A questão indígena no Brasil: um olhar a partir do entrelaçamento entre história e direito

Resumo: Na atualidade o Brasil compreende um território ao qual estão localizadas mais de trezentas etnias indígenas, com uma gama sociocultural singular. A questão da presença indígena não é recente, e por isso, fora tratada de diversificadas maneiras ao longo das administrações governamentais desempenhadas pelos não indígenas durante estes cinco séculos. O objetivo deste artigo é refletir sobre as políticas indigenistas adotadas ao longo do processo histórico brasileiro. A metodologia utilizada é descritiva com o procedimento metodológico de revisão de bibliografia. Como resultados constata-se que os indígenas foram fundamentais no processo de colonização, mas que também foram vistos como seres incivilizados aos quais deveriam ser tutelados pelo Estado. Outro desdobramento a observar é que somente com a Constituição Federal de 1988 é reconhecida a presença destes povos e permitido legalmente direitos básicos de viver sob sua ótica cultural tradicional.

Palavras-chave: Populações Indígenas; História; Legislação.

Abstract: At present in Brazil there are three hundred ethnic groups, with a unique sociocultural range. The question of indigenous presence is not recent, and has therefore been treated in a variety of ways throughout the governmental administrations of non-Indians during five centuries of history. The article’s purpose talking about the indigenous policies adopted throughout this historical process. The methodology used is descriptive with bibliographical review as methodology. Some results are that natives were present in moments decisive for the colonization, but they were also seen like uncivilized beings to whom should be guarded by the State. Another interesting development is that only with the Federal Constitution of 1988 are accept the presence of these peoples and legally allowed basic rights like to live under their traditional cultural view.

Keywords: Native People; History; Legislation.

Sumário: Introdução. 1. Séculos XVI , XVII e XVIII: os indígenas se tornaram o “outro” do Novo Mundo. 2. A questão indígena entre os séculos XVIII e XIX. 3. Séculos XX e XXI: intensidades e embates. Conclusão. Referências.

Introdução

O modo de vida dos habitantes originários do território, que chamamos de Brasil, sofreu significativas transformações com a chegada dos europeus, já que, estes indígenas eram detentores de costumes e estilo de vida bem peculiares, a começar pela terra que na sua cultura, é considerada sagrada, sendo, portanto, um bem comum de todos. O alimento coletado e dividido em igualdade dentro do grupo, perpetuando os costumes fraternais e de socialização. As linguagens, crenças, e rituais eram elementos muito singulares de cada grupo indígena. Desde a colonização até os dias atuais, perduram circunstâncias de desrespeito em relação à cultura e identidade, e em consequência disto, os direitos são constantemente ameaçados.

Dessa forma, o artigo se propõe a compreender a questão indígena no Brasil, vista pelo viés do Direito e da História, duas ciências que articuladas, permitem a compreensão da trajetória de conquistas e desafios, que os indígenas, vem trilhando, no decorrer dos tempos. Assim, o objetivo deste artigo é refletir sobre as políticas indigenistas adotadas ao longo do processo histórico brasileiro.

Trata-se de uma pesquisa teórica de cunho bibliográfico. Assim, com base no método de abordagem, caracteriza-se por uma pesquisa de natureza qualitativa. No que concerne ao objetivo, a pesquisa é de cunho descritivo. Ademais, no que tange aos procedimentos técnicos, a pesquisa é classificada como: bibliográfica e documental.

1 Séculos XVI , XVII e XVIII: os indígenas se tornaram o “outro” do Novo Mundo

Nos séculos XVI e XVI com a chegada das populações de origem não indígena à América acarreta o contato destes com as populações ameríndias aqui estabelecidas, dando início a um choque étnico cultural entre o mundo ocidental e o ameríndio. Naquele momento, o continente europeu ainda se via preso nos processo de transição das amarras culturais e sociais do modo de produção feudal ao mesmo tempo em que redescobria a ciência e a filosofia da antiguidade através do Renascimento, dando origem ao pensamento moderno cartesiano seguido do surgimento e constituição dos Estados Nacionais. Por outro lado, na América, com exceção das sociedades estatais do México e Peru, viviam populações pensadas a partir do conceito de coletividade, unindo o humano, o não humano e o sobrenatural.

