas compatíveis com a condição humana, no dizer de
Alberto Silva Franco[17],
o que exatamente se encontra no artigo 5°, nos incisos III, XLVIII, XLVI entre
outros mais.

Como ensina Juarez
Cirino dos Santos[18],
o princípio da humanidade exclui a cominação, aplicação e execução de penas de
morte, perpétuas, de trabalhos forçados, de banimento, cruéis, como
castramento, mutilações, esterilizações, ou qualquer outra pena infamante ou
degradante do ser humano. A garantia da integridade física e moral do ser
humano preso, implícita no principio da dignidade da pessoa humana definido como
fundamento do estado democrático de direito (art.1°, III, CR), é instituída por
norma especifica da Constituição da República (art.5°, XLIX, CR) e ratificada
por disposição da lei penal (art.38 CP) e da lei de execução penal (art.40,
LEP) – além de ser inferida da norma que assegura ao preso todos os direitos
não atingidos pela sentença ou pela lei (art.3°, LEP) – ou seja, a lesão
generalizada,intensa e continua da dignidade humana e dos direitos humanos de
homens e mulheres presos nas cadeias publicas e penitenciarias do sistema penal
não ocorre por falta de princípios e de regras jurídicas.

E conclui o autor:
“… o principio da humanidade não se limita a proibir a abstrata cominação e
aplicação de penas cruéis ao cidadão livre, mas também proibi  a concreta execução cruel de penas legais ao
cidadão condenado, por exemplo: a) as condições desumanas e indígnas, em geral
de execução das penas na maioria absoluta das penitenciarias brasileiras; b) as
condições desumanas e indígnas, em especial, do execrável regime disciplinar
diferenciado – cuja inconstitucionalidade deve ser declarada por argüição de
inconstitucionalidade da norma legal no caso concreto (controle difuso por
juizes e tribunais), ou por ação direta de inconstitucionalidade (controle
concentrado, pelo Supremo Tribunal Federal)”.

Comentando o
assunto Eugenio Raúl Zaffaroni[19]
afirma que “Há um princípio geral de racionalidade que deriva da Constituição
ou do princípio republicano, que exige certa vinculação entitativa entre o
delito e a conseqüência jurídica, mas este principio vincula-se intimamente
também como principio da humanidade, que se deduz da proscrição da pena de
morte, perpétua, de banimento, trabalhos forçado e penas cruéis (art. 5°,
XLVII, da CF).Justamente o antônimo de pena cruel é a pena racional(e não a
pena doce, é claro)”.

Do princípio de
humanidade deduz-se a proscrição das penas cruéis e de qualquer pena que
desconsidere o homem como pessoa. O § 2° do art. 5.° da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos estabelece que ninguém deve ser submetido a torturas nem
a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes. A essa conseqüência
contribui também o princípio da soberania popular, posto que este pressupõe
necessariamente que cada homem é um ser dotado de autonomia ética pelo mero
fato de ser homem,ou seja, que por esta circunstância é capaz de escolher entre
o bem e o mal e de decidir a respeito.

O princípio da
humanidade é o que dita a inconstitucionalidade de qualquer pena ou
conseqüência do delito que crie um impedimento físico permanente (morte,
amputação, castração ou esterilização, intervenção neurológica etc.) como
também qualquer conseqüência jurídica indelével do delito. (…) a república
pode ter homens submetidos à pena, “pagando suas culpas”, mas não pode ter “cidadãos
de segunda”, sujeitos considerados afetados por uma capitis diminutio para toda
a vida. Toda conseqüência jurídica de um delito-seja ou não pena – deve cessar
em algum momento, por mais longo que seja o tempo que deva transcorrer, mas não
pode ser perpétua no sentido próprio da expressão.

Uma pena pode não
ser cruel em abstrato, isto é, em consideração ao que tem lugar na generalidade
dos casos, mas bem pode suscitar o problema de ser cruel no caso concreto.
(…) o principio da humanidade das penas tem vigência absoluta tanto na ação
legislativa (  geral)  como a ação judicial (particular) , o que
indicaria que o juiz deve ter o cuidado de não viola-lo. Comprovados os extremos
fáticos que conduziriam a uma violação de tal principio no caso concreto,
entendemos que a sentença, como ato que “diz o direito” (“jurisdicional”, de
juris dicere), não pode dizer o antijurídico, ou seja, não pode violar o
principio da humanidade.

3.3.3 Princípio da
Individualização

O princípio da
individualização da pena reflete que a imposição e cumprimento da pena deve ser
individualizado à partir da culpabilidade e do comportamento do sentenciado.
Este princípio encontra-se cristalizada na Carta Maior no artigo 5°, inciso
XLVI, o qual dispõe que “a lei regulará a individualização da pena […]”.

Destarte, o artigo
5° da Constituição federal enumera os direitos e garantias fundamentais entre
os quais se inclui a individualização da pena. O núcleo essencial da
individualização da pena está centrado na perspectiva da pena particularizada
em três momentos distintos: o momento legislativo no qual são determinados os
marcos penais e os parâmetros norteadores do processo individualizador; no momento judicial no qual o juiz, dentro de suas pautas legais,explicita motivadamente a
espécie, a quantidade de pena, e o regime prisional inicial a serem aplicados e
no momento da execução penal quando a pena concretizada na
pessoa do condenado passa ser cumprida
dentro de um sistema de progressividade[20].

Para corroborar o
Mestre Luiz Luisi[21]
afirma que “o processo de individualização da pena se desenvolve em três
momentos complementares: o legislativo, o judicial, e o executório ou
administrativo.” Discorrendo acerca do conceito o ilustre professor diz que:
“Tendo presente às nuanças da espécie concreta e uma variedade de fatores que
são especificadamente previstas pela lei penal, o juiz vai fixar qual das penas
é aplicável, se prevista alternativadamente, e acertar o seu quantitativo entre
o máximo e o mínimo legal para o tipo realizado, e inclusive determinar o modo
de sua execução.” (…) “Aplicada a sanção penal pela individualização
judiciária, a mesma vai ser efetivamente concretizada com sua execução.”(…)
“Esta fase da individualização  da pena
tem sido chamada individualização administrativa.Outros preferem chamá-la de
individualização executória .Esta denominação
parece mais adequada,pois se trata de matéria  regida pelo principio da legalidade e de competência da
autoridade judiciária, e que implica inclusive o exercício de funções marcadamente
jurisdicionais.”(…) “Relevante, todavia no tratamento penitenciário em que
consiste a individualização  da sanção
penal são os objetivos que com ela se pretendem alcançar  os aspectos retributivos e aflitivos da pena
e sua função intimidatória,se por como finalidade principal da sanção penal o
seu aspecto de ressocialização.E vice e versa.”

Finaliza o autor:
“De outro lado se revela atuante o subjetivismo criminológico, posto que na
individualização judiciária, e na executória, o concreto da pessoa do
delinqüente tem importância fundamental na sanção efetivamente aplicada e no
seu modo de execução”.

3.3.3.1
Individualização Legislativa

Assim a individualização legislativa estabelece os parâmetros de aplicação da pena e dos
regimes para seu cumprimento, respeitada a Constituição, nesta fase o
legislador considerará para propor a pena, o conteúdo de valor do bem ou
interesse que se quer defender, mediante a prevenção geral da pena.Para tanto,
o legislador escolhe a quantidade e espécie
de pena que seja necessária e suficiente para dita prevenção e repressão
de quem ofenda o bem jurídico que se quer tutelar.A pena escolhida pelo
legislador deve ser proporcional a responsabilidade do agente,em razão das
circunstâncias de sua ação e suas conseqüências, ou seja o principio da
proporcionalidade deve ser observado como critério para estabelecer o
quantitativo na cominação legal e espécie de pena.Portanto, é necessário que a
elaboração da lei penal seja ato de serena reflexão e extrema cautela,não podendo
ser produto de estados emocionais individuais ou coletivos,provocados por fatos
que suscitem maior reprovação e reações
pessoais ou classistas instintivas de caráter expiatório e vingativo,
sobre pena padecer de mero simbolismo ou como preferem alguns como um direito
penal simbólico[22].

3.3.3.2
Individualização Judicial

No que toca a individualização judicial esta compete ao magistrado que ao aplicar a pena ao
acusado, fazer a dosimetria da pena, fixando a pena base assim como preceitua o
artigo 59 do código penal, ou seja, é o ponto de partida do processo
intelectual de determinação da pena criminal, manifestando-se sobre os
antecedentes do condenado, sua conduta social, sua personalidade,
culpabilidade, o motivo, às circunstâncias e conseqüências do crime e bem como
o comportamento da vitima. Muito embora esta individualização consista,
precisamente, na consideração de todas essas circunstâncias previstas,
abstratamente, na lei a serem aplicadas, concretamente, extraídas dos autos,
para dosagem da pena, entre o mínimo e o máximo da cominação legal; devendo a
pena ser menor ou maior de acordo com necessária prevenção e reprovação do
delito.

