A proteção do indivíduo frente ao poder estatal

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar um breve panorama sobre a evolução e a importância dos Direitos Humanos Fundamentais e dos princípios limitadores do poder punitivo estatal, não esgotando, desta forma, o tema. Será abordada também as gerações/dimensões desses direitos e uma análise quanto à finalidade dos princípios que regem o nosso atual Código Penal.[1]

Palavras-chave: Direitos Humanos Fundamentais. Direito Penal. Princípios limitadores.

Sumário: 1. Abordagem inicial. 2. A árdua evolução histórica. 2.1 A Magna Carta. 2.2 A Revolução Francesa. 3. As gerações/dimensões dos direitos humanos. 3.1 O amparo do Brasil. 4. Direito Penal. 4.1 Escolas Penais: Clássica e Positiva. 4.2 Princípios limitadores do poder punitivo estatal. 5. Considerações finais. 5.1 Conclusão.

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1. ABORDAGEM INICIAL:

A evolução constante dos ordenamentos e dos direitos fundamentais que visam garantir uma harmoniosa e passiva convivência dos indivíduos defendendo uma base para que isso possa ser consolidado, seja por meio da proteção jurídica do Estado ou baseado em costumes e tradições adequados a época, é de inegável importância, não obstante, essa positivação não fora conquistada e reconhecida tão facilmente em uma só vez, mas sim, fruto de árduas revoluções e conquistas históricas, significando, desta maneira, uma maior proteção dos direitos inerentes à pessoa humana em concordância ao que se diz a finalidade do Estado, o bem comum. Para isso, já explicava Beccaria em seu livro “Dos delitos e das penas”,  “[…] cada indivíduo disporia ao depósito público a mínima porção possível de sua liberdade, suficiente apenas para induzir outros a defendê-lo. O agregado dessas mínimas porções possíveis forma o direito de punir. Tudo o que vai além disso é abuso, não justiça.” (BECCARIA, p. 14)

O nosso país é considerado um Estado Democrático de Direito, pois todos, desde o mais simples indivíduo até a potência pública, estão submetidos ao respeito das legislações. Com isso, se aplica a garantir o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais através do estabelecimento de uma proteção jurídica que é a nossa Constituição Federal, a qual é reconhecida como estando no ápice da pirâmide servindo de legitimação para todo o ordenamento jurídico. O termo como é reconhecido hoje teve decorrência de um grande processo de evolução oriundo dos povos gregos e seus pensadores criando a ideia do “Estado ideal”, mas foi no final do século XIX que as suas bases foram consolidadas e que hoje, com os avanços através das análises em meio há esse tempo, garante não só a proteção aos direitos de propriedade, mas também várias garantias fundamentais baseadas no que chamamos de “Princípio da Dignidade Humana”. 

Inicialmente, mostra-se necessário um conceito em consonância sobre direitos humanos. Estes são os direitos considerados básicos e essenciais para qualquer indivíduo, independentemente de condições pessoais específicas e sendo inerentes à pessoa humana. Analisando a nossa Constituição Federal, é verificável que, no seu art. 1°, inciso III, a dignidade da pessoa humana é considerada um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Esse princípio é considerado o núcleo exegético do ordenamento jurídico, pois é visto como base de orientação do mesmo, isto é, deve-se tê-lo sempre como fundamento e respeitá-lo para que as ações sejam feitas de forma efetiva. Podemos então considerar que a pessoa que tem garantia dos direitos sociais previstos no art. 6° da C.F/88, sendo estes “o direito à educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância e a assistência aos desamparados”, está usufruindo de tal princípio. Portanto, os direitos fundamentais nascem da dignidade humana.   