Ao chegarem às costas litorâneas do que passou a denominar-se de Brasil, os navegadores pensaram que haviam atingido o paraíso terreal: um espaço, possivelmente no oriente, de eterna primavera, onde se vivia comumente por mais de cem anos em perpetua inocência. Segundo Cunha (1992) assim também a História do Brasil, é a canônica que começa invariavelmente pelo “descobrimento”. São os “descobridores” que a inauguram e conferem ao povo que chamavam de gentio uma entrada – de serviço – no grande curso da História.

Considerando este início no chamando “período de contato”, configurou-se a imagem idealizada de um indígena inocente como parte da paisagem deste paraíso terreal. Pois, somos tentados a pensar que as sociedades indígenas de agora são a imagem do que foi o Brasil pré-cabralino, e que, como dizia Varnhagen por razões diferentes, sua história se reduz estritamente à sua etnografia (CUNHA, 1992).

Segundo o pensamento europeu, era inconcebível a ideia de populações vivendo sem as diferenças sociais e hierárquicas encontradas no velho mundo. Rousseau na obra “A Origem da Desigualdade Entre os Homens” (2012), afirma que todo indivíduo nasce bom, porém é corrompido posteriormente pela sociedade, de modo que a origem das desigualdades está na sociedade. Ora, desigualdades sociais remetem a classes sociais e hierárquicas. Neste sentido é possível problematizar o que há por traz da afirmação de Rousseau quando relacionada às populações indígenas e qual é o conceito de sociedade empregado por ele.

Sobre o que são sociedades, do ponto de vista antropológico, pode-se apontar:

“Em sentido particular, (uma) sociedade é uma designação aplicável a grupo ou coletivo humano dotado de uma combinação mais ou menos densa de algumas das seguintes propriedades: territorialidade; recrutamento principalmente por reprodução sexual de seus membros; organização institucional relativamente autossuficiente e capaz de persistir para além do período de vida de um indivíduo; distintivamente cultural (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 2).”

Conforme Clastres (1979; 2014), as sociedades indígenas, ao menos das terras baixas da América do Sul, são sociedades do múltiplo, ou seja, o poder não está ligado a uma pessoa ou instituição definida, não havendo divisão entre seus membros, em contrapartida às sociedades unas, onde o poder está separado da sociedade. Por sua vez, Viveiros de Castro (2002), concebe essa dicotomia das sociedades através dos conceitos de societas e universetas. O conceito de societas vê determinadas sociedades como a fusão de elementos individuais que aderem a ele espontaneamente, configurando-se desta maneira em uma sociedade politizada e apresenta em sua forma final a presença do Estado. Na visão universeta por sua vez, a sociedade é constituída por um todo orgânico que existe além da soma dos indivíduos, orientada por um valor transcendente. As societas podem ser exemplificadas pela existência do contrato, enquanto as universetas pelo organismo.

Obviamente, o pensamento europeu à época dos séculos XVII, XVIII e XIX, exemplificado por Rousseau anteriormente, não reconhecia outro tipo de sociedade que não a sua, uma sociedade una, uma universeta. Não via, desse modo, as populações indígenas enquadradas como sociedades, ou seja, portadoras de estruturas sociais, pois sociedade, segundo essa linha de pensamento, remete à desigualdade a qual, por sua vez, reporta-se às classes sociais, instituição ausente entre as populações indígenas. Logo, as populações indígenas são outra coisa ao invés de sociedades, grupos ermos, vagando sem rumo, sem fé, sem rei e sem lei conforme apontam os cronistas, e que deveriam, portanto, serem civilizados.

Este choque étnico e cultural na América devido ao contato com o europeu, por meio das grandes navegações é de fundamental relevância para entendermos a constituição dos Estados Nacionais que também surgiu no continente americano, nascidos a partir da expropriação fundiária indígena e, sobretudo da violência sobre as estruturas socioculturais destas populações, justificado pelo discurso civilizador. No Brasil, as primeiras populações indígenas a sofrer este processo de contato com o não indígena são os grupos de origem Tupi- Guarani que viviam ao longo do litoral nas atuais regiões brasileiras do Nordeste, Sudeste e do Sul, sendo a história deste contato amplamente abordada na literatura.

