Resumo: O presente estudo apresenta uma breve discussão acerca da evolução histórica do Direito Internacional do Ambiente, este considerado um segmento especial do Direito Internacional Público, caracterizado por estabelecer regras e princípios criadores de direitos e deveres de caráter ambiental para os Estados e demais sujeitos internacionais. Um direito que surgiu para atender os anseios da Humanidade para solucionar e reverter o quadro de degradação ambiental que se intensificou após a Revolução Industrial e tomou proporções alarmantes com os desastres ecológicos de grande vulto, apresentando a comunidade internacional uma poluição que não respeita limites territoriais ou políticos. É a partir da compreensão da existência de uma poluição transfronteiriça, que a comunidade internacional se reúne para celebrar tratados, convenções e encontros relativos à temática ambiental. Diante dessa premissa, o presente trabalho objetiva apresentar algumas considerações acerca das principais convenções celebradas no seio da Organização das Nações Unidas. No entanto, com um olhar mais aguçado sobre a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, concebida no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992.
Palavras-chaves: Direito Internacional do Ambiente.Degradação Ambiental. Convenções.
Resumen: Este estudio proporciona un breve análisis de laevolución histórica delderecho internacional delmedio ambiente, esto como un segmento especial delderecho internacional público, que se caracteriza mediante elestablecimiento de normas y princípios de carácter ambiental de deberes a los Estados y otrossujetosinternacionales. Underecho que fuecreada para satisfacerlosanhelos de lahumanidad para revertirladegradación ambiental que ha tenido lugar enel planeta después de larevolución industrial y tomóarlarmantes proporciones con desastres ecológicos,lapresentación de lacomunidad internacional conlacontaminación no respetafronteras políticas y terrioriais. Se basaenelentendimiento de que hay una contaminacióntransfronteriza, lacomunidad internacional se reúne para celebrar tratados, convenciones y reuniones sobre temas ambientales. Teniendoencuentaestapremisa, el presente estudiotiene como objetivo presentar algunasconsideraciones sobre losprincipalesacuerdos celebrados enlasNaciones Unidas, sin embargo, conunestudio más detallado sobre laConferencia Mundial sobre elMedio Ambiente y elDesarrollo, diseñadoen Brasil, enRío de Janeiro, 1992.
Palabras clave:Derecho Ambiental Internacional. La degradación ambiental. Convenios.
Sumário:Introdução. 1. A internacionalização da temática ambiental 1.1.1 O ambiente como objeto de preocupação do Direito Internacional 1.2 O despertar ecológico: a Conferência de Estocolmo, 1972. 1.2.1 As razões da convocação. 1.2.2 A realização da Conferência e os seus resultados. 2. Os 20 anos seguintes: de Estocolmo ao Rio de Janeiro (1972-92). 2.1 As razões para uma nova Conferência. 2.2 A preparação: O relatório Brundtland. 2.3 A Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento 2.3.1 As discussões durante a Conferência. 2.3.2 Os documentos aprovados na ECO-92. 2.3.2.1 As Declarações. 2.3.2.2 O Plano de Ação. 2.3.2.3 As Convenções. 3. A tutela ambiental após a ECO-92: breves reflexões. 3.1 Da ECO-92 a Rio + 20: avanços e retrocessos. Conclusão. Referência.
Introdução
Os estudos acerca dos problemas ambientais e os meios para mitigá-los, ou até menos, saná-los, ocupam atualmente um papel de relevância dentro do meio social, científico e jurídico. Com efeito, a magnitude dos fenômenos naturais como o aquecimento global, o buraco na camada de ozônio, a escassez de água potável, o processo de desertificação e erosão do solo, o assoreamento dos rios, a perda da biodiversidade, dentre outros, passaram a desperta a consciência de todos os cidadãos para a preservação dos elementos biótico e abióticos do planeta, a fim de garantir o seu equilíbrio ecológico, e a própria existência da Humanidade.
A tomada de consciência da população aos apelos dos cientistas quanto à finitude dos recursos naturais e a degradação ambiental, fez eco junto aos governantes para a criação de normas que disciplinassem as atividades antrópicas lesivas ao meio ambiente, seja nos ordenamentos internos ou junto à comunidade internacional.
Os desastres ecológicos ocorridos na década de 40 como, por exemplo, o caso da Fundição Trial (1941) e do Estreito de Corfu (1949), despertaram a Humanidade para existência de uma poluição que não respeita as fronteiras geográficas dos Estados, mas que as ultrapassam. É a partir da compreensão da existência de uma poluição transfronteiriça, que os Estados, considerados sujeitos originários da sociedade internacional e titulares plenos de direitos e deveres, passam a celebrar tratados, convenções e encontros relativos à temática ambiental.
Diante dessa premissa, o presente estudo objetiva apresentar algumas considerações acerca de uma das maiores convenções internacionais voltada a discutir a proteção do meio ambiente e o desafio do desenvolvimento econômico, qual seja a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, esta sediada no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992, depois de transcorrido vinte anos da primeira Conferência internacional de cunho ambiental, a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, concebida em Estocolmo, capital da Suécia, em 1972.
Utilizando-se da metodologia dedutiva, a abordagem do tema se desenvolve em três capítulos. O primeiro apresenta algumas considerações sobre a inserção da tutela ambiental no plano internacional, assim como sobre as razões queculminaram na realização da Conferência de Estocolmo e as principais discussões durante o evento.
Em seguida, o estudo é direcionado para uma análise acerca da segunda megaconferência ambiental, a já referenciada Conferência do Rio de 1992, também denominada ECO-92, Cúpula da Terra, Estocolmo + 20, etc., da qual se pretende expor alguns comentários sobre o processo preparatório que lhe deu origem, este vinculado as conclusões, às vezes alarmantes, do Relatório Our Common Future (mais conhecido como Relatório Brundtland), elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Posteriormente, realizasse uma análise sobre os documentos aprovados ao final do evento, quais sejam: a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o programa de ação chamado Agenda 21, a Declaração sobre as florestas, a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas.
Por fim, no terceiro capítulo, objetiva-se expor de forma sucinta, os avanços e retrocessos da tutela ambiental no plano internacional após a ECO-92, tecendo alguns comentários sobre as fragilidades que ainda pairam sobre o futuro do Direito Internacional do Ambiente.Finalmente, à guisa de conclusão, procura-se apresentar uma síntese das idéias apresentadas ao longo do presente trabalho.
1. A internacionalização da temática ambiental
1.1. O ambiente como objeto de preocupação do Direito Internacional
Desde os primórdios de sua existência, o ser humano exerce sua ação predatória sobre os recursos naturais. Contudo, foi com o inicio da Revolução Industrial que se observou um aumento nas ações de degradação ambiental em virtude da intensificação da exploração dos elementos naturais para atender as necessidades da demanda populacional, o que contribuiu para que houvesse um desequilíbrio no meio ambiente.
Desequilíbrio este que reflete diretamente na qualidade de vida do ser humano, tendo em vista que o mesmo consiste em apenas mais um elemento da teia da Terra, assim como a fauna, a flora, o solo, a água e o ar constituem outros. Ao levar tal facto em consideração, pode se afirmar que a ação exercida sobre um desses componentes reflete nos demais, porque todos estão interligados entre si[1].
A gravidade desse desequilíbrio gerou a necessidade de se estabelecer normas jurídicas, seja nos ordenamentos internos, seja na comunidade internacional, para disciplinar a maneira como o homem integare com o meio natural que o circunda, a fim de preservá-lo, não só para as presentes gerações, mas para as futuras.
No plano internacional, o Direito do Ambiente não é um ramo autônomo da Ciência jurídica, notadamente pelo fato de não se constituir de regras e princípios próprios, mas por funcionar à base dos institutos tradicionais do Direito Internacional Público e Privado. Como Valério Mazzuoli[2] afirma, “as características do Direito Internacional do Meio Ambiente não se desprendem por qualquer maneira do Direito Internacional Público, nem do Direito Internacional Privado”, embora apresente traços específicos, com objeto próprio e técnicas jurídicas particulares[3].
De acordo com o referido autor, esse ramo especial do Direito Internacional, caracteriza-se por ser um “conjunto de regras e princípios criadores de direitos e deveres de natureza ambiental para os Estados, para as organizaçõesinternacionais intergovernamentais e, também, para os particulares (indivíduos e organizações privadas)”[4], com o escopo de assegurar a proteção da biosfera ( litosfera, hidrosfera e atmosfera), uma vez que a mesma se encontra ameaçada pela ação antrôpica, sobretudo pela poluição[5].
Essa proteção se dar a partir do momento em que os elementos do meio ambiente de importância para a saúde e qualidade de vida do ser humano[6] são tutelados pelos Estados, os quais agem como executores de políticas estabelecidas por tratados bilaterais ou multilaterais, que lhes empõem a obrigação geral de implementar e supervisionar as medidas de proteção ambiental.
Conforme aduz Cretella Neto[7], “o Direito Internacional do Meio Ambiente visa prevenir e punir ações ou omissões de indivíduos ou de Estados que ameacem causar ou efetivamente causem desequilíbrio ao ecossistema.” Ressalta-se, que a tutela jurídica do meio ambiente seja em âmbito interno ou internacional, tem por base normas e princípios que autorizam, proíbem, incentivam ou não determinadas condutas, conjugadas à medidas coercitivas nos casos de descumprimento dos preceitos legais.
No entanto, é importante ressaltar, que “a preocupação com o meio ambiente e a formação de um corpus juris de proteção ambiental são fenômenos bastante recentes na História da Humanidade.”[8] Antes do direito ambiental chegar a esse patamar em que se encontra atualmente, o mesmo passou por um longo processo de evolução e aceitação.