2. A ÁRDUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

2.1. A MAGNA CARTA:

Em referência a essa evolução baseada principalmente em árduas conquistas, não se pode deixar de relatar sobre a importante e tão citada “Magna Carta”. O Constitucionalismo foi um movimento jurídico, político, social e ideológico que procurou limitar o poder do Estado por meio de uma Constituição tentando garantir o bem público e os interesses da sociedade. Os seus antecedentes são bastante remotos, logo, os primeiros modos de proteção individual surgem no antigo Egito e Mesopotâmia, unido ao Código de Hamurabi, todavia, é  outorgada no século XIII a chamada “Magna Carta”, de 21 de junho de 1215, sendo peça básica de todo o Constitucionalismo, na qual o rei João sem Terra reconhece uma série de direitos do povo inglês. Apesar de tal conduta, o rei só assinou esse documento porque fora pressionado e obrigado pelos barões apoiados pelos burgueses, fazendo assim com que ela tivesse mais importância histórica do que prática, já que ele se recusava a aplicá-la de fato. Entretanto, a partir do século XVII, ela passou a ter mais concretização, quando alguns documentos e legislações reafirmaram valores já expostos. Na realidade, a consagração normativa dos direitos humanos fundamentais coube à França, sendo considerado o principal documento da evolução dos direitos fundamentais e consagração dos econômicos e sociais.

2.2. A REVOLUÇÃO FRANCESA:

A Revolução Francesa foi sustentada pelo povo, este manipulado pela burguesia que defendia seus próprios valores, como por exemplo, a expansão da propriedade privada, a exoneração dos privilégios que tinham a nobreza e o clero, etc., logo, como o poder estava concentrado nas mãos dos chamados primeiro (nobreza) e segundo (clero) estados, aos demais estavam reservados apenas deveres. A base teórica dessa revolução foi cunhada pelo filósofo e pensador suíço Jean-Jacques Rousseau, falecido em 1778, ou seja, foi inspirada dos ideais iluministas. Para que pudessem reivindicar seus direitos de uma forma mais eficaz, criaram o chamado terceiro estado, composto pela grande maioria da população, e não usando apenas a força bruta, mas um discurso que a legitimou no poder. Assim, se contrapondo ao poder centralizado no monarca, é também na Revolução Francesa que são estabelecidas as bases de um Estado de Direito e caracterizando a ideia de separação dos poderes. Foi Montesquieu que sistematizou o princípio com profunda intuição e ganhou muita ênfase na Revolução, tendo assim tanta importância que fora declarado que a sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não têm Constituição. Desta forma, esse princípio foi à essência da doutrina exposta no Federalist, da contenção do poder pelo poder, o chamado sistema de freios e contrapesos. Tendo como inspiração as ideias iluministas e a Revolução Americana, serviu de modelo para outras no período. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão deve ser vista por a sua importância histórica tendo como elemento essencial à isonomia, marco importantíssimo para evolução das legislações dos Estados. Como se observa,

“[…] olhando para trás, a Declaração ratifica a abolição dos privilégios, adotada em 4 de agosto, mas, encarando o futuro, estabelece a uniformidade do direito aplicável a todos os homens. Está nisto,sem dúvida, uma das principais revoluções da Revolução Francesa”(FERREIRA FILHO, p.27).

Na época da Revolução Francesa, após longos anos de opressão pelo regime absolutista e com a tomada do poder pela burguesia, havia certo temor de retorno à situação anterior. Foi o começo da “era dos códigos”, marcada pelo Código de Napoleão, o qual acreditava possuir resposta pronta e acabada para a resolução de todos os conflitos jurídicos, e o Código Civil Francês de 1804. A não admissão de qualquer tipo de brechas que pudessem levar os magistrados a aplicar o direito em desconformidade à norma legal até então estabelecida, e a redução do direito à lei foi um forte fundamento da Escola Exegética que se firmou após a Revolução. “Nada é mais perigoso do que o popular provérbio de que é necessário consultar o espírito da lei. Adotá-lo é abrir-se a uma torrente de opiniões […]” (BECCARIA, p. 18). Segundo Perelman, nesse sistema, o papel dos juízes era insignificante, logo, percebe-se que o Direito era acentuadamente reduzido às leis escritas. Era a ideia que o código tinha solução para todos os problemas. Os Diegestos (Pandectas), que eram a compilação das decisões dos antigos jurisconsultos, e o Código foram às compilações feitas por ordem do Imperador Justiniano. Em contrapartida, a Escola Histórica Alemã do Direito rebelou-se contra e existência de um Direito Natural permanente e imutável. Para Savigny, ao invés de um direito geral e universal, cada povo, em cada época, deveria possuir o seu, expressão natural de sua evolução histórica, de seu uso, costumes e tradições de todas as épocas passadas.