O contato entre populações Jê meridionais com os não indígenas inicia-se no século XVI, de forma amena e rara, gerado a partir das frentes de expansão imprimidas pelo Coroa portuguesa, sendo estas, tentativas de catequização por parte do clero, além das bandeiras paulistas, que eram expedições militares originarias da Capitania de São Paulo com o objetivo de explorar o território e adquirir cativos indígenas para serem utilizados como mão de obra escrava (LAROQUE, 2002). Os Jê meridionais foram neste momento denominados pelo termo genérico Guayana ou Tapuia, diferenciando-os das populações de origem Tupi-Guarani. Esta denominação, por exemplo, também já é encontrada nos escritos de Hans Staden datados do século XVI.

Segundo Hobsbawm (2014), quase cinco milhões de europeus deixaram seu continente de origem entre os anos de 1816 e 1850, sendo que o destino de 80% destes tinha como destino às Américas. A maior parte dessas pessoas haviam sido relegada à vulnerabilidade social pela dupla revolução que vinha se processando na Europa desde meados do século XVIII e viam na ida para um novo continente a chance de obterem melhores condições de vida.

2 A questão indígena entre os séculos XVIII e XIX

No fim do século XVIII a expedição no noroeste brasileiro de Alexandre Rodrigues Ferreira, naturalista português, ao Brasil inicia uma tradição científica que florescerá no século XIX com naturalistas e viajantes de outros Estados Nacionais (alemães, russos, franceses, suiços, americanos). Alexandre produziu uma ampla documentação iconográfica, que contrasta singularmente com a exaltação de um índio genericamente Tupi (ou Guarani) orquestrada pelo indianismo tupiniquim. Há, portanto, dois índios totalmente diferentes no século XIX: o bom selvagem Tupi-Guarani (convenientemente, um índio morto) que é símbolo da nacionalidade, e um índio vivo que é objeto de uma ciência incipiente, a antropologia.

De todo modo, as frentes de expansão, segundo Martins (1997), estão profundamente ligadas à expansão do capital que se caracteriza pelo modo agressivo com que expropria áreas de populações que estão à margem da lógica capitalista. A expansão em um primeiro momento busca transformar os expropriados em mão de obra barata a ser explorada pelas empresas, ou agentes do capital a frente da expansão com o intuito de tornarem-se competitivas no mercado.

Por outro lado, a questão indígena nunca teve lugar definido na organização governamental do Império Brasileiro. Segundo Almeida (2015), somente no ano de 1861 os assuntos indígenas passam a ser administrado por um gabinete ministerial, sendo este o Ministério da Agricultura e Obras Públicas, situação que não melhorou com a proclamação da República em fins do século XIX.

Com a instalação do regime republicano no Brasil em 1889, há por parte das elites aristocráticas todo um projeto governamental de modernização da sociedade brasileira centrado na oligarquia agroexportadora. Tal ideia de Estado era incompatível com o atraso social e econômico ao qual, segundo as populações indígenas estavam atreladas. Desse modo, as ações empreendidas pelo Estado nacional brasileiro desde meados do século XIX, como já apresentadas, são intensificadas com a República (BRINGMANN, 2015).

O novo governo republicano já em seus primeiros dias lança um decreto em 20 de novembro de 1889 que visava repassar a responsabilidade pelas questões indígenas da União para os estados, ou seja, as antigas províncias. O governo republicano também criou o Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio que tinha como um de seus objetivos, auxiliar as questões indígenas. Já em 1910, sob o governo do presidente Nilo Peçanha, é criado o Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN) que passou a cuidar das questões indígenas no Brasil (MARCON; MACIEL, 1994).

Percebe-se que a proposta do SPILTN, além da inserção indígena na lógica capitalista transformando-os em mão de obra barata a ser explorada, era também inseri-los na sociedade nacional envolvente, negando sua alteridade étnica. Conforme Clastres (2014), o Estado é naturalmente um empregador de forças centrípetas, ou seja, forças que tendem a igualar e a homogeneizar as sociedades tradicionais, transformando estas, sociedades do múltiplo, em sociedades do uno. Desse modo, o Estado promove o que o autor chama de etnocídio, pois nega o outro, o diferente, impõe sua língua e seus costumes, de modo que, toda organização estatal proposta é etnocída e o capitalismo, por sua vez, maximiza o espírito etnocída dos Estados ocidentais.

