Resumo: Contributo à instrumentalização do postulado constitucional do acesso à justiça, a recomendação e o termo de ajustamento de conduta surgem como subsídios inarredáveis de dinamização de envoltórios legais para a finalidade precípua de harmonizar as estruturas jurígenas à índole contemporânea de autocomposição das tutelas coletivas em prol dos interesses sociais sob a ótica de uma ordem jurídica justa. Fincados numa matriz principiológica de resolução alternativa de conflitos e com assento infraconstitucional de crescente edificação legiferante, os mecanismos dialógicos rompem com as tradicionais práticas de solução de litígios jurisdicionais, que se mostram cada vez mais refratárias, possibilitando a construção de um lastro proativo das partes na busca consensual e deliberativa da controvérsia, além de uma novel cultura de enfrentamento da lide. A análise da problemática propulsionada pelo estudo teórico doutrinário, sob o tendão do método dedutivo, permite engendrar uma sistematização hodierna de aplicabilidade dos institutos da recomendação e do compromisso de ajustamento de conduta para consecução dos ditames preconizados pela solução extrajudicial dos conflitos fáticos, externando a necessidade de atuação para mitigar as obstaculizadas trilhas estatais. Tal orientação alternativa à jurisdição clássica promove a oxigenação do sistema legal e faz brotar uma ligação umbilical à categoria da tutela dos interesses sociais.
Palavras-chave: Recomendação. Termo de Ajustamento de Conduta. Autocomposição. Processo Coletivo.
Abstract: Contribution to the exploitation of the constitutional principle of access to justice, the recommendation and the conduct adjustment term appear as urgent subsidy promotion of legal wraps for the main purpose of harmonizing legal structures to contemporary nature of autocomposição of collective guardianship in the interests social from the perspective of a just legal system. Nailed a principled array of alternative dispute resolution and infra seat of increasing building legislating, the dialogic mechanisms break with the traditional jurisdictional dispute resolution practices, which show more and more refractory, allowing the construction of a proactive ballast of the parties in consensual search and deliberative controversy, and a young coping culture of the dispute. The analysis of the problem propelled by doctrinal theoretical study, under the tendon of the deductive method, allows engendering today's systematization of applicability of the institutes of the recommendation and conduct adjustment commitment to achieving the dictates recommended by the extrajudicial resolution of factual disputes, expressing the need acting to mitigate hampered state trails. Such an alternative orientation to the classic jurisdiction promotes oxygenation of the legal system and brings forth an umbilical connection to the category of effective protection of social interests.
Keywords: Recommendation. Term of conduct of adjustment. Autocomposição. Process collective.
Sumário: Introdução. 1. O processo coletivo e seu entrelaçamento com os mecanismos alternativos de resolução de litígios. 2. A recomendação. 3. O termo de ajustamento de conduta. Conclusão.
Introdução
Com o escopo de estender os raios de incidência social da democratização e ampliação do acesso à justiça[1], a difusão e a (des)monopolização do poder estatal de resolução de litígios, bem como o acastelamento da cidadania, visa-se, hodiernamente, o fortalecimento e a efetiva concretização de mecanismos que possuam em seu âmago instrumentos capazes de proporcionar a solução de controvérsias sem que haja necessidade de recorrer a via jurisdicional – ou mesmo já estando sob sua égide, como dispõe o artigo 125, inciso IV do Código de Processo Civil – 1973[2].
Nesse lume, alternativamente às tradicionais e burocratizadas trilhas estatais, materializadas pelo Poder Judiciário, edificado com o objetivo de promover a pacificação social – em que se retirou do sujeito integrante da sociedade a capacidade redigida pelo apotegma de “fazer justiça com as próprias mãos”, erige-se uma nova cultura de decifração das demandas litigiosas, onde a autotutela, outrora defenestrada pelos contratualistas, está sendo reconstruída com uma nova roupagem, em que se vislumbra com esse mister apresentar a outra face do provérbio, desmistificando, com isso, seu vultoso ranço de negatividade.
A justiça privada, em lato sensu, está sendo revitalizada através dos institutos da negociação, da mediação e da conciliação (mecanismos de autocomposição), assim como a arbitragem (heterocomposição), todos consistindo em instrumentos alternativos à via jurisdicional. Consequências da operacionalização dessas ferramentas é o desafogamento da máquina judiciária e a celeridade na realização das pretensões interpessoais contrapostas na lide.