“A maior singularidade da Revolução Francesa foi seu avanço em termos de direitos humanos, e nisto a França se distingue claramente da Inglaterra, que havia progredido mais em termos de direitos políticos e sociais. No mesmo ano da eclosão da Revolução Francesa, foi divulgada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada pela Assembleia Nacional Francesa em 26 de agosto de 1789, definindo os direitos inerentes à pessoa humana hoje inscritos em todas as Constituições democráticas contemporâneas ocidentais”. (NOTICIASSTF, 2009).

3. AS GERAÇÕES/DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS:

Em consonância com o tema, há de se relatar sobre as gerações de direitos humanos. Este já nos apresenta uma grande controvérsia em como é denominado, logo, alguns autores criticam essa expressão defendendo que, quando se fala em gerações, a posterior fará com que a anterior deixe de existir, o que de fato não acontece com os direitos humanos. Desta maneira, alguns acreditam que a melhor nomenclatura para tratar-se sobre o tema seja: dimensões dos direitos humanos, sobre estas, há de se relatar quatro. A primeira dimensão se refere às liberdades públicas, onde temos os direitos políticos básicos que surgiram com a Magna Carta. Ela se opõe a tamanha atuação estatal, defendendo um indivíduo independente do Estado e foi consumado, como já citado, na Declaração de 1789, nos 17 artigos que relatavam os princípios da liberdade, igualdade formal, propriedade e legalidade e as garantias individuais liberais em uma concepção individualista, ora, já se referia o lema da Revolução: “Liberdade, igualdade e fraternidade”. A segunda relata sobre os direitos sociais, culturais e econômicos, os quais alguns autores afirmam que eles nasceram no século XIX com a Revolução Industrial, mas a sua real positivação só foi surgir com a Constituição Mexicana 1917 e a Alemã de 1919, também chamada de Constituição de Weimar. Tal Constituição fora muito importante para a história, pois esse modelo prevendo direitos e deveres fundamentais dos alemães serviram de base para outras que se editaram, como a própria Carta de 1934 brasileira. Consistiu um grande marco, encontrando-se na importante Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 10 de dezembro de 1948. A terceira dimensão trata sobre os direitos de solidariedade ou fraternidade são aqueles difusos ou coletivos orientados para o progresso da humanidade, sendo considerados direitos indeterminados e indivisíveis, pois não pertencem a ninguém particularmente, isto é, é de todos e de ninguém, são vinculados, por exemplo, ao desenvolvimento, à paz internacional, ao meio ambiente saudável, a comunicação, etc., que surgiram pós Segunda Guerra Mundial. Vale relatar então sobre o Neoconstitucionalismo, o qual teve como marco filosófico o pós-positivismo, e foi marcado pela força normativa da constituição e tem objetivo assegurar uma maior eficácia da constituição e concretização dos principais direitos fundamentais, logo, a sua eficácia andava muito reduzida pelos regimes ditatoriais. Há várias consequências, como a Hermenêutica Constitucional, transformações no Estado de Direito, entre outros. Cumpre destacar que a teoria da norma pós-positivista teve como principal fundamento a normatividade dos princípios, eles seriam o “coração da constituição” tanto é que nossa Constituição no seu Título I já se refere aos princípios fundamentais, pois é considerado que toda regra quanto princípio proíbe, permite ou obriga algo. Não obstante, apesar de tais aspectos, alguns autores defendem que o mesmo não tem nada de novo, o que há de fato é novos “rótulos” acompanhados de prefixos que significam basicamente a mesma coisa que já havia sido exposta, devendo então ser usada à terminologia apenas no sentido de constitucionalismo contemporâneo. “É, portanto, o constitucionalismo contemporâneo com outro nome. E nada mais.” (BULOS, p. 80). Quando nos referimos à quarta dimensão, não citada por vários autores mas que vale ser ressaltada, estamos falando sobre os direitos dos povos, são aqueles que têm por objetivo a preservação do ser humano, estes são: biossegurança, biodireito, a inclusão digital, a proteção contra uma globalização desenfreada, acontecimentos ligados à engenharia genética, etc. os quais surgiram há aproximadamente 20 anos. Alguns autores ainda acrescentam outras dimensões, Bulos, por exemplo, cita ainda os de quinta geração, direito à paz, e os de sexta geração, o direito à democracia, à informação e ao pluralismo jurídico.

“Todas as Constituições brasileiras, sem exceção, eunciaram Declarações de Direitos. As duas primeiras contentaram-se com as liberdades públicas, vistas claramente como limitações ao Poder. Todas, a partir de 1934, a estas acrescentaram, na Ordem Econômica, os direitos sociais. A atual já prevê pelo menos um dos direitos de solidariedade”. (FERREIRA FILHO, p. 99)

3.1.  O ÂMPARO DO BRASIL:

No Brasil, houve a evolução dos chamados direitos fundamentais do homem, logo, o ordenamento jurídico brasileiro foi o primeiro a positivar os direitos do homem dando-lhes juridicidade efetiva na Carta Magna do Império do Brasil em 1824. Estes passaram de direitos individuais para direitos sociais e coletivos sendo consagrados na nossa atual Lei Maior.Com a Constituição de 1988, os direitos humanos foram plenamente positivados trazendo consigo diversos remédios constitucionais para garantia da eficácia desses direitos, a saber:

“A constituição de 1988 prevê como remédios constitucionais: a) o “habeas corpus” (art. 5°, LXVIII); b) o mandado de segurança (art. 5°, LXIX); c) o mandado de segurança coletivo (art. 5°, LXX); d) o mandado de injunção (art. 5°, LXXI); e e) o “habeas data” (art. 5°, LXXII). A eles se podem acrescentar, embora tenha diferença de caráter em relação aos enumerados: f) a ação popular (art. 5°, LXXIII), ao menos enquanto tutela o meio ambiente; e g) a ação civil pública (art. 129, III), enquanto proteção do meio ambiente.” (FERREIRA FILHO, p. 147-148)

Podem ser titulares de direitos fundamentais (pessoas físicas): brasileiros natos; brasileiros naturalizados; estrangeiros residentes no Brasil; estrangeiros em trânsito pelo território nacional; qualquer pessoa que seja alcançada pela lei brasileira (pelo ordenamento jurídico brasileiro), sendo que, vale ressaltar, nem todos terão o mesmo número de direitos, isto é, os brasileiros natos possuem mais direitos que os brasileiros naturalizados que possuem mais direitos que os estrangeiros residentes, etc. O art. 60, § 4°, da Constituição estabelece não poderem ser objeto de deliberação propostas de Emenda tendentes a abolir as chamadas cláusulas pétreas. Onde temos entre elas alguns direitos e garantias individuais (IV). Há algumas características básicas desses direitos, não se pode deixar de tratar então sobre a chamada “proteção contra o regresso ou vedação do retrocesso”, ou seja, uma vez concedida um direito fundamental pelo Estado, não poderá ele depois diminuir a sua proteção, por exemplo: no Brasil, a pena de morte é vedada pelo art. 5°, XLVII o qual reza: não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX. Então, poderia haver uma emenda constitucional válida que a tornasse possível? Não, pois estamos diante cláusula pétrea. Mas e uma nova constituição, isto é, por meio do poder constituinte originário? Também se pode afirmar que não, justamente pela violação a característica da vedação do retrocesso. Há várias outras características como: historicidade; relatividade; imprescritibilidade; inalienabilidade; indisponibilidade; indivisibilidade; eficácia vertical e horizontal; conflituosidade; aplicabilidade imediata; e a vinculação aos três poderes. Tem-se que relatar ainda sobre a proteção internacional, logo, este foi um importante passo para a proteção desses direitos, assim, observando o Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, é notável que, respeitando os direitos humanos essenciais, independente de onde a pessoa tenha nascido ou reside, defendem um regime de liberdade e justiça para os indivíduos, além de consolidar um regime de liberdade pessoal e de justiça social entre os países americanos e permitir ao ser humano o gozo incondicional dos direitos econômicos, sociais e culturais. Com a criação do Tribunal Penal Internacional, formado por 18 magistrados, este passou a possuir competência para julgar os maiores crimes contra a humanidade, como genocídio, crimes de guerra, entre outros. O Brasil ratificou o tratado como está previsto no art. 5, § 4° da nossa Constituição.  

4. DIREITO PENAL:

Tratando sobre os direitos fundamentais que significam também limites ao arbítrio estatal, há de falar sobre os princípios que regem o nosso Direito Penal e limitam o poder punitivo do Estado. Tendo como uma das principais características ser a “ultima ratio”, o Direito Penal é constituído por normas jurídicas que define as infrações penais e suas sanções aplicáveis aos infratores, pertencendo ao direito público e visando somente a tutela dos bens jurídicos mais relevantes aos indivíduos. Analisando os direitos previstos atualmente nas legislações, como já mencionado, nem sempre fora assim. Desde os primórdios, quando o homem já vivia em pequenos agrupamentos, crimes e castigos já existiam, sendo que as penas eram baseadas em tradições e o ser humano vivia preso às crenças. Tratando-se de suas relações, precisavam de um ordenamento coercitivo que garantisse a convivência harmoniosa passando assim a criarem proibições que basicamente acarretavam punições com a finalidade, sobretudo, da vingança, a qual era geralmente desproporcional ao erro. Entretanto, os massacres passaram a ocorrer em grande escala e para por fim a estes, aceitaram o qual ficou conhecida como “lei de talião”, o famoso “olho por olho, dente por dente”. Com tais avanços, posteriormente consagram a ideia da composição, onde o ofensor poderia pagar pelo dano comprando, desta maneira, a sua liberdade, sendo considerada então a origem das indenizações do Direito Civil e da multa do Direito Penal.

4.1. ESCOLAS PENAIS: CLÁSSICA E POSITIVA:

Sobre um panorama evolutivo, é importante citar que houve duas principais escolas penais, a clássica e a positiva. Na primeira, os dois maiores expoentes foram Beccaria e Carrara, sendo o último o responsável principal pelo simbolismo na expressão sendo assim chamada até de “Escola Clássica de Carrara”. Podemos citar como características da Escola Clássica o método dedutivo lógico abstrato e principalmente o livre-arbítrio absoluto, considerado um dogma, como fundamento da responsabilidade penal, destacando-se também a caracterização do delito como ente jurídico, pois consiste na violação de um direito, do crime como contrariedade à lei e da pena como forma de prevenção. Na segunda, o médico Cesare Lombroso, fundador da Escola Positiva, contestou o livre-arbítrio da Clássica e indicou o atavismo (caracteres hereditários) como causa criminógena, podendo assim o indivíduo geneticamente já estar destinado a ser o chamado “criminoso nato”. Tendo o método experimental ou indutivo que partia da observação de delitos, dos agentes para determinar as causas porque fora cometidos e os tipos de delinquentes, determinando o delito como fato natural e a pena como medida de defesa social, devendo se adequar ao criminoso para corrigi-lo. Enrico Ferri dividiu ainda os criminosos em dois grupos: habituais e ocasionais. O primeiro é o que já nasce com tendência para o crime, chamados então de natos. O segundo se diz respeito aos que agem sobre influências externas (sem alteração psicológica) ou motivadas por uma paixão (passionais). Desta maneira, determinado por fatores endógenos e exógenos (psicológicos e sociais) que influenciam, não há como, no momento do fato, o sujeito fazer uma opção livre, assim resultando a ação de vários fatores, sejam eles atávicos ou do meio em que vive.

4.2. PRINCÍPIOS LIMITADORES DO PODER PUNITIVO ESTATAL:

São verificáveis hoje vários princípios com a finalidade de impor limites ao poder punitivo estatal, analisáramos então um panorama com os mesmos, a saber: Alguns autores declaram que o princípio da legalidade teve sua origem na Magna Carta, entretanto, fora com a Revolução Francesa que se houve uma maior tutela, pois precisavam efetivar a limitação do poder punitivo estatal, rompendo com sua arbitrariedade e excesso. De acordo com tal princípio, nenhuma ação pode ser considerada crime acarretando sanção, sem que antes não haja norma que declare a ilicitude do ato e a pena correspondente prevista para a conduta definindo-a assim como crime. Este princípio compreende ainda o princípio da reserva legal e o princípio da anterioridade. Então, tudo o que não é expressamente definido com precisão como ilícito, não é considerado crime no Direito Penal. O princípio sempre esteve presente nos Códigos brasileiros, hoje está previsto no art. 1° do Código Penal, bem como no inciso XXXIX do art. 5° da CF, determinando que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. De acordo com Rogério Greco, podemos determinar quatro funções fundamentais, a seguir: 1ª – proibir a retroatividade da lei penal; 2ª proibir a criação de crimes e penas pelos costumes; 3ª proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas; 4ª proibir incriminações vagas e indeterminadas. Cumpre relatar ainda que, segundo o princípio da reserva legal, a lei deve ser taxativa (princípio da taxatividade), já explica Bitencourt que “O que deriva na correspondente exigência, dirigida ao legislador, de determinação das condutas puníveis, que também é conhecida como princípio da taxatividade ou mandato de determinação dos tipos penais” (BITENCOURT, 2013, p. 51) exigindo assim uma definição precisa do legislador da conduta criminosa bem como da sanção correspondente sendo vedados conceitos vagos equívocos ou imprecisos. 

Com a constante evolução da sociedade, não há como o legislador prever todos os fatos que podem ser nocivos para os indivíduos. É explicada tal situação com a tese que Miguel Reale denominou Teoria Tridimensional do Direito, podendo-a resumir assim: ao fato social atribui-se um valor por meio dos princípios, ao qual se traduz em norma, cuja interpretação varia de acordo com o contexto social e histórico a época dos fatos. “(…) tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta” (REALE, 2002, p. 65). Desta forma, sabendo que não é aceito a analogia para suprir lacunas no Direito Penal e que a lei não pode retroagir, salvo para beneficiar o réu, na medida em que sociedade vai valorando os fatos, o legislador deve traduzi-las em norma para que, depois de expressas com clareza, os fatos que vierem a ocorrer possam sofrer as devidas sanções já previstas em norma, mas sempre, é claro, respeitando o princípio da fragmentariedade. Desta maneira, temos que citar ainda o chamado princípio da irretroatividade, pois é uma regra dominante para conflitos de leis penais no tempo. Segundo o mesmo, os fatos ocorridos antes ou depois da sua entrada em vigor e a cessação de sua vigência não retroage e nem tem ultra-atividade, não obstante, no Direito intertemporal, há de se relatar, a lei posterior que for mais favorável ao réu sempre retroagirá, já se a benéfica for a anterior, esta terá ultra-atividade. Já se, em contrapartida, a lei posterior for mais severa, esta é irretroativa, pois prejudicará o réu, em suma, a lei só retroage ou tem ultra-atividade se for a benefício do réu, nunca para prejudicá-lo, que está exposto no art. 5°, XL, da CF “A lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Vale lembrar que as leis temporárias ou excepcionais são exceções a tal princípio, sendo de fato ultra-ativas, punindo assim os fatos ocorridos durante a sua vigência mesmo depois de sua cessação.

O princípio da intervenção mínima procura impedir ou limitar o arbítrio do legislador quanto ao conteúdo das normas penais incriminadoras, sendo chamada também como “ultima ratio”, logo, este só deve ser utilizado quando os outros ramos do Direito de controle social revelarem-se incapazes de prevenir ou tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Há de se falar então sobre o princípio da fragmentariedade, pois como consequência do outro acima mencionado revela a necessidade do Direito Penal só proteger os bens e valores jurídicos mais imprescindíveis para a sociedade, limitando-se a tutelar as ações mais graves e mais perigosas praticadas contra os bens jurídicos mais relevantes. O princípio da adequação social se diz respeito a condutas que não podem ser consideradas criminosas no ramo do Direito Penal, pois há certos comportamentos que necessitam de relevância pelo fato de serem constantes no meio social e não significarem algo de teor significante para tipificação como crime, se adequando então a algo permitido ou tolerável. É notória que não se deve tipificar a conduta como criminosa no âmbito penal só pelo fato de não se enquadrar no padrão médio de comportamento dos indivíduos, pois é sabido que nem todas as condutas estarão previstas no Código justamente por reconhecimento de tais princípios e pelo fato de que com a constante evolução da sociedade, não há como o legislador prever todos os fatos que podem ser nocivos para os indivíduos para serem normatizados. Analisando o princípio da insignificância, chamado por Klaus Tiedemann de princípio de bagatela, concluiremos que se deve considerar a proporcionalidade da gravidade da conduta para ser realmente necessária a intervenção estatal, reconhecendo a atipicidade de fatos jurídicos considerados mais leves, como por exemplo: uma lesão insignificante não poderá ser enquadrada ao artigo 129 do C.P que trata das lesões corporais, pois é exigido pelo princípio da ofensividade ou lesividade que para que seja tipificado algum crime, deve-se ter perigo concreto de dano a um bem jurídico que já está protegido na esfera penal sendo desconsiderados, portanto, aqueles chamados de crimes de perigo abstratos, sendo rejeitados, desta forma, atos insignificantes. O princípio da culpabilidade defende que não há crime sem dolo ou culpa, desta maneira, o ato em si, mesmo não havendo culpabilidade penal no indivíduo pode ser visto pelos demais membros da sociedade como um ato ilícito, isto é, não há pena sem culpabilidade, logo, quando não se enquadra em algum artigo do Código Penal não é um fato típico mesmo sendo uma ação considerada antijurídica pelas pessoas.

Analisando o princípio da proporcionalidade, podemos notar que A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já exigia expondo no seu art. 15: “a lei só deve cominar penas estritamente necessárias e proporcionais ao delito”, ou seja, deve haver uma proporcionalidade entre a gravidade do crime praticado e a sanção a ser aplicada. Já defendia Cessare Beccaria no seu livro “Dos delitos e das penas” que “[…] os crimes só podem ser medidos pelo prejuízo que causam à sociedade […]” (BECCARIA, p. 26). Então, deve-se ter uma proporção entre a gravidade do perigo e a lesão que se pode produzir para salvar o bem jurídico pretendido. Temos também o princípio da presunção de inocência previsto no art. 5°, LVII da C.F./88 o qual reza: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Há ainda que se relatar sobre o princípio da humanidade, logo, é este é que é o maior obstáculo para a adoção da pena capital e da prisão perpétua, já que defende que o Estado não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a condição físico-psíquica dos condenados, desta maneira, recomenda a chamada reeducação e reinserção social e não é aceitável nenhuma pena privativa de liberdade que atente contra o bem-estar da pessoa e que viole o princípio da dignidade humana, o núcleo e postulado fundamental da nossa Constituição.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Em concordância com o que é citado por Bulos, os direitos fundamentais cumprem as finalidades de defesa e de instrumentalização. Como o primeiro, permitem o ingresso em juízo para proteger bens lesados, proibindo os Poderes Públicos de invadirem a esfera priva dos indivíduos. Como o segundo, consagram princípios informadores de toda ordem jurídica fornecendo-lhes os mecanismos de tutela permitindo ao particular reivindicar do Estado o cumprimento de prestações sociais; a proteção contra atos de terceiros; e a tutela contra discriminações. Em meio a tudo, vale lembrar ainda que, já que são inerentes à pessoa humana, os direitos humanos devem ser hierarquicamente superiores a outros direitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro prevalecendo-se assim quando entrar em choque com outros, sendo que quando não houver hierarquia entre estes, ou seja, quando houver conflito entre os próprios direitos fundamentais, deve-se analisar casuisticamente qual direito se enquadra e mais favorável ao caso em questão.

5.1. CONCLUSÃO:

Portanto, é inquestionável que a evolução dos direitos humanos e dos princípios limitadores do poder punitivo estatal é de suma importância para o que se diz ser sua finalidade, a busca pelo bem comum. Como todo o exposto, é notável que, para que os Direitos Humanos Fundamentais tenham mais eficácia e sejam mais respeitados, falta ainda um maior conhecimento dos cidadãos sobre seus direitos previstos nas legislações e a necessidade e possibilidade de defendê-los conforme o próprio ordenamento jurídico prevê. 

 

Referências:
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hunter Books, 2012.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 2. ed. São Paulo: 1998.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
FREITAS, Silviane Meneghetti. Os direitos humanos e a evolução do ordenamento jurídico brasileiro. – Último acesso em 13/11/2013 – http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/os-direitos-humanos-e-evolu%C3%A7%C3%A3o-do-ordenamento-jur%C3%ADdico-brasileiro-0
Notícias STF. A Revolução Francesa de 1789 e seus efeitos no Brasil. – Último acesso em 13/11/2013 – http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=110843
SIQUEIRA, Dirceu Pereira. PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. – Último acesso em 13/11/2013 –  https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=5414&n_link=revista_artigos_leitura
Nota:
[1] Trabalho apresentado no curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – AGES, como um dos pré-requisitos para a obtenção da nota parcial, orientado pelo Prof. Hiran Souto Coutinho Júnior.

Informações Sobre o Autor

José Lucas Rodrigues de Oliveira

Acadêmico de Direito, Facludade AGES


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Equipe Âmbito Jurídico

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