Segundo Rodrigues (2005), o SPILTN objetivava transformar as populações indígenas em agricultores sedentários e que após a pacificação não necessitariam de vastos territórios para sobreviver, abrindo espaço para a agricultura colonial nas áreas de terra excedentes. Em 1918 o nome SPILTN é alterado para apenas Serviço de Proteção ao Índio (SPI), inicialmente vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (ALMEIDA, 2015).

Liderado por Candido Rondon, o SPI buscava “pacificar” as populações indígenas sem o uso da violência, assegurando seus costumes, sua alimentação e seu modo de vida. O SPI, segundo Marcon e Maciel (1994), também buscava garantir a proteção dos territórios originais e a proibição de realocar grupos indígenas a áreas onde eles não pudessem reproduzir seus meios de vida.

3 Séculos XX e XXI: intensidades e embates

Os antigos aldeamentos indígenas do século XIX passam a se chamar de Postos Indígenas e ao mesmo tempo em que apresentam um processo de perdas territoriais a partir das décadas de 1930 e 1940 (BRINGMANN, 2015; LAROQUE, 2002). Na década de 1950, conforme Simonian (2009), percebe-se a intensificação por parte do SPI das políticas indigenistas de caráter desenvolvimentista e modernizante, sem levar em consideração as demandas indígenas.

Com a ascensão de Getúlio Vargas, o SPI passou a integrar o Ministério do Trabalho Indústria e Comércio e o Ministério da Guerra durante os anos do Estado Novo, refletindo nas questões indígenas as políticas nacionalistas do presidente. Segundo Almeida (2015), as populações indígenas passaram a serem vistas, mais do que nunca, como populações transitórias entre silvícolas (indígenas) e trabalhadores rurais, prevendo dessa maneira o seu desaparecimento.

No entanto, a partir da década de 1940, o órgão tem parte de suas verbas canceladas, o que culmina em uma profunda crise em meio a denúncias de corrupção e sobre o tratamento violento que o órgão dirigia à alguma população indígena. Enquanto isso no Rio Grande do Sul, o governo de Leonel Brizola no início da década de 1960, passou a praticar uma reforma agrária que consistia em diminuir os espaços nas terras indígenas para repassá-las à trabalhadores sem-terra. Essa prática era possível graças a conivência do SPI e porque as terras indígenas eram consideradas pelo governo estadual como terras do estado (SIMONIAN, 2009).

A partir da perspectiva jurídica, a primeira Constituição Federal Brasileira que disciplinou sobre a questão indígena foi a promulgada em 1934, a qual assegura aos indígenas (silvícolas) a posse sobre suas terras, a proibição de alienação, portanto cabendo a União a competência de gestão destas terras. Nesse alinhamento, as Constituições seguintes, de 1937 e de 1946 não trouxeram nenhuma inovação no que tange à questão indígena. A Constituição Federal de 1967 assegurava aos indígenas a posse permanente das terras que habitam e reconhecia o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes (BRASIL, 1967).

Como resultado das ingerências do SPI, o órgão é fechado em 1967 pelo governo militar de Costa e Silva, sendo substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) que unia os antigos SPI, o Conselho Nacional de Pesquisa Indígena (CNPI) e o Parque Nacional do Xingu (LAROQUE, 2005; ALMEIDA, 2015).

Com a constituição militar de 1969, as terras indígenas passavam ao controle da União, cabendo às populações que as utilizavam tradicionalmente apenas o direito de usufruí-las. Coube a FUNAI, conforme Rodrigues (2005), o papel de trabalhar políticas desenvolvimentistas com as populações indígenas, colocando muitas vezes os interesses indígenas em segundo lugar, cenário este perpetuado ao longo de todo o regime militar. Desse modo, temos:

“Na década de 1970, houve um redimensionamento na filosofia administrativa da FUNAI com o general Oscar Germano Bandeira de Mello, o qual passa a presidir o órgão. A partir de então, evidenciou-se ainda mais a orientação política no sentido de incorporar os índios ao modelo “desenvolvimentista” e à sociedade nacional (LAROQUE, 2005, p. 52 – 53).”