Dessa forma, a proatividade das partes no exercício do poder se torna tangível e o aperto de mãos ao final do processo autocompositivo demonstra a evolução consciencial dos indivíduos que compõe a civilização moderna, demonstrando que, por meio dos mecanismos corretos, é possível sim a realização da justiça com as próprias mãos, sendo mais construtiva sua materialização e até mesmo mais pacificadora que a intervenção solucionadora do Estado-juiz, haja vista que as pretensões são alcançadas através da exteriorização do sentir de ambas as partes, que se tornam protagonistas e alcançam por si mesmas ou com o auxílio de um terceiro a resolutividade dos conflitos que obstaculizavam as suas expectativas, algo que não possui espaço no processamento tradicional dos conflitos fáticos.
Nesse contexto, a pesquisa busca examinar através do método dedutivo a aplicabilidade dos meios alternativos de solução de controvérsias no processo coletivo, que se encontram regulamentados esparsamente em vários estatutos jurígenos pátrios, cuja interação edifica um microssistema processualístico de matriz coletiva, direcionando-se a tratar as suas questões molecularmente, sem o atomismo do processo individual liberalista, sendo o Código de Processo Civil empregado residualmente. Para tanto, utilizar-se-á a consulta à doutrina e à jurisprudência correlata, tendo em vista aclarar entendimentos sobre o grau de eficácia de sua atuação em face da resolução de conflitos de interesse no âmbito da sociedade brasileira.
Nesse limiar, emergem à superfície analítica os institutos da recomendação e do compromisso de ajustamento de conduta, que perfazem meios capazes de afastar a jurisdição estatal na tentativa de empoderar o dialogismo, proporcionando alternativas eficazes ao dispendioso, desnaturado, moroso e pouco democrático Processo Contencioso, que resta como última via a ser procurada, posto que conduzido pela hegemonia do Poder Judiciário.
1 O processo coletivo e seu entrelaçamento com os mecanismos alternativos de resolução de litígios
A cultura nacional, calcada sob uma tradição paternalista, sempre depositou confiabilidade demasiada nas instituições estatais erigidas no seio de uma sociedade posta verticalmente, sem haver espaço para edificação de um diálogo mais aberto com os estratos sociais. Esse aspecto foi sendo absorvido no processo de construção da consciência popular coletiva, chegando à contemporaneidade, ainda, incutido nos meandros sociais, mas fragilizando em decorrência da degeneração institucional, cada vez mais crescente.
Nesse contexto, Cintra, Grinover e Dinamarco (2012, p. 35) afirmam que “vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios desde que eficientes”. E é almejando a eficiência, tão embaraçada nas instituições públicas, que se começa a pensar em alternativas à alçada jurisdicional, recorrendo à ação volitiva das partes para a escolha de um dos meios que supra a burocrática via judicial, ou mesmo por força legal – através do direcionamento normativo instituído à magistratura brasileira, conforme dispõe o supramencionado artigo 125, inciso IV, do CPC/1973, ao possibilitar ao juiz a tentativa de conciliar as partes em qualquer fase processual.
Assim sendo, a heterocomposição, alicerçada na interferência de um terceiro com poderes decisórios para solucionar a lide que lhe é apresentada, caracteriza-se por meio do instituto da Arbitragem, que possui os mesmos aspectos gerais do tradicional Poder Judiciário, mas tomada como solução extrajudicial dotada de força executiva (LIMA, 2000).
Não constituindo objeto de análise específico no presente estudo, a Arbitragem, regulada através da Lei nº 9.307/1996, é instituto reconhecido pelo sistema jurídico brasileiro e que deve ser amplamente difundido. Ao se confrontar com a apreciação da (in)constitucionalidade do respectivo regime legal, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento de recurso em processo de homologação de sentença estrangeira – SE 5.206, decidiu que a Lei não fere os princípios do acesso à justiça e a garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional[3].
Adentrando à autocomposição, percebe-se que avulta a possibilidade de se alcançar a negociação, onde as próprias partes, sem a presença de um terceiro, alcançam a solução da contenda. É uma espécie de autotutela (em sentido amplo) positiva, incentivada pelo ordenamento jurídico pátrio. Mais comum, tem-se a mediação e a conciliação, que “[…] são formas de solução de conflito pelas quais um terceiro intervém em um processo negocial, com a função de auxiliar as partes a chegar a autocomposição. Ao terceiro não cabe resolver o problema, como acontece na arbitragem: o mediador/conciliador exerce um papel de catalisador da solução negocial do conflito” (DIDIER JR., 2013, p. 219).