Segundo a mais abalizada doutrina[9], o final dos anos 60 é considerado o marco inicial para o surgimento das políticas públicas internacionais voltadas a temática ambiental. Contudo, isso não significa dizer, que no período anterior a referida década as convenções com incidências ambientais fossem inexistentes.
A verdade, é que os textos legais existentes no século XIX e início do século XX, considerado como o período Pré-histórico[10] ou Era tradicional[11] desse segmento do direito internacional, conferiam ao meio ambiente uma proteção legal esparsa, fragmentada, com um viés meramente utilitarista, de caráter preponderantemente econômico.
Tratou-se de uma fase em que não existia de facto uma preocupação com o meio ambiente, a não ser por alguns dispositivos isolados, os quais se limitavam a preservação de um ou outro elemento da natureza, a exemplo de determinados espaços naturais[12], a proteção de algumas espécies da fauna e flora[13] ou a regulamentação de atividades econômicas específicas[14].
É importante ressaltar, que esses instrumentos tinham por objetivo proteger determinados elementos do ambiente enquanto recursos naturais, não como bens ambientais[15], ou seja, os textos legais eram destinados a proteção dos elementos naturais dotados de algum valor econômico, a fim de evitar a sua escassez, não tendo assim à compreensão, da interdependência dos elementos naturais.
De facto, durante esse período, os Estados ainda não possuíam uma visão holística consolidada acerca da proteção ambiental, ou seja, o entendimento da proteção simultânea dos elementos bióticos e abióticos da natureza. Na verdade, pode se considerar um direito com um discurso de proteção setorial, onde cada Estado concentrava suas atenções apenas para proteger de forma individualizada os seus recursos naturais, bem como para solucionar os problemas ambientais que surgissem em suas fronteiras territorias.
Conforme aponta Jorge Sampaio[16], é entre a década de quarenta e a década de setenta do século passado, que se observa um avanço no desenvolvimento do Direito Internacional Ambiental. Com efeito, a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e suas agências especializadas em 1945, bem como os desastres ecológicos ocorridos no referido período como, por exemplo, o caso da Fundação Trail (Trail Smelter, 1941), o Estreito de Corfu (1949) e, anos mais tarde, o naufrágio do petroleiro Torrey Canyon (1967)[17], possibilitaram um aperfeiçoamento da Era Tradicional, em virtude do reconhecimento por parte da comunidade internacional da existência de uma poluição que não respeita as fronteiras geográficas dos Estados, mas que as ultrapassam. Bem como, pela tomada de consciência aos apelos dos cientistas quanto à finitude dos recursos naturais e da degradação ambiental.
É a partir da compreensão da existência de uma poluição transfronteiriça[18], que os Estados, considerados sujeitos originários da sociedade internacional e titulares plenos de direitos e deveres, passam a celebrar tratados, convenções e encontros relativos à temática ambiental.
Da mesma forma, as Organizações Internacionais, em especial a ONU e suas agências especializadas (das quais se destacam o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a Organização Marítima Internacional (OMI), etc.) passaram a atuar de forma efetiva na proteção do meio ambiente, cita-se, por exemplo, as conferências mundiais concebidas no seio da ONU como a Conferência de Estocolmo (1972), a Conferência do Rio de Janeiro (1992), a Conferência de Johannesburgo (2002), e por fim, a RIO + 20 (2012), as quais serão, posteriormente, abordadas no presente trabalho com mais detalhes.
Não menos importante que esses sujeitos internacionais (Estados e Organizações Internacionais) têm se a figura do individuo, o qual passou a ser considerado ator internacional a partir da Declaração de Direitos de 1948, onde se concebeu a internacionalização dos direitos humanos. Conforme aduz Sidney Guerra[19], “em matéria ambiental, tem se apregoado uma mudança de comportamento da pessoa humana, transformando-a em sujeito ativo na proteção e preservação do meio ambiente,” tendo em vista que a responsabilidade pela implementação das normas ambientalistas recai sobre a mesma.
Ressalta-se, também o papel desempenhado pelas Organizações Não Governamentais (ONG’s)[20] e as empresas transnacionais[21], que embora não sejam sujeitos plenos do direito internacional, atuam como atores importantes na defesa do meio ambiente, uma vez que influenciam de forma positiva no comportamento dos Estados ao introduzirem e defenderem posições junto à opinião pública.
Além dos sujeitos, são também comuns ao Direito Internacional do Meio Ambiente as fontesdo Direito Internacional clássico, mas com as especificidades que são inerentes a temática ambiental. Conforme aponta Maria Luísa Duarte[22], “as fontes designam os procedimentos e modos de criação do Direito Internacional Público”. No mesmo sentido, Valério Mazzuoli[23] enfatiza que, “o conceito de fonte deve ser entendido em seu sentido técnico-jurídico, a significar o lugar de onde emana ou nasce a norma jurídica em questão. Assim, as fontes do Direito Internacional do Meio Ambiente são aquelas capazes de criar regra de direito ambiental no plano internacional.”
Com efeito, as fontes do Direito Internacional do Meio Ambiente encontram-se alicerçadas nas fontes gerais do Direito Internacional Público, constantes do art. 38 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça (ETIJ), quais sejam os tratados internacionais, os costumes e os princípios gerais, além da jurisdição e da doutrina, essas duas últimas consideradas meios auxiliares para determinação das regras de Direito.
Os tratados[24] podem ser entendidos como todo acordo formal concluído entre Estados e Organizações Internacionais destinados a produzir efeitos jurídicos no plano internacional. De acordo com Valério Mazzuoli[25], uma das particularidades nos tratados ambientais que os distinguem dos tratados em geral diz respeito á sua estrutura, uma vez que em muitas ocasiões tais tratados são celebrados sob a forma de "convenções-quadro" ou “tratado-quadro”, ou seja, acordos internacionais em que se estabelecem (ou se "emolduram") as grandes bases jurídicas do acordo, assim como os direitos e obrigações das partes, postergando para um momento futuro sua regulamentação detalhada, através de protocolos adicionais sobre temas específicos que se queiram tratar[26].
De acordo com Geraldo Silva[27], os tratados ambientais recebem inúmeras críticas, seja em razão de não adotar regras objetivas, seja por não apresentar uma estrutura muito clara, sendo considerados soft law(ou droitmou, em francês; direito flexível, ou direito suave, na tradução em português).[28]
Como explica Guido Soares[29], o que se convencionou chamar de soft law consiste em normas que não alcançam um status de normas jurídicas, mas que “representariam uma obrigação moral aos Estados (obrigações imperfeitas, porém, de qualquer forma, com alguma normatividade) e têm dupla finalidade: a) fixar metas para futuras ações políticas nas relações internacionais; b) recomendar aos Estados adequarem as normas de seu ordenamento interno às regras internacionais contidas na soft law.”[30]
São, indiscutivelmente, preceitos normativos mais flexíveis e menos formais do que as normas jus cogens, porém, conforme aponta Carla Amado Gomes[31], o fenômeno do soft law não é forçosamente negativo, uma vez que “é melhor uma declaração de intenções que reúne um vasto consenso, embora com acatamento de reduzido número de Estados, do que um Tratado entre um número restrito de Estados que não merece qualquer observância”.
A segunda fonte do Direito Internacional geral com reflexo no Direito Internacional do Meio Ambiente é o costume, este enunciado no parágrafo 1º, alínea b), do artigo 38 do ETIJ como “uma prática geral aceita como sendo direito”, ou seja, é um conjunto de normas consagradas pelo longo uso e observadas nas relações internacionais como obrigatórias[32].
Por ser uma disciplina recente no meio jurídico, até parece paradoxal mencionar o “costume” em relação ao Direito Internacional Ambiental. Com efeito, o tratamento jurídico costumeiro do ambiente é, ainda, rudimentar, disso resulta certa dificuldade em visualizar, com contornos bem definidos, uma prática constante e uniforme dos Estados. Entretanto, a doutrina menciona alguns casos paradigmáticos que remetem a prática costumeira como os casos do Lago Lanoux (1956), GutDam (1969) e, do já mencionado, caso da Fundição Trail[33].
Diferentemente do costume, no que tange aos princípios gerais de direito aplicáveis ao meio ambiente, já é possível visualizar um quadro bem mais preciso de sua aplicação prática, tendo em vista que os mesmos se encontram consubstanciados em várias declarações internacionais sobre meio ambiente, a exemplo das Declarações de Estocolmo (1972) e do Rio de janeiro (1992).
Ressalta-se, que há princípios do Direito Internacional clássico, absolutamente inaplicáveis ao Direito Internacional do Meio Ambiente, como é o caso do princípio da reciprocidade. No entanto, há outros que são freqüentemente invocados como o princípio da soberania dos Estados de explorar os seus recursos naturais, desde que não causem danos a outros Estados.[34]
Quanto aos princípios ambientais, a doutrina especializada na área[35] faz menção aos princípios da prevenção, da precaução, da reparação e do ambiente ecologicamente equilibrado. Assim como, ao princípio do desenvolvimento sustentável, princípio do poluidor-pagador e do usuário-pagador, da responsabilidade comum, mas diferenciada, o princípio do limite, da participação, da informação, da equidade intergeracional, do direito à sadia qualidade de vida, do acesso equitativo aos recursos naturais, da solidariedade ambiental, dentre outros.
