Sumário: 1. Considerações Iniciais. 2. Análise do tipo penal. 3. Entrada de celulares nos estabelecimentos penais dos Estados brasileiros. 4. Meios de controle de entrada de celular nos estabelecimentos penais do país. 5. Os bloqueadores de celular em presídios. 6. Diplomas legais e jurisprudência sobre a matéria. 7. A ineficácia do procedimento administrativo. 8. Impropriedade da lei e alcance da norma penal. 9. O bem jurídico tutelado pela lei. 10. Sujeito ativo do crime. 11. A exigência do especial fim de agir. 12. Do contato do preso com o mundo exterior. 13. A sanção penal prevista para o crime. 14. Considerações Finais
1. Considerações Iniciais
A entrada de celular e outros aparelhos similares nos estabelecimentos penais brasileiros é hoje, sem dúvida, um dos mais graves e complexos problemas que desafiam a Administração Penitenciária de todas as unidades da federação, especialmente pelas conseqüências maléficas que resultam desse ingresso.
Usados, invariavelmente, como instrumentos eficazes de orientação e coordenação de práticas ilícitas pelas organizações criminosas que atuam dentro e fora dos presídios, esses aparelhos adquiriram, ao longo dos anos, status de armas poderosas nas mãos de criminosos. Tornaram-se, portanto, motivo de cobiça de grupos de prisioneiros perigosos e utilizados em movimentos que levam à desestabilização do sistema prisional. Impressiona a variação de valores no comércio clandestino, capazes de instigar e surpreender o mais conservador dos economistas, sendo possível encontrar modelos de média tecnologia e de boa qualidade a preços inferiores a R$ 200 reais. E o mercado é lucrativo. Se a aquisição desses aparelhos é uma pechincha, os resultados financeiros obtidos com a sua utilização na prática de seqüestros, extorsões, tráfico ilícito de entorpecentes e outros crimes afins constituem atraentes investimentos que sustentam as organizações criminosas dentro e fora dos estabelecimentos penais do país.
Inquestionável o avanço tecnológico que representou o surgimento do aparelho de telefonia móvel, sob todos os aspectos. Integrado ao cotidiano das pessoas há mais de 30 anos, o crescimento do uso do telefone celular teve como fator determinante a privatização da telefonia móvel no Brasil a partir de 1997. Isso fez com que esses aparelhos fossem jogados no mercado em quantidade e velocidade impressionantes, algo comparado à venda de pão quente em padaria. E foi nessa velocidade a sua propagação para dentro dos mais variados tipos de estabelecimentos penais do país.
Matéria publicada na Revista Veja mostra existirem, em Estados como o Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e São Paulo, além do Distrito Federal, mais celulares que habitantes.[1]
No Estado do Amazonas, por exemplo, com 3,3 milhões de habitantes, a ANATEL registra que, para cada cem moradores, 94,38 têm telefone celular, colocando o Estado em 16º no ranking de densidade nacional por código.
Pesquisas constatam, ainda, ser o celular tão onipresente que até o ano passado havia no mundo mais pessoas com um aparelho do que sem algum. A explicação está na segurança e no acesso instantâneo à informação, oferecidos por esses aparelhos, algumas vezes superando a comunicação pessoal.[2] Não se poderia esperar que essa avaliação pudesse ser diferente com a comunidade penitenciária.
Há, no jargão carcerário, vetusto aforismo no sentido de que: basta um celular para iniciar uma rebelião de grandes proporções. Aparentemente incrédula esta afirmação foi objeto de constatação ao longo dos anos, não só na organização e comando de rebeliões e motins, como também no planejamento de seqüestros, extorsões e assassinatos fora do cárcere.
Diante desse quadro, foram buscadas alternativas para combater a entrada de celulares nos presídios brasileiros[3]. Intensificado o rigor nas revistas nos estabelecimentos penais, deparou-se com a ausência de tipificação da conduta de quem, de qualquer modo, contribuiu para esses aparelhos serem introduzidos no interior dos referidos estabelecimentos. Surge, então, legislação nesse sentido. E, se não foi capaz de alcançar as hipóteses mais freqüentes da ocorrência do fato em questão, de forma positiva disponibiliza instrumentos legais de punição àqueles que atentam contra a ordem e a disciplina carcerárias.
2. Análise do tipo penal
Move-nos, então, o propósito de tecer considerações a respeito da Lei n. 12.012 de 06.8.2009[4], a qual acrescenta ao Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal Brasileiro, no Capítulo III, denominado Dos Crimes Contra a Administração da Justiça -, o art. 349-A, tipificando o ingresso de pessoa portando aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional.
A redação do novo tipo penal está vazada nestes termos:
“Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.”
Visando ao adequado entendimento da inovação legislativa, pretende-se decompor o tipo penal. O legislador não inseriu uma denominação legal ao novo crime, apondo-o, em seguida, ao previsto no art. 349 do Código Penal Brasileiro, que trata do favorecimento real. Tal situação induz o intérprete a um primeiro entendimento, qual seja, de que o novo tipo trata de uma das formas de favorecimento. Isso não nos parece despropositado. Com efeito, fazer chegar ao estabelecimento penal aparelho como o descrito, leva à assertiva de que o mesmo se destina a alguém privado de liberdade. Ao menos esta teria sido a intenção do legislador. Objetiva-se, sem dúvida, coibir a prática nefasta ocorrente nos presídios: de os presos comandarem ações criminosas. Tanto assim o é que na tramitação do Projeto junto à Câmara Federal preconizava-se a inserção de parágrafo único ao dispositivo, no sentido de que:
“Ficando comprovado que o uso do aparelho descrito não se destinava à prática de crime, o juiz poderá deixar de aplicar a pena”.
Tal proposta não prevaleceu.
No Parecer apresentado junto à Câmara dos Deputados, em que foi Relator o Deputado Antonio Carlos Biscaia, após serem apensados outros Projetos similares, ficou destacado:
“Entendemos que os quatro projetos contribuem para a consecução do objetivo de dificultar ou inviabilizar o acesso a esses aparelhos por parte de presidiários. Em nossa análise, seremos fiéis ao estrito ponto de vista da segurança pública, evitando considerações mais aprofundadas das questões penais que serão realizadas na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania”. (destaque nosso)
Não foi outro o sentido, quando do exame da matéria no Senado Federal. Naquela Casa o Relator, Senador Romeu Tuma, assinalou em relação ao Projeto que:
“Não identificamos vícios de inconstitucionalidade ou de injuridicidade no projeto. Quanto ao mérito, ele vai ao encontro de esforço anterior experimentado por esta Casa, que fez nascer o projeto que incluiu entre as faltas disciplinares dos presos a posse, a utilização ou o fornecimento de aparelho telefônico, de rádio ou similar (atual inciso VII do art. 50 da Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, acrescentado pela Lei n. 11.466, de 2007). A presente proposta se dirige às visitas e aos agentes penitenciários, principalmente, que incorrerão no crime proposto, caso tentem repassar qualquer tipo de aparelho de comunicação à pessoa em cumprimento de pena”. (destaque nosso).
Diante da sucinta exposição, melhor seria que a intenção ficasse clara no tipo, porém, infelizmente, isso não ocorreu.
As modalidades de conduta estão descritas no tipo: ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho conforme descrito. Trata-se de tipo alternativo, nada impedindo, contudo, o cúmulo das ações (o agente pode ingressar com o aparelho, ao mesmo tempo em que está a auxiliar outrem em idêntica empreitada). Quaisquer das ações empreendidas levam à caracterização do ilícito.
Ingressar é dar entrada, fazer ingresso, entrar com aparelho celular ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento penal. É o internamento da pessoa no recinto de um estabelecimento penal, seja em caráter transitório ou definitivo.[5] Evidentemente, deve ser delimitado o ambiente a cuja proibição refere-se a lei, não havendo conduta típica, por exemplo, daquele que se mantém fora do ambiente carcerário, como na área de estacionamento do estabelecimento penal ou em outro local permitido pela autoridade administrativa.
Promover é favorecer, trabalhar a favor, fazer avançar, fomentar, diligenciar para que se realize, se efetue, se verifique a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento penal. A ação pode ser comissiva ou omissiva, mas com objetivo definido, qual seja, a entrada do aparelho no estabelecimento penal.
Intermediar é intervir, interceder a favor de alguém no sentido de que a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento penal, seja concretizada. Não raro, a vida carcerária registra fatos em que agentes públicos utilizam-se de sua condição de representantes do Estado para burlar a vigilância em favor de transgressores no momento da revista nos presídios. Nesse caso, o transgressor da norma é agenciador, mediador, interventor. Sua função aqui é a de aproximar os interessados (preso e alguém de fora do presídio, por exemplo) para que o celular entre no estabelecimento. Não é reconhecido como o mandatário da ordem de entrada, pois não conclui o ajuste. Apenas o encaminha entre as partes que o ajustam em definitivo. Evidente que tal circunstância não o exime de responsabilidade penal.
Auxiliar é prestar auxílio ou assistência, ajudar, socorrer o autor do crime a introduzir o celular no estabelecimento penal. Nesse caso, a pessoa é co-participante de encargo ou função, sem que se mostre ser o agente principal.
Facilitar é tornar fácil a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento penal. A prática do crime, nesse caso, pode ser através de qualquer ação comissiva ou omissiva. É a conduta do funcionário do estabelecimento penal que afasta as dificuldades que poderiam impedir a prática do crime, a qual tinha o dever de reprimir. Tem o sentido de coadjuvar. Difere da conduta consistente em auxiliar que tem conotação de participação na feitura do ato. Facilitar consiste em omissão ou falta de oposição. Não revela participação nem cooperação, mas facilidade decorrente do não cumprimento do dever imposto. E por esta omissão, o ato se praticou.[6]
O crime se nos afigura como de perigo abstrato. Não se exige a utilização do equipamento ou a sua capacidade de funcionar ou não. Nesse sentido há a lição de Carlos Roberto Mariath – Coordenador de Atos Normativos do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, em considerações inéditas, posicionando-se a respeito do novel instrumento legislativo. A tentativa é admissível em quaisquer de suas formas, em que pese o posicionamento contrário do autor referido, posto este entender que, nos casos de auxílio, intermediação, facilitação e promoção, o crime estará consumado, mesmo que o aparelho não dê entrada efetiva no estabelecimento prisional.
Não cogitou o legislador a respeito dos acessórios. Sabido é que pode haver fracionamento de ações. Assim, as peças de um celular podem ser decompostas e diversas pessoas fazerem ingressar as referidas peças e, internamente, haver a montagem do celular. Em hipóteses tais, a nosso ver, não incidirá a norma em comento, contudo, em havendo uso do aparelho (agora montado) incide a norma do art. 319-A, independente da configuração de falta grave, por força da Lei n. 11.466/07.
3. Entrada de celulares nos estabelecimentos penais dos Estados
Sem dúvida que a edição da Lei nº 12.012/09 de 06.8.2009 decorreu, dentre tantas outras, de notícias divulgadas nos meios de comunicação mais importantes do país, como as que seguem:
Matéria do jornal O Estado de São Paulo de 07.01.2008 mostra a situação de celulares apreendidos nos estabelecimentos penais daquele Estado:
“Todos os meses, 900 celulares são apreendidos em presídios de SP, cuja entrada custa R$ 200 (se vier com as visitas) ou R$ 500 (se for entregue por agente penitenciário). O secretário da Administração Penitenciária daquele estado, Antônio Ferreira Pinto[7], afirma que impedir a entrada desses aparelhos nas celas é seu “grande desafio”. A maior arma dentro da prisão é o celular. É o contato fácil e imediato com o mundo exterior”.
Ainda em São Paulo, fato inusitado mostra a entrada de celular em presídio levado por pombo-correio:
“Presos da Penitenciária ‘Danilo Pinheiro’, de Sorocaba, no interior do Estado de São Paulo, estavam usando pombos-correio para receber componentes de telefones celulares. Os equipamentos eram colocados em bolsas improvisadas com preservativos e amarrados às pernas das aves. Dois pombos foram capturados pelos agentes penitenciários. Um deles tinha dois telefones celulares sem a bateria. O outro levava uma bateria e um carregador na bolsa atada à ave com o látex da camisinha. Os agentes perceberam que um pombo pousado no fio elétrico que passa sobre a ala destinada aos presos do regime semi-aberto trazia algo fixado nas pernas. Eles atraíram a ave com alimentos e usaram uma rede de pesca para capturá-la. No dia seguinte, foi apanhado o outro pombo. Como essas aves retornam para o lugar em que foram criadas, o plano é soltá-las e acompanhar o seu vôo”.[8]
Além do uso de pombos-correio, a criatividade dos criminosos foi mais além, usando o aeromodelismo para introduzir celulares nos presídios:
“A polícia flagrou um grupo de criminosos tentando introduzir celulares em presídio, usando um mini-helicóptero, controlado por controle remoto. Celulares e dinheiro também foram apreendidos próximo à Penitenciária de Segurança Máxima de Presidente Venceslau, a 611 km de São Paulo. Quatro pessoas foram presas. O plano do grupo, de acordo com a polícia, era entregar os celulares e o dinheiro aos presos. Ele começou a dar errado quando o carro alugado por eles foi parado pela Polícia Militar numa estrada próxima à penitenciária. Durante a vistoria do veículo, os policiais encontraram o aeromodelo, 14 celulares e quase mil reais em dinheiro. Tudo fazia parte de uma audaciosa estratégia”.[9]
Na verdade, não há, no Brasil, estatística segura indicando o número de celulares apreendidos nos presídios, muito menos, estimativa do número de celulares que ingressam nesses estabelecimentos.
No Ceará, segundo matéria veiculada no jornal O Povo, em 12.06.2007, mostra que:
“A Secretaria da Justiça e da Cidadania (Sejus) contabilizou a apreensão de 492 telefones celulares nas cinco maiores casas de detenção do Estado de 1º de janeiro a 12 de junho, número maior que o de todo o ano de 2006, quando foram apreendidos 478 aparelhos. Não restam dúvidas que aparelhos celulares em presídios são, hoje, um dos maiores desafios para os órgãos de segurança pública, por permitirem ao preso a continuidade de suas ações criminosas. Não é à toa que, segundo dados levantados pela Secretaria da Segurança Pública do Rio de Janeiro, o Ceará é recordista nacional da prática de crimes advindos de dentro de presídios, com a utilização desses aparelhos (sequestros virtuais e reais, estelionatos, encomenda de assassinatos, etc.). Por sua vez, a instalação de bloqueadores em presídios, além de ser muito cara (cada bloqueador custa mais de um milhão de reais), tem se mostrado ineficiente, porque rapidamente se defasa, em razão das inúmeras frequências de telefonia existentes, além da rápida mudança de tecnologia das operadoras de telefonia e dos próprios aparelhos (1G, 2G e, agora, 3G), além de, muitas vezes, prejudicar as pessoas inocentes, que moram próximo a esses presídios, com o bloqueio de suas comunicações. O Rio de Janeiro pagou um alto preço nesse sentido, ao fazer um grande investimento nesse tipo de bloqueador, obtendo resultados extremamente limitados. Solução definitiva somente virá quando as operadoras desse tipo de telefonia forem obrigadas a fornecer, ao Poder Público, solução tecnológica que permita o efetivo bloqueio dessas “armas comunicacionais”, sem prejuízo para a comunidade circunvizinha desses estabelecimentos prisionais e que não merecem ser punidas com o bloqueio dos seus aparelhos. A responsabilidade, pois, cabe à União, através do Ministério das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. A todos nós incumbe o dever cívico de cobrar de nossos representantes políticos uma solução definitiva para esse mal crônico nacional”.[10]
No Espírito Santo, a quantidade de celulares apreendidos nos presídios é muito elevada, como mostra a matéria abaixo reproduzida:
“Em 212 dias foram apreendidos 584 celulares em presídios do Estado. Média de dois a três aparelhos por dia, entre janeiro e julho deste ano. Os telefones foram encontrados em 13 dos 23 presídios capixabas. Mas, agora, quem entrar ou permitir a entrada desses equipamentos pode ser preso. O número de celulares recolhidos nas celas, por mês, neste ano, foi maior do que em 2008”.[11]
No Rio Grande do Sul, celulares entram nas cadeias da região metropolitana de Porto Alegre e são utilizados livremente pelos presos que ameaçam e intimidam os que estão fora do presídio, como se vê na matéria abaixo:
“Juízes e promotores estimam que há cerca de três mil aparelhos nas mãos dos presos só no Rio Grande do Sul. De janeiro pra cá, 640 celulares foram apreendidos nas penitenciárias de Charqueadas e Porto Alegre. Os aparelhos entram sempre da mesma maneira, metade por familiares e a outra metade por funcionários públicos corruptos, diz o juiz Luciano Losekann. Nas cadeias, os aparelhos servem para que os presos continuem cometendo crimes”.[12]
4. Meios de controle de entrada de celular nos estabelecimentos penais do país
Como já assinalamos anteriormente, as Administrações Penitenciárias do Brasil buscam, de todas as formas, encontrar meios que impeçam a entrada de celulares nos presídios:
“Em estados como Mato Grosso do Sul, por exemplo, tentou-se impedir a entrada de celulares em presídios com o uso de um banco. De acordo com os idealizadores, o banco não ocupa muito espaço, pode ser levado de um lado a outro e para funcionar basta ligar na tomada. Os componentes são importados, mas a idéia, a parte física, é toda nacional, e o banco custa em torno de R$790 a unidade. O detector é usado na revista de visitantes e na vistoria de presas. As pessoas têm de ficar só com as peças íntimas e sentar no banco por alguns minutos. Um dispositivo dentro do assento gera um campo eletromagnético que detecta metais como os que existem em celulares. O alarme então começa a soar e a piscar luzes. Em Campo Grande, na primeira revista em que o artefato foi usado, foram apreendidos 45 celulares e 26 carregadores. O banco só não torna a revista íntima desnecessária porque não detecta drogas, apenas metais escondidos no corpo”.[13]
É evidente que, embora sejam intensificadas as revistas, e aumentado o rigor na fiscalização de entrada de objetos ilícitos nos estabelecimentos penais – aí incluído o celular e outros aparelhos –, há muito foi incorporada na estratégia de grupos específicos de encarcerados a alegação de invasão da privacidade e constrangimento ilegal, praticados por servidores desses estabelecimentos penais contra alguns presos ou presas, o que dificulta, ainda mais, a elaboração de um plano de combate à entrada de tais objetos.
Outro aspecto que deve merecer consideração é a utilização da interceptação telefônica, com autorização judicial, nas comunicações por meio de celular entre presos e suas organizações criminosas. Não são raros os casos de desarticulação de quadrilhas de traficantes de drogas em que essa estratégia policial foi utilizada com sucesso. No Estado de São Paulo, por exemplo, o uso da escuta telefônica dentro dos presídios, para monitorar as conversas entre os presos já foi empregado como forma de prever e evitar as ações de criminosos, e mereceu das Secretarias de Segurança e de Administração Penitenciária a defesa de que este é um instrumento que deve ser utilizado pela inteligência policial, pois até já evitou a morte de agentes penitenciários.[14]
Na verdade, quadrilhas especializadas em assaltos e tráfico de drogas, envolvidas com a facção criminosa paulista Primeiro Comando da Capital (PCC), não se utilizam somente de celulares nos presídios. Já foi possível descobrir uma central de escuta telefônica clandestina em uma residência próxima à Penitenciária Central do Estado do Paraná, que servia para a comunicação entre presos e outros marginais, para combinar assaltos e transações com drogas em Curitiba e Região Metropolitana. Esse fato mostra a dimensão do problema.[15]
5. Os bloqueadores de celular em presídios
Muito se tem discutido sobre o bloqueio dos telefones celulares. Devido a fatos que envolvem o uso de celulares em presídios, operadoras tiveram que tomar medidas emergenciais, como o desligamento de centrais celulares, visto não ser possível desligar apenas aquele espaço, causando assim, transtornos à população de regiões inteiras.
Mas, o que são bloqueadores de celular e como podem funcionar? São aparelhos que têm a capacidade de impedir que uma região ou área consiga receber ou fazer qualquer ligação através do sistema de telefonia celular. Para bloquear um telefone celular é necessário “atacar” seus dois princípios básicos de funcionamento: a troca de mensagens entre a central e o aparelho celular; e a relação entre o sinal recebido e o ruído do ambiente onde o telefone está. Destacam-se duas técnicas mais utilizadas para o bloqueio: a Gaiola de Faraday e os Geradores de Interferências, consideradas técnicas como as de menor custo de implantação e que necessitam de equipamentos menos complexos.[16]
A possibilidade de bloqueio de serviços de telecomunicações sem fio em estabelecimentos penais já era prevista na Lei n. 10.792, de 1º de dezembro de 2003, que alterou a Lei de Execução Penal e o Código de Processo Penal, estabelecendo em seu art. 4º que:
“Os estabelecimentos penitenciários, especialmente os destinados ao regime disciplinar diferenciado, disporão, dentre outros equipamentos de segurança, de bloqueadores de telecomunicações para telefones celulares, rádio-transmissores e outros meios”.
A referida legislação impôs, portanto, às próprias instituições carcerárias a obrigação de instalar os bloqueadores de sinais de radiocomunicação. Obrigação esta que, se supõe, ficaria a cargo das secretarias estaduais de justiça e de segurança, no caso dos presídios estaduais; e do Ministério da Justiça, quando da implementação de penitenciárias federais. O legislador, então, definiu que esta responsabilidade estaria nas mãos do poder público e não da iniciativa privada. E as dificuldades em cumprir essas determinações são orçamentárias. Uma estimativa apresentada pela CPI do Tráfico de Armas demonstra que os custos para a instalação dos referidos bloqueadores girariam, por presídio, entre R$ 300 mil e R$ 500 mil, variando segundo sua localização, a dimensão e a complexidade técnica do projeto.[17]
O Projeto de Lei do Senado nº 137/06 do Senador Rodolpho Tourinho, da Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do Senado, altera a Lei n. 5.070, de 07.07.1966, que cria o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações, para incluir, na destinação de seus recursos, a instalação de bloqueadores de sinais de radiocomunicações (BSR), e de outros sistemas tecnológicos, fixos ou móveis, de controle, em estabelecimentos penais. O texto final prevê que os bloqueadores deverão impedir o funcionamento de todos os serviços de comunicação interpessoal sem fio, disponíveis em sua região.