É necessário, pois, mais para fins didáticos que práticos, a breve distinção entre a mediação[4] e a conciliação[5]. Nesta, de acordo com Cahali (2012, p. 38), “o conciliador intervém com o propósito de mostrar às partes as vantagens de uma composição, esclarecendo sobre os riscos da demanda ser judicializada”, oferecendo propostas equilibradas que sugiram possíveis soluções a demanda. Já naquela, a principal função do mediador “é conduzir as partes ao seu apoderamento, ou seja, a conscientização dos seus atos, ações, condutas e soluções induzindo-as, também, ao reconhecimento da posição do outro para que seja ela respeitada em suas posições e proposições” (CAHALI, 2012, p. 40, grifo do autor).
“Enquanto o conciliador […] participa ativamente do processo, fazendo sugestões às partes para auxiliar na solução do litígio, o mediador apenas auxiliará às partes a melhor compreenderem as causas do litígio, deixando que as próprias partes busquem a solução. O mediador não tem a missão de decidir (nem a ele foi dada autorização para tanto). Ele apenas auxilia as partes na obtenção da solução consensual” (PINHO, 2012, p. 283).
Assim como dispõe a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, o fato da mediação e a conciliação constituírem mecanismos eficazes de pacificação social, solução e prevenção de controvérsias, e que sua aplicabilidade tem gerado a redução substancial da judicialização dos conflitos de interesse, de recursos e de execução de sentenças, é cada vez mais estimulada à busca pela resolução das lides interpessoais fora das salas institucionalizadas do Poder Judiciário.
Nesse fluxo modernista, o direito processual coletivo não se afasta desta nova visão resolutiva dos conflitos. Tardiamente intensificada no cenário nacional, a regulamentação processualística de matriz coletiva teve sua materialização solidificada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que dá mais visibilidade a garantia de direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos.
Nessa conjuntura, exsurge-se o já referido paradigma geral do microssistema processual coletivo – já que inexiste um Código Brasileiro de Processo Coletivo[6], sobretudo através da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985) e do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), não obstante o Estatuto das Pessoas Portadoras de Deficiência (Lei nº 7.853/1989); o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990); o Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001); o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.742/2003); e o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), entre outros diplomas normativos.
Possuindo como principais fundamentos o acesso à justiça, a efetivação dos direitos coletivos e a economia processual, as ações coletivistas propiciam que se submeta a apreciação jurisdicional demandas de massa que possivelmente não seriam analisadas caso peticionadas no plano individual por serem lesões insignificantes, do ponto de vista não globalizado. Nessa perspectiva, soluciona o Poder Judiciário de modo genérico litígios unificados de origem comum. Leite (2009, p. 230) esclarece que “não é possível extrair da Carta Magna um regime diferenciado, o que significa dizer que não há limitação entre os direitos, sejam eles individuais ou coletivos, vez que todos têm como fim, o bem comum”.
Os interesses transindividuais estão em escalada nos ordenamentos jurídico-políticos do mundo hodierno pelo fenômeno cada vez mais recente da complexidade das relações intersubjetivas, o que vem proporcionando uma atenção mais acentuada da doutrina e do Poder Legislativo, que buscam identificá-los e protegê-los jurisdicionalmente, por meio do processo coletivo, visando amenizar os múltiplos anseios de uma sociedade hipercomplexa e multifacetada (MAZZILLI, 2008).
Nesse sentido, não há como e por que negar que atores sociais coletivos participem de procedimentos alternativos para resolverem suas demandas, uma vez que a ideia de composição dos conflitos extrajudicialmente não perpassaria pelas perversas consequências da judicialização dos litígios oriundos das relações sociais, justamente com o intento de evitar que a via estatal não se transforme em subterfúgio de um ideal democrático desencantado, fazendo emergir uma cidadania passiva, uma verdadeira sociedade de litigantes.
3 A recomendação
Com o objetivo precípuo de agilizar a resolutividade de conflitos fáticos interpessoais, as demandas outrora propostas à máquina judiciária brasileira, começam a trilhar um novo caminho, em face de notória ineficiência em solucionar as lides oferecidas a apreciação pelo Poder Judiciário. Hodiernamente, esse tende a ser acionado apenas como ultima ratio, e a salutar tentativa de composição na via administrativa, orientada pela desjurisdicionalização das atividades do Ministério Público, vem incentivando a atuação dinâmica do órgão ministerial enquanto pacificador de litígios.
A pretensão do Ministério Público, seja na esfera estadual seja em contorno federal, no que tange a decifração extrajudicial dos conflitos intersubjetivos acaba por promover a instituição como um canal essencial para o acesso a uma ordem jurídica justa, consumando princípios democráticos e elevando a cidadania a um patamar proativo na construção das relações sociais. Nesse norte, embasa Almeida (2003, p. 510):
“É de fundamental importância a atuação do Ministério Público para a proteção dos direitos ou interesses coletivos no plano extrajurisdicional. A transferência para o Poder Judiciário, por intermédio das ações coletivas previstas da solução dos conflitos coletivos não tem sido eficaz, pois, em muitos casos, o Poder Judiciário não tem atuado na forma e rigor esperados pela sociedade; muitas vezes extingue os processos coletivos sem o necessário e imprescindível enfrentamento do mérito. Não se nega aqui a importância do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito; ao contrário, o que se constata e deve ser ressaltado é o seu despreparo para a apreciação das questões sociais fundamentais. Um Judiciário preparado e consciente de seu papel é a instância mais legítima e democrática para dar efetividade aos direitos e interesses primaciais da sociedade”.
Nessa conjuntura, tem-se por mecanismo medular para a atuação ministerial na seara extrajudicial o instituto da recomendação, definido como “[…] instrumento pelo qual o Ministério Público expõe, através de ato formal e não diretamente coercitivo, suas razões fáticas e jurídicas sobre determinada questão concreta para o fim de advertir e exortar o destinatário a que pratique ou deixe de praticar determinados atos […]” (MIRANDA, 2012, p. 428). Sua origem reporta-se ao direito escandinavo, na figura fiscalizatória do ombudsman[7] (defensor do povo), claramente vinculada ao Ministério Público quando analisada sob a égide do ordenamento jurígeno nacional.
A recomendação, “[…] além de ser um instrumento de recomposição da legalidade pela via argumentativa e consensual, constitui-se também, quando envolvido no polo passivo o Poder Público, em mais um elemento essencial no sistema de freios e contrapesos, limitando o poder e reforçando o arranjo institucional da divisão funcional do Estado” (BRASIL, 2004, p. 104).
Alicerçado jurídico-legalmente na Constituição Federal de 1988, de forma não expressa, o instituto da recomendação possui caracteres traçados pelo artigo 129, inciso II, que reza:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: […] II- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.
Nesses termos, é de conveniente e necessária implicação doutrinária o encadeamento da Teoria Constitucional dos Poderes Implícitos[8], para reconhecer e justificar a existência do referido mecanismo, pois, como pondera Miranda (2012, p. 425) “[…] de que adiantaria a Constituição da República dotar o Ministério Público de seu atual perfil de defensor do Estado Democrático de Direito, se não lhe proporcionasse os meios – mormente os mais céleres – para atingi-los?”. Nessa toada, observa-se a indispensabilidade para o Ministério Público da existência desse instrumento para a prática dos objetivos funcionais e sociais que lhe outorgou a Carta Constitucional vigente.
Ao partir, portanto, de uma interpretação sistêmica e ao se valer da tese dos poderes implícitos, acatada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, entendendo estes que o Ministério Público possui a garantia de se valer de outros mecanismos necessários para efetivar sua função institucional, além dos que foram expressamente previstos no texto magno, pode-se aduzir que são legitimamente afetos a atuação ministerial os atos imprescindíveis a evitar ou subsidiar a propositura de ações, seja ela penal ou civil pública.
Infraconstitucionamente, depreende-se da dicção disposta na a Lei Complementar nº 75/1993, a respectiva incumbência do Ministério Público da União, estendida aos Ministérios Públicos Estaduais por força do dispositivo 80 da Lei nº 8.625/1993.
“Art. 6º Compete ao Ministério Público da União: […] XX- expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis” (grifo nosso).
Justificado no plano normativo constitucional e infraconstitucional, a recomendação possui natureza jurídico-administrativa, como diz-nos Brasil (2004, p. 111), afirmando que “[…] promover a execução das leis por seu intermédio não é atividade legislativa nem jurisdicional […], só podendo ser um ato administrativo, que deve se submeter à exigência de reunião de elementos necessários para sua caracterização, bem como dos pressupostos habituais de perfeição, vigência, validade e eficácia”.
Mesmo sabendo que o instituto pode servir de meio protelatório a deflagração de possível ação judicial, a recomendação ministerial, apesar de não consistir numa determinação, não se torna inócua por causa das implicações dos efeitos jurídicos com fins de responsabilização cível, criminal e por improbidade administrativa do agente recalcitrante quando da sua não observância.
Como observa Rodrigues (2012, p. 254), “em relação à medida judicial a recomendação representa todas as vantagens inerentes a uma solução extrajudicial de conflito: pouco custo, rapidez e eficácia”. Por seu turno, Miranda salienta que o instituto “é elemento de suma importância para subsidiar as estatísticas e índices de sucesso da recomendação como instrumento de solução de conflitos” (2012, p. 447).
Nessa perspectiva, imperioso avocar os pontos fortes e frágeis que singularizam o instituto da recomendação e do termo de ajustamento de conduta, que será detalhado no tópico seguinte, de modo a destacar:
“Difere a recomendação do termo de ajustamento de conduta porque neste há eficácia de título executivo extrajudicial o que dá maior garantias [sic] para o cumprimento do ajustado, ao passo que na representação nada protege o cumprimento da recomendação. Todavia, em sendo a recomendação unilateral é mais fácil ser expedida do que um ajuste de conduta, que pressupõe a vontade do responsável. De qualquer maneira, a recomendação pode ser utilizada antes de se propor a ação, ou antes de se promover o ajuste, ou até mesmo para obter o cumprimento do ajustado” (RODRIGUES, 2012, p. 254).
Destarte, a tutela dos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos pelo Ministério Público, ao atuar em acordo com os propósitos incumbidos pela Constituição Federal, acaba por operacionalizar o instituto da recomendação, prevista no sistema legal nacional como engrenagem viabilizadora da atuação extrajudicial deste órgão, coadunando-se, “[…] com o perfil de atuação do chamado Ministério Público Resolutivo, marcado pela tentativa de se esgotar todas as possibilidade políticas e administrativas de resolução das questões que lhe são postas, buscando sempre soluções negociadas e consensuais” (MIRANDA, 2012, p. 448), consubstanciando-se, portanto, como vultoso mecanismo de instrumentalização dos meios alternativos de solução de controvérsias.
4 O termo de ajustamento de conduta
A potencialização do reconhecimento e a busca incessante pela efetivação dos direitos transindividuais começaram a fermentar no cenário político-jurídico brasileiro com o advento de uma nova Carta Política, e com a consequente reestruturação democrática das instituições, ao mesmo tempo em que surge uma consciente modernização do pensamento acerca da defesa dos direitos metaindividuais na sociedade, notoriamente os direitos que concernem ao meio ambiente[9] e as relações de consumo.
Nessa ambiência social, edifica-se a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, preconizando a proteção extrajudicial dessas garantias através do instituto do compromisso de ajustamento de conduta, conceituado como instrumento jurídico-administrativo que busca resguardar a tutela dos direitos transindividuais (RODRIGUES, 2012), não se destinando a defesa de terceiro, mas a de destinatários determináveis, no caso de interesses coletivos ou indetermináveis, na circunstância dos direitos difusos (CARNEIRO, 2001).
Foi primeiramente estabelecido pela Lei nº 7.347/85 em seu quinto dispositivo, parágrafo sexto, em consonância com a alteração promovida pela redação do artigo 113 da Lei nº 8.078/90, ipsis litteris: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”[10]. É de suma importância salientar que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, também inovou o ordenamento jurídico nacional ao prevê expressamente a presença do Termo em seu artigo 211. Nesse diapasão:
“O compromisso de ajustamento de conduta é um título executivo extrajudicial, por meio do qual um órgão público legitimado toma do causador do dano o compromisso de adequar sua conduta às exigências da lei. […]. É, pois, o compromisso de ajustamento de conduta um ato administrativo negocial por meio do qual só o causador do dano se compromete; o órgão público que o toma, a nada se compromete, exceto, implicitamente, a não propor ação de conhecimento para pedir aquilo que já está reconhecido no título” (MAZZILLI, 2008, p. 404).
Meio que possibilita uma alternativa à jurisdição estatal, os legitimados para a propositura do Termo de Ajustamento de Conduta são todos aqueles órgãos públicos certificados à tutela dos direitos metaindividuais[11], quais sejam: pessoas jurídicas de direito público interno, as autarquias e as fundações públicas, o Ministério Público, a Defensoria Pública, além das sociedades de economia mista e as empresas públicas, como vêm se admitindo atualmente. Por sua vez, podem constituir o polo passivo do referido compromisso as pessoas físicas, as pessoas jurídicas de direito privado e de direito público, a administração do Poder Judiciário e a própria administração do Ministério Público.
Com a finalidade de promover uma solução extrajudicial mais célere, efetiva, acessível e que permaneça com a máquina judicial inamovível, o TAC possibilita também uma garantia mínima em favor da coletividade, não caracterizando favorecimento ou concessão de direito material ao transgressor do dano ocasionado, pelo seu caráter de consensualidade. Entretanto, ele também pode ser utilizado pelo compromissário como um instrumento de procrastinação no cumprimento das obrigações assumidas e firmadas no acordo ajustado entre as partes, obstaculizando seu maior escopo. Trata-se de uma desvantagem intrínseca ao instituto.
Não obstante, o fato de se antecipar determinada solução à sentença de mérito, demonstra o aspecto extremamente vantajoso na materialização do referido mecanismo, tendo em vista a morosidade do transcurso processual, como demonstra a pesquisa coordenada pelo professor Paulo Cézar Pinheiro Carneiro[12], que apontou que apenas 19,6% das ações civis públicas foram sentenciadas em um ano, enquanto que no mesmo período de análise, dos casos cabíveis de ACP, 86% delas foram solucionados através da celebração de compromissos de conduta, comprovando ser este um meio expedito de se obter um título executivo e, principalmente, de se alcançar a resolutividade de celeumas jurídicas.
Mesmo com o intuito de não provocar o Poder Judiciário, “o compromisso não pode limitar o acesso à justiça de indivíduos, ou seja, não pode ensejar redução de direitos individuais nem prever cláusula que limite a postulação judicial de reparação de danos individuais” (RODRIGUES, 2012, p. 239). Nesse sentido, observa-se que como o instituto:
“[…] tem natureza de garantia mínima em prol da coletividade de lesados, nem sempre a anulação do compromisso será necessária, e em certos casos nem mesmo será conveniente, porque, posto considerado insatisfatório pelos lesados ou por outros co-legitimados ativos, mesmo assim já terá assegurado um mínimo em favor do grupo, classe ou categoria de pessoas transindividualmente consideradas. Por isso, prescindindo da necessidade de anulá-lo, qualquer co-legitimado à ação civil pública ou coletiva poderá discordar do compromisso de ajustamento de conduta e propor diretamente ação judicial cabível. Caso contrário, interesses transindividuais poderiam ficar sem possibilidade de defesa em juízo” (MAZZILLI, 2008, p. 416).
E continua na mesma diretriz Rodrigues (2012, p. 244) ao exteriorizar: “É sutil a diferença deste entendimento posto que, por óbvio os demais co-legitimados poderão se valer da ação civil pública para rediscutir a solução dada no TAC; caso contrário teríamos a violação do princípio da inafastabilidade da jurisdição, vigente em nosso sistema, e seria o compromisso de ajustamento de conduta um título executivo formado no âmbito administrativo infenso ao controle judicial”.
Nesse ínterim, importa salientar que os Termos de Ajustamento de Conduta “[…] podem ser impugnados judicialmente, através da ação civil pública, da ação popular e do mandado de segurança individual e coletivo. No caso das ações coletivas o que se estará protegendo são os direitos transindividuais considerados inadequadamente tutelados […]” (RODRIGUES, 2012, p. 245) pelo referido mecanismo.
O Compromisso de Ajustamento de Conduta, segundo Mazzilli (2008, p. 415) “é eficaz a partir do instante em que é tomado pelo órgão público legitimado” e sendo ele regularmente edificado tem poder executivo, permitindo, assim, a propositura da ação de execução, dispensando a ação prévia de conhecimento.
Rodrigues (2012, p. 248) apregoa ainda que os demais co-legitimados também poderão ajuizar execução judicial em face do não cumprimento das cláusulas compromissárias sem qualquer embargo, aduzindo que “o procedimento da execução do compromisso de ajustamento de conduta observará as normas gerais do processo de execução” (2012, p. 249).
Já no que tange ao fenômeno da prescritibilidade dos termos que compõe o objeto do TAC, é possível inferir que: “Em não havendo um preceito legal expresso na regra de direito material sobre a prescrição da exigibilidade do direito versado no compromisso de ajustamento de conduta, a regra é que não prescreve o direito de executar o TAC, sobretudo diante do interesse público na preservação destes direitos […]” (RODRIGUES, 2012, p. 252).
O instituto detalhado no presente trabalho possui – indubitavelmente, uma característica de preservação dos direitos metaindividuais por meio de uma tutela mais informal e com ênfase na negociação, se afigurando como mais adequada a esses interesses a defesa deles em sede extrajudicial, como demonstrado estatisticamente numa passagem ulterior.
Importa sobrelevar que quase todos os direitos transindividuais podem constituir objeto de TAC, executando-se os casos em que ficar constatado ato de improbidade administrativa por parte do gestor público, em virtude de expressa vedação da conciliação, explicitada na Lei nº 8.492/1992, em seu artigo 17, § 1º[13].
Dessa maneira, a instrumentalização deste mecanismo alternativo de solução de litígios, desencadeará a materialização da finalidade proposta por Calmon (2007, p. 136), na apresentação do Projeto de Lei nº 4.827/1998[14], exibido pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, que tramita no Congresso Nacional há mais de 15 anos e que pretende instaurar a mediação paraprocessual, qual seja: “O ponto central da proposta é a instituição da mediação como novo paradigma de justiça, em que todas as pessoas e empresas, antes de propor qualquer medida judicial, busquem resolver o conflito pela mediação”.
Denota-se, dessa maneira, que a potencialização de uma pedra angular na instituição de mecanismos não jurisdicionais capazes de oferecer soluções extrajudiciais antes de ser instauradas lides à máquina estatal exterioriza novas feições para a instrumentalidade alternativa às práticas tradicionais de resolutividade de litígios, ansiando o alcance mais célere e efetivo das garantias constitucionais de tutela dos interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos.
Conclusão
Tomando como parâmetro a transversalidade dos mecanismos alternativos de solução de controvérsias acima destacados, observou-se a capacidade autocompositiva dos mesmos na atuação processual coletiva dos interesses metaindividuais juridicamente protegidos, consistindo num relevante canal para alavancar o processo de mitigação dos instrumentos tradicionais que abastecem o Poder Judiciário, auxiliando – portanto, na desobstrução da assoberbada máquina jurisdicional do Estado, garantindo, de forma plena, o acesso à justiça e à ordem jurídica justa.
Com efeito, a recomendação e o termo de ajustamento de conduta, alhures proporcionam o acastelamento dos meios alternativos de resolução de litígios, passando a edificar um inovador sustentáculo instrumental responsável pela consecução, na maior parte das vezes, da célere e bem sucedida aplicabilidade da Justiça, sem a necessidade do acionamento do complexo, dispendioso e protelatório aparato jurígeno estatal, refletindo na práxis a concretização das diretrizes legiferantes através da operacionalização de ferramentas que possuem arrimo constitucional e que fornecem alicerce suficientemente sólido para o alcance dos objetivos compreendidos pela tutela de interesses sociais.
Percebeu-se que, ao incrustar no ordenamento legal brasileiro as técnicas dos institutos da recomendação e do TAC, indubitavelmente detentores de artifícios que propugnam e corporificam a resolução das lides pela via extrajudicial, ceifaram-se a tensão e o exacerbado formalismo processual tão típicos do contencioso judicial, avultando uma nova e promissora cultura de enfretamento da lide, onde o cidadão se faz parte proativa da decisão.
Destarte, a difusão dos princípios autocompositivos do processo coletivo emerge como alternativa viável à própria emancipação social, na medida em que permite a defesa dos interesses transindividuais, ponderando a sua urgência no que tange a reparação integral de danos causados quando transgredidos.
Em suma, constatou-se a indispensabilidade da implementação de políticas públicas voltadas ao incentivo e a prática corriqueira dos mecanismos de solução de conflitos no plano extrajurisdicional, com vistas à promoção de resoluções dialógicas das demandas intersubjetivas arquitetadas no curso natural das relações sociais, sendo firmadas pela simbologia – outrora referidas, do aperto de mãos, após uma cultura milenar de punhos oclusos.
Acadêmico do Curso de Direito na UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Membro do Grupo de Pesquisa Processo de Interesse Público e Democracia
Mestre em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação da UFRN. Especialista em Direito Processual Civil pela UFCG. Professora de Direito Civil e da Área Propedêutica na UERN
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