Ainda no que tange ao disposto no artigo 38 do ETIJ, especificamente, no parágrafo 1º, alínea d, o qual se refere à doutrina e a jurisprudência internacional (que são, nos termos do referido artigo "meios auxiliares" para a exata determinação das regras do Direito), não são consideradas fontes de Direito Internacional, uma vez que “não estão habilitadas a criar ou a recriar normas internacionais, mas delas se pode esperar uma ajuda fundamental e diferenciada no processo de determinação e de prova sobre normas contidas em tratados, normas costumeiras ou princípios de Direito. ”[36]
No âmbito da tutela ambiental a doutrina comumente se manifesta nos colóquios e trabalhos das comissões internacionais, na maioria das vezes, sob os auspícios das Nações Unidas, bem como pelos trabalhos desenvolvidos no seio das ONG’s. No que toca à jurisprudência internacional, merece destaque o papel da Corte Internacional de Justiça e do Tribunal Internacional do Direito do Mar, cuja competência em à matéria ambiental é inquestionável (abordagem em assunto relativo aos mares e oceanos, poluição desses espaços e pesca internacional).[37]
Realizada essa prévia exposição acerca da inserção da tutela ambiental no plano internacional, apresenta-se a seguir breves considerações sobre o primeiro evento mundial de cunho ambiental no cenário internacional, qual seja a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano.
1.2 O despertar ecológico: a Conferência de Estocolmo, 1972
1.2.1 As razões da convocação
O final dos anos 60 do século XX, conforme dito anteriormente, foi palco do despertar ecológico na seara jurídica internacional. Neste período, os alertas lançados por cientistas sobre a degradação ambiental encontraram forte repercussão junto às sociedades civis, especialmente nos países desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos.[38]
A pressão exercida sobre os políticos pela opinião pública, aliada a criação de centenas de Organizações Não Governamentais (ONG’s) voltadas à defesa do meio ambiente, fez com que proliferassem normas destinadas à tutela ambiental, à medida que as atividades humanas que apresentavam risco a biosfera passaram a ser regulamentadas.
É no ano de 1968 que se observa o verdadeiro despertar da consciência ambiental, a chamada era ecológica[39], jusecológicaou direito internacional verde[40]. No referido ano, as questões ambientais ganharam maior notoriedade, cita-se, por exemplo, a atuação do Conselho da Europa[41], a criação do Clube de Roma[42] e a aprovação da Convenção Africana para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais[43].
Esse prenúncio de consciencialização ao nível da comunidade internacional na luta pela preservação do meio ambiente, fez com que, em 03 de dezembro de 1968, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Resolução 2.398 (XXIII), convocasse a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, essa concebida em Estocolmo, capital da Suécia, no ano de 1972[44]. Esta foi uma das primeiras e mais importantes tentativas de estabelecimento de normas internacionais de proteção ambiental[45].
A visão de proteção setorial dos elementos naturais sofreu uma ruptura após a Conferência de Estocolmo, a qual marcou o início da chamada Era Moderna[46]. A referida conferência iniciou uma nova maneira de abordar o meio ambiente, constituindoassim um marco no ambientalismo mundial. Segundo as lições de McCormick “[…] pela primeira vez a humanidade foi despertada para a verdade básica de que a natureza é finita e que o uso equivocado da biosfera ameaça, em ultima análise, a própria existência humana.”[47]
1.2.2 A realização da Conferência e os seus resultados
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, entre 05 e 16 de junho de 1972, mais conhecida como “Conferência de Estocolmo”, representa no plano jurídico, tanto normativo como doutrinário, o verdadeiro marco para a compreensão a nível global do meio ambiente, uma vez que, o encontro promovido pela ONU, marcou a inserção dos Estados no âmbito de um debate acerca das principais questões ambientais da época.
A conferência contou com a participação de 113 países[48], representantes de inúmeras organizações intergovernamentais, personalidades convidadas a título individual, representantes da sociedade civil enviados por quase 400 ONG’s, e cerca de 1.500 jornalistas credenciados para cobrir o evento, o que gerou expressiva repercussão na mídia[49].
Conforme aponta Sidney Guerra[50], as questões discutidas no evento versaram sobre assuntos relativos à poluição atmosférica[51] e dos recursos hídricos, o uso inadequado do solo e os danos que os fenômenos da industrialização e do crescimento demográfico causam no meio ambiente. Bem como, sobre temas voltados ao desenvolvimento tecnológico, combate a pobreza, planejamento de ações, etc[52].
A fim de tratar desses assuntos, foram criados seis eixos fundamentais, estes debatidos em três Comitês, sendo cada um responsável por analisar dois temas. Assim, o primeiro Comitê cuidou de discutir os temas relacionados a “Regulamentação e gestão dos agrupamentos humanos, com vistas a assegurar a qualidade do meio ambiente” e “ Aspectos educativos sociais e culturais dos problemas do meio ambiente e a questão da informação”, o segundo Comitê foi encarregado de estudar “A gestão de recursos naturais sob o ponto de vista do meio ambiente” e “ Desenvolvimento e meio ambiente”. Por fim, o terceiro Comitê encarregou-se de discutir os temas sobre a “Identificação dos poluentes de importância internacional e a luta contra os mesmos” e as “Incidências internacionais, no plano da organização, de propostas de ação” [53].
Apesar da Conferência de Estocolmo ter sido anunciada para discutir o quadro negativo de degradação ambiental presente na segunda metade do século XX, a mesma também foi palco de divergências, estas decorrentes do conflito entre os interesses econômicos dos países do hemisfério Norte e Sul versus a obrigação dos mesmos de protegerem os seus recursos naturais.
O desentendimento se deu em virtude da forte pressão exercida pelos países desenvolvidos em impor limites ambientais aos países subdesenvolvidos, os quais tinham temor de assumirem obrigações ambientais que comprometessem o seu desenvolvimento econômico[54].
Conforme aponta Tiago Zanella[55], as discussões durante o evento em Estocolmo tiveram como bases duas teses: a do crescimento zero e a desenvolvimentista. A primeira corrente tinha como defensores aqueles que apoiavam as idéias apresentadas no relatório “Limites do Crescimento”, elaborado pelo Clube de Roma, o qual estabelecia que apenas uma estagnação do crescimento econômico, em conjunto com políticas de controle de natalidade, salvaria o planeta da degradação ambiental. Por sua vez, os adeptos da corrente desenvolvimentista pregavam que o crescimento econômico e industrial era fundamental para proporcionar o desenvolvimento dos países pobres, sendo a tese do crescimento zero (com uma conotação ambientalista) vista como uma ameaça a esse propósito.
No entanto, essas divergências acabaram sendo superadas, e ao final da conferência a posição desenvolvimentista saiu vitoriosa. Destarte, o resultado final, também foi positivo para os integrantes dos movimentos ambientalistas, uma vez que o evento colocou pela primeira vez em pauta mundial as questões ambientais, possibilitando uma nova era de estudos, análises e debates internacionais[56].
Como resultado da Conferência teve-se dois documentos principais, quais sejam a Declaração sobre Meio Ambiente Humano, mais conhecida como Declaração de Estocolmo, e um Plano de Ação para o Meio Ambiente. Além de inúmeras Resoluções[57] sobre a questão ambiental e a instituição de um organismo especialmente dedicado ao meio ambiente, o Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (PNUMA)[58].
A Declaração, embora de natureza recomendatória, abriu caminho para a criação de vários outros documentos internacionais acerca da temática ambiental. O referido documento contem um Preâmbulo, com 7 pontos, e 26 princípios, os quais podem ser sistematizados da seguinte forma: “a) direitos do homem e dos Estados (Princípios 1 e 21); b) conservação dos recursos naturais (Princípios 2 a 5); c) poluição (Princípios 6 e 7); d) questões vinculadas ao desenvolvimento (Princípios 8 a 12); e) planejamento (Princípios 13 a 17); f) instrumentos de política de meio ambiente (Princípios 18 a 20); h) cooperação internacional (Princípios 22 a 25); i) eliminação dos meios de destruição em massa (Princípio 26)”.[59]
Ressalta-se, que nenhum princípio apresenta de forma explicita o papel a ser desempenhado pelos Estados na proteção do meio ambiente, exceto o Princípio 7, a qual reporta-se aos mares, este explicitamente reiterado pelo Artigo 192 da Convenção de MontegoBay, de 1982[60].
O plano de ação, por sua vez, é um extenso documento, composto por 109 resoluções, que, segundo José Ruiz[61], pode ser classificado sob três vertentes, quais sejam, as relativas à avaliação do meio ambiente, o denominado ‘Plano Vigia’ (Earthwatch); as referentes à gestão do meio ambiente, esta concernente à identificação dos problemas ambientais e o estabelecimento de critérios de atuação frente aos mesmos, e por fim, as relacionadas às medidas de apoio como a informação, educação ambiental, formação de especialistas e a criação de instituições internacionais apropriadas para concretizar o ambicioso programa de ação.
Embora os instrumentos adotados durante a Conferência de Estocolmo não detenham caráter juridicamente obrigatório, são notórios os avanços que o evento proporcionou ao Direito Internacional do Ambiente, uma vez que o mesmo alcançou objetivos profícuos. Não apenas por ter conseguido trazer para o âmbito internacional a discussão sobre a temática ambiental, mas também por ter estimulado a criação de órgãos nacionais voltados à tutela ambiental em países que ainda não os tinham[62], por proporcionar o fortalecimento de ONG’s e estimular a participação da sociedade civil nas questões ambientais.
2. Os 20 anos seguintes: de Estocolmo ao Rio de Janeiro (1972-92)
2.1 As razões para uma nova Conferência
No primeiro decênio após a Conferência de Estocolmo (1972), observou-se uma sensível evolução na mentalidade de como a humanidade deveria resolver os problemas ambientais, que já não se limitavam ao espaço geográfico de um Estado, mas que ultrapassavam suas fronteiras. Essa mudança de percepção, fez com que os problemas ambientais passassem a ser mais percebidos pelos governos e pela opinião pública, e os efeitos da poluição e degradação ambiental combatidos com maior empenho.
Alexandre Kiss, em artigo de síntese[63], afirma que na década que se seguiu à Conferência de Estocolmo, o Direito Internacional do Ambiente apresentou um extraordinário desenvolvimento, com a aprovação de diversos instrumentos internacionais, dentre os quais pode-se citar, a título exemplificativo, na área marítima, a Convenção Internacional para Prevenção da Poluição do Mar por Navios, de Londres, de 02.11.1973 (Convenção MARPOL), e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10.12.1982, a qual dedica a Parte XII à proteção e à preservação do meio marinho.
No que diz respeito à poluição do ar, o principal resultado do decênio foi a assinatura, em Genebra, em 13.11.1979, da Convenção sobre Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância. Bem como, a preparação, durante essa primeira década, de textos relativos à tutela jurídica da Camada de Ozônio[64].
Registraram-se progressos, também, no campo da conservação da fauna e da flora selvagens, onde se destaca a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, concluída em Paris, em 23.11.1972, a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção (Convenção CITES), assinada em Washington, em 03.03.1973.
Entretanto, apesar dos dez anos seguintes a Conferência apresentarem significativa evolução na tutela internacional do meio ambiente, as medidas apresentadas ainda se mostravam insuficientes para mitigar, ou até mesmo, reverter, a degradação ambiental que já existia no planeta.
É no segundo decênio após o evento de 1972, precisamente no ano de 1987, com a emissão do Relatório Bruntland, que se comprovou a “ineficácia” das recomendações adotadas na Declaração de Estocolmo e das medidas preconizadas pelo Plano de Ação, tendo em vista a constatação do agravamento dos problemas ambientais.
A seriedade dos problemas ambientais, a ampliação do conhecimento científico e a percepção sobre as ameaças que o planeta viria a enfrentar caso medidas efetivas não fossem adotadas, só aumentaram o grau de mobilização da sociedade internacional para organizar um segundo evento de âmbito mundial, a Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, esta voltada inteiramente para discutir à proteção do meio ambiente e o desafio do desenvolvimento econômico[65].
O referido evento aconteceu transcorrido vinte anos da Conferência de Estocolmo, no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992. No entanto, antes de nos atermos acerca das discussões durante essa megaconferência e os seus resultados, faz necessário apresentar breves considerações quanto ao processo preparatório que lhe deu origem.
2.2. A preparação: O relatório Brundtland
O Relatório Brudtland, oficialmente denominado Our Common Future (Nosso Futuro Comum, em português; NotreAvenir à Tous, em francês), examinado durante a 47ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, em 1987, constituiu o primeiro documento para os trabalhos preparatórios da Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento[66], a qual é conhecida pelas denominações “Estocolmo + 20”, “Conferência do Rio”, “Rio 92”, “Eco 92”, “Cúpula do Rio” e “Cúpula da Terra”[67].
O referido relatório foi elaborado pela a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a qual foi instituída em 1983, através da Resolução 38/161 da Assembleia Geral[68]. A Comissão Bruntland, como ficou conhecida, em homenagem a ex-primeira Ministra da Noruega, GroHarlemBrutland, responsável por chefiar os trabalhos, tinha por objetivo fazer uma avaliação dos dez anos após a Conferência de Estocolmo. Assim como, elaborar uma estratégia de longo prazo, para o ano de 2000, envolvendo a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento econômico[69].
Segundo PhilippSands[70], os assuntos analisados pela Comissão recaíram sobre questões fundamentais como as perspectivas de população, do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, segurança alimentar, perda de espécies e recursos genéticos, energia, indústria, aglomerações humanas, agricultura e florestas, mecanismos de apoio a tomada de decisões e cooperação internacional. Outras questões também foram analisadas, como os oceanos e mares, o espaço sideral e a diversidade biológica
Decorridos alguns anos de estudos, a Comissão apresentou o resultado dos trabalhos desenvolvidos. As conclusões, às vezes alarmantes, mostraram a intensificação dos problemas já existentes, os quais foram divididos em três grandes grupos: poluição ambiental, diminuição dos recursos naturais e problemas de natureza social[71].
Apesar de o Relatorio ser um texto não legal, o mesmo constituiu um marco na relação do pensamento moderno sobre os problemas ambientais, ao trazer à tona a percepção que as varias crises globais existentes (ambiental, de desenvolvimento, energética, etc) estão todas interligadas. [72]
De facto, a ideia que as atividades antrôpicas e os seus efeitos sobre o ambiente estavam localizadas no espaço territorial dos Estados, divididas em setores (energia, agricultura, comércio,etc) e em áreas especificas (ambiental, social, econômica), acabou por ser superada. Uma vez que, a percepção da inter-relação entre os fatores sociais, ambientais e econômicos passou a ser percebida.
Com efeito, essa nova percepção deu origem à tese do desenvolvimento sustentável, este definido como “o desenvolvimento que atende às necessidades da presente geração sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem suas necessidades”.[73]
Conforme aponta José Ruiz, o Relatório propicia o inicio do movimento chamado “ecodesarrollo” (ecodesenvolvimento, em português), o qual tem por objetivo conciliar o desenvolvimento econômico com a proteção dos valores ambientais e sociais.[74]
Foi em 22.12.1989, por meio da Resolução 44/228, que a Assembleia Geral, convocou a ECO-92, esta realizada no Brasil, na Cidade do Rio de Janeiro, em 1992[75]. A fim de tratar acerca dos trabalhos que seriam discutidos no evento, a Resolução estabeleceu a criação de um Comitê Preparatório (PrepCom)[76].
O Comitê, sempre de acordo com o que estabelecia na resolução, reuniu-se inicialmente na sede da ONU, em Nova York, entre 05 e 16.03.1990. Posteriormente, em Nairóbi (PrepCom I, entre 06 e 31.08.1990) e outras duas vezes em Genebra (PrepCom II, entre 18.03 e 05.04.1991; e PrepCom III, entre 19.08 e 04.09.1991). Uma ultima sessão ocorreu novamente na sede da ONU, em maio de 1992, onde finalmente foram fechados os principais textos a serem discutidos na Rio 92[77].
É importante ressaltar, que a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, foi o culminar de mais dois processos de negociações além da PrepComm, quais sejam o Comitê Intergovernamental de Negociação para uma Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, o qual realizou cinco sessões de reuniões entre Fevereiro de 1991 e maio de 1992, e o Comitê Intergovernamental de Negociação para um Convenção sobre Diversidade Biológica, que se reuniu o mesmo número de vezes, mas entre o período de Junho de 1991 a Maio de 1992[78].
2.3. A Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento
2.3.1. As discussões durante a Conferência
A cidade do Rio de Janeiro, em junho de 1992, foi durante os dias 3 a 14 de junho, palco de dois grandes eventos voltados à temática ambiental. O primeiro, e mais importante, foi a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e o segundo, a conferência das ONGs, o Globo Forum 2000[79].
O Global Forum 2000 ocorreu paralelamente à conferência oficial intergovernamental, e contou com a participação não apenas de ONGs, mas também de sindicatos, de setores da indústria e do comércio, artistas, organizações de jovens, indígenas, mulheres e de associações religiosas, místicas e espirituais, todos debatendo acerca da questão do desenvolvimento sustentável[80].
Enquanto, os representantes dos movimentos sociais, tomaram as ruas e se encontraram no Aterro do Flamengo, os chefes de Estados e Governos, se reuniram no centro de Convenções Riocentro para celebrar o que viria a ser a mais importante conferência sobre meio ambiente da história, a ECO-92.
A ECO-92, diferentemente da Conferência de Estocolmo de 1972, teve um caráter especial em razão da presença de inúmeros chefes de Estado, demonstrando assim a importância da questão ambiental no início dos anos 90, sendo considerada a primeira reunião de magnitude após o fim da Guerra Fria[81]. O encontro contou com a participação de 178 Estados, dos quais 114 foram representados por Chefes de Estado e/ou Governo[82], mais de cinquenta organizações intergovernamentais e milhares de empresas e organizações não-governamentais[83].
A Conferência do Rio teve por objetivo elaborar estratégias para sanar e reverter os efeitos da degradação ambiental que se intensificaram no pós-Estocolmo[84]. As principais ações estavam assentadas no estabelecimento de acordos internacionais que mediassem as ações antrópicas no ambiente, mudanças climáticas e manutenção da biodiversidade[85]. Além da elaboração de estratégias direcionadas ao fomento do desenvolvimento sustentável, seja em âmbito nacional como internacional.
A questão dos recursos financeiros foi um dos pontos de divergência entre os participantes, o qual ficou aquém das expectativas dos países em desenvolvimento, uma vez que os mesmos acharam insuficiente o apoio financeiro de 0,7% do PNB[86] concedido pelos países desenvolvidos para a adoção de um modelo de desenvolvimento sustentável, com a redução dos padrões de consumo, especialmente de combustíveis fósseis (petróleo e carvão mineral).
Quanto ao aspecto das inovações institucionais, a conferência aceitou a criação da Comissão do Desenvolvimento Sustentável (CDS), e atendendo aos apelos dos países afetados com o fenômeno da desertificação, aprovou a convocação de uma conferência intergovernamental para discutir acerca do assunto. Dessa conferência resultou, em 1994, a Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África, concluída em Paris[87].
O evento também foi palco para a aprovação de três importantes instrumentos, embora de caráter não vinculativos: a Declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento, o programa de ação chamado Agenda 21 e a Declaração sobre as florestas. Bem como, o local escolhido para a assinatura de duas importantes convenções internacionais, que já vinham sendo negociadas desde o inicio da década de 1990, quais sejam, a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas e a Convenção sobre Diversidade Biológica[88].
De acordo com os ensinamentos de José Ruiz[89], os instrumentos adotados na ECO 92 são complementares, tendo em vista que, embora versem sobre temas diferenciados, os mesmos se propõem a alcançar um mesmo objetivo, qual seja, o desenvolvimento sustentável a partir da conciliação do desenvolvimento econômico com a obrigação de proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
O referido autor expõe ainda, que os textos aprovados possuem uma áurea evolutiva, uma vez que contém um quadro jurídico abrangente, que deve ser desenvolvido e implementado progressivamente no decorrer dos anos. A seguir serão apresentadas algumas considerações acercas dos documentos aprovados no seio da ECO-92.
2.3.2. Os documentos aprovados na ECO-92
2.3.2.1. As Declarações
Conforme dito anteriormente, ao final da ECO-92 duas Declarações foram adotadas, a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, mas conhecida como a Declaração do Rio e, a Declaração sobre os princípios florestais. A primeira declaração, foi inicialmente planejada para ser chamada “Carta da Terra”, entretanto, o texto em negociação, mostrou-se de difícil aprovação por ser abrangente e ambicioso. O documento final acabou sendo plasmado por uma visão político-jurídico, contendo um Preâmbulo e 27 princípios, os quais estabelecem os critérios para conciliar a estreita articulação entre a proteção ambiental e o desenvolvimento econômico, a fim de assegurar o desenvolvimento sustentável[90].
A Declaração do Rio, assinada por 176 Estados, reafirma a continuidade das recomendações apresentadas na Declaração de Estocolmo das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972, com o objetivo de estabelecer uma nova e justa parceria global por meio do estabelecimento de novos níveis de cooperação entre os Estados, a sociedade civil e os indivíduos, com o escopo de fomentar acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento, reconhecendo a interdependência de todos na terra.
Ressalta-se, que tanto a Declaração de Estocolmo como a do Rio encontram-se permeadas por uma visão antropocêntrica protecionista[91], uma vez que os instrumentos de proteção ambiental concedem relevo à proteção à pessoa humana[92]. Com efeito, a Declaração do Rio prevê, em seu Princípio 1 que “os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável” e, no Princípio 4, determina que “ a proteção do meio ambiente deverá constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada isoladamente”. Observa-se assim, que a tutela ambiental é condicionada a proteção dos seres humanos, e não como um fim em si mesma.
A Declaração do Rio não apenas reitera algumas concepções já preconizadas em Estocolmo como, o Princípio 21 da Declaração de 1972, reafirmado como o Princípio 2 da Declaração do Rio de Janeiro[93], o qual estabelece a soberania do Estado para explorar seus recursos naturais de acordo com suas políticas ambientais e de desenvolvimento, desde que não causem danos ao ambiente de Estados terceiros. Porém, inova ao criar outros princípios ainda não previstos. A doutrina majoritária[94] faz menção à relevância dos princípios da equidade intergeracional (Princípio 3), da responsabilidade comum, mas diferenciada (Princípio 7), da precaução (Princípio 15), do poluidor pagador (Princípio 16) e da avaliação de impacto ambiental (Princípio 17).
Outras questões abordadas pela Declaração do Rio incluem a relação entre a protecção do ambiente e as obrigações do comércio livre (Princípio 12); o desenvolvimento do direito nacional e internacional em matéria de responsabilidade e compensação para as vítimas de poluição e outros danos ambientais (Princípio 13); a necessidade de erradicar pobreza e diminuir as disparidades nos padrões de vida (Princípio 5); e a redução e eliminação de padrões insustentáveis de produção e consumo, através da promoção de políticas demográficas adequadas (Princípio 8).
O texto também ressalta a necessidade dos Estados cooperarem no fortalecimento do conhecimento científico e tecnológicos (Princípio 9). Bem como, em iniciativas para promover a participação dos cidadãos na solução dos problemas ambientais (Príncipio10) e a contribuição de certas categorias específicas de pessoas na defesa do meio ambiente, como as mulheres (Princípio 20), os jovens (Princípio 21) e os povos indígenas (Princípio 20).
Conforme aponta José Ruiz[95], a declaração do Rio consagra em seus últimos artigos a idéia da paz ecológica, a qual se encontra alicerçada na concepção que a guerra é, por definição, prejudicial ao desenvolvimento sustentável (Princípio 24) e que a paz, o desenvolvimento e a protecção do ambiente são interdependentes e indivisíveis (Princípio 25), cabendo aos Estados resolverem seus conflitos ambientais por meios pacíficos, utilizando-se dos meios apropriados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas (Princípio 26).
Por fim, o Princípio 27, que encerra a Declaração, estabelece que a cooperação entre os Estados e os povos deverá ser realizada de boa fé e com um espírito de solidariedade para o desenvolvimento progressivo do direito internacional no campo do desenvolvimento sustentável.
Vale salientar, que a Declaração do Rio inclui disposições mais específicas do que aquelas adotados na Declaração de Estocolmo e fornece uma base sólida para desenvolvimento da legislação ambiental a nível nacional e internacional, contribuindo assim, para o aperfeiçoamento das regras do direito consuetudinário.
Em relação as florestas[96], a discussão no encontro foi marcada por fortes divergências entre os países, o que impossibilitou a concretização de uma convenção acerca da matéria. Consegui-se, contudo, aprovar um texto não vinculativo, mas “dotado de autoridade”, a Declaração sobre as Florestas[97]. Conforme aduz Alexandre Kiss[98], essa autoridade lhe é reconhecida pelo fato de conter os pontos sobre os quais a comunidade internacional está de acordo, e que poderiam servir de base para uma futura convenção multilateral, embora o documento em comento não formule declarações claras dos Estados quanto a uma futura convenção internacional de natureza obrigatória.
Contendo, um Preâmbulo, com 8 pontos, e 15 princípios na forma de recomendações, a Declaração sobre as Florestas, reafirma alguns Princípios da Declaração do Rio, no entanto, com um viés voltado a temática do desenvolvimento econômico, a proteção ambiental dos recursos florestais e sua exploração e utilização pelo homem.
Com efeito, o texto contém essencialmente declarações de princípios de gestão através de aconselhamento, afim de não ferir a soberania dos Estados quanto à exploração dos seus recursos madeireiros. Bem como, a previsão de fornecimento de recursos financeiros aos países em desenvolvimento, especialmente aqueles com extensas áreas florestais, para estimular as atividades econômicas e sociais que venham a substituir o modelo exploratório e, consequentemente, permitir a conservação das florestas naturais[99].
Vale ressaltar, que embora a Declaração apresente um avanço quanto a percepção dos Estados para a proteção dos recursos florestais, a mesma apresenta graves deficiências, como a de se aplicar a todos os tipos de florestas, sem levar em consideração as peculiaridades dos biomas existentes, sendo um documento genérico e exortativo[100]. Além de não ser dotada de eficácia jurídica, conforme dito anteriormente, tampouco contém elementos de eventual norma jurídica internacional que possa ser invocada perante órgãos jurídicos ou políticos internacionais[101].
2.3.2.2 O Plano de Ação
O terceiro instrumento não obrigatório emanado da Conferência do Rio é um extenso documento, o qual consiste em um plano de ação (Agenda 21) com o objetivo de assegurar a realização dos compromissos assumidos durante o evento para o século XXI, ou seja, consiste num texto que estabelece os programas que a sociedade internacional deve adotar para alcançar o desenvolvimento sustentável no novo milênio.
O plano de ação está dividido em quarenta capítulos, os quais versam sobre quatro áreas especificas, quais sejam: a) as dimensões sociais e econômicas, estas relacionadas à luta contra a pobreza, a alteração dos padrões de consumo, a dinâmica demográfica e saúde; b) a conservação e gestão dos recursos para o desenvolvimento, o qual compreende à luta contra a poluição e a preservação da diversidade biológica; c) o reforço do papel dos principais grupos envolvidos na efetivação do desenvolvimento sustentável como as mulheres, os jovens, os povos indígenas, as organizações não-governamentais, etc. e, por último, d) os meios de execução, estes referentes aos mecanismos de financiamento, transferência de tecnologia ambiental, de informação para a tomada de decisões, de arranjos institucionais internacionais, instrumentos e mecanismos jurídicos, dentre outros. [102]
É baseado nesse Plano de Ação que os governos devem traçar seus objetivos, propor ações que mitiguem ou eliminem as dificuldades sociais e criar modelos de desenvolvimento com bases ambientais mais sustentáveis. José Ruiz [103], tece críticas positivas ao documento em comento, ao afirmar que o mesmo constitui um estudo completo e bem elaborado, tendo em vista que os seus capítulos descrevem com precisão os objetivos, as atividades e os meios necessários para atingir o desenvolvimento sustentável nos campos de atuação para os quais foram propostos. Sendo assim, um documento valioso como fonte de informação para a organização e execução de ações em âmbito nacional e internacional.
Entretanto, para o autor citado, a efetividade do programa de ação encontra-se comprometida, em virtude de aspectos limitadores como a ausência de obrigatoriedade para os Estados executarem as ações propostas e a falta de prazos para o cumprimento das metas e a ausência de mecanismo de controle eficaz. Porém, a que sublinhar, que tanto o Conselho Econômico e Social da ONU, como a própria Assembleia Geral, mantêm uma vigilância continua sobre a aplicação do programa.
Em 22 de dezembro de 1992, a Assembleia Geral mediante a Resolução 47/190 decidiu convocar uma sessão especial com o escopo de revisar a execução da Agenda 21. Esta seção foi realizada entre os dias 23 a 27 de junho de 1997, a qual no final decidiu convocar para o ano de 2002 uma nova reunião, a fim de discutir o avanço das ações propostas. Ressalta-se, que a seção realizada em junho de 1997, foi precedida por um fórum internacional (RIO+5), celebrado na cidade do Rio de Janeiro, entre os dias 13 a 19 de março de 1997[104].
2.3.2.3 As Convenções
Além dos três documentos não obrigatórios, a Cúpula da Terra foi escolhida para ser o local de assinatura de duas importantes convenções internacionais que já vinham sendo articuladas desde o início da década de 1990, sejam elas a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção-Quadro sobre Mudança Climática.
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) deriva de um texto proposto inicialmente pelo Conselho de Administração do PNUMA, por meio da Resolução 15/34. O processo de negociação deveria terminar com a adoção da convenção em 22.05.1992, no quadro da Ata Final de uma conferência intergovernamental realizada na sede do PNUMA, em Nairóbi. No entanto, a mesma acabou por ser assinada no Rio de Janeiro, um mês depois (05.06.1992), por 155 Estados e a União Européia como Partes Contratantes originais[105][106].
A CDB trata-se de um documento complexo constituído por um Preâmbulo contendo 23 pontos e um texto com 42 artigos e 2 anexos (I-Identificação e Monitoramento; II – Arbitragem), cujo o objetivo é promover a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos (Artigo 1º). O texto proposto buscou alcançar um equilíbrio entre os interesses dos países desenvolvidos e em desenvolvimento[107].
Nos primeiros pontos do Preâmbulo, já se observa a menção ao valor intrínseco da diversidade biológica e dos seus valores ecológicos, genético, social, econômico, cientifico, educacional, cultural, recreativo e estético. Bem como, sobre a importância da diversidade biológica para a evolução e para a manutenção dos sistemas necessários à vida da biosfera, estabelecendo posteriormente, que a diversidade biológica é uma preocupação comum à Humanidade.
Conforme aduz Carla Amado Gomes[108], a tutela da diversidade biológica é vista comopreocupação comum da humanidade (common concernofmankind), e não como patrimônio comum da humanidade (common heritageofmankind), tendo em vista que a “diversidade biológica se encontrar, numa larga escala, em territórios sob jurisdição estadual, vinculaçãosituacional que entraria certamente em choque (jurídico, mas, sobretudo político) com a noção de patrimônio comum da Humanidade”.
Reina o celebre princípio da soberania dos Estados sobre os seus recursos naturais (Artigo 3º). Afinal, conforme aponta Marta Chantal[109], não é de se admirar “a manipulação com pinças do dever de proteção da biodiversidade”, tendo em vista o contexto de oposições entre os países desenvolvidos e os em via desenvolvimento em que a convenção foi realizada.
Contudo, é importante salientar, que apesar da soberania dos Estados quanto à exploração dos seus recursos naturais, a Convenção não deixa de assinalar o direito de acesso de Estados terceiros a estas riquezas, ainda que sujeito a consentimento prévio fundamentado do Estado detentor das mesmas (artigo 15). Assim como, estabelece a partilha justa e equitativa dos resultados das pesquisas e do desenvolvimento de recursos genéticos e os benefícios derivados de sua utilização comercial.
Observa-se, que a CDB, adota uma postura mais antropocêntrica do que conservacionista[110]. Não se pode olvidar que o "valor intrínseco da diversidade biológica" foi referenciado, ou seja, o seu valor per si, por uma valia própria que lhe é inerente, contudo, esse valor perde força ao longo do texto, uma vez que a valoração atribuída pelo seu uso direto e indireto para atender as necessidades humanas (valor instrumental)[111], torna-se mais presente.
Apesar de algumas fragilidades características da própria natureza de Convenção-quadro[112], com objetivos amplos, os quais não estão regulamentados minuciosamentetodas as questões acerca da matéria, mas com uma perspectiva futura de negociação no âmbito das Conferências das Partes (COP), é inegável o contributo da Convenção para a apreensão da percepção holística dos elementos naturais, ou seja, da compreensão da interdependência dos elementos naturais, ao contrário do que ocorria nas convenções internacionais anteriores, as quais possuiam uma visão de tutela parcelar, direcionadas a proteção de uma determinada espécie, habitat ou ecossistema[113].
É no artigo 2º que se encontra plasmado o conceito de diversidade biológica, que embora já fosse utilizado no seio da comunidade científica dos biólogos, desde a década de 80[114], apenas ganhou respaldo internacional após Convenção, a qual a define como “a variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos, outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicosde que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas”.
Seguindo a lição de Nicolas de Sadeleer e Charles Hubert Born[115], pode se afirmar que a biodiversidade encontra-se alicerçada em três níveis conceituais, sejam eles: diversidade genética, de espécies e ecossistemas, os quais têm como núcleo fundamental para a sua existência a capacidade de variabilidade, ou seja, a aptidão para variar dentro deles e entre eles[116].
Como Marta Ribeiro[117] aduz, o conceito proposto pela CDB apreende o mundo vivo de uma forma ampla, incluído desde o material genético até a interação dos elementos bióticos e abióticos, contexto do qual o ser humano não se encontra desvinculado.
Dentre os vários assuntos abordados no texto da Convenção, destaca-se a conservação in situ[118] da biodiversidade, a conservação exsitu[119] e a utilização sustentável[120] dos seus componentes. Bem como, o estabelecimento de procedimentos adequados que exijam a avaliação de impacto ambiental em projetos que possam causar efeitos negativos na diversidade biológica (Artigo 14), a gestão da biotecnologia[121] e a distribuição de seus benefícios (Artigo 19).
Vale salientar, que as disposições da Convenção não afetam os direitos e as obrigações das Partes Contratantes decorrentes de qualquer acordo internacional existente, salvo se o exercício desses direitos e o cumprimento dessas obrigações causem graves danos ou ameaças à diversidade biológica (Artigo 22).
Destarte, cabe frisar que embora a CDB tenha deixado questões controvertidas para serem detalhadas em negociações posteriores, por meio de protocolos próprios, todavia, o texto comporta definições, princípios e compromissos suficientes para, pelo menos, nortear uma solução negociada sobre a proteção da biodiversidade, como também sobre os conflitos oriundos dos interesses opostos entre as nações consumidoras e protudoras de biodiversidade.
Outro marco na ECO-92, conforme dito anteriormente, foi a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC), a qual começou a ser elaborada pelo Comitê Intergovernamental de Negociações (CIN), este criado a partir da aprovação da Resolução 45/212, pele Assembleia Geral da ONU, em 21.12.1990. O CIN atuou com base nas recomendações de um Comitê Intergovernamental de Especialistas, criado pelo PNUMA e pela Organização Metrológica Mundial (OMM), que avaliou os elementos aptos a serem incluídos numa convenção-quadro sobre mudanças climáticas. Em 09.05.1992, o CIN adotou o texto por consenso, o qual foi submetido para assinatura durante a ECO-92, um mês depois[122].
O documento compõe-se de um Preâmbulo, contendo 23 pontos e 26 artigos. O Preâmbulo inicia-se reconhecendo que “a mudança do clima[123] da Terra e seus efeitos negativos[124] são uma preocupação comum da humanidade”, e que “as atividades humanas estão aumentando substancialmente as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa”[125], o que está intensificando o efeito estufa natural e, conseqüentemente, provocando o aquecimento da superfície e da atmosfera da Terra, o que resulta em efeitos negativos aos ecossistemas naturais e a Humanidade.
O texto também reconhece que, até aquela época, os países desenvolvidos tinham sido os maiores emissores de Gases de Efeito Estufa (GEE), no entanto, as emissões provenientes dos países em desenvolvimento tenderiam acrescer, tendo em vista que os mesmos iriam satisfazer suas necessidades sociais e de desenvolvimento. O documento também faz menção, a Convenção de Viena sobre Proteção da Camada de Ozônio, de 1985, e o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, de 1987, conforme emendado em 29.06.1990. Assim como, faz referência a Declaração Ministerial da Segunda Conferência Mundial sobre o Clima, adotada em 07.11.1990.
A Convenção estabeleceu como seu objetivo principal estabilizar as concentrações de GEE na atmosfera em um nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático, devendo esse nível ser alcançado num prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita que o desenvolvimento econômico prossiga de maneira sustentável (Artigo 2º).
Para tanto, foram definidos compromissos e obrigações para todos os países signatários (Artigo 4º), e, levando em consideração o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, foram determinados compromissos específicos para os países desenvolvidos, os quais estão listados no Anexo I e II da Convenção.
Dentre as obrigações dos países industrializados, destacam se a adoção de políticas e medidas nacionais para reduzir as emissões GEE, buscando reverter as emissões antrópicas desses gases aos níveis de 1990, até o ano 2000. Assim como, transferir recursos tecnológicos e financeiros para países em desenvolvimento e auxiliar os mesmos, particularmente os mais vulneráveis à mudança do clima, a implementar ações de adaptação a fim de reduzir os seus impactos.
Conforme aduz Cretella Neto[126], especial atenção foi dada aos países insulares, que possuem costas baixas em relação ao nível do mar, bem como aos países que possuem zonas áridas, com climas (semi) desérticos ou sujeitos ao desaparecimento de áreas florestais, vulneráveis ao processo de desertificação e ecossistemas frágeis.