Importante assinalar que a telefonia móvel, apesar de ser, de longe, o serviço de telecomunicações de maior penetração social, chegando à casa dos 100 milhões de usuários, não é a única forma de comunicação sem fio utilizada nos presídios. Sugere-se, então, para os casos de ameaça à disciplina carcerária e à segurança pública, o total isolamento dos presidiários nas dependências das instituições carcerárias, que sejam instalados bloqueadores de sinais de radiocomunicações (BSR) capazes de impedir a transmissão não só da telefonia celular, mas de todos os serviços de comunicação interpessoal sem fio, tornando a medida mais efetiva.[18]
A maioria dos bloqueadores de aparelhos celulares ficou obsoleta pouco tempo depois de sua utilização com o surgimento veloz de novas tecnologias. Matéria publicada no Portal G1 mostra que:
“Seis anos atrás, os bloqueadores embaralhavam a comunicação em duas freqüências. Hoje, os presos podem usar três novas freqüências que o sistema não bloqueia. Pouco adianta o trabalho da Polícia Civil e do Poder Judiciário em investigar, processar e condenar essas pessoas se elas, no dia seguinte em que são presas, já estão ali dentro cometendo outros crimes. Quer dizer, o sistema penitenciário serve só para contenção do criminoso e não da atividade criminosa dele”.[19]
Por mais modernos e sofisticados que sejam esses aparelhos, não terão qualquer eficácia, se forem operados por seres humanos sem compromisso com a ética e a moral no exercício de suas funções e que agem em conluio com o crime organizado.
6. Diplomas legais e jurisprudência sobre a matéria
A entrada de aparelhos celulares nos estabelecimentos penais do Brasil, apesar de, historicamente, ser considerada um dos fatos mais graves a desafiar os operadores do Direito Penitenciário e as autoridades administrativas, levou muitos anos para merecer o tratamento adequado pelos nossos legisladores. Esse fato manteve impune as condutas praticadas pelo preso, portador desses aparelhos, dos seus familiares e dos servidores do sistema penitenciário que, de uma forma ou de outra, sempre tiveram participação negativa preponderante nessa questão.
A partir do advento da Lei n. 11.466, de 28.03.2007, a matéria passou a ser disciplinada com o acréscimo do inciso VII ao art. 50 da Lei n. 7.210, de 11.07.1984 (Lei de Execução Penal), onde se prevê como falta disciplinar grave do preso que tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Essa lei também alterou o Decreto-Lei n 2.848, de 07.12.1940 (Código Penal Brasileiro) que passou a vigorar acrescido do seguinte art. 319-A:
“Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”.
Como visto a matéria não foi satisfatoriamente disciplinada, daí a edição da Lei n. 12.012/2009 com o objetivo de tipificar a conduta de outras pessoas que, sabidamente, no dia a dia da vida prisional, constituem o grupo que verdadeiramente faz chegar esses aparelhos aos presos.
A tipificação da conduta do agente público que se utiliza do aparato estatal para a prática desse crime constitui um marco importante no enfrentamento do crime organizado, que corrompe as instituições, e, há muito, se instalou no sistema prisional. Nesse particular, há consenso que só há uma forma de salvar o sistema da chaga da corrupção: a reforma das instituições com controle rigoroso de suas atividades. O sistema punitivo, longe de resolver a questão, contribui para o seu agravamento, haja vista, também, estar corrompido. A conclusão é: pior do que a existência do crime organizado é o seu combate com instituições viciadas e corrompidas, com agentes públicos a se esconderem atrás do manto do Estado e a trocarem o dever de agir pelo poder de fingir que combatem a prática de ilícitos penais.
Da mesma forma que a matéria sobre a entrada de celulares nos estabelecimentos penais tem despertado o interesse dos doutrinadores e legisladores, os tribunais consolidaram jurisprudência especializada orientando as Varas de Execução Penal do país, conforme se vê do repertório transcrito:
I. HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO A 25 ANOS E 16 DIAS DE RECLUSÃO, PELO COMETIMENTO DE DIVERSOS CRIMES, DENTRE ELES VÁRIOS FURTOS E ROUBOS QUALIFICADOS. PLEITO DE PROGRESSÃO PARA O REGIME ABERTO INDEFERIDO NAS INSTÂNCIAS ANTERIORES. PREENCHIMENTO DO REQUISITO TEMPORAL. COMETIMENTO DE FALTAS GRAVES: POSSE DE TELEFONE CELULAR, TENTATIVA DE FUGA E DESORDEM DISCIPLINAR. INADMISSIBILIDADE DA PRETENSÃO. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. 1. Nos termos de consolidada jurisprudência desta Corte Superior, para a concessão do benefício da progressão de regime, deve o acusado preencher os requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e subjetiva (bom comportamento carcerário), nos termos do art. 112 da LEP, com redação dada pela Lei n.º 10.792/2003 (HC 109.544/RJ, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJE 27.04.09). 2. No caso em exame, o indeferimento do pleito de progressão para o regime aberto fundou-se, tão-somente, na gravidade dos crimes praticados e na quantidade de pena a ser cumprida, nada obstante tenha o paciente cumprido o requisito temporal para a concessão do benefício, além de não apresentar histórico de faltas disciplinares. 3. Todavia, conforme anotado no parecer ministerial houve o cometimento de faltas graves pelo paciente (posse de telefone celular, tentativa de fuga, desordem disciplinar), com o seu regresso para o regime fechado. 4. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 5. Ordem denegada. (HC 103.549/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 15/06/2009).
II. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. POSSE DE TELEFONE CELULAR NO CÁRCERE ANTES DA PUBLICAÇÃO DA LEI 11.466/07. IMPOSSIBILIDADE DE CONSIDERAÇÃO DA CONDUTA COMO FALTA GRAVE. PRECEDENTES DO STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. PARECER MINISTERIAL PELA CONCESSÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, PARA AFASTAR A ANOTAÇÃO DE FALTA GRAVE DA FICHA CARCERÁRIA DO PACIENTE. 1. O direito deve ser encarado como uma ciência de experiência, na medida em que a interpretação não pode ser resumida a uma mera operação lógico-formal, ou seja, deve recair sobre a conduta do agente e não sobre a norma jurídica. Ao se dar ênfase à subjetividade e à intersubjetividade, valorizando a ação humana, aproxima-se o direito da aplicação do justo, tocado pelo critério da razoabilidade. 2. Apesar de a Lei de Execuções Penais de 1984, na redação anterior à Lei 11.466/2007, não tipificar expressamente como falta grave o uso de aparelho celular dentro dos presídios, definiu a correspondência escrita como a única forma de comunicação do apenado com o mundo externo, assim proibindo o uso das demais formas de comunicação, entre as quais a telefônica sem autorização. 3. Buscando-se a finalidade da norma, em face das circunstâncias socioculturais, a desobediência a tal regra pode configurar falta grave por representar verdadeira subversão da ordem interna e da disciplina do estabelecimento prisional (art. 50, I e VI da Lei 7.210/84), como o reconheceu o Tribunal de origem, tanto que o uso do celular nos presídios se fazia (e ainda se faz) de modo clandestino. 4. A orientação desta Corte, entretanto, é de que, apenas a partir da entrada em vigor da Lei 11.466/07, a posse do aparelho celular, no cárcere, pelo sentenciado, poderia configurar falta grave. 5. Parecer ministerial pela concessão da ordem. 6. Ordem concedida, para afastar a anotação referente à utilização de aparelho celular dentro da cela, ocorrida em 12.03.07, como falta grave, da ficha carcerária do paciente, com a ressalva do ponto de vista do Relator. (HC 121.510/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 29/06/2009).
III. EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. COMUTAÇÃO DA PENA. DECRETO N.º 5.993/06. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. I – O Decreto n.º 5.993/06 admite a concessão de comutação de pena ao condenado a pena privativa de liberdade, não substituída por restritivas de direitos ou multa e não beneficiado com a suspensão condicional da pena que, até 25 de dezembro de 2006, tenha cumprido um quarto da pena, se não reincidente, ou um terço, se reincidente, e não preencha os requisitos para receber indulto, desde que constatada a inexistência da prática de falta grave nos últimos doze meses do cumprimento da pena. II – In casu, a falta disciplinar cometida pelo paciente (posse de aparelho celular) foi classificada, conforme o Atestado de Permanência e Conduta Carcerária, como de natureza média. III – Embora já esteja em vigor o dispositivo legal que considera tal conduta como falta grave (art. 50, VII, da LEP, redação dada pela Lei n.º 11.466/2007), ele não se aplica à hipótese dos autos, uma vez que se trata de lex gravior, incidindo, portanto, somente aos casos ocorridos após a sua vigência (Precedentes). Ordem concedida. (HC 128.192/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 03/08/2009).
IV. RECURSO ESPECIAL. POSSE DE APARELHO CELULAR, DENTRO DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL, ANTES DO ADVENTO DA LEI 11.466/2007. FALTA GRAVE APLICADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RESOLUÇÃO 113 DA SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA. AMPLIAÇÃO DO ROL TAXATIVO PREVISTO NO ARTIGO 50 DA LEP. ILEGALIDADE. 1. O art. 49 da LEP dispõe que a legislação local especificará as faltas leves e médias, donde se conclui que a autoridade estadual não poderá dispor sobre as de natureza grave. 2. A Resolução 113, editada pela Secretaria de Administração Penitenciária, não pode ampliar o rol das condutas tipificadas na LEP como falta de natureza grave, por se tratar de matéria reservada à Lei de Execução Penal. 3. Ademais, a orientação desta Corte é de que apenas a partir da entrada em vigor da Lei 11.466/07 a posse de aparelho celular por apenado dentro do presídio passou a ser considerada falta grave, sendo certo que, por se tratar de norma que instituiu gravame à liberdade do condenado, deve atingir apenas as situações ocorridas após a sua entrada em vigor, porquanto não se pode aplicar retroativamente a lei penal para prejudicar o réu. 4. Recurso Especial improvido. (REsp 951.378/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 01/06/2009).
VI. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PRÁTICA DE FALTA GRAVE. POSSE DE TELEFONE CELULAR NO CÁRCERE. FALTA COMETIDA ANTES DA PUBLICAÇÃO DA LEI 11.466/07. PARECER MINISTERIAL PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR, PARA AFASTAR A FALTA GRAVE DA FICHA CARCERÁRIA DO PACIENTE. 1. O direito deve ser encarado como uma ciência de experiência, na medida em que a interpretação não pode ser resumida a uma mera operação lógico-formal, ou seja, deve recair sobre a conduta do agente e não sobre a norma jurídica. Ao se dar ênfase à subjetividade e à intersubjetividade, valorizando a ação humana, aproxima-se o direito da aplicação do justo, tocado pelo critério da razoabilidade. 2. Apesar de a Lei de Execuções Penais de 1984, na redação anterior à Lei 11.466/2007, não tipificar expressamente como falta grave o uso de aparelho celular dentro dos presídios, definiu a correspondência escrita como a única forma de comunicação do apenado com o mundo externo, assim proibindo o uso das demais formas de comunicação, entre as quais a telefônica sem autorização. 3. Buscando-se a finalidade da norma, em face das circunstâncias socioculturais, a desobediência a tal regra pode configurar falta grave por representar verdadeira subversão da ordem interna e da disciplina do estabelecimento prisional (art. 50, I e VI da Lei 7.210/84), como o reconheceu o Tribunal de origem, tanto que o uso do celular nos presídios se fazia (e ainda se faz) de modo clandestino. 4. A orientação desta Corte, entretanto, é de que, apenas a partir da entrada em vigor da Lei 11.466/07, a posse do aparelho celular, no cárcere, pelo sentenciado poderia configurar falta grave. 5. Parecer ministerial pela denegação da ordem. 6. Ordem concedida, para afastar a falta grave da ficha carcerária do paciente referente à utilização de aparelho celular dentro da cela, com ressalva do ponto de vista do Relator. (HC 117.170/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 06/04/2009).
VII. EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ESPECIAL. FALTA GRAVE. REMIÇÃO. ART. 127 DA LEP. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA FINS DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. POSSE DE APARELHO DE TELEFONE CELULAR NO CUMPRIMENTO DA PENA. CONDUTA PREVISTA EM RESOLUÇÃO ESTADUAL COMO FALTA GRAVE. INCOMPETÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL PARA DEFINIR FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. I – A perda dos dias remidos tem como pressuposto a declaração da remição. E, esta não é absoluta, sendo incabível cogitar-se de ofensa a direito adquirido ou a coisa julgada na eventual decretação da perda dos dias remidos em decorrência de falta grave. A quaestio se soluciona com a aplicação direta do disposto no art. 127 da LEP (Precedentes do STJ e do STF). II – O c. Pretório Excelso sepultou de vez a controvérsia acerca da recepção, pela nova ordem constitucional, do disposto no art. 127 da LEP, assentando em seu Enunciado de Súmula Vinculante n. 09: “O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”. . III – De outro lado, em caso de cometimento de falta grave pelo condenado, será interrompido o cômputo do interstício exigido para a concessão dos benefícios prisionais, exceto o livramento condicional. (Precedentes do STJ e do c. Pretório Excelso). IV – Ocorre que, in casu, a falta cometida pelo detento consistiu na posse de carregadores de aparelho celular, que não caracterizava até a edição da Lei nº 11.466/2007, falta disciplinar de natureza grave. (Precedentes). V – Consoante o disposto no art. 49 da LEP, cabe ao legislador local tão-somente especificar as faltas leves e médias. VI – Embora já esteja em vigor o dispositivo legal que considera tal conduta como falta grave (art. 50, VII, da LEP, redação dada pela Lei nº 11.466/2007), ele não se aplica à hipótese dos autos, uma vez que se trata de lex gravior, incidindo, portanto, somente aos casos ocorridos após a sua vigência. Recurso especial desprovido. Habeas corpus, de ofício, para que seja retirada a anotação de falta grave, consistente na posse de carregadores de aparelho de telefone celular, da folha de antecedentes e do prontuário de penas do recorrido. (REsp 1056525/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 16/02/2009).
VIII. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. POSSE DE TELEFONE CELULAR. FALTA GRAVE APLICADA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. EXEGESE DOS ARTIGOS 49 E 50 DA LEP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Consoante dispõe o artigo 49 da Lei de Execuções Penais, competirá ao Estado, por legislação local, definir as faltas leves e médias, bem assim as respectivas sanções, concluindo-se, pois, que não poderá a autoridade estadual dispor sobre as faltas disciplinares de natureza grave. 2. Destarte, a definição de falta grave deve ser interpretada restritivamente, nos termos do artigo 50 da LEP, que encerra rol taxativo, portanto, a posse de aparelho celular, no interior de estabelecimento prisional, por óbvio não caracteriza falta grave ante a ausência de previsão legal. 3. Como bem ressaltou o Ministro Arnaldo Esteves Lima, quando do julgamento do HC nº 59.436-SP, “Não obstante as conseqüências nefastas que o uso de aparelho celular no interior do cárcere pode representar, não é permitido ao Poder Executivo nem ao Judiciário imiscuir-se na atividade do legislador.” 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 75.799/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJe 10/11/2008).
IX. PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. POSSE DE CELULAR. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. DESRESPEITO. RECONHECIMENTO. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NÃO DEMONSTRADA. 1. A Lei n. 11.466/07 disciplinou a posse de celular como falta grave, no entanto, por força do disposto no art. 45 da Lei das Execuções Penais, o seu reconhecimento somente se aplica aos fatos ocorridos a partir de 28 de março de 2007, data da publicação da novel legislação. 2. Ordem concedida para anular a decisão que reconheceu a prática de falta grave, em razão da violação do princípio da legalidade. (HC 47.387/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 21/06/2007, DJ 06/08/2007 p. 696).
X. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. POSSE DE APARELHO CELULAR NO INTERIOR DO PRESÍDIO, EM 23.08.2007, JÁ DURANTE A VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.466/2007. PERDA DOS DIAS REMIDOS. REGRESSÃO PARA O REGIME FECHADO. PRECEDENTES DO STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. A posse de aparelho celular dentro do presídio, em 23.08.2007, quando já estava em vigor a Lei nº 11.466/2007, configura falta grave, nos termos da Lei. 2. O art. 127 da Lei de Execução Penal preceitua que o condenado que for punido com falta grave perderá o direito ao tempo remido pelo trabalho, iniciando-se o novo cômputo a partir da data da infração disciplinar. 3. Encontra-se pacificado o entendimento neste STJ e no Pretório Excelso de que o instituto da remição constitui, em verdade, um benefício concedido ao apenado que trabalha e a decisão acerca de sua concessão sujeita-se à cláusula rebus sic stantibus. Assim, ocorrendo o cometimento de falta grave, o condenado perde o direito ao tempo já remido. 4. O cometimento de falta grave implica, ainda, o reinício da contagem do prazo para a concessão de benefícios prisionais, dentre os quais a progressão de regime prisional. Precedentes desta Corte. 5. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial. (Superior Tribunal de Justiça STJ; HC 118.606; Proc. 2008/0228472-6; SP; Quinta Turma; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; Julg. 19/02/2009; DJE 13/04/2009).
XI. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. POSSE DE APARELHO CELULAR. CONDUTA PREVISTA COMO FALTA GRAVE EM RESOLUÇÃO ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Não cabe à autoridade estadual, de acordo com o art. 49 da Lei de Execução Penal, dispor sobre as faltas disciplinares de natureza grave, aplicando-se, nessa seara, as normas constantes da Lei de Execuções Penais. 2. A definição de falta grave, por implicar a restrição de diversos benefícios na execução da pena, como a perda de dias remidos (art. 127 da LEP) e a regressão de regime de cumprimento de pena (art. 118, inciso I, da LEP), deve ser interpretada restritivamente, nos termos do art. 50 do referido diploma legal. 3. A posse de aparelho celular ou de seus componentes, no interior do estabelecimento prisional, não caracteriza falta grave, pois não está elencada no rol taxativo previsto pelo art. 50 da Lei de Execução Penal. 4. Não obstante as conseqüências nefastas que o uso de aparelho celular no interior do cárcere pode representar, não é permitido ao Poder Executivo nem ao Judiciário imiscuir-se na atividade do legislador. 5. Ordem concedida. (HC 59436/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15/08/2006, DJ 04/09/2006 p. 316).
XII. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. PORTE DE APARELHO DE TELEFONE CELULAR NO INTERIOR DO PRESÍDIO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. DELITO ANTERIOR À LEI N.º 11.466/07. LEX GRAVIOR. IRRETROATIVIDADE. 1. O crime foi praticado antes da entrada em vigor da Lei n.º 11.466/07, ocorrida em 29 de março de 2007, que altera a Lei n.º 7.210/84 para prever como falta disciplinar grave do preso a utilização de telefone celular nas dependências de presídio. Assim, não incide, no caso, tal falta grave, em obediência ao princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais gravosa. 2. Segundo a exegese da Lei das Execuções Penais, somente no caso das faltas disciplinares médias e leves competirá ao Estado, por legislação local, defini-las e apená-las. Foi excluída, a teor do disposto no art. 49 da Lei n.º 7.210/84, a possibilidade do legislador estadual enumerar condutas disciplinares que consistiriam em falta grave. 3. O Estado de São Paulo inovou, indevidamente, o poder conferido pela Lei de Execução Penal, ao estabelecer como sendo falta grave o porte de aparelho de telefonia celular ou seus componentes no interior de presídio. 4. Ordem concedida para que seja retirada da folha de antecedentes e do roteiro de penas do Paciente a anotação de falta grave em razão da posse de aparelho de telefone celular no interior do presídio. (HC 73295/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 24/04/2007, DJ 28/05/2007 p. 378).
XIII. TJRJ. Ag 2005.076.00233 – AGRAVO DE EXECUCAO PENAL.DES. MARIA ZELIA PROCOPIO DA SILVA – Julgamento: 23/05/2006 – SÉTIMA CÂMARA CRIMINAL. RÉU PRESO. TELEFONE CELULAR. PUNICÃO ADMINISTRATIVA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. Recurso de Agravo. Execução penal. Administração penitenciária. Natureza de falta administrativa. Mérito. Alteração pelo Poder Judiciário. Descabimento. Princípio da tripartição e independência dos poderes. Princípio da reserva legal. Classificada como falta média, pela Administração Penitenciária, a conduta do apenado que tem em seu poder telefone celular, descabe a sua alteração para falta grave, pelo Juízo da Vara de Execuções Penais, o qual reconheceu estar o ato administrativo “conforme a lei”, sendo diversas e independentes as esferas administrativa e judiciária. A competência do Judiciário para a revisão dos atos administrativos limita-se ao controle da sua legalidade, obedecido o princípio da tripartição e independência dos poderes. O reconhecimento de falta grave em conduta de apenado, sem a correspondente previsão na legislação vigente, importaria em violação ao princípio da reserva legal. Cometida a falta há mais de um ano, e tendo o apenado logrado, subsequentemente, o livramento condicional, inócuo é o recurso, seja pelo teor do Enunciado n. 07, do Juízo de Direito da Vara de Execuções Penais, seja porque a alteração da classificação da falta não afetaria o benefício, na ausência de previsão legal de revogação, por tal motivo.
7. A ineficácia do procedimento administrativo
Como destacado anteriormente, as dificuldades enfrentadas pelas Administrações Penitenciárias do país para impedir a entrada de aparelhos celulares nos estabelecimentos penais, certamente são as mesmas para identificar os responsáveis pela facilitação, intermediação ou outra conduta descrita no novo tipo penal.
Invariavelmente, a instauração do procedimento administrativo para apuração das circunstâncias em que ocorrem esses fatos não tem apresentado resultados que levem à identificação dos autores do crime. E isso ocorre por vários fatores, que vão desde a ausência de informações suficientes para elucidação do crime até ao medo das testemunhas (quando existem) em levar o fato ao conhecimento das autoridades administrativas.
A necessidade de observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, em muitos casos, acaba sendo desprezada, acarretando a nulidade dos procedimentos instaurados para esse fim, encorajando os transgressores a reincidir na prática criminosa.
8. Impropriedade da lei e alcance da norma penal
Observe-se também o problema que o legislador criou ao mencionar a expressão “estabelecimento prisional” em total descompasso com a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210 de 11 de julho de 1984) e com a Resolução n. 03, de 23.09.2005[20] do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, que editou as Diretrizes Básicas para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais, e que revogou o disposto na Resolução n. 16, de 12.12.1994 do mesmo Conselho. Qual o significado da expressão “estabelecimento prisional” contido no tipo do art. 349-A do CPB? Qual a intenção do legislador, nesse caso? Estariam aí contemplados todos os locais de recolhimento de presos (condenados e definitivos), em quaisquer condições? A resposta nos parece afirmativa, mesmo porque ninguém pode ser preso senão em flagrante delito ou mediante ordem da autoridade judiciária competente. Formalizada a prisão, são remetidos a “estabelecimentos penais” e estes, conforme estabelecido na Lei de Execução Penal e na Resolução n. 03, de 23.09.2005, são os seguintes: Penitenciárias; Colônias agrícolas, industriais ou similares; Centros de Observação Criminológica; Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico; Casas do Albergado e, finalmente, Cadeias Públicas.
