Em função da evolução tecnológica e da globalização da economia, baseado em uma política capitalista que tem como elemento fundamental a busca do lucro, minimizando, assim, os interesses dos consumidores, se faz de extrema importância a proteção destes interesses. Em outra perspectiva, essa necessidade também ocorre em virtude do movimento de privatização que se deu na década de 90.
A evolução tecnológica e a globalização dos mercados acarretaram mudanças profundas nos padrões de produção, provocando a intensificação da formação de blocos de integração e aumento do comércio internacional, já que consumir bens e serviços se tornou extremamente fácil, face à grande oferta de variedade de produtos, marketing agressivo e preços reduzidos pela competição.
Em outro cenário (nacional), a privatização acarretou não apenas à transferência da titularidade de concessões, permissões e autorizações para exploração de certos serviços e atividades das pessoas de Direito Público para as de Direito Privado, mas também à criação de um ambiente de mercado e de concorrência nos setores privados.
Dessa forma, José Afonso da Silva afirma que a defesa do consumidor se deve tanto por razões econômicas decorrentes da atual forma de realização do comércio quanto da sociedade de consumo no qual todos estamos inseridos[1].
Neste contexto, cresce o movimento consumerista para forçar a ampliação e a aplicação de políticas legislativas e de proteção ao consumidor tanto no âmbito interno quanto internacional. O consumidor pode ser definido, segundo Eros Roberto Grau, como “aquele que se encontra em uma posição de debilidade e subordinação estrutural em relação ao produtor do bem ou serviço de consumo”[2]. Para Fabio Konder Comparato, aquele que “se submete ao poder de controle dos titulares dos bens de produção, isto é, os empresários”[3].
Ademais, percebe-se que os prejuízos sofridos pelos consumidores na ausência de mercado perfeitamente competitivos são evidentes, pois há uma redução de consumo do preço pago pelo bem. Isso porque a competição força os preços para baixo e exige dos agentes constante esforço de aperfeiçoamento de sua qualidade e inovação[4]. Por outro lado, sob o ponto de vista da alocação geral de recursos, a sociedade também perde com a ausência daqueles mercados. Ao excluir do acesso ao produto uma faixa de consumidores que não está disposta ou capacitada a adquiri-lo pelo novo preço, gera-se uma perda social[5].
Nesse sentido, em 1985 a resolução da ONU n. 39/248 reconheceu e positivou a vulnerabilidade do consumidor no plano internacional e acabou por influenciar a criação de normas nacionais para a proteção do consumidor em vários países do mundo.
A vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo dentro do Mercosul foi primeiramente admitida na Resolução 126/94 do Grupo Mercado Comum. Em dezembro de 2002, a proteção do consumidor foi declarada direito fundamental pelos presidentes dos quatro Estados-membros do Mercosul. No entanto, o desenvolvimento de políticas para a proteção dos consumidores nos Estados-partes (integrantes do Mercosul) acabou se efetivando através da atividade legislativa de cada nação.
Na Constituição Federal de 1988, a defesa do consumidor foi introduzida como um direito e uma garantia fundamental (art. 5°, XXXII). Dessa forma, podemos entender, pois, que a Constituição Federal de 1988 elevou o consumidor ao status de direitos fundamentais (3° dimensão – enquanto direitos transindividuais) assim como instituiu a obrigação pelo Estado na implementação de políticas públicas na defesa do direito desses sujeitos.
Ademais, a Constituição Federal de 1988 ainda confere proteção aos consumidores no art. 24, VIII, ao prever competência legislativa concorrente à União, Estados e Distrito Federal sobre a responsabilidade por dano ao consumidor; no art. 150, parágrafo 5, quando dispõe que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”; no art.48 das Disposições Transitórias – determinação de que o Congresso Nacional elaborasse, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)[6]; e o parágrafo único, II, do art. 175, que introduz entre as matérias sobre as quais deverá dispor a lei que trate da concessão ou permissão de serviço público os direitos dos usuários. Há também uma proteção implícita quando no §4° do art. 173 estabelece que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
E ainda: conforme lição de Eros Roberto Grau, o princípio[7] da defesa do consumidor contido no art. 170, V, da nossa Carta Magna, é um princípio constitucional impositivo (Canotilho), que tem como função servir como instrumento para a realização do fim de assegurar a todos existência digna e objetivo particular a ser alcançado. No último sentido, assume a feição de diretriz (Dworkin) – norma objetivo – dotada de caráter constitucional conformador, justificando a reivindicação pela realização de políticas públicas[8].
Desta forma, assim como constatado por Fabio Konder Comparato, fica claro que, no sistema jurídico brasileiro, o direito do consumidor tem hierarquia constitucional e se apresenta como um princípio-programa tendo por objetivo uma ampla política pública[9].
Nesse diapasão, Marçal Justen Filho afirma que é possível a intervenção estatal no domínio econômico (propriamente dito) para impor preços e intervir em setores específicos, na medida em que se verifiquem defeitos ou insuficiências do mercado. Essa intervenção somente se justifica mediante evidência de certos requisitos, muito restritos quando a questão se configurar interesse de natureza econômica[10].
Essas exigências derivam de uma interpretação sistemática, que privilegia o princípio da livre iniciativa mas também reconhece que o Estado não pode omitir-se de realizar a proteção dos interesses dos consumidores e dos destituídos de poder econômico.
Ora, é preciso ter em mente que uma sólida política de proteção dos consumidores colabora para a regulamentação e o equilíbrio do mercado, garantindo a concorrência e contribuindo para manter a economia mais eficiente. E, por outro lado, que as legislações de defesa da concorrência poderão transformar-se em eficiente instrumento de defesa do consumidor, sem deixarem de ser um eficiente instrumento de defesa da concorrência, para a qual foram concebidas.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior[11] afirma que a livre concorrência (princípio da ordem econômica – art. 170, IV, CF/88) é forma de tutela do consumidor, na medida em que a competitividade induz a uma distribuição de recursos a preços mais baixos.
Dessa forma, entendemos que a concorrência, uma vez introduzida e mantida em determinados setores competitivos dos monopólios naturais, pode ser um poderoso instrumento de realização da eficiência econômica e de ganhos para o consumidor final.
Nessa esteira, conclui-se que a preocupação com a tutela do consumidor consolida os direitos do cidadão e promove o desenvolvimento econômico e social. E por ser direito fundamental, a proteção do consumidor vincula o restante do ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse diapasão, a legislação consumerista é, portanto, uma conquista; é o reconhecimento de novos valores, fundados na personalidade humana, abandonando o nítido caráter individual e patrimonialista. O homem deixa de ser objeto e passa a ser, de uma vez por todas, sujeito de direito.
Doutorando em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL); Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Especialista em Direito Administrativo pela UFRN; Especialista em Direito Constitucional e Tributário pela Universidade Potiguar (UnP); Vice-Presidente do Instituto de Direito Administrativo Seabra Fagundes (IDASF), Coordenador da Pós-graduação em Direito Administrativo no Centro Universitário Facex (UniFacex), Procurador Geral do Município de São Bento do Norte, Advogado, Consultor Jurídico e sócio do escritório Duarte & Almeida advogados associados
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