Vale salientar, que aConvenção tem em sua estrutura, além da Conferência das Partes (CoP), cujas funções constam no Artigo 7, a qual cabe entre outras atividades adotar Protocolos (Artigo 17), um secretariado (Artigo 8), e dois Órgãos Subsidiários, quais sejam de Assessoramento Científico e Tecnológico (Artigo 9) e de implementação (Artigo 10). O primeiro, como o nome sugere, é responsável por auxiliar em assuntos direcionados a questões científicas, tecnológicas e metodológicas. Por sua vez, o segundo, tem como objetivo assessorar a CoP em assuntos referentes à implementação da Convenção, tal como, o acompanhamento da assistência financeira que deve ser repassada às Partes não-Anexo I para ajudá-las no cumprimento dos compromissos assumidos na Convenção[127].
Entre os Protocolos que incumbe a CoP elaborar, um dos mais importantes é o denominado Protocolo à Convenção-Quadro sobre Mudança Climática (mais referenciado como Protocolo de Quioto), o qual mais adiante será abordado no presente trabalho com mais detalhe.
Inegavelmente, os documentos acordados na Conferência do Rio de 1992, proporcionaram o amadurecimento do Direito ambiental no cenário internacional, desde Estocolmo, em 1972. A seguir serão apresentadas algumas considerações acerca do desenvolvimento da tutela ambiental após a Cúpula do Rio. Bem como, sobre as fragilidades que ainda imperam neste ramo especial do Direito Internacional.
3. A tutela ambiental após a ECO-92: breves reflexões
3.1 Da ECO-92 a Rio + 20: avanços e retrocessos
Após a Conferência do Rio, a conscientização das sociedades civis e dos governantes resultou em alguns progressos com a ampliação de instrumentos convencionais, como por exemplo, a Convenção Internacional de Combate aDesertificação nos Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, particularmente na África, assinado em Nova York, em 17.07.1994 e o Acordo Internacional sobre Madeiras Tropicais, concluído em Genebra, em 26.01.1994.
Na área marítima destaca o Acordo Relativo à Implantação da Parte XI da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, concluído em Nova York, em 28.07.1994, a Convenção Internacional sobre a Responsabilidade e a Indenização por Danos ligados ao Transporte pelo Mar de Substâncias Nocivas e Potencialmente Perigosas, assinado em Londres, em 03.05.1996, e a Convenção Interamericana para a Proteção e Conservação das Tartarugas Marinhas, em 01.12.1996.
Apesar das iniciativas para frear o cenário devastador que assolava o planeta, a degradação ambiental continuou a ser uma constante no cenário global, com o aumento das emissões dos gases de efeito estufa, a diminuição da diversidade biológica e o aumento dos índices de desflorestamento.[128]. A aglomeração humana nas grandes cidades também continuou a ser fator agravante, uma vez que fomentava a geração de resíduos sólidos e deterioração da qualidade das águas superficiais e subterrâneas, as quais são, muitas vezes, lançadas em corpos hídricos sem o tratamento prévio adequado, gerando a contaminação das águas e provocando o fenômeno da eutrofização com conseqüência na mortandade de peixes.
Em dezembro de 2000, a Assembleia Geral da ONU, “profundamente preocupada, ao constatar que o meio ambiente e a base de recursos naturais que sustentam a vida no planeta continuam a se degradar a um ritmo alarmante”[129], decidiu convocar por meio da Resolução 55/199, a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (CMDS), também referenciada como Rio + 10, Cúpula da Terra 2002 (World SummitonSustainableDevelopment – WSSD, ou Earth Summit 2002), dedicada a avaliar as metas propostas pela Agenda 21 e direcionar ações efetivas para os pontos em que os esforços suplementares fossem necessários[130].
O evento teve lugar na cidade de Johannesburgo, na África do Sul, entre os dias 26 de agosto a 4 de setembro de 2002, e resultou numa Declaração sobre Desenvolvimento Sustentável e num Plano de implementação (Plano ofImplementation)[131]. A Declaração reconhece que o meio ambiente mundial encontra-se frágil, que a perda de biodiversidade prossegue, com os estoques pesqueiros a diminuir e a desertificação avançar sobre terras outrora férteis. Assim como, perfilha que os efeitos adversos das mudanças climáticas já são evidentes e os desastres naturais mais freqüentes e devastadores, estando os países em desenvolvimento mais vulneráveis aos seus efeitos[132].
A poluição do ar, da água e do meio marinho também ganharam notoriedade no evento, o qual reconhece que a poluição dos elementos naturais impedia milhões de pessoas de alcançar um nível de vida digna. Diante desse quadro de deterioração dos recursos naturais, os Estados assumiram metas específicas, porém sem caráter de obrigatoriedade. Algumas das metas contidas no Plano de Ação são: “reduzir significativamente, até o ano de 2010, a taxa de perda de biodiversidade; reduzir a proporção de pessoas sem acesso à rede de saneamento básico pela metade, até 2015; manter e restaurar os estoques de peixes a níveis que poderiam produzir o máximo rendimento de forma urgente e onde possível, até 2015; e usar e fabricar produtos químicos de forma a não causar efeitos adversos à saúde humana e ao meio ambiente, até 2020” [133].
É evidente que o sucesso ou o fracasso das medidas propostas irá depender do cumprimento das metas por parte dos Estados signatários. Infelizmente, quanto à meta acordada pelos governos para reduzir até a 2010 a taxa de perda de biodiversidade em níveis global, regional e nacional, não foi alcançada. De acordo com a publicação do relatório Global Biodiversity Outlook 3 (GBO 3)[134], houve um decréscimo de quase um terço das espécies de vertebrados (mamiferos, pássaros e peixes) entre os anos de 1970 e 2006, com declínios especialmente graves nas regiões tropicais e entre as espécies de água doce.
No entanto, “ações em prol da biodiversidade tiveram resultados significativos e mensuráveis em determinadas áreas e entre espécies-alvo e ecossistemas. Isso sugere que, com recursos adequados e vontade política, existem ferramentas para reduzir a perda da biodiversidade em escalas mais amplas”[135]. O relatório expõe que 170 países já possuem estratégias nacionais de biodiversidade e planos de ações específicos para a sua conservação, sendo a criação de áreas protegidas (tanto em terra quanto nas águas costeiras) uma das medidas amplamente utilizadas pelos Estados para garantir essa conservação.
Meses depois, mais precisamente, em outubro de 2010, entre os dias 18 a 29, na cidade de Nagoya, no Japão, ocorreu a 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, o qual teve como resultado final a aprovação de “um pacote de medidas para reduzir o crescente ritmo de destruição da biodiversidade. Entre elas, o Protocolo sobre o Acesso a Recursos Genéticos e a Justa e Equitativa Repartição dos Benefícios Oriundos da sua Utilização”[136], este mais conhecido como o Protocolo de Nagoya.
O Protocolo de Nagoya estabelece a repartição dos benefícios provenientes da exploração comercial dos recursos da biodiversidade. Reconhece o direito soberano dos países sobre a exploração dos recursos genéticos de sua diversidade biológica, e que o acesso de Estados terceiros a essa biodiversidade só poderá ocorrer mediante o consentimento das nações donas dos recursos, devendo os lucros gerados pela comercialização dos produtos fabricados serem repartidos por ambos. Dito de outro modo, “se da fauna e da flora alheia, por exemplo, resultarem novos produtos, como fármacos ou cosméticos, os lucros terão de ser repartidos entre quem os desenvolveu e o país de origem do recurso, conforme contrato prévio (royalties)”[137].
É importante ressaltar, que o documento não determina que a forma de repartição seja exclusivamente financeira, assim como não estabelece as porcentagens de divisão de lucros, deixando margem para que a repartição de benefícios seja realizada por compensações não financeiras, como transferência de tecnologias.
O encontro também resultou num Plano Estratégico para a Biodiversidade para o período 2010-2020, o qual estabelece metas para evitar a perda da biodiversidade. Um dos objetivos mais ambiciosos é transformar 17% das áreas terrestres e 10% das zonas marinhas, em reservas naturais. Outro ponto que apresentou um significativo avanço foi o compromisso assumido pelos os países desenvolvidos em financiar ações de preservação da diversidade ecológica[138].
Em 2012, foi à vez do Brasil sediar, novamente, mais uma conferência internacional de cunho ambiental, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como a Rio + 20, em virtude de o evento ter ocorrido vinte anos após a Conferência do Rio de 1992. Ressalta-se, que a proposta para o Brasil sediar a conferência foi aprovada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, em sua 64ª Sessão, em 2009[139].
A conferência contou com a participação de 193 países, os quais se reuniram entre os dias 13 a 22 de junho de 2012, para renovar o compromisso político com o desenvolvimento sustentável, através “da avaliação do progresso e das lacunas na implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto e do tratamento de temas novos e emergentes”[140].
No ano de 2012 outro acontecimento foi alvo de olhares da comunidade internacional, referimos ao termino de Protocolo de Kyoto, este adotado no ano de 1997 como Protocolo à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o qual entrou em vigor somente em 16 de fevereiro de 2005, com a adesão da Rússia[141]. O documento é constituído por 28 artigos e dois Anexos[142].
O Protocolo estabelece metas individuais para os Países listados no Anexo B, referentes à emissão dos gases do efeito estufa, ou seja, Dióxido de carbono (CO2) Metano (CH4) Óxido nitroso (N2O) Hidrofluorcarbonos (HFCs) Perfluorcarbonos (PFCs) Hexafluoreto de enxofre (SF6). Os países listados no referido Anexo do Protocolo correspondem ao Anexo I da Convenção Quadro de Mudanças Climáticas, estes deveriam reduzir suas emissões totais de gases de efeito estufa, chegando a uma média de 5,2% abaixo das emissões de 1990, no período entre os anos de 2008 a 2012, fase definida como o primeiro período de cumprimento do Protocolo[143].
Uma das grandes polêmicas quanto à inefetividade da redução de gases do efeito estufa no planeta é facto dos Estados Unidos, responsável por 36% total das emissões mundiais, não aderirem ao Protocolo com a justificativa que o acordo traria prejuízos a sua economia, uma vez que o cumprimento implicaria na reestruturação do sistema energético do país, este baseado no uso de combustíveis fósseis, o que seria caro demais para modificá-lo.[144]
As metas propostas pelo Protocolo para o primeiro período não foram atingidas, sendo o período de validade do mesmo prorrogado desde o dia 1º de janeiro de 2013 até o ano de 2020, conforme decisão dos 195 países reunidos na 18ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-18), que ocorreu em Doha, no Catar, entre 26 de Novembro a 08 de dezembro de 2012[145].
Porém o Japão, Nova Zelândia, Canadá e Rússia não aderiram ao novo período do Protocolo de Kyoto, estando o grupo comprometido com as metas de redução dos gases do efeito estufa reduzido a Austrália, Noruega, Suíça, Ucrânia e todos os integrantes da União Europeia, que juntos respondem por apenas cerca de 15% do total de emissões de gases estufa de todo o mundo. Poucos avanços também foram vistos quanto ao financiamento dos países desenvolvidos para com os países em desenvolvimento na luta contra as mudanças climáticas, já que os governos desenvolvidos alegaram a crise econômica como motivo para retardar o planejamento da ajuda financeira as nações em desenvolvimento[146].
No final desse ano, está prevista uma reunião na França, para discutir o futuro do Protocolo após o seu término em 2020. Um dos assuntos da pauta é o estabelecimento de metas para todas as nações, bem como os meios para incitar os maiores poluidores do planeta a assinarem o acordo: China e Estados Unidos[147].
Apesar de algumas fragilidades, a importância da preservação e conservação do meio ambiente nas décadas seguintes a ECO-92, ganhou respaldo junto o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), a qual enfatizou a importância de alguns princípios ambientais apresentados no âmbito da Declaração do Rio de 1992, como o princípio da prevenção, do desenvolvimento sustentável e da avaliação de impacto ambiental no caso Gabcíkovo-Nagymaros, em decisão proferida em 1997[148].
O princípio da avaliação de impacto ambiental, também ganhou respaldo junto a Corte Internacional de Justiça, com o caso das fábricas de celulose sobre o Rio Uruguai (Argentina vs. Uruguai)[149] julgado pelo Tribunal Internacional no ano de 2010. Por sua vez, o Tribunal Internacional do Direito do Mar, em 2011, acolheu o princípio no Parecer sobre a responsabilidade do Estado por concessão de operações desenvolvidas na Área (Caso 17).[150]
3.2 Um futuro ainda frágil
Diante das breves considerações apresentadas fica claro que as décadas posteriores a Conferência do Rio de Janeiro de 1992, apresentaram alguns avanços, com a proliferação de instrumentos normativos e o reforço da tomada de consciência por parte da sociedade civil e dos líderes estatais quanto à proteção do ambiente. Porém, alguns retrocessos ainda se mostram latentes nesse segmento especial do Direito Internacional, alguns deles relacionados com os fatores socioeconômicos. Dito de outro modo, influenciados pela economia capitalista supressoras de nações menos desenvolvidas e motor para ascensão dos países desenvolvidos.
As Conferências de cunho ambiental realizadas no seio da ONU trouxeram para o mundo o conhecimento acerca da problemática ambiental, porém, ainda não foram capazes de sanar as disparidades entre os países do Norte e Sul, as quais persistem em assombra as relações diplomáticas.
Os instrumentos acordados nas Conferências, na grande maioria, configuram como manuais de recomendações, nos quais expõem os problemas, mostram as diretrizes, mas pecam quanto à efetividade e as sanções quanto ao descumprimento dos acordos. A responsabilidade pelos danos ambientais ainda configura como algo incerto, embora os Tribunais internacionais elevem a preocupação da manutenção do equilíbrio ecológico nas decisões proferidas.
Os avanços são inquestionáveis, os retrocessos persistentes e o futuro incerto. Utopia o desenvolvimento sustentável? Talvez não. Os avanços científicos e tecnológicos mostram que é possível manter o desenvolvimento econômico e preservar o meio ambiente, no entanto, essa compreensão da articulação entre esses fatores deve ser disseminada, a cooperação entre os Estados configura-se como o meio indispensável para isso.
Com efeito, os países desenvolvidos possuem capital financeiro e tecnológico, por sua vez, os países em via de desenvolvimento concentram em seus territórios a maior parte da biodiversidade do mundo, a ajuda mutua para a conservação dos recursos naturais e o equilíbrio do planeta é uma questão de consciência por parte dos governantes quanto ao comprometimento de políticas públicas e ambientais eficazes. A sociedade civil também constitui uma peça fundamental para resolver esse quebra cabeça ambiental. A realização de ações simples pode, sim, fazer a diferença na luta contra a degradação ambiental.
Contudo, não seria incorreto afirmar, que a preocupação ambiental ainda encontra-se em segundo plano na agenda governamental. A economia ainda dita as regaras do jogo e, um equilíbrio com os aspectos sociais e ambientais, ainda parece ter um longo caminho pela frente.
Conclusão
Com base nas exposições acima delineadas, conclui-se que a descoberta do meio ambiente, como objeto de proteção contra atividades humanas prejudiciais a biosfera, é recente. Começando de forma tímida em meados do século XIX, e consolidando-se apenas a partir da segunda metade do século XX. Este novo ramo derivado do direito internacional público, busca vir em socorro do ambiente planetário ameaçado, por meio da elaboração de dispositivos jurídicos que atuem na prevenção e reparação dos elementos naturais.
Embora seja inegável o seu avanço ao longo dos anos, são evidentes as fragilidades que ainda perduram sobre essa seara do direito internacional, em especial no que diz respeito à responsabilidade internacional em relação aos danos causados ao ambiente.
À concepção tradicional de responsabilidade, alicerçada na existência de um dano, na identificação de seu causador, na existência do nexo de causalidade entre o ato e o dano, na identificação das vítimas e análise sobre se a vítima pode ou não requerer a responsabilização, confrontam-se com as exigências na matéria ambiental. Uma vez que existe um descompasso entre os conceitos tradicionais acerca da responsabilidade e as condições particulares que cercam a preservação da biosfera. Uma das dificuldades evidentes na responsabilização por danos ao meio ambiente reside na identificação do autor da ação e do espaço temporal que pode decorrer entre os factos e a manifestação da deterioração do ambiente.
Outro empecilho para a efetividade do direito ambiental na esfera global é a inércia da comunidade internacional em não adotar medidas para responsabilizar os Estados dentro de suas próprias jurisdições quanto a pratica de ilícitos ambientais, mediante a prerrogativa do princípio da soberania dos Estados.
Estabelecendo um paralelo com a visão de Paulo Castro[151], o qual faz uma alusão do desenvolvimento do direito internacional do meio ambiente com as fases de vida de um ser humano, pode-se dizer que o período correspondente ao término da década de sessenta e toda a década de setenta, equivale ao período da infância do ser humano. Com efeito, o direito ambiental é um direito incipiente, com passos tímidos, como uma criança nos seus primeiros anos de vida, que não consegue caminhar com autonomia, porém já consegue mostrar o desenvolvimento de suas destrezas.
O facto de os Estados começarem a ter percepção de regulamentar os temas relacionados aos aspectos ambientais, a fim de evitarem a poluição transfronteiriça, embora de forma incipiente e com normas de conteúdos meramente antropocêntricas, de pouco dever obrigacional, abstratas, genéricas ao ponto de serem muitas vezes utópicas, já apresentavam um avanço incontestável na percepção da necessidade de mudar o cenário entre a relação homem versus natureza. Sendo assim, impossível negar o legado normativo durante essa fase inicial.
Por sua vez, a segunda fase, referente à maior parte dos anos oitenta até a década de noventa, é marcada por uma fase de grande desenvolvimento, porém contraditório e incerto, como é observado na fase da juventude do ser humano, onde há o crescimento e amadurecimento, mas não ao ponto de se atingir a maturidade plena (a fase adulta), estando assim, na adolescência. De facto, o direito internacional do ambiente cresceu e se aperfeiçoou. Os tratados bilaterais foram sendo substituídos pelos multilaterais, tornaram-se mais específicos, restritivos, menos genéricos quando comparados aos da fase inicial.
Observou-se também a criação de inúmeros textos normativos em combate a poluição aos diversos elementos da natureza, seja a nível global ou regional. Nessa fase a comunidade internacional, adota uma visão holística dos recursos naturais, reconhecendo a existência de uma unidade fundamental, a biosfera.
Lançado um olhar sobre o atual estágio do direito internacional do ambiente, já em sua fase adulta, pode-se dizer que o mesmo equipara-sea um adulto, o qual, apesar de ter consciência de seu papel na sociedade, ainda encontra-se inerte, ocioso frente às ações que deve adotar para pôr em pratica os seus anseios de vida. Dito de outro modo, constitui um direito vigoroso e bem intencionado, com um grande futuro promissor, mas ainda tímido, que não se impõe de forma efetiva para solucionar os problemas que se propôs a resolver. Um direito com uma longa jornada pela frente, com uma responsabilidade imensa sobre si, que não pode viver de ilusões.
É desse direito que depende o equilíbrio do planeta e a sobrevivência de todas as espécies que o compõem.
Formada em Direito e Engenharia Ambiental. Mestranda em Ciências Jurídico-ambientais pela Universidade de Lisboa Faculdade de Direito. Mestranda em Tecnologia Ambiental pelo Instituto de Tecnologia de Pernambuco -ITEP. Pós graduada em Auditoria Perícia e Gestão Ambiental e Pós graduanda em Engenharia de Segurança do Trabalho.
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