3.3.3.2.1
Ponderações acerca do Art. 59 do CP

O artigo 59 vem
sofrendo severas críticas e questionamentos acerca da sua constitucionalidade
em virtude de seu subjetivismo normativo como expõe o prof. Salo de Carvalho[23]
que ensina “(…) No interior do modelo de garantias, as hipóteses processuais
devem ser baseadas em juízos verdadeiros e/ou falsos, probatoriamente demonstrados
e passiveis de negação. A extensão de termos como personalidade, antecedentes e
conduta social são enormes, tornando o ato jurisdicional extremamente
arbitrário no acertamento dos casos. A inverificabilidade das hipóteses
processuais é compatível apenas com a valorações de tipos subjetivas que ferem
o principio da taxatividade, principal garantia do direito e do processo penal
por estabelecer variáveis e limites à interpretação da norma.

Em realidade o que
se percebe é uma composição de dados acerca da biografia da pessoa acusada que
propicia a formação de um second code, isto é, de regras e mecanismos extra
oficiais que atuam invisivelmente e que passam a integrar objetivamente o
conjunto de meta regras e a interferir na ação dos operadores jurídicos, tanto
na produção dogmática, como na aplicação das normas, resultando daí uma
influencia maior do que aquela prevista no direito positivo.

Apesar de
tecnicamente (código oficial) e latentemente (second code) os termos referidos
adicionarem à pena maior quantificação, dogmaticamente tais expressões são
incompatíveis com a perspectiva do direito penal do fato – crime ,visto
substituírem a avaliação objetiva cognoscitiva pelo substancial julgamento da
interioridade da pessoa e de suas tendências. Acaba-se, então, punindo a pessoa
pelo que ela é (quia peccatum) e não pelo que fez (quia prohibitum),
abandonando as necessárias amarras impostas pelos princípios da secularização e
da legalidade (mala prohibita) no que tange o aumento da pena, substituindo-os por
valorações potestativas de cunho subjetivo na reconstrução da personalidade de
autor rotulado como intrinsecamente perverso”[24].

Ferrajoli[25]
ensina que “É a subjetivação das hipóteses normativas do delito e da pena, bem
como da aplicação judicial do direito, conforme os tipos mais perversos de
estruturas penais de autor, não comprometendo apenas a estrita legalidade, mas
comportando também decisões apegadas em critérios discricionários de valoração
da anormalidade ou periculosidade do réu que inevitavelmente lesam o conjunto
das garantias processuais.

Finaliza o autor
italiano “Tais conclusões possibilitam-nos afirmar que o saber jurídico – penal
prescinde de novo e renovado processo secularizador que limite o arbítrio do
julgador, fundamentalmente na aplicação da pena, visto que a atual estrutura
normativa determina um poder em branco na cabeça de inquisidores, de fato
ilimitado e incontrolável, completamente incompatível com o modelo garantista
da jurisdição penal”.

Por outro lado a
quem compreenda que o artigo 59 reflete exatamente a individualização apregoada
na carta maior, pois o condenado será valorado por seu comportamento criminoso,
por suas virtudes e vícios, por sua boa ou ma índole, por sua motivação nobre
ou torpe, tudo com base na prova existente no processo, onde assim o magistrado
fará a aplicação individualizada da pena, adequada àquela pessoa e aquela
circunstancias fáticas, o que constituiria uma garantia ao condenado.

Superada a
aplicação da pena base, o juiz deve passar à dosagem final daquela pena,
levando em consideração as atenuantes, agravantes, causas de aumento e
diminuição as quais descritas prévia e expressamente na lei. Apos chegar à pena
definitiva ou concreta o magistrado deve indicar o regime de cumprimento, que
são três; o fechado, para o condenado cuja pena seja superior a oito anos; o
semi-aberto, para o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a quatro
anos e não excede a oito; o aberto, para o condenado não reincidente, cuja pena
seja igual ou inferior a quatro anos.

3.3.3.3
Individualização Executória

A individualização
administrativa ou de sua execução ocorre já na terceira fase onde o juiz
determinará o regime inicial de cumprimento da pena, tendo em vista a
quantidade da pena aplicada, consistindo a individualização também no
cumprimento da pena “em forma progressiva
com transferência para o regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz,
quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e
ostentar bom comportamento carcerário,comprovado pelo diretor do
estabelecimento, respeitadas as normas que vedem a progressão”,
redação
dada pela lei n° 10.792/2003, que alterou em parte o teor do artigo 112 da LEP.

O dever do juiz
sentenciante em prescrever um regime inicial de cumprimenta da pena privativa
de liberdade já revela que este é uma manifestação direta do principio da
individualização como nos ensina o professor Rômulo de Andrade Moreira[26],
“ Observa-se que o art.59 do Código Penal, que estabelece as balizas para a
aplicação da pena, prevê expressamente que o juiz sentenciante deve prescrever
“o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade”, o que indica
induvidosamente que o regime de cumprimento da pena é parte integrante do
conceito “individualização da pena”.

Vê-se que o
princípio da individualização da pena guarda consonância direta com a
proporcionalidade no que tange o modo e o meio de execução e na criminalizacao
de conduta, sendo assim indispensável uma analise ao principio da
proporcionalidade, como veremos no item seguinte.

3.3.3.4.1
Considerações sobre a Nova Redação do Artigo 112 do LEP

Faz-se necessário
lembrar que em face da recente decisão do STF no HC n° 82959/SP, vem ganhando
força o entendimento de que a redação final deste artigo 112 da LEP, ou seja,
“respeitadas as normas que vedem a progressão” ficou sem objeto, pois não
produzirá mais qualquer efeito, porque não existe mais norma que vede a
progressão.

No entanto Lenio
Luis Streck, tem o entendimento da sua flagrante inconstitucionalidade pela vinculação
do magistrado aos atestados fornecidos pela autoridade administrativa (“ostentar bom comportamento,comprovado
pelo diretor do estabelecimento”
) por violação dos princípios da proibição de proteção deficiente (Untermassverbot), do princípio da
razoabilidade, do princípio da reserva de jurisdição,  e do preceito fundamental previsto no art. 5º
caput da CF – direito (fundamental) à segurança – por colocar em risco o
direito fundamental de terceiros – cidadão e
sociedade, além da violação da cláusula (princípio) da proibição de
retrocesso social[27].

3.3.4 Princípio da
Proporcionalidade

O princípio da
proporcionalidade[28] originou-se a partir do
desenvolvimento da teoria constitucional germânica
(Verhaltnismassgkeitsgrundsatz), sendo um principio implícito no art.5°, caput
da Constituição da República de 1988, coibindo penas excessivas ou
desproporcionais em face do desvalor de ação ou do desvalor de resultado do
fato punível, lesivas da função de retribuição equivalente do crime atribuída
às penas criminais nas sociedades.

No Direito penal,
é imperativo que o nível e o tipo da punição sejam controlados através de uma
interferência proporcional do Estado. Esse princípio[29]
é de fundamental importância no estabelecimento das sanções que alcancem
direitos fundamentais do cidadão. Por isso, deve ser ressaltada a seriedade
deste principio pelo direito penal, pois vai assegurar a tutela aos direitos
fundamentais, impondo limites jurídicos ao jus puniendi, ou seja, estabelece os limites do poder
Estatal, devendo a ofensa ao bem jurídico ser proporcional à sanção
imposta pelo Estado.

Por outro lado o
princípio da proporcionalidade não pode ser compreendido de maneira obtusa,
apenas como uma avenida de mão única, pois à medida que impõe limites ao jus
puniendi como uma tutela protetiva e garantista dos direitos fundamentais, tem
também seu viés do garantismo negativo onde o Estado tem um dever geral de
proteção eficiente, inclusive quanto a agressões contra direitos fundamentais
provenientes de terceiros, decorrente expressamente do art. 5° da CF (Direito a
Segurança). Conseqüentemente o princípio da proporcionalidade é de mão dupla
tanto impede os excessos quanto as insuficiências do Estado.

É o que se
depreende da lição de Ingo Sarlet[30]:

“a noção de proporcionalidade não
se esgota na categoria da proibição de excesso, já que vinculada igualmente a
um dever de proteção por parte do Estado, inclusive quanto a agressões contra
direitos fundamentais provenientes de terceiros, de tal sorte que se está
diante de dimensões que reclamam maior densificação, notadamente no que diz com
os desdobramentos da assim chamada proibição de insuficiência no campo
jurídico-penal e, por conseguinte, na esfera da política criminal, onde
encontramos um elenco significativo de exemplos a serem explorados”.

Também afirma
Sarlet[31],
que resulta inequívoca vinculação entre os deveres de proteção (isto é, a
função dos direitos fundamentais como imperativos de tutela) e a teoria da
proteção dos bens jurídicos fundamentais, como elemento legitimador da intervenção
do Estado nesta seara, assim como não mais se questiona seriamente, apenas para
referir outro aspecto, a necessária e correlata aplicação do princípio da
proporcionalidade e da interpretação conforme a Constituição.

Com efeito, para a
efetivação de seu dever de proteção, o Estado – por meio de um dos seus órgãos
ou agentes – pode acabar por afetar de modo desproporcional um direito
fundamental (inclusive o direito de quem esteja sendo acusado da violação de
direitos fundamentais de terceiros). Estas hipóteses correspondem às aplicações
correntes do princípio da proporcionalidade como critério de controle de
constitucionalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais.  Por outro lado, o Estado – também na esfera
penal – poderá frustrar o seu dever de proteção atuando de modo insuficiente
,isto é, ficando aquém dos níveis mínimos de proteção constitucionalmente
exigidos ou mesmo deixando de atuar, hipótese por sua vez, vinculada ,pelo
menos em boa parte, à problemática das omissões inconstitucionais.

Nesse diapasão
Lenio Luiz Streck[32]
afirma que como se sabe, a Constituição determina – explícita ou implicitamente
– que a proteção dos direitos fundamentais deve ser feita de duas formas: a
uma, protege o cidadão frente ao Estado; a duas, através do Estado – e
inclusive através do direito punitivo – uma vez que o cidadão também tem o
direito de ver seus direitos fundamentais protegidos, em face da violência de
outros indivíduos.

Nesse passo, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos estatui: “Artigo 29:
§1.  Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e
pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. §2. No exercício de
seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações
determinadas por lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido
reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer
às justas exigências… da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade
democrática”.

Uma vez feitas
essas considerações cumpre lembrar que este princípio é constituído por três
subprincipios, que são os da adequação, da necessidade e o da proporcionalidade
em sentido estrito que são de aplicação sucessiva e complementar, as quais
passo a analisar.

O subprincípio da
adequação e o da necessidade tem por elemento a otimização das probabilidades
da realidade, do ponto de vista da adequação e da necessidade dos meios em
relação aos fins propostos. Assim a adequação, é a medida capaz de atingir o
fim perseguido pelo Estado, ou seja, deve ser capaz de realizar o fim
constitucionalmente proeminente. Já pelo subprincípio da necessidade, a medida
deve limitar-se ao estritamente necessário para a obtenção de um fim legítimo.
E o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da avaliação  tem por elemento a otimização das
probabilidade jurídicas, ao nível de criminalizacao primaria e secundaria, do
ponto de vista da proporcionalidade dos meios(pena criminal), em relação aos
fins propostos(proteção de bens jurídicos).É primordial, que seja feita uma
avaliação entre os interesses protegidos
e os bens jurídicos.

Feitas esses
considerações essenciais para um completo aprofundamento do real  tema deste artigo analisaremos o instituto
da progressão de regime e seus reflexos no pensamento jurídico do STF, vejamos.

4. Progressão de regime

4.1 Conceito

A progressão de
regime trata-se da passagem de um regime mais severo para um menos severo. O
certo é que foi adotado no Brasil um sistema progressivo o qual no dizer Valdir
Sznick[33]
pode se resumir de maneira genérica da seguinte forma “regime fechado, regime
semi-aberto, regime aberto, livramento condicional e extinção da punibilidade
seria um progressão completa”.

Para
Fernando Capez[34], “trata-se
da passagem do condenado de um regime mais rigoroso      para outro mais suave,
de cumprimento de pena privativa de liberdade, desde que sejam satisfeitas as
exigências legais”.

Destarte,
iniciado o cumprimento da pena no regime estabelecido na sentença, a qual, por
previsão expressa do artigo 59, inciso III do Código Penal, deverá indicar o
regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, possibilita ao
criminoso, de acordo com um sistema progressivo de execução, a passagem para um
regime menos rigoroso desde que tenha cumprido 1/6 da pena no regime anterior e
um bom comportamento carcerário, comprovado mediante atestado emitido pelo
diretor do respectivo estabelecimento. Devendo esta decisão ser motivada e
precedida de manifestação do Ministério Público.

Logicamente quis o
legislador ir preparando gradativamente reinserção do apenado ao convívio em
sociedade, diminuindo gradativamente o rigor da pena, estimulando à boa conduta
do preso e a obtenção paulatina da reforma moral e sua conseqüente preparação
para vida em liberdade. No qual se fundamentava depreende do artigo 112 da lei
de execuções penais que dicta de forma consubstanciada que “a pena privativa de
liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime
menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao
menos 1/6 da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento
carcerário,comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas
que vedam a progressão”.

Assim diante dos
regimes de execução da pena privativa de liberdade são estruturados conforme
critérios de progressividade que é a regra, no entanto não devemos esquecer que
existe o critério de regressividade que se apresenta como uma exceção,
instituídos com o fito de humanizar a pena[35].

A regressão, como
uma exceção a regra, pode-se definir como uma transferência ou retorno do preso
para um regime de maior rigor punitivo e pode ocorrer se o réu incidir nas
hipóteses de pratica de fato definido como crime doloso ou falta grave[36]
e de nova pena por crime anterior, cuja soma determine uma incompatibilidade
com o regime atual, conforme dispõe o art. 118, I e II, §§ 1° e 2° da LEP.
Neste caso exige-se também uma decisão motivada pelo magistrado e precedida de
manifestação do Ministério Público e da Defesa, sendo insuficiente a simples
audiências com o condenado[37].

5. Da constitucionalidade

O Supremo Tribunal Federal sempre que foi chamado a se
manifestar sobre o tema da vedação da progressão de regime na lei 8.072/1990,
firmava seus posicionamentos acerca da matéria a partir da formulação de
questionamentos essenciais para o desdobramento deste trabalho, o primeiro
questionamento é se o legislador ordinário teria competência para instituir
esta vedação, o segundo é se a progressividade no cumprimento da pena foi ou
não elevada a postulado constitucional e a terceira e última pergunta se refere
a eventual ofensa aos princípios constitucionais da individualização,
humanidade e o da proporcionalidade.

Assim, procuraremos expor os motivos ensejadores que
levaram a mais Alta Corte do país a manter a constitucionalidade durante tantos
anos, a partir de suas decisões. Após aproximadamente dois anos da promulgação
da lei n° 8.072/90, a chamada lei dos crimes hediondos, o STF foi provocado
sobre o referido assunto, assim se manifestou:

“HABEAS CORPUS. LEI
DOS CRIMES HEDIONDOS. PENA CUMPRIDA NECESSARIAMENTE EM REGIME FECHADO.
CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2°, § 1° DA LEI 8.072/90.

I-Tráfico Ilícito de
entorpecentes. Condenação, onde o artigo 2°,§ 1° da lei 8072,dos crimes
hediondos, impõe cumprimento da pena necessariamente em regime fechado.Não há
inconstitucionalidade em semelhante rigor legal,visto que o princípio da  individualização da pena não se ofende na
impossibilidade de ser progressivo o regime de cumprimento da pena:retirada a
perspectiva da progressão frente a caracterização legal de hediondez,de todo
modo tem o juiz como dar trato individual a fixação da pena,sobretudo no que se
refere a intensidade da mesma.

II-Habeas Indeferido
por maioria.”[38]

No
voto do Ministro Celso de Mello[39],
expõe que o legislador teria a dita competência para instituir a proibição de
progressão de regime na lei que se refere aos crimes hediondos, pois se o
legislador pode fixar o quantum penal e estabelecer seus limites, quanto mais
limitar progressão a crimes de especial gravidade, estatuídos no texto
constitucional. Explicita o Ministro que este comando da lei em comento não
ofende o principio da individualização da pena porque a progressividade de
regime não foi alçada a postulado constitucional.

Nesse
mesmo entendimento o Ministro Francisco Resek[40]
argumenta corroborando a tese de que o principio da individualização seria uma
atribuição, ou melhor, uma competência exclusiva do legislador posto que Carta
Maior ao expressar-se sobre o principio questionado faz menção que “A lei
regulará a individualização da pena”, concluindo que não enxerga nenhuma ofensa
a este principio em razão da restrição ao juiz processante de mensurar a
viabilidade ou não  de uma eventual
progressão de regime, em virtude de o mesmo ter o condão de o fazer na  intensidade na aplicação da pena.

O
Ministro Carlos Velloso, por sua vez apregoa no seu voto que a vedação a
progressão de regime na lei dos crimes hediondos, não há que se falar de
inconstitucionalidade violação ao principio da individualização vez que esta
individualização é realizada consoante as regras do artigo 59 do código penal,
quando o magistrado na aplicação da pena, os antecedentes ,conduta social,
culpabilidade, personalidade do agente, circunstancias e conseqüências do crime,
bem como o comportamento da vitima, assim o fato do magistrado não poder fixar
o regime inicial livremente não caracteriza a inconstitucionalidade, uma vez
que o artigo 2°, § 1° da lei 8.072/90, é uma exceção a regra do art. 33 CP,
como se verifica em outra HC de sua relatoria;

“CONSTITUCIONAL.
PENAL. PROCESSUAL PENAL. “REFORMATIO IN PEJUS”: INOCORRÊNCIA. TRÁFICO ILÍCITO
DE ENTORPECENTES E DROGAS AFINS. REGIME FECHADO. LEI 8.072/90, ART. 2°, § 1°.

I-O Tribunal ao
rever, a dosagem da pena, não fica vinculado aos critérios adotados pelo juiz.
No caso, revendo a operação de dosagem da pena, o tribunal, diante da prova de
reincidência, não podia excluí-la. Tendo a pena sido reduzida de 11(onze) anos
para 5(cinco)anos de reclusão,não há falar em “reformatio in pejus”.

II-A pena por crime
previsto no art. 2°, §1 da lei 8.072/90 será cumprida em regime fechado.
Inocorrência de inconstitucionalidade, C.F. art.5°, XLIII.

III-H. C.
Indeferido”[41].

PENAL. PROCESSO
PENAL. HABEAS CORPUS. REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E
DROGAS AFINS. REGIME FECHADO. LEI 8.072/90, ART. 2°, § 1°. CONSTITUCIONALIDADE.

I-A prova, para
revisão criminal, há que ser produzida judicialmente, com obediência ao
princípio do contraditório.

II-A pena por crime
previsto no art. 2°, § 1°, da lei 8.072/90, será cumprida em regime fechado.
Inocorrência de Inconstitucionalidade. C.F. art.5°, XLIII. Precedente do STF:
HC 69.657-SP, Min.F.Resek RTJ 147/598;HC 69603-SP,Min. P. Brossard,RTJ 146/611;
HC 69377-MG,Min.C.Velloso, “DJ” de 16.4.93.

III- H.C.
indeferido”.[42]

Tanto
o princípio da Humanidade como o da Proporcionalidade são analisados partindo
da premissa que à vedação a progressão posta pelo legislador ordinário não
ofende tais mandamentos nucleares. No que tange ao princípio da humanidade, não
fere, pois não se trata de nenhuma pena de morte, de caráter perpétuo, de
trabalhos forçados, de banimento e/ou cruel, pois o cumprimento integral da
pena seria uma colocação, ou melhor, uma frase muito mais de efeito do que uma
realidade posto que não retira a progressividade da pena  , uma vez que os condenados teriam o direito
de requerer o livramentos condicional cumprindo ou melhor atendendo
determinadas  prescrições legais para
beneficio[43].

Por
outro lado o princípio da proporcionalidade é atendido porque se refere à
delitos de especial gravidade, sendo a pena proporcional a proteção eficiente
do bem jurídico que são relevantes a sociedades e conseqüentemente caros ao
Estado, por isso rotulados sobre o prisma de crimes hediondos na lei 8.072/90 e
salvaguardados pela Constituição Federal no seu art. 5°,XLVIII, sobre o titulo
de direito e garantias fundamentais.

Dessa
maneira constitucionalidade da vedação a progressão de regime, na referida lei
em comento encontra-se alicerçado no fundamento de que este dispositivo legal
não ofendia o principio da individualização da pena, por se tratar de matéria
infraconstitucional e assim sendo o legislador ordinário tem a
discricionariedade para a criação de regimes de cumprimento de pena, bem como de
hipóteses de progressão e regressão entre os diversos regimes previstos, poderá
também instituir algumas hipóteses em que a progressão estará absolutamente
vedada, como salienta os eminentes juristas Alexandre de Moraes e Gianpaolo
Poggio Smanio[44], é o que extrai
do HC 69603/SP;

“HABEAS CORPUS.
CRIME HEDIONDO. CONDENAÇÃO POR INFRAÇAO DO ART.12, § 2°, II, DA LEI 6368/76.
CARACTERIZAÇÃO. REGIME PRISIONAL. CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME FECHADO. ART.
2°, §1° DA LEI 8.072/90. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART.5°, XLVI, DA CONSTITUIÇÃO.
INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CARACTERIZADA. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA.
REGULAMENTAÇAO DEFERIDA, PELA PRÓPRIA NORMA CONSTITUCIONAL, AO LEGISLADOR
ORDINÁRIO.

I-À lei ordinária
compete fixar parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar ou a  concreção ou a individualização da pena.Se o
legislador ordinário dispôs, no uso da
prerrogativa que lhe foi deferida,pela
norma constitucional,que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será
regime fechado,significa que não quis ele deixar, em relação aos crimes dessa
natureza,qualquer discricionarieade ao juiz na fixação do regime prisional.
II-Ordem Conhecida, mas indeferida”[45]..

Neste
mesmo raciocínio, o jurista Fernando Capez dita: “Não há que se falar em ofensa
ao principio constitucional da individualização da pena (art.5º, XLVI), uma vez
que o próprio constituinte autorizou o legislador a conferir tratamento mais
severo aos crimes definidos como hediondos, ao tráfico ilícito de entorpecentes
e ao terrorismo, não excluindo desse maior rigor a proibição da progressão de
regime”. Por outro lado, não consta em nenhuma passagem do texto constitucional
que o legislador inferior não possa estabelecer regras mais rigorosas para o
cumprimento da pena em delitos considerados, pelo próprio constituinte, como de
grande temebilidade sociedade, como reafirma o HC 7747/SP da lavra de Nelson
Jobim;

 “HABEAS CORPUS. CRIMES HEDIONDOS. REGIME DE
CUMPRIMENTO DE PENA: INTEGRALMENTE FECHADO. CONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO 1°
DO ART. 2° DA LEI 8.072/90.

I-Nos crimes
hediondos a pena deve ser cumprida em regime integralmente fechado.

II-O Plenário deste
tribunal decidiu que não há inconstitucionalidade no§1° do art. 2° da L.8.072/90

III-Precedentes STF

IV-HC indeferido”[46].

Destarte,
não existe qualquer relação direta do princípio da individualização da pena com
a progressão obrigatória de regime, uma vez que o princípio supra mencionado é
aplicado no momento da fixação da pena, observando os critérios do artigo 59 do
CPP, ou seja, os antecedentes, o motivo, as circunstâncias e conseqüências do
crime, a personalidade do agente entre outros, para assim fixar os limites
entre a pena mínima e máxima, como assevera o prof.Victor Gonçalves[47].

Assim
o tema da proibição à progressão na lei 8.072/90 encontrava-se pacificado no
Tribunal Maior até o momento da promulgação da lei 9.455/1997, que trata sobre
os crimes de tortura, o próprio legislador ordinário que vedou a progressão de
regime nos crimes hediondos permitiu a progressão da prática de tortura que é
expressamente equiparado a crime hediondo pela constitucional no art.5°, inc.
XLIII.

Diante
do impasse criado, pelo legislador ordinário, os operadores do direito
começaram a questionar se com o advento da lei 9477/97 a vedação a progressão
de regime instituído pela lei dos crimes hediondos teria perdido sua validade.
Prontamente a Suprema Corte consubstanciando todos seus entendimentos
anteriores, editou a súmula 698 que prescreve que “não se estende aos demais
crimes hediondos a admissibilidade de progressão de execução da pena aplicada
ao crime de tortura”.

Conseqüentemente
voltou-se a pacificar o objeto do debate como atenta o Ministro Joaquim Barbosa[48]
quando expõe que o entendimento do pleno ainda permanecia pela
constitucionalidade do cumprimento integral da pena nos crimes hediondos.

Todavia
dois fatores começaram a delinear de forma contundente o reexame da questão da
inconstitucionalidade da progressão de regime no Supremo Tribunal Federal. O
primeiro em virtude da profunda modificação na composição da Alta Corte em um
total de onze membros, seis novos passaram a integrá-lo, compreensível assim um
novo enfoque para velhas teses até então arraigadas, sedimentadas pela maioria
de seus membros. Outro fator seria a própria acomodação, recepção e
sedimentação, porem de modo inverso, onde as novas teses  doutrinárias/acadêmicas estariam espraiadas
jurisprudencialmente de tal maneira em grande parte dos tribunais inferiores e
por que não dizer dos juízos singulares que propiciaram o movimento inverso não
de cima para baixo, mais de baixo para cima.

Diante
da conjugação desses dois fatores, o Ministro Marco Aurélio traz a pauta do
Supremo o Hábeas Corpus n° 82959/2007, que se encontrava há vários meses
pendente de julgamento, o objeto deste é justamente acerca da
Inconstitucionalidade da vedação imposta pelo art.2°, §1 da lei 8.072/90.
Portanto, analisaremos a Inconstitucionalidade deste tema à luz do STF.

6.
Inconstitucionalidade

Doutrinariamente,
é possível que ninguém no Brasil, tenha lutado tanto pelo reconhecimento da
inconstitucionalidade do art.2°, §1 da lei 8.072/90, quanto Alberto Silva
Franco, por outro lado, dentro da mais Alta Corte do país, ninguém conseguiu
operacionalizar os seus ensinamentos com tamanha sintonia que os Ministros
Marco Aurélio e o Sepúlveda Pertence. Ambos entendiam[49],
ou melhor, entendem que o referido dispositivo da lei dos crimes hediondos
ofende os princípios norteadores da nossa Carta Maior de 1988 entre os quais o
da humanidade e o da individualização da pena. Se não vejamos.

Ofende
o princípio da Humanidade, por se tratar de uma pena cruel, infamante e
desumana, na medida em que retira do eventual condenado à esperança de dias
melhores a cultivar um desempenho penitenciário voltado à ordem, ao mérito e a
uma futura inserção social, pouco importando o relevo de seus atos e reações
dentro do período que cumpre sua efetiva sanção.

A
individualização da pena é ofendida tendo em vista que a mesma ocorre o núcleo essencial da
individualização da pena está centrado na perspectiva da pena particularizada
em três momentos distintos, porém complementares: o momento legislativo no qual
são determinados os marcos penais e os parâmetros norteadores do processo
individualizador; no momento judicial no qual o juiz, dentro de suas pautas
legais, explicita motivadamente a espécie, a quantidade de pena, e o regime
prisional inicial a serem aplicados e no momento da execução penal quando a pena concretizada na
pessoa do condenado passa ser cumprida
dentro de um sistema de progressividade.

Por outro lado
argumentava-se a falta de legitimidade que o legislador ordinário teria em
fazer à vedação a progressividade uma vez que tal
matéria por se tratar de preceito constitucional, pois inserido no texto
constitucional no art.5°, XLVI, uma exceção só poderia ser feita por norma de
igual hierarquia. Contudo, passado
aproximadamente 15 anos do advento da lei 8.072/90, assentada a tese da
constitucionalidade sobre a proibição de regime progressivo, sendo inclusive
posteriormente sumulado[50]
pelo Tribunal Maior, sopraram novos ventos, ou seja, dois fatores novos
alimentaram as esperanças do reexame da questão da inconstitucionalidade. O
primeiro foi à profunda modificação na própria composição do Supremo Tribunal
Federal[51],
dando assim um novo enfoque para velhas teses até então arraigadas,
sedimentadas pela maioria de seus membros e o segundo era a densidade e o
fortalecimento de novas teses doutrinárias/acadêmicas espraiadas nas decisões
jurisprudências[52] em todos os
tribunais do país.

Destarte,
no dia 23 de fevereiro de 2006, foi a julgamento do Hábeas Corpus n° 82959-7,
cujo relator foi o Min. Marco Aurélio, a decisão do tribunal, por maioria deferiu o pedido e
declarou “incidenter tantum” a inconstitucionalidade do § 1° do artigo 2° da
lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, nos termos do voto do relator, vencidos
os ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e
presidente (ministro Nelson Jobim) .O tribunal, por votação unânime, explicitou
que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em
questão não gerará conseqüências jurídicas as penas já extintas.Pois esta
decisão envolve únicamente o afastamento do óbice representado pela norma ora
declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo
magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da
possibilidade de progressão.

Consequentemente
iremos analisar a inconstitucionalidade da progressão de regime na lei dos
crimes hediondos a luz do STF a partir do HC 8259-7, devido sua importância e
relevância na repercussão na esfera político criminal brasileiro.

Em suma, a decisão
de inconstitucionalidade avalizou o novo espectro da política criminal com um
viés garantista, ou seja, levando ao limite máximo os direitos individuais.
Visualiza a grau de embrutecimento, degradação e de despersonalização que um
sistema carcerário pode trazer ao um individuo, por isso recompõe no direito
penal os valores humanísticos, em detrimento da lei fria e desumana. Como
argumenta em seu voto o Min.Carlos Brito:

“O Direito é cada vez mais permeado daquela técnica
de convencimento dos seus destinatários, que Norberto Bobbio chama de sanção
premial, quer dizer, um direito que acena cada vez mais com promessas de
recompensa do que com ameaças de castigo. Isso se aplica também ao regime das
execuções das penas. É possível estimular a conduta socialmente desejável, com
mais eficácia, pelo prêmio ou pela recompensa, do que desestimular a conduta
socialmente indesejável pelo castigo.Então, filosoficamente e com base no
principio constitucional da individualização da pena,defiro a ordem.(HC
82959-7)”.

Apesar de outras argumentações de
ofensas quanto à legitimidade do legislador ordinário e demais princípios como
os da proporcionalidade, da dignidade e da humanidade apresentam-se como um
desdobramento do núcleo essencial da individualização da pena é o que se extrai
do voto Cezar Peluso;

“(…) Evidente assim que perante a Constituição, o
principio da individualização da pena compreende: a) proporcionalidade entre o crime praticado e a sanção abstratamente
cominada no preceito secundário da norma penal. (…) c) a individualização da
sua execução, segunda a dignidade humana
(no cárcere ou fora dele, no caso das demais penas que não a privativa de
liberdade) e à vista do delito cometido (art.5°, XLVII). Logo, tendo o
predicamento constitucional o principio da individualização da pena (em
abstrato, em concreto e em sua execução), excecao feita somente poderia ser
aberta por norma de igual hierarquia
nomológica
”. (grifo nosso)

O Ministro Marco Aurélio reafirma
seu posicionamento na contrariedade do dispositivo da lei em comento em relação
à Constituição Federal, é o que se extrai do seu voto, que passo a expor:

 “(…) no interesse da preservação do
ambiente social, da sociedade, que dia menos dia, receberá de volta aquele que
inobservou a normal penal e, com isso, deu margem à movimentação do aparelho
punitivo do Estado. A ela não interessa receber de volta um cidadão que
enclausurou, embrutecido, muito embora o tenha mandado para detrás das grades
com o fito, dentre outros, de recuperá-lo, objetivando uma vida comum em seu
próprio meio, o que o tempo vem demonstrando a mais não poder, ser uma quase
utopia (…). Dizer-se que o regime de cumprimento da penas não esta
compreendido no grande todo que é a individualização preconizada e garantida
constitucionalmente é olvidar o instituto, relegando a plano secundário a
justificativa socialmente aceitável que recomendou ao legislador de 1984. É
fechar os olhos ao preceito que junge as condições pessoais do próprio réu,
dentre as quais exsurgem o grau de culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social, a personalidade, alfim, os próprios fatores subjetivos que desaguaram
na pratica delituosa (…).Assentar-se, a esta altura que a definição de regime
e modificações posteriores não estão compreendidas na individualização da pena
é passo demasiadamente largo,implicando restringir garantia constitucional em
detrimento de todo um sistema e, o que é pior, a transgressão  a princípios tão caros em que o Estado
Democrático de Direito como são os da igualdade da pessoa humana e o da atuação
do Estado sempre ao bem comum(…).Por ultimo, há de se considerar que a
própria Constituição Federal contempla as restrições a serem impostas àqueles
que se mostrem  incursos em dispositivos
da lei 8.072/90 e dentre elas não e dado encontrar a relativa progressividade
do regime de cumprimento da pena(…).Destarte,tenho como inconstitucional o
preceito do §1°,do artigo 2° da lei 8.072/90,no que dispõe que a pena imposta
pela prática de qualquer dos crimes nela mencionados será
cumprida,integralmente,no regime fechado.”(HC 82959-7)

Por
outro lado o Ministro Gilmar Mendes assevera criticas a lei 8.072/90 no que
tange seu conteúdo e manifesta função simbólica fruto de uma política criminal
radical que desconsidera a individualização da pena como princípio
constitucional:

“É certo que o
modelo adotado na lei 8.072/90 faz tabula rasa do direito a individualização no
que concerne aos chamados crimes hediondos. A condenação por prática de
qualquer desses crimes haverá de ser cumprida integralmente em regime fechado.O
núcleo essencial desse direito, em relação aos crimes hediondos,resta
completamente afetado.Na espécie , é certo que a forma eleita pelo legislador
elimina toda e qualquer possibilidade de progressão de regime e, por
conseguinte,transforma a idéia de individualização enquanto aplicação da pena
em razão de situações concretas em maculatura.No caso dos crimes hediondos, o
constituinte adotou conceito jurídico indeterminado que conferiu ao legislador
ampla liberdade,o que permite quase a conversão da reserva legal em um caso de
interpretação da Constituição segundo a lei.Os crimes definidos como hediondos
passam a ter tratamento penal agravado pela simples decisão legislativa.
E a extensão
legislativa que se emprestou à conceituação de crimes hediondos,como
resultado de uma  política criminal
fortemente simbólica ,agravou ainda mais esse quadro.A ampliação  dos crimes considerados hediondos torna
ainda mais geral a vulneração do principio da individualização
, o que, em outras
palavras, quase que transforma a excecao em regra.Todos os crimes mais graves
ou que provocam maior repulsa na opinião publica passam a ser tipificados como
crimes hediondos e, por conseguinte,exigem o cumprimento da pena em regime
integralmente fechado.Os direitos básicos do apenado a uma individualização
são  totalmente desconsiderados em favor
de uma opção política radical.Não é difícil perceber que fixação in abstracto
de semelhante modelo,sem permitir que se levem em conta as particularidades de
cada individuo, a sua capacidade de reintegração social e os esforços envidados
com visto à ressocialização,retira qualquer caráter substancial da garantia da
individualização da pena.Ela passa a ser uma delegação em branco oferecida ao
legislador,que tudo poderá fazer.Se assim se entender,tem-se a completa
descaracterização de uma garantia fundamental.Portanto nessa
hipótese,independentemente da doutrina que pretenda adotar sobre a proteção do
núcleo essencial – relativa ou absoluta -,afigura-se inequívoca a afronta a
esse elemento integrante do direito fundamental.É que o próprio direito
fundamental restaria violado”.(grifo nosso)

Assim
conformando os demais votos com as posições acima aventados seguiram-se os
votos pela inconstitucionalidade dos Ministros Eros Grau[53]
e Sepúlveda Pertence[54]
perfazendo um total de seis votos favoráveis e suficientes para a declaração
pelo Supremo Tribunal Federal da inconstitucionalidade do § 1° do artigo 2° da lei n°
8.072, de 25 de julho de 1990, porem questiona-se quais seriam os reais efeitos
dessa decisão.

