Resumo: O artigo analisa a Lei nº. 11.719/2008 que modificou vários dispositivos do Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos. Por estas novas disposições, acrescentou-se uma nova forma de citação (citação por hora certa), além da modificação substancial dos procedimentos ordinário e sumário, privilegiando uma resposta preliminar e permitindo o julgamento antecipado do processo.
Resumen: El artículo analiza la Ley nº. 11.719/2008 que cambió varios dispositivos del Código de Procedimiento Penal, a respecto de la suspensión del proceso, emendatio libelli, mutatio libelli y procedimientos. Se añadió una nueva forma de citación (“por hora certa”), además de un cambio sustancial en los procedimientos ordinarios y sumario, con énfasis en la respuesta preliminar y para permitir un juzgamiento anticipado del proceso.
Résumé: L’article analyse la loi n °. 11.719/2008 qui a changé plusieurs dispositifs du Code de procédure pénale, concernant la suspension du processus, emendatio libelli, mutatio libelli et les procédures. Pour ces nouvelles dispositions, on a ajouté la possibilité d’une nouvelle procèdure de citation (“por hora certa”), en plus du changement substantiel des procédures ordinaires et sommaires, privilègiant une réponse préliminaire et permettant le jugement anticipé du processus.
Palavras-chave: Vítima – Ministério Público – Defensor – Citação – Suspensão do processo – Emendatio libelli – Mutatio libelli – Procedimentos – Presunção de inocência
Palabras-clave: Víctima – Fiscalía – Defensor – Citación – Suspensión del proceso – Emendatio libelli – Mutatio libelli – Procedimientos – Presunción de inocencia
Mots-clés: Victime – Parquet – Défenseur – Citation – Suspension du processus – Emendatio libelli – Mutatio libelli – Procédures – Présomption d´innocence
Sumário: 1. Introdução – 2. A reparação do dano – 3. O Ministério Público – 4. O Defensor – 5. A citação e a suspensão do processo – 6. A emendatio libelli e a mutatio libelli – 7. A sentença condenatória e a presunção de inocência – 8. O procedimento ordinário – 9. O procedimento sumário.
I – INTRODUÇÃO
A Lei nº. 11.719/2008, que entrará em vigor no dia 24 de agosto de 2008[1], alterou alguns dispositivos do Código de Processo Penal relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos.[2]
II – A REPARAÇÃO DO DANO
A grande novidade trazida para nós é a possibilidade de na própria sentença condenatória penal o juiz fixar “valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido” (art. 387, IV). Assim, além de aplicar a sanção penal, o Juiz criminal deverá também estabelecer a sanção civil correspondente ao dano causado pelo delito, algo semelhante ao que ocorre em alguns países, como no México onde, na lição de Bustamante, se “establece que la reparación del daño forma parte integrante de la pena y que debe reclamarse de oficio por el órgano encargado de promover la acción (o sea, que es parte integrante de la acción penal), aun cuando no la demande el ofendido.”[3]
Também “na Itália, a vítima pode ingressar no processo penal como parte privata, formando um litisconsórcio com o MP, com o fim de obter a reparação de dano. Em Portugal, o próprio MP pode requerer a reparação, nos autos do processo penal.”[4]. Conferir também, na Espanha, o art. 108 da Ley de Enjuiciamiento Criminal, in verbis:
“La acción civil ha de entablarse juntamente con la penal por el Ministerio Fiscal, haya o no en el proceso acusador particular; pero si el ofendido renunciare expresamente a su derecho de restitución, reparación o indemnización, el Ministerio Fiscal se limitará a pedir el castigo de los culpables.”
Jorge de Figueiredo Dias afirma que “a natureza da reparação arbitrada em processo penal não deverá suscitar – e não tem efectivamente suscitado –fundadas dúvidas: trata-se ali de uma verdadeira e própria indemnização de perdas e danos, com natureza exclusivamente civil.”[5]
Disposição semelhante já tem em nosso ordenamento jurídico-penal, mais especificamente no art. 630 do atual Código de Processo Penal, quando se estabelece que na revisão criminal o “Tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos”, caso em que o acórdão constituir-se-á título judicial executório a ser liquidado na ação civil respectiva, para se definir o quantum debeatur. Na Lei nº. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), o art. 20 já estabelece que a “sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente.”
Trata-se, evidentemente, de um julgamento extra petita autorizado (e mesmo imposto) pela lei, pois a decisão refere-se a algo que não foi pedido pelo autor na peça vestibular. Não cremos ser necessário ao acusador requerer nada neste sentido ao Juiz (ele o fará de ofício). Os elementos da peça acusatória continuam a ser aqueles do art. 41 do Código de Processo Penal.
É possível que o responsável civil não seja o réu na ação penal (por exemplo, um homicídio culposo no trânsito, praticado pelo empregado de uma empresa); neste caso, entendemos que o civilmente responsável pela futura indenização deve ser chamado ao processo, preservando-se o contraditório. Na Espanha, o art. 652 da Ley de Enjuiciamiento Criminal estabelece que, além dos acusados, deverão ser comunicados acerca do processo as “terceras personas civilmente responsables.”
Aqui, observa-se, mais uma vez, após a edição da Lei nº. 9.099/95, a preocupação em se resguardar os interesses da vítima no processo penal. Nota-se, com Ada, Scarance, Luiz Flávio e Gomes Filho que esta lei insere-se “no generoso e atualíssimo filão que advoga a revisão dos esquemas processuais de modo a dar resposta concreta à maior preocupação com o ofendido.”[6]
García-Pablos, por exemplo, informa que “o abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos (…). O Direito Penal contemporâneo – advertem diversos autores – acha-se unilateralmente voltado para a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, ao âmbito da previsão social e do Direito Civil material e processual”.[7]
A própria legislação processual penal relega a vítima a um plano desimportante, inclusive pela “falta de mención de disposiciones expressas en los respectivos ordenamientos que provean medidas para salvaguardar aquellos valores ultrajados”.[8]
Esta atenção com a vítima no processo penal é tema atual e tem sido motivo de inúmeros trabalhos doutrinários, como observou o jurista argentino Alberto Bovino:
“Después de varios siglos de exclusión y olvido, la víctima reaparece, en la actualidad, en el escenario de la justicia penal, como una preocupación central de la política criminal. Prueba de este interés resultan la gran variedad de trabajos publicados recientemente, tanto en Argentina como en el extranjero;” (…) mesmo porque “se señala que com frecuencia el interés real de la víctima no consiste en la imposición de una pena sino, en cambio, en ‘una reparación por las lesiones o los daños causados por el delito’”[9] Neste sentido, veja-se obra bastante elucidativa de Antonio Scarance Fernandes.[10]
Dois juristas italianos, Michele Correra e Danilo Riponti, também anotaram:
“Il recupero della dimensione umana della vittima, molto spesso reificata, vessata, dimenticata da giuristi e criminologi in quanto oscurata da quella cosí clamorosa ed eclatante del criminale, soddisfa l’intento di rendere giustizia a chi viene a trovarsi in una situazione umana tragica ed ingiusta, a chi ha subito e subisce e danni del crimine e l’indifferenza della società.”[11]
Agora, por força do novo dispositivo, acrescentou-se um parágrafo único ao art. 63, nos seguintes termos: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.”
III – O MINISTÉRIO PÚBLICO
O art. 257 teve a sua redação alterada, não representando, porém, nenhuma novidade. Com efeito, diz que ao Ministério Publico cabe:
1) “Promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código”, em consonância com o já estabelecido pelo art. 129, I da Constituição Federal, ressalvando a possibilidade da ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, prevista no art. 29 do Código de Processo Penal e na própria Carta Magna (art. 5º., LIX).
2) “Fiscalizar a execução da lei”, tarefa já deferida atualmente e que dá ao Ministério Público, no processo penal, uma feição toda especial, pois ao lado de ser parte, também age como custos legis, devendo, neste mister, zelar pelo fiel cumprimento da lei e garantir que o devido processo legal seja obedecido nos seus estritos termos, ainda que para isso tenha que pugnar em favor do réu (pedindo a sua absolvição, recorrendo em seu favor, etc.).
IV – O DEFENSOR
Foi alterado o art. 265, cujo caput passou a ter a seguