A proteção do menor em relação aos conteúdos televisivos na Espanha e no contexto europeu

Resumo: Será analisada a proteção conferida ao menor em relação à programação televisiva na Espanha, no contexto do direito interno espanhol e do direito comunitário europeu.

Na Espanha, a  Lei n.º 25/1994, de 25 de junho, que trata do exercício de atividades de radiodifusão televisiva, incorpora em âmbito jurídico interno a Diretiva europeia n.º 89/552/CEE. Observa-se que essa Diretiva encontra-se revogada pela posterior Diretiva europeia n.º 2010/13/UE, que ainda segue pendente de transposição para o direito espanhol. Desta forma, encontra-se vigente, para efeitos internos no direito espanhol, o texto da referida Lei n.º 25/1994. Esta lei traz em seu artigo 17 o seguinte teor:

“Artigo 17. Proteção dos menores frente à programação.

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1.    As emissões de televisão não incluirão programas nem cenas ou mensagens de qualquer tipo que possam prejudicar seriamente o desenvolvimento físico, mental ou moral dos menores, nem programas que fomentem o ódio, o preconceito ou a discriminação por motivos de nascimento, raça, sexo, religião, nacionalidade, opinião ou qualquer outra circunstancia pessoal ou social.

2.    A emissão de programas susceptíveis de prejudicar o desenvolvimento físico, mental ou moral dos menores somente poderá realizar-se entre as vinte e duas horas do dia e as seis horas do dia seguinte, e deverá ser  objeto de advertência sobre seu conteúdo por meios acústicos e ópticos. Quando tais programas sejam emitidos sem codificação, deverão ser identificados mediante a presença de um símbolo visual durante toda a sua duração. Estas disposições  também terão aplicação às emissões dedicadas à publicidade, à televenda e à divulgação da própria programação.  (g.n.)

3.    No começo da emissão de cada programa de televisão e ao reiniciá-la, depois de cada interrupção para inserir publicidade e anúncios de televenda,  uma advertência, realizada por meios ópticos e acústicos, e que conterá uma qualificação orientativa, informará aos telespectadores de sua maior ou menor adequação para os menores de  idade. Em caso de filmes cinematográficos esta qualificação será a que tiverem recebido para sua difusão em salas de cinema ou no mercado audiovisual, de acordo com regulamentação específica, sem prejuízo de que os operadores de televisão possam completar a qualificação com indicações mais detalhadas para melhor informação dos pais ou responsáveis pelos menores. Nos demais programas, caberá aos operadores, individualmente ou de forma coordenada, a qualificação das emissões.  Se no prazo de três meses da entrada em vigor desta lei, os operadores de televisão não estiverem de acordo com relação ao sistema uniforme de apresentação dessas qualificações, o governo emitirá as normas necessárias para assegurar o seu funcionamento.

4.    Nas emissões realizadas por operadores de televisão sob jurisdição espanhola, deverão respeitar-se, em todas as hipóteses, os preceitos constitucionais.”[1]

Do exposto, verifica-se que o artigo 17.2 impõe limite aos meios de radiodifusão televisiva, no que concerne a conteúdos impróprios para menores, na faixa horária que vai das seis às vinte e duas horas. A referida lei traz também o regime sancionatório nos artigos 19 e 20. Isto concretiza o mandamento do artigo 20 da Constituição Espanhola que, ao reconhecer a liberdade de expressão, prevê expressamente no seu parágrafo 4º que:

“Artigo 20.

1.    São reconhecidos e protegidos os direitos:

a)    A expressar e difundir livremente os pensamentos, idéias e opiniões mediante a palavra, escrita, ou qualquer outro meio de reprodução.

b)    À produção e criação literária, artística, científica e técnica.

c)     À liberdade de cátedra.

d)    A comunicar ou receber livremente informação veraz por qualquer meio de difusão. A lei regulará o direito á cláusula de consciência e al segredo profissionais no exercício destas liberdades.

2.    O exercício destes direitos não pode ser restringido mediante qualquer tipo de censura prévia.

3.    A lei regulará a organização e o controle parlamentário dos meios de comunicação social dependentes do Estado ou  de qualquer ente público  e garantirá o acesso, aos referidos meios, dos grupos sociais e políticos significativos, respeitando o pluralismo da sociedade e das diversas línguas da Espanha.

4.    Essas liberdades têm seu limite no respeito aos direitos reconhecidos neste Título, nos preceitos das leis que o regulamentem e, especialmente, no direito à honra, à intimidade, à própria imagem e à proteção da juventude e da infância. (g.n.)

5.    Somente poderá ocorrer o sequestro de publicações, gravações e outros meios de informação em virtude de decisão judicial.”

Ao tratar da liberdade de programação de radiodifusão e liberdade de recepção da mesma, Díaz Arias traz uma importante lição sobre as obrigações positivas e negativas que estão compreendidas na proteção dos menores nos meios de radiodifusão:

“Resumindo, a proteção dos menores impõe à liberdade de programação obrigações positivas e obrigações negativas. Obrigações positivas para que existam programas especialmente dirigidos ao desenvolvimento integral dos menores, conforme aos requerimentos de sua idade. E obrigações negativas, para impedir a difusão daqueles programas que, possuindo a audiência adulta direito a recebê-los, podem resultar perniciosos ao desenvolvimento dos menores. Estas obrigações positivas e negativas podem articular-se por métodos de obrigatoriedade jurídica, confiando o controle aos pais ou tutores, ou deixando o seu cumprimento a sistemas de autocontrole. O emprego simultâneo em graus diversos dos três métodos resulta o mis frequente e eficaz.”[2]

Mais adiante agrega o autor o panorama dado pela Lei Orgânica do Menor (Lei Orgânica n.º 1/1996, de 15 de janeiro), sobretudo em seu artigo 5º (que trata do direito à informação):

“Em resumo, da Lei Orgânica do Menor resulta que a liberdade de programação de todos exclui a difusão de mensagens audiovisuais que possam resultar danosas para o desenvolvimento físico ou mental dos menores. A liberdade de programação poderá ser promovida pelos poderes públicos, porém seu exercício poderá ser restringido por lei (e sempre que, segundo exige a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, tal restrição resulte imprescindível e proporcional no contexto de uma sociedade democrática) para garantir o respeito aos direitos dos demais, a proteção da seguridade, a saúde, a moral ou a ordem pública. Ademais, a liberdade de recepção dos menores está adstrita àquelas mensagens audiovisuais que sejam adequadas ao seu desenvolvimento, devendo os poderes públicos desenvolver uma função de incentivo a tais mensagens.”[3]

O citado Convenio Europeu de Direitos Humanos (CEDH), ao assegurar, em seu artigo 10,  a liberdade de expressão, opinião, e de informação, ressalva que “o exercício destas liberdades, que implicam em deveres e responsabilidades, poderá ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam medidas necessárias, em uma sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do delito, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da reputação ou dos direitos alheios, para impedir a divulgação de informações confidenciais ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial”. Ou seja, a liberdade de expressão, aí incluídas a das emissoras de televisão, obviamente esbarra em diversos limites trazidos pelo próprio CEDH, dentre os quais a proteção aos direitos dos menores.  

Sobre a proteção ao menor face ao respeito à liberdade de informação, Joaquín Urías também nos ensina que:

“As publicações ou informações dirigidas aos menores não atentarão diretamente contra um direito fundamental, senão contra a proteção da infância como interesse público. Isso faz com que não seja necessário que se configure uma lesão explícita ao direito de algum menor em concreto para restringir a informação: basta que se considere que possa ser lesiva aos direitos da infância. Assim, pode ser proibida a exibição de certos conteúdos televisivos (violência, sexo explícito, consumismo exacerbado, incitação ao álcool e ao tabaco, etc) em horário em que a audiência seja integrada claramente por crianças. Como não é necessário ponderar especificamente cada caso concreto para decidir proteger um direito ou outro, neste terreno de fato cabem leis que limitem ou restrinjam as informações, se bem que tais normas – e sua aplicação – estarão submetidas eventualmente ao controle do Tribunal Constitucional com relação a se a restrição que introduzem é razoável e proporcional.”[4]

Um recente julgado do Tribunal Supremo espanhol[5] (cuja figura paralela no direito brasileiro seria o Superior Tribunal de Justiça), confirmou a sanção administrativa  aplicada à cadeia de televisão Telecinco, aplicada pela “Direção Geral para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação” espanhola.  

Em síntese, a sanção foi imposta com base na supramencionada Lei n.º 25/1994 devido ao fato de a cadeia televisiva ter exibido, no mesmo programa (que tratava de assuntos da atualidade, sobretudo casos amorosos de pessoas famosas), num intervalo entre as 16 e 16:40 horas, duas cenas de conteúdo sexual; a primeira realizada com uma câmera oculta, em que foram efetuadas perguntas a uma prostituta sobre um personagem de conhecimento do público; na segunda cena os apresentadores fizeram comentários e valorações sobre esses fatos.

Entendeu também o Tribunal Supremo espanhol que as duas cenas configuram, juntas, apenas um fato punível, pois mostradas no mesmo programa, e por isso reformou parcialmente a decisão administrativa para anular a multa referente à segunda cena, restando a condenação em 156 mil euros.

Ainda que não tenha sido mencionada pela sentença do Supremo Tribunal, também a Lei espanhola n.º 7/2010, de 31 de março (Lei Geral da Comunicação Audiovisual – LGCA) traz no seu artigo 7º um tratamento bastante detalhado dos direitos dos menores com relação aos meios de comunicação visual, como a proibição de exibição de conteúdo prejudicial ao desenvolvimento físico, mental ou moral; além do horário de proteção especial, estabelece três faixas horárias de proteção reforçada, e dita limitações especificas às comunicações comerciais.

Observa-se que tal lei logrou êxito em concretizar a proteção dos menores já previstas nas Diretivas européias e na Lei n.º 25/1994:

“Como foram acolhidas estas normas pela legislação espanhola vigente até a entrada em vigor da LGCA? A Lei 25/1994, pela qual se incorporava ao ordenamento espanhol a Diretiva de Televisão sem Fronteiras, trazia no artigo 17.1 a proibição geral de emitir programas, cenas ou mensagens de qualquer tipo que pudessem prejudicar seriamente os menores, bem como a proibição igualmente geral de emitir programas que atentassem contra a dignidade humana ou fomentasse o ódio ou a discriminação.”[6]

Recorde-se que o artigo 186 do Código Penal espanhol[7] tipifica a venda, difusão ou exibição de material pornográfico para menores de idade e incapazes, mas termina sendo de difícil aplicação no meio televisivo, como se verifica a seguir:

“Aparentemente, este preceito penal também seria aplicável aos conteúdos audiovisuais danosos para os menores. No entanto, sua aplicação à televisão torna-se discutível se consideramos como elemento objetivo do tipo a difusão específica para os menores: salvo que se trate de um programa infantil (hipótese pouco provável, ainda que não seja impossível), os espaços televisivos são destinados, quase que por definição, ao público em geral. Leve-se em conta, ademais, que o tipo penal fala de difusão direta da pornografia, o que também parece excluir a difusão por televisão. De fato, não conhecemos casos de aplicação do artigo 186 CP ao âmbito televisivo.”[8]

Concluindo, a análise da legislação aplicável evidencia que a repressão aos conteúdos prejudiciais ao desenvolvimento físico, mental ou moral dos menores no meio televisivo está prevista em diversos instrumentos jurídicos citando-se como exemplos, em âmbito europeu, o Convênio Europeu de Direitos Humanos, as Diretivas europeias 89/552/CEE e 2010/13/UE e, em âmbito espanhol, a Constituição Espanhola, a Lei nº 25/1994 (lei de radiodifusão televisiva), a Lei n.º 7/2010 (lei de comunicação audiovisual) e a Lei Orgânica n.º 1/1996 (lei orgânica do menor).

 

Notas:
[1] Tradução livre nesta e nas demais citações.
[2] DÍAZ ARIAS, RAFAEL, La libertad de programación en radiodifusión, tese doutoral apresentada na Facultad de Derecho de la Universidad Complutense de Madrid, 2000, p. 575.
[3] Ibidem, p. 575.
[4] URÍAS, JOAQUÍN, Lecciones de Derecho de la Información, 2ª ed., Madrid, Tecnos, 2009, p. 179.
[5] STS 954/2013, de 26/02/2013, Sala de lo Contencioso-Administrativo, Sección Tercera.
[6] FUENTE COBO, CARMEN e RUINZ SAN ROMÁN, JOSÉ A., “Protección de la infancia en la nueva regulación audiovisual en España”, em Revista Latina de Comunicación Social nº. 66-2011, pp. 153/177
[7] “Aquele que executar determinar a outra pessoa que execute atos de exibição obscena diante de menores de idade ou incapazes, será castigado com pena de prisão de seis meses a um ano ou multa de 12 a 24 meses”.
[8] ESCOBAR ROCA, GUILLERMO, El Derecho de la Televisión – Situación y Perspectivas en la Comunidad de Madrid, Madrid, Ed. Dykinson, 2003, p. 97.

Informações Sobre o Autor

Marco Aurélio Mellucci e Figueiredo

Procurador Federal. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – Universidade de São Paulo USP. Mestre em Direito Público pela Universidad Complutense de Madrid


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Equipe Âmbito Jurídico

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