6.1. Efeitos da
Decisão do STF

A decisão do
plenário ocorreu em sede de controle aberto de constitucionalidade, onde todo e
qualquer juiz ou tribunal pode se pronunciar, incidenter tantum, e no caso
concreto, sobre a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. Nesta via,
os efeitos da decisão declaratória são em regra, ex tunc e inter partes.
Entretanto, para que se confira caráter geral, com extensão erga omnes e não inter partes, a decisão do Supremo Tribunal Federal deve, seguindo
o preceito constitucional do art.52, X da CF, ser comunicada ao Senado Federal
para que, exercendo seu poder discricionário (juízo de conveniência e
oportunidade), “suspenda a execução, no todo ou em parte, de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”, como nos
ensina o Constitucionalista José Afonso da Silva:

“Em primeiro lugar, temos que
discutir a eficácia da sentença que decide a inconstitucionalidade na via de
exceção, e que se resolve pelos princípios processuais. Nesse caso, a argüição
da inconstitucionalidade é questão prejudicial e gera um procedimento
incidenter tantum, que busca a simples verificação da existência ou não do
vicio alegado. E a sentença declaratória. Faz coisa julgada no caso entre as
partes. Mas, no sistema brasileiro, qualquer que seja o tribunal que a proferiu,
não faz ela coisa julgada em relação à lei declarada inconstitucional, por
qualquer tribunal ou juiz, em principio, poderá aplicá-la por entendê-la
constitucional, enquanto o Senado Federal, por resolução, não suspender sua
executoriedade…”.

A partir desse
entendimento os efeitos da decisão seriam de apenas incidenter tantum não
produzindo qualquer conseqüência erga omnes uma vez que dependeria de uma
resolução do Senado Federal para a partir daí estender seus efeitos, porem a
particularidade trazida pelo plenário da Suprema Corte, no bojo do HC 82959-7,
esta em aferir, em sede de controle de constitucionalidade aberto, efeitos ex
nunc (a partir da decisão de inconstitucionalidade) e extensão erga omnes,
tornando a resolução do Senado ato inócou[55],
se não vejamos.

O efeito ex nunc
atribuído a esta decisão foi uma interpretação analógica ao art.27 da lei
9868/99, é o que se percebe ao ponderar o conteúdo do voto do Min.Gilmar Mendes
ao antever as múltiplas ações extras penais, caso o efeito fossem ex tunc:

“Reiteradamente o tribunal
reconheceu a constitucionalidade da vedação de progressão de regime nos crimes
hediondos, bem como todas as possíveis repercussões que a declaração de
inconstitucionalidade haveria de ter no campo civil, processual e penal, reconheço,
que, ante a nova orientação que se desenha, a decisão somente poderia ser
tomada com eficácia ex nunc. (…) Ressalto que esse efeito ex nunc deve ser
entendido como aplicável às condenações que envolvam situações ainda
suscetíveis de serem submetidas ao regime de progressão”.

Neste raciocínio,
o plenário decidiu fixar um “outro momento”, como se percebe no teor da ementa “o tribunal, por votação unânime,
explicitou, que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito
legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já
extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve unicamente, o
afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional,
sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais
requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão”
.  Pelo conteúdo desta ementa extrai-se que
seus efeitos atingirão os réus de processos em andamento em que seja possível
progressão de regime[56].

A extensão erga
omnes, tornando a resolução[57]
do Senado ato inócou, tem como premissa também a ementa acima referida na sua
segunda parte que confere clara projeção erga omnes ao ditar que “o afastamento do óbice representado pela
norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso,
pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento
da possibilidade de progressão”,
por outro lado devemos afirmar apesar de
seu preceito constitucional convencionar uma decisão da mais alta corte do país
ao coteja de um Senado Federal constitui em um imenso anacronismo, como revela
Luis Roberto Barroso[58]:

“A verdade é que, com a criação
da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC n 16/65, e com o contorno
dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao
Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal
Federal,seja em controle incidental ou em ação direta,deve ter o mesmo alcance
e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão
constitucional,quando de sua instituição em 1934,já não há mais lógica razoável
a sua manutenção. Seria uma demasia, uma violação ao principio da economia
processual, obrigar uma dos legitimados ao art.103 a propor ação direta para
produzir uma decisão que já se sabe qual é!”

Com essas
considerações tem-se que o HC 82959-7 trouxe peculiaridades ou inovações que
fazem seus efeitos se estenderem-se aos demais casos similares, ou seja, em
face de todos que apresentem condenações suscetíveis ao regime de progressão,
observando, é claro, os requisitos inerentes ao instituto, ora em questão.

Conclusão

A
progressão de regime nos crimes hediondos tem sido visto como instrumento de
concessão de uma liberdade plena, fazendo-o transparecer e fomentar para grande
massa ignara da nossa população o sentimento de impunidade, o que não condiz
com o propósito de tal instituto, uma vez que pressupõe um processo de
fiscalização do poder estatal e comporta regressão de regime no diálogo entre
sentenciado e Estado durante a execução da pena.

A
execução da pena deve ser objeto de preocupação prioritária dos poderes
constituídos, constituindo um elo permanente de dialogo entre o Estado,
condenado e sociedade civil organizada, com vistas a contribuir com estratégias
de uma efetiva reintegração social dos apenados.

Com
efeito, a individualização da pena, trata-se não apenas de um direito do
condenado ou de um delinqüente e sim uma prerrogativa de todos, o qual seja, um
prosseguimento humanizado e individudializado ao cumprimento da pena
persistindo todos os efeitos penais e extra penais, e de certa forma até
deletéria , pois a pena privativa de liberdade deforma, amputa, é a alma e não
somente o corpo. No entanto, o contentamento pela decisão que constitucionalizou o
regime progressivo de cumprimento da pena não pode servir de acomodação
ideológicas na seara da política criminal a serem perseguidas para a
humanização na execução da pena, vez que já se encontram vários projetos de
lei, os chamados “pacotes de segurança pública”, que fomentam uma eventual
“harmonização” da resposta penal com os crimes de especial gravidade.

 

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Notas:

[1]
Manual de criminologia, Madri, ed.Espasa-Cape, 1988, página 120/121.

[2]“A
lei e a Ordem”, ti.org. Em língua inglesa: “law and Order”, trad. Tâmara de
Barile, Brasília, editado pelo instituto Tancredo Neves, 1987, p.14.

[3]
No Estado e a revolução, Lênin, invocando o ensinamento de Marx, expressa que o
Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe
por outra, é a criação de uma ordem que legaliza e consolida esta opressão,
moderando os conflitos de classe (Porto, ed. Biblioteca Meditação, 1970, p.9).

[4]
Crimes Hediondos, 5.ed.São Paulo:RT,2005.p.83

[5] Crimes
Hediondos: o mito da repressão penal: Um estudo sobre o recente percurso da
legislação brasileira e as teorias da pena. Cit.,p.69

[6] Luis Mir, no
seu livro guerra civil aprofunda este tema.

[7] Dados
oficiais do ministério da justiça

[8] RAÓ, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: Max Limonad, 1952.

[9] Alexy, Robert.Theorie der Grundrechet.2° ed.Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1994

[10] Conceito
formulado por Jose Afonso da Silva.

[11] ÁVILA, Humberto. Teoria dos
Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Ed.Malheiros, 2006.

[12]
Alexy, Robert. “Rechtsregeln
und Rechtsprinzipien.Archives Rechts und Sozialphilosophia.Separata
25.Frankfurt am Main, 1985.

[13]
Moreira, Rômulo de Andrade. Algemas para
quem Precisa
. Disponível em http://www.juspodium.com.br/artigos/artigos_574html.Acessado
em 5 de julho de 2006.

[14]  COMPARATO, Fábio Konder. Para viver a democracia. São Paulo,
Brasiliense, 1989.

[15]
CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. 2° ed.Coimbra,
Coimbra Ed. ,1984.

[16] Metodologia
jurídica e interpretação constitucional.

[17]
SILVA FRANCO, Alberto. Crimes Hediondos,
RT, 2005.

[18]
CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal
Parte Geral
, ICPC/Lumen Juris, 2006.

[19] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004.

 [20] Editorial do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Boletim do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n°.161, abr.2006.

 [21] Os
Princípios Constitucionais Penais, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1991,pp 37 e segs.

[22]  O direito simbólico é a deficiência do
Estado em não poder, através de seus órgãos resolver as questões de assistência
social, que constituiria seu dever, sendo sua opção o uso político de medidas
simbólicas de intimidação e de persuasão, em tanto mais extensão quanto mais
simbólica a sua atuação, incutindo na população uma falsa imagem de segurança e
tranqüilidade.

[23] BUENO DE CARVALHO, Hamilton e CARVALHO, Salo. Aplicação da pena e Garantismo, Lumen
Juris, 2004.

[24] BUENO DE
CARVALHO, Hamilton e CARVALHO, Salo. Aplicação
da pena e Garantismo
, Lumen Juris, 2004.

 [25] FERRAJOLI, Luigi. Diritto e Ragione: Teoria Del Garantismo Penale. 5° ed.Roma:
Laterza, 1998.

 [26] MOREIRA, Rômulo de Andrade. Estudos
de direito processual penal-Temas Atuais
. São Paulo: BH, 2006.

 [27]
No seu parecer referente a inconstitucionalidade da lei n° 10.792/2003 “quanto
a modificação dos requisitos para progressão de regime  expressa que “Assim, v.g., uma conduta só
pode ser descriminalizada se for comprovado, por dados empíricos (pesquisas
científicas), que o direito penal tornou-se despiciendo. Do mesmo modo, uma
norma processual[27] que impõe
requisitos para a obtenção da progressão de regime igualmente não pode ser
derrogada, sem que o Estado prove que tais requisitos não mais são necessários.
Simples, pois!Dizendo de outro modo: a exigência dos laudos era o meio que o
Estado tinha para controlar a saída ou a progressão de regime dos apenados. Um
dos objetivos era evitar o retorno à comunidade de pessoas que pudessem vir a
colocar em risco as demais pessoas da sociedade. Afinal, a segurança também é
um direito fundamental do cidadão (art. 5º caput da CF). Logo, se
não há qualquer demonstração fática de que a exigência dos laudos não mais
satisfazia o alcance dos objetivos do Estado
para proteger a sociedade[27],
então o legislador não poderia ter abolido a exigência de tais laudos
(previstos na antiga redação do art. 112, parágrafo único). A lei não pode ser produto de cabalas ou interesses ad hoc…!De modo que ao modificar a
antiga redação do art. 112 (caput e
parágrafo único) da LEP, o legislador feriu o princípio da proporcionalidade
enquanto princípio de proibição de proteção deficiente, razão pela qual a
alteração aposta ao art. 112 é inconstitucional, devendo assim ser
declarada. Despiciendo lembrar que numerosos autores ligados ao direito penal e
ao direito constitucional comungam da tese de que no Estado Democrático de
Direito não há liberdade absoluta de conformação legislativa (J.J. Gomes
Canotilho, J. Miranda, Eros Grau, Barroso, Zeno Veloso, Bonavides, Bercovici,
Sarlet, Comparato, Marinucci, Dolcini, Baratta, por exemplo). E a primeira
decisão nesse sentido foi a do Tribunal Constitucional da Alemanha, seguida dos
Tribunais Constitucionais da Espanha e Portugal, sem considerar outras decisões
que apontam nessa direção.  Não bastasse
isso, a alteração legislativa acabou por transformar o juiz das execuções em
mero homologador de laudos  – visto que
lhe basta verificar o requisito objetivo (tempo) e a existência de atestados de
boa conduta carcerária (sic) -, violando o princípio da reserva de jurisdição. Dito
de outro modo, a nova legislação, ao vincular o juiz aos atestados do diretor
do estabelecimento penitenciário, acaba por “administrativizar” a execução,
colidindo assim com o próprio sistema da LEP que é judicializado!
E não se
diga, finalmente, que a declaração da inconstitucionalidade do artigo 112
acarretaria a violação do princípio da reserva legal, uma vez que, com o advento
do Estado Democrático de Direito, já não se pode falar de uma simples concepção
de uma reserva legal, mas, sim, da concepção de uma reserva da lei
proporcional.[27] Lei que viola a
devida proporcionalidade (nos seus dois sentidos – excesso e deficiência) é
nula, írrita, nenhuma. Melhor dizendo, é inconstitucional!Por todos os vícios
indicados (violação do princípio da proibição
de proteção deficiente, uma vez que colocado em risco o direito fundamental[27]
de terceiros – cidadão e sociedade – à segurança (pública) – art. 5. caput, da
CF, além da violação dos princípio da reserva de jurisdição e da proibição de
retrocesso social,
 mais o da razoabilidade), impõe-se a suscitação
do incidente de inconstitucionalidade do art. 112, caput, da Lei de Execução Penal, conforme a nova redação dada pela
Lei n.º 10.792/03, remetendo-se, per
saltum
, a matéria à discussão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, na
forma prevista no CPC e no RITJRGS.Um problema final se impõe para espancar
eventuais dúvidas acerca das conseqüências da declaração da
inconstitucionalidade ora suscitada.
Com efeito, a argüição de inconstitucionalidade da Lei n.º 10.792/03 –
naquilo que alterou o art. 112 da Lei de Execução Penal – ocorre aqui como última
ratio
, uma vez que impossível o salvamento da norma através de uma interpretação conforme (verfassungskonforme Auslegung) ou de uma
nulidade parcial sem redução de texto
(Teilnichtigerklärung ohne Normtexreduzierung).
Na hipótese, uma
interpretação conforme pela qual se estipulasse, por exemplo, que “o art. 112,
caput, somente é constitucional se lido no sentido de que os laudos
constituem-se em condição para o exame dos pedidos de progressão de regime”
estaria simplesmente repristinando a
lei anterior (antiga redação do art. 112 da Lei n.º 7.210/84), o que não seria
de boa técnica. Entretanto, como ver-se-á em seguida, uma coisa é a
repristinação – vedada pelo sistema jurídico -; outra é a declaração da
inconstitucionalidade de lei revogadora”.

[28] CIRINO DOS
SANTOS, Juarez. Direito Penal Parte Geral,
ICPC/Lumen Juris, 2006.

[29]
Vale ressaltar que para alguns doutrinadores como Eros Roberto Grau (Ensaio
e discurso sobre a Interpretação/ Aplicação do Direito
, 2ª ed., p. 178 ss)
e Humberto Ávila (Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios
jurídicos
, p. 80 ss) a proporcionalidade não consubstanciaria um princípio,
mas sim um postulado normativo aplicativo. Para eles, a proporcionalidade seria
uma condição formal ou estrutural de aplicação de outras normas.

[30]SARLET,
Ingo. Constituição e Proporcionalidade: o
direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de
insuficiência
. In: Revista de Estudos Criminais n. 12, ano 3. Sapucaia do
Sul, Editora Nota Dez, 2003, pp. 86 e segs.

 [31]
Ob. Cit.

[32]
Ob. Cit.

[33]
SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. São Paulo: Universitária de
Direito, 1991.

[34]
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal.
Vol. 1. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.

[35]
CARVALHO, Pena e garantias, 2003,2ª
edição, p.170.

[36]
Conforme entendimento do TJ/RS, 5ª Câm. Crim. Ag. Ex n°700113653084, Rel. des.
Amilton Bueno de Carvalho, “não é qualquer fuga que impõe a regressão de
regime: a proporcionalidade deve estar presente, assim um curto período da
fuga, sem cometimento de delito, aliado a aplicação de sanção administrativa e
o registro da falta grave no prontuário do apenado, não autoriza a regressão de
regime. Há sempre, se apostar no cidadão – apenado”.

[37]
Nesse entendimento, decisão do Superior Tribunal de Justiça (HC 37.164/SC, 6°
Turma, DJ 22/11/2004), rel. Min. Nilson Naves.

[38]
HC 69657-1/SP, HABEAS CORPUS, Relator Ministro Francisco Resek: Decisão do
Plenário do STF: 18/12/1992, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda
Pertence.

[39]
“A determinação
legal de integral cumprimento das penas, por crime previsto na lei n 8.072/90,
em regime fechado, não mantem qualquer relação de antinomia em face do que
prescreve a constituição no preceito que consagra o principio da
individualização da pena (art.5,XLVI).O principio constitucional da
individualização das penas, que é de aplicabilidade restrita, concerne,
exclusivamente, a ação legislativa do congresso nacional.Este, em conseqüência,
constitui o seu único destinatário.O principio em causa não se dirige a outros
órgãos do Estado, pois. No caso, o legislador – a quem se dirige a
normatividade emergente do comando constitucional em questão -, atuando no
plano normativo, e no regular exercício de sua competência legislativa, fixou
em abstrato, a partir de um juízo discricionário que lhe pertence com
exclusividade, e em função da maior gravidade objetiva dos ilícitos referidos,
a sanção penal que lhes é imponível.A par dessa individualização in abstracto,
o legislador – ainda com apoio em sua competência constitucional – definiu, sem
qualquer ofensa a princípios ou valores consagrados pela Carta Política, o
regime de execução pertinente às sanções impostas pela pratica dos delitos
referidos. A fixação do quantum penal e a estipulação dos limites,
essencialmente variáveis, que oscilam entre um mínimo e um Maximo, decorrem de
uma opção legitimamente exercida pelo congresso nacional.A norma legal em
questão, no ponto em que foi impugnada, ajusta-se a quanto prescreve o
ordenamento constitucional, quer porque os únicos limites materiais que
restringem essa atuação do legislador ordinário não foram desrespeitados (CF,
ART.5, XLVII) – não se trata de pena de morte, de pena perpetua, de pena de
trabalhos forcados, de pena de banimento ou de pena cruel – que porque o
conteúdo da regra mencionada ajusta-se a filosofia de maior severidade
consagrada,em tema dos delitos hediondos,pelo constituinte
brasileiro(CF,ART.5,XLIII). A progressividade no processo de execução das penas
privativas de liberdade, de outro lado, não se erige a condição de postulado
constitucional.A sua eventual inobservância, pelo legislador ordinário, não
ofende o principio da individualização penal”.

[40] Voto
referente ao HC 69657-1/SP

[41] HC
69377-6/MG, HABEAS CORPUS, Relator Ministro Carlos Velloso: Decisão da 2ªturma:
03/11/1992, vencido o Ministro Marco Aurélio.

[42] HC
75634-4/SP, HABEAS CORPUS, Relator Ministro Carlos Velloso: Decisão da 2ªturma:
04/11/1997.

[43] Como afirma
o prof. Luiz Flávio Gomes no seu artigo intitulado “Progressão de Regime nos
Crimes Hediondos” que “Sabemos que esse “integralmente” não nasceu verdadeiro,
porque também os crimes hediondos admitem livramento condicional (depois do
cumprimento efetivo de dois terços da pena).O advérbio sempre foi válido apenas
para a situação de quem  é reincidente
especifico em crime hediondo(pois nesse caso,como se sabe,não cabe livramento
condicional)”.

[44]
Legislação Penal especial: coleção temas jurídicos. São Paulo: Atlas, 2001,
p.69.

[45] HC
69603-1/SP, HABEAS CORPUS, Relator Ministro Paulo Brossard: Decisão do Plenário
do STF: 18/12/1992, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence,
apenas por curiosidade, cabe ressaltar que um dos impetrantes deste HC é ,o
advogado criminalista e atual Ministro da Justiça do governo do presidente
Lula, o senhor Márcio Thomaz Bastos, cuja
influência na indicação  de novos
Ministros do Supremo Tribunal Federal foi
de tal magnitude que por mais coincidência que seja, a verdade é que dos
seis Ministros indicados ate agora nesse governo Lula, três Ministros(Carlos
Brito,Cezar Peluso e Eros Grau), votaram pela inconstitucionalidade da vedação
a progressão de regime de crimes hediondos, um(Joaquim Barbosa) a favor da
manutenção da constitucionalidade da referida norma e outros dois(Cármen Lúcia
e Ricardo Lewandowski)  ainda não se
manifestaram a respeito deste tema em virtude de estarem recém empossados.

[46] HC
77747-3/SP, HABEAS CORPUS, Relator Ministro Nelson Jobim: Decisão da 2ªturma:
20/10/1998.

[47] Amaral,
Luciana. Lei dos Crimes Hediondos: Uma
Analise Critica
. Justilex, Brasília, n° 38, p.12 – 18  de fevereiro de 2005.

[48] HC 84600-0,
HABEAS CORPUS, Relator Ministro Joaquim Barbosa, j.06/04/2004, DJU 20/08/2004,
P.50.

[49] Voto do Ministro Marco Aurélio no HC
69.657-1/SP,em 1992, no qual foi vencido ““Conforme salientado pela melhor doutrina, a
lei n 8.072/90 contem preceitos que fazem pressupor não a observância de uma
coerente política criminal,mas que foi editada sob o clima da emoção,como se o
aumento da pena e no rigor do regime estivessem os únicos meios de afastar-se o
elevados índices de criminalidade”.(…)“Por ela, os enquadráveis nos tipos
aludidos são merecedores de tratamento diferenciado daquele disciplinado no
código penal e na lei de execuções penais, ficando sujeitos não as regras
relativas aos cidadãos em geral,mas especiais, despontando a que,fulminando o regime
de progressão da pena,amesquinhando a garantia constitucional da
individualização”.(…)“Assentar-se, a esta altura,que a definição do regime e
modificações posteriores não estão compreendidas na individualização da pena é
passo demasiadamente largo,implicando em restringir garantia constitucional em
detrimento de todo um sistema e, o que é pior, a transgressão a princípios tão
caros em um Estado Democrático como são os da igualdade de todos perante a lei,
o da dignidade da pessoa humana e o da atuação do Estado sempre voltada ao bem
comum.A permanência do condenado em regime fechado durante todo o cumprimento
da pena não interessa a quem quer que seja,muito menos a sociedade que um dia,
mediante o livramento condicional ou, o mais provável,o esgotamento dos anos na
clausura,terá necessariamente que recebe-lo de volta,não para que volte a
delinqüir,mas para atuar como participe do contrato social,observados os
valores mais elevados que o respaldam”.(…)“Por ultimo, há de se considerar
que a própria constituição federal contempla as restrições a serem impostas
aqueles que se mostram incursos em dispositivos da lei 8.072/90 e dentre elas
não é dado encontrar a relativa a progressividade do regime de cumprimento da
pena.O inciso XLIII do rol das garantias constitucionais – artigo 5 –
afasta,tão somente, a fiança, a graça e a anistia para,em inciso
posterior(XLVI), assegurar de forma abrangente,sem excepcionar esta ou aquela
pratica delituosa,a individualização da pena.Como, então, entender que o
legislador ordinário o possa fazer?Seria a mesma coisa que estender aos
chamados crimes hediondos e assim enquadrados pela citada lei, a
imprescritibilidade que o legislador constitucional somente colou as ações
relativas a atos de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
constitucional e o estado democrático (inciso XLIV).Indaga-se: é possível ao
legislador comum faze-lo?A resposta somente pode ser negativa, a menos que se
coloque em pano secundário a circunstancia de que a previsão constitucional
esta contida no elenco das garantias constitucionais, conduzindo, por isso
mesmo,a ilação ficam sujeitas a regra geral da prescrição.O mesmo raciocínio
tem pertinência no que concerne a extensão, pela lei em comento, do dispositivo
atinente a clemência ao indulto,quando a carta,em norma de exceção,apenas
rechaçou a anistia e a graça – inciso XLIII do artigo 5.”(…)“O principio da
individualização da pena, é preceito constitucional previsto no art. 5 , XLVI
da CF.Fundamenta-se em um direito subjetivo,que não se restringe a simples
fixação da pena em abstrato,mas que se revela abrangente da  própria forma
de individualização (progressão).Assim sendo o principio da individualização da
pena encontra-se aquilatado em abstrato, em concreto e em sua execução,conseqüentemente
uma exceção a este só poderia ser aberta por norma de igual hierarquia,ou seja
, constitucional e não ordinária como foi feito pela lei 8.072/90 no seu §1,
artigo 2”.

[50] Súmula 698 “não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão
de execução da pena aplicada ao crime de tortura”.

[51] Novos
Ministros como Carlos Brito, Cezar Peluso, Eros Grau, Joaquim Barbosa.

[52]
TJ/SP – 1. ª Câm. Crim. – AP437. 309-3/3 – Relator Màrcio Bártoli; TJ/MG – 3. ª
Câm. Crim. – AP302357-9/00; TJ/RS – EI – Relator Cristovam Dalello Moreira –
RJTJRGS 174/70; RT 822/657; RJTJRGS 212/85; TJ/DF – AP – 11.745 – Relator
Hermenegildo Gonçalves; STJ – Resp. 19420-0 – Relator Vicente Cernicchiaro,
entre outras.

[53]
No seu voto no HC 82959 entendeu que a proibição de progressão de regime
afronta o princípio da individualização da pena. Sustentou que o legislador não
pode impor regra fixa que impeça o julgador de individualizar caso a caso a
pena do condenado. “O cumprimento da pena em regime integral, por ser cruel e desumana
importa violação a esses preceitos constitucionais”, disse.

[54]
No seu voto no HC 82959 sustentou que “De nada vale individualizar a pena no
momento da aplicação, se na sua execução, em razão da natureza do crime, fará
que penas idênticas, segundo os critérios da individualização, signifiquem
coisas absolutamentes diversas quanto a sua efetiva execução”. (…) “ninguém
tem duvidas de que a mesma pena de três anos de reclusão imposta a alguém que
cometeu crime por peculato e ao “vapozeiro”(popular avião)do fornecedor de
maconha na favela são coisas diferentes,se uma pode ser cumprida com os mais
liberais substitutivos e  a outra terá
de ser cumprida pelo encarceramento em regime fechado durante toda a sua duração”.(…)
“esse movimento de exacerbação de penas como solução ou como arma bastante ao
combater à criminalidade só tem servido de medidas retóricas e simbólicas”.

[55]
MORAES, Fernanda Teixeira Zanoide de. O
STF foi além da progressão do regime prisional
. Boletim do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, n°.161, abr.2006.

[56]
In Alberto Silva Franco, Crimes Hediondos,
São Paulo: Ed. RT, 2005, PP.248 E 249.

[57]
A essência da resolução do Senado Federal, desde Constituição de 1934 era
conferir publicidade, atribuindo eficácia geral e suspendendo a execução da lei
em face de todos.

[58] In Luís
Roberto Barroso, O controle de Constitucionalidade no direito brasileiro,São
Paulo:Ed. Saraiva,2004,p.92

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Alexandre Cordeiro Ribeiro

 

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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