Verifica-se, entretanto, no cotidiano, denominações as mais diversas, tais como: Centro de Detenção Provisória (CDP); Distritos Policiais (DPs); Centro de Detenção e Ressocialização (CRs) e outros. De se mencionar, por igual, as carceragens das Delegacias de Polícia Civil, da Polícia Federal e Salas de Estado Maior, usados para abrigar presos.
Sem dúvida, que a intenção do legislador foi (e é) no sentido de que deva ser coibido ao privado de liberdade o acesso aos instrumentos especificados, englobando-se, então, como estabelecimentos penais para este fim específico, também as Delegacias de Polícia; carceragens sejam elas da Polícia Civil ou da Polícia Militar; da Polícia Federal e dos Batalhões da Polícia Militar. Com efeito, muitas vezes, presos são destinados a esses locais por determinação judicial, principalmente os Batalhões, quando reúnem condições para tanto, como, por exemplo, os casos de prisão de policiais militares, ou por outras questões de segurança. Assim, o conceito de estabelecimento penal, impropriamente chamado de “estabelecimento prisional” pela Lei n. 12.012/09, deve ser entendido de forma ampla, qual seja, estendido a outros tipos de estabelecimentos, como os citados anteriormente, ou, como previsto na Resolução n. 03, de 23.09.2005, todos aqueles utilizados pela Justiça, com a finalidade de alojar presos, quer provisórios quer condenados, ou, ainda, aqueles que estejam submetidos à medida de segurança.
9. O bem jurídico tutelado pela lei
O bem jurídico tutelado se refere à Administração da Justiça, claro que subjacente aspecto da Segurança Pública. Com efeito, estando o preso à disposição de algum Órgão do Poder Judiciário, é mister inviabilizar a possibilidade de se munir de instrumento hábil à reiteração criminosa, como é o caso de portar, principalmente, aparelhos celulares. O cotidiano registra situações inusitadas.
Esta é a interpretação adequada. Este é o verdadeiro alcance que se deve emprestar ao art. 349-A do Código Punitivo. Neste particular, por motivo de segurança e no afã de evitar que possa existir esta “válvula de escape”, preconizamos a proibição pura e simples de ingresso de aparelhos de telefonia móvel no interior de estabelecimentos penais. Com efeito, qualquer pessoa que logre entrar em um estabelecimento penal, acaso porte celular, simploriamente dirá que “jamais iria entregá-lo a algum preso”.
Não nos parece, entretanto, que tal entendimento seja pacífico. Observe-se que os elementos contidos no tipo se direcionam, tão só, através do comando implícito na sanção, no sentido de coibir a entrada dos equipamentos que menciona em estabelecimentos prisionais, ou, melhor conceituado, estabelecimento penal. De se aguardar outros posicionamentos doutrinários e a posição que advirá dos julgados a respeito.
Com tal propósito, foi editada pelo Departamento Penitenciário Nacional a Portaria n. 22/07, vazada nos seguintes termos:
“Art. 1º Fica proibida a entrada, permanência ou uso de aparelho de telefonia móvel celular, bem como seus acessórios, e de qualquer outro equipamento ou dispositivo eletrônico de comunicação, capaz de transmitir ou receber sinais eletromagnéticos, no interior das penitenciárias federais.
Parágrafo único. Excetuam-se da proibição os equipamentos de radiocomunicação do acervo do DEPEN, utilizados no serviço diário das unidades, bem como o aparelho de telefonia móvel institucional da Diretoria da Penitenciária, neste caso, somente na área administrativa.
Art. 2º Os objetos mencionados no caput do artigo anterior serão entregues ao plantonista no portão de acesso às dependências das penitenciárias (P1), e lá permanecerão acautelados, enquanto perdurar a permanência de seus portadores no interior dos estabelecimentos penais, sem prejuízo da revista eletrônica ou manual realizada antes do ingresso em área restrita.
Parágrafo único. Os objetos acautelados serão restituídos aos seus portadores, por ocasião da saída dos mesmos das dependências das penitenciárias.
Art. 3º O descumprimento ao previsto nesta Portaria sujeitará os seus autores às sanções cabíveis, nos termos da legislação vigente.”
Assim, quando o legislador exime de responsabilidade penal aquele que tiver autorização legal (norma penal em branco), defendemos a edição de Ato Normativo a ser expedido pelos responsáveis pela questão prisional no âmbito Federal (já efetivado, conforme visto) e Estadual, de sorte a prever aqueles que possam ingressar com os aparelhos referidos no tipo em comento[21]. Neste ensejo, pode-se alargar o Ato Normativo do DEPEN/MJ. Além do Diretor da Unidade, podem ser inseridos, também, os responsáveis pelas atividades de inteligência prisional, Juízes de Direito quando em atividades correcionais, o mesmo ocorrendo com os membros do Ministério Público e outras situações a serem convenientemente sopesadas.
Oportuno salientar, quanto a esse particular aspecto, que o termo autorização legal foi empregado, a nosso ver, dentro de um contexto que deve ser interpretado como pressuposto que diferencia aquelas autorizações emanadas da autoridade administrativa ou judicial competentes da de natureza da própria lei ou do ato normativo. Decorre, logicamente, do princípio da estrita reserva legal que preside as relações de natureza administrativa e judicial no campo da execução penal em nosso sistema. Com efeito, mesmo quando a Lei de Execução Penal deixa a cargo da autoridade administrativa o estabelecimento de condições e a exigência de garantias peculiares para a entrada de aparelhos de telefonia nos estabelecimentos penais, essa atividade é estritamente vinculada, não sobrando ao agente público qualquer campo de discricionariedade para conceder esse tipo de autorização. Nesse aspecto, vale anotar que, na linguagem ou terminologia técnico-jurídica, há expressões que merecem interpretação especial, como nos parece ser o caso da locução autorização legal a qual, decorrente de princípio instituído em lei, pode assinalar circunstâncias originárias da própria autoridade administrativa:
“A autorização legal abrange, além da que se registra em preceito legal, aquela que é dada pelas autoridades administrativas. E isto porque, quando tal autoridade dá permissão ou licença para que se pratique ou se execute o ato, se entende que também está legalmente autorizada para o permitir”.[22]
10. Sujeito ativo do crime
Sendo crime comum, qualquer pessoa pode praticá-lo. Não se exige por parte do sujeito ativo qualidade especial. Assim, os funcionários do estabelecimento penal, quaisquer que sejam, e tantos quantos adentrem ao local, podem ser sujeito ativo do crime.
Interessante observar o interesse de vários tipos de público pelo celular. Da mesma forma que aparelhos com tecnologia diferenciada quanto à conectividade, design, ergonomia e navegabilidade despertam a cobiça de usuários cada vez mais exigentes, essas mesmas características estimulam o interesse da população carcerária, significando a sua aquisição, exercício do poder marginal e, muitas vezes, instrumento de defesa para denunciar ameaças e extorsões dentro do cárcere. Importante essa constatação para se poder traçar o perfil do transgressor da norma penal em comento.
É fato notório que não são apenas familiares de presos, profissionais antiéticos ou servidores corruptos que têm interesse em realizar um ou mais dos núcleos que integram o atual art. 349-A do Código Penal Brasileiro. A experiência tem mostrado, com razoável freqüência, a relação promíscua entre presos e uma minoria de profissionais de algumas áreas, permitindo que esses aparelhos ingressem nos estabelecimentos penais do país, para facilitar a obtenção de informações do ambiente carcerário e para a utilização com finalidades pouco confessáveis.
A regra, de tal maneira interpretada, não alcança os funcionários da Administração Penitenciária, os advogados ou qualquer outra pessoa que trabalhe ou se encontre nas dependências de determinado estabelecimento penal, exceto quando demonstrada a intenção de fazer com que o aparato eletrônico vá desaguar em mãos de qualquer pessoa submetida ao confinamento por decisão judicial, vale dizer, presente o elemento subjetivo do tipo.
11. A exigência do especial fim de agir
O elemento subjetivo é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar algumas das modalidades descritas no tipo. Aparentemente não há um especial fim de agir, contudo, como assinalamos anteriormente, o propósito é evitar que o preso venha a ter acesso ao instrumento respectivo e utilizá-lo na comunicação com outros criminosos para a prática de crimes dentro e fora dos estabelecimentos penais, mesmo reconhecendo que, por ilação, não se pode afirmar que agirá com este fim.
Destarte, parece-nos acertada a posição de Renato Marcão, quando assevera:
“Muito embora o legislador não tenha dito, quando deveria, é inegável que a incidência típica somente surgirá quando a conduta tiver por objetivo proporcionar que o aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, seja introduzido no estabelecimento prisional para chegar em mãos de qualquer pessoa submetida a encarceramento por força de decisão judicial. Só é punível a conduta dolosa. É de se exigir, ainda, a demonstração de dolo específico, evidenciado na intenção dirigida de fazer com que o aparato termine em mãos de quem não poderia recebê-lo em razão de estar submetido a estabelecimento penal. A regra não alcança o simples incauto. Nesta exata medida, não pode se ver exposto à acusação criminal por incidência do art. 349-A do Código Penal aquele que simplesmente ingressa ou tenta ingressar no estabelecimento penal trazendo consigo aparelho de telefonia celular, v.g. É preciso que a conduta tenha por finalidade algo que verdadeiramente tem sentido punir nos moldes da tipificação trazida com a Lei n. 12.012, de 6 de agosto de 2009. O princípio da razoabilidade, dentre outros, assim determina. A inovação revelada no art. 349-A do Código Penal tem relação direta com o crime do art. 319-A, do mesmo Codex, introduzido pela Lei n. 11.466/2007, que pune com iguais conseqüências penais “o Diretor de Penitenciária e/ou agente público que deixar de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”.
Entendemos que deve ficar provada a reprovabilidade da conduta com reflexo na culpabilidade do agente. Caso contrário, haverá erro sobre a ilicitude do fato (ou erro de proibição) de que trata o art. 21 do Código Penal Brasileiro.
12. Do contato do preso com o mundo exterior
Não se pode olvidar na análise da norma incriminadora aqui comentada, que constitui direito do preso o contato com o mundo exterior, por meio, além de outros, de informações que não comprometam a moral e os bons costumes. E o uso do rádio, por exemplo, na cela ou alojamento é direito do preso previsto no art. 41, XV da Lei de Execução Penal, reconhecido, ainda, pelo art. 33, §2º da Resolução n. 14, de 11.11.1994 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, que fixou as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil. O mesmo tratamento está previsto no nº 24 das Regras Penitenciárias Européias para Tratamento do Preso.
Em qualquer desses casos a matéria pode ser tratada como favor ou recompensa que podem ser concedidos ao preso de bom comportamento pela legislação local ou, ainda, como regalia pela Lei de Execução Penal (art. 56, II). Nas duas situações haverá autorização legal, levando à atipicidade da conduta.
É evidente que a incriminação contida na norma aqui comentada não tem o objetivo de criar obstáculos ou restrições para o exercício do direito do preso com pessoas de fora do ambiente carcerário pelos meios mencionados. A restrição é quanto ao uso distorcido desses meios, para fins diversos daqueles que propiciam a sua reintegração ao meio social, objetivo maior da pena.
13. A sanção penal prevista para o crime
A pena prevista, de 3 meses a 1 ano,[23] é a mesma cominada para o crime tipificado no art. 319-A do CPB. Inscreve o crime no rol das infrações penais de menor potencial ofensivo[24], daí a razão de não ser cabível “prisão em flagrante”, mas a apreensão do objeto e o encaminhamento do autor do fato ao Juizado Especial respectivo, para lavratura do Boletim de Ocorrência.
Há críticas quanto à sanção penal imposta, no sentido de que é desproporcional à gravidade da conduta incriminada, não sendo esse o nosso entendimento. Claro que outras sanções poderão existir na esfera própria, dependendo do desdobramento da situação verificada por ocasião da realização dos verbos integrantes do tipo penal objeto deste comentário.
14. Considerações Finais
Nos últimos anos o ordenamento jurídico brasileiro foi enxovalhado por medidas que simbolizam o chamado “Direito Penal do Terror” o qual, sob o pálio de proteger a sociedade, investe na criminalização de condutas, com aplicação de sanções privativas de liberdade de longa duração, agravando sobremaneira a já caótica situação do sistema prisional do país.
A Lei, ora em exame, constitui, a nosso ver, modelo fiel do que foi salientado no parágrafo anterior. Diante da impotência de impedir a entrada de celulares nos presídios brasileiros, optou-se por tipificar condutas na esperança de controlar, pela lei, aquilo que se foi incapaz de fazer pela adoção de medidas administrativas rigorosas. Há de se reconhecer, porém, a lacuna que existia na legislação quanto à punição das verdadeiras pessoas que levavam os aparelhos celulares para os presídios. Nesse sentido, parece vingar a tese de que o ordenamento jurídico repressivo deve ser aprimorado para acompanhar as peculiaridades dos novos tempos, proporcionando maior segurança para os cidadãos.
No magistério de Bettiol, o objetivo fundamental da norma penal é a tutela de bens, valores e interesses, para além dos quais inexistiria tutela possível [25]. Vale frisar, nesse particular aspecto, que o Direito penal funciona também como meio de controle social formalizado e secundário, no sentido de que procura resolver conflitos interindividuais que se mostraram resistentes aos meios extrapenais de controle.
A expectativa é que a legislação em vigor seja corretamente aplicada e não sirva de justificativa para a acomodação da Administração Penitenciária no controle de entrada desses aparelhos.
Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado do Amazonas; Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária – CONSEJ; Coordenador Executivo do Comitê Permanente da América Latina para Revisão e Atualização das Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento dos Presos criado pela Fundação Internacional Penal e Penitenciária; Ex-Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP; Membro da Associação dos Escritores do Amazonas – ASSEAM; Promotor de Justiça do Estado do Amazonas (desde 1987); Presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Amazonas (de 1994 a 2004); Professor da Escola da Magistratura do Estado do Amazonas; Pós-Graduado em Direito Público pela Fundação Getúlio Vargas e em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes; Autor dos livros Indulto Natalino I e II (em parceria com Maurício Kuehne), Manual de Conduta do Preso (em parceria com Teófilo Mesquita Neto), Lei de Execução Penal em Perguntas e Respostas, e Sistema Penitenciário do Amazonas (em parceria com Luis Carlos Valois).
Promotor de Justiça aposentado; Professor Titular de Direito Penal do UNICURITIBA; Membro Titular do Conselho Penitenciário do Paraná; Membro da Academia Brasileira de Direito Criminal, na condição de Acadêmico; Membro da Academia Paranaense de Letras Jurídicas, na condição de Acadêmico; Ex-membro e Vice Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (2000/2008); Ex-Diretor Geral do Departamento Penitenciário Nacional (2005/2008); Advogado militante.
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