Segundo Bringmann (2015), os Postos Indígenas eram “centros” de educação e instrução agrícola para os indígenas ali confinados, com o objetivo de promover a promoção econômica dos indígenas.

O projeto desenvolvimentista empregado pelo regime militar resultou na elaboração e construção de inúmeras obras de infraestrutura pelo país, como rodovias, hidrelétricas, ferrovias, todas de caráter faraônicas, grandiosas. Além disso, buscou-se junto às populações indígenas do sul do Brasil, implementar projetos com o objetivo de ingressa-los como mão de obra no plantio de trigo e soja, cultura que vinha crescendo a largos passos a partir da década de 1970 no Brasil (MARCON, 1994).

Em 1973, entra em vigor a Lei 6001, a qual dispõe sobre o Estatuto do Índio, e representa um avanço do ponto de vista jurídico, pois trata-se da primeira legislação especifica sobre estes povos. Entretanto, esta lei tem como propósito integrar o indígena à comunhão nacional, assim, a nova lei, que neste aspecto, já nasceu velha, desconsidera as diferenças culturais dos indígenas, desmerecendo suas tradições e seu modo de viver.

Em vista disto, a respeito da identidade indígenas, temos:

“A manutenção dessa identidade social coletiva por parte dos índios passa pela manipulação de suas especificidades culturais e dos estereótipos da sociedade envolvente, mas não implica a anulação de suas marcas técnicas. Ao contrário, apesar de índios, esses diferentes grupos continuam a ver a si mesmos e a se pensar como formações sócias homogêneas e distintas entre si: um yanomami, ou um guarani, antes de pensar em si mesmo como índio, se vê como yanomami, ou guarani (GRUPIONE, 2001, p. 28).”

Nesse sentido, a questão da identidade é analisada no Estatuto do Índio, o que representa um avanço, pois pela primeira vez se se refere que ao indígena, como: todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional (BRASIL, 1973).

As diretrizes política envolvendo as populações indígenas ao longo do regime militar foi paradoxal. Segundo o “Relatório Parcial 01 – Subsídios à Comissão Nacional da Verdade 1946-1988” (2012), houve ao longo dos 21 anos que durou o regime de exceção no Brasil, as práticas por parte do Estado para com as populações indígenas de uma política desenvolvimentista sobre seus tradicionais territórios e a intensificação do “Paradoxo da Tutela”, ou seja, a situação paradoxal entre o discurso empregado de proteção às culturas e terras indígenas e a práticas assumidas. O relatório aponta também a criação de cadeias clandestinas com a conivência das autoridades, o ensino de técnicas militares e de tortura aos indígenas que estavam envolvidos em conflitos contra grupos “não bem vistos” pelo regime e o mais aterrador, o uso de armamentos de guerra contra as populações indígenas em possíveis bombardeios contra algumas comunidades.

Com a transição para a democracia no Brasil em 1985, algumas mudanças foram sinalizadas para a promulgação de uma nova Constituição. Assim, em 1988, entra em vigor a “Constituição Cidadã”, nela, devido surgimento do movimento indígena que se uniu e empreendeu várias reivindiações, a questão indígena passou a ser tratada de forma mais concisa, garantindo direitos referentes à saúde, educação e de direito à terra por parte dos povos indígenas. No artigo 231, tem-se

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (BRASIL, 1988, Art. 231)”.

Segundo Rodrigues (2005), a partir da constituição de 1988, as populações indígenas passam a ter garantidos direitos referentes à continuidade de seus costumes, práticas culturais e as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, segundo a referida constituição, as populações indígenas deixam der ser considerados sociedades em desaparecimento, ou seja, estão presentes e constituem parte da nação brasileira. Isso obviamente trata-se de um marco para as políticas indigenistas adotadas pelo Estado nacional brasileiro, abrindo a possibilidade para essas populações de se manifestarem e lutarem para pôr em prática suas demandas enquanto sociedades distintas, além de protagonizarem seu retorno aos seus tradicionais territórios.

Dessa forma, essa metamorfose jurídica, amparada por todo um processo histórico, implantou um modelo de diálogo intercultural, no qual os indígenas, que até então eram considerados como possuidores de uma cultura inferior, a partir deste cenário tem (ou deveriam ter) suas especificidades culturais reconhecidas e respeitada, bem como, valorizados seus conhecimentos tradicionais. Assim, a proteção estatal, antes vislumbrada na perspectiva de tutela, sob a ótica da incapacidade civil, agora se revigora, a partir da premissa de evitar prejuízos (de ordem econômica, moral e social) que estes povos possam vir a sofrer. Por fim, a autonomia e autodeterminação previstas nesta Magna Carta garantem o progresso e desenvolvimento destes povos, bem como, a possibilidade de serem protagonistas de sua própria história.

Conclusão

No Brasil, a situação dos povos indígenas, desde colonização até meados do século XX foi incerta, já que estes povos não foram reconhecidos como sujeitos de direitos, possuidores de uma cultura diferente. Como ficou perceptível, pelo decorrer deste estudo, grande parte de etnias indígenas foram dizimadas, outra parte foi escravizada, servindo como mão-de-obra barata para a exploração das riquezas ambientais do país.

Como foram considerados, uma cultura inferior, foram cristianizados e proibidos de praticar suas tradições originarias. Assim, a cultura ocidental foi imposta, e o reconhecimento e respeito à cultura indígena foi colocado em segundo plano. Nesse percurso de tempo, muitos conhecimentos tradicionais foram perdidos, bem como, pela dizimação de vários povos, línguas e costumes, juntamente, se perderam.

 Pelo exposto, percebe-se que o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas no Brasil, transcorreu por um período de indiferença total (desde a conquista no século XVI até o início do século XVIII), onde sequer haviam ressalvas jurídicas sobre a existência de indígenas, já que, após a conquista, os indígenas se tornaram o outro em seu mundo. Esta trajetória com algumas alterações perpassa o século XIX e no decorrer do século XX, as discriminações apresentavam-se encobertas pelos signos da proteção. É nesse interim, que surgem as figuras intermediarias (SPILTN, SPI), com o objetivo de proteger e representar esses grupos. Nesse alinhamento, após intensidades e embates, que a questão do indígena ganha espaço no ordenamento jurídico, primeiramente, com o Estatuto do Índio, em 1973, que apesar de merecer atualização, trouxe à baila a questão do reconhecimento a partir da identidade. Ademais, somente após a Constituição Federal de 1988, intitulada como Constituição Cidadã, é que o indígena passa a ser reconhecido como sujeito de direitos plenos.

 Por fim, compreende-se que o entrelaçamento destas ciências: direito e história, são fundamentais para o esclarecimento da questão indígena no Brasil. Pelo que foi explicitado, ainda que em apertada síntese, descreveu-se as principais politicas indigenistas colocadas em prática no decorrer destes cinco séculos. Discorrer sobre a questão indígena, é um tema que sempre está em evidencia no cerne dos debates atuais, tanto pela intolerância para com estes povos quanto pelo protagonismo destes, na luta pela efetividade de seus direitos. Por derradeiro, dispõe-se que, é preciso conhecer a história, para reconhecer e respeitar os direitos das populações indígenas.

 

Referências
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Informações Sobre os Autores

Fabiane da Silva Prestes

Doutoranda em Ambiente e Desenvolvimento pelo Centro Universitário Univates. Bolsista PROSUP/CAPES. Bacharel e Especialista em Direito pela URI – Campus de Santiago/RS, Mestre em Direito pela Unijuí

Jonathan Busolli

Mestrando em Ambiente e Desenvolvimento pelo Centro Universitário Univates. Bolsista PROSUP/CAPES. Licenciado em História pelo Centro Universitário Univates

Marina Invernizzi

Mestranda em Ambiente e Desenvolvimento pelo Centro Universitário Univates. Bolsista PROSUP/CAPES. Licenciada em História pelo Centro Universitário Univates

Luís Fernando da Silva Laroque

Doutorado em História pela Unisinos. Professor e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento e dos Cursos de História e Direito no Centro Universitário Univates


Equipe Âmbito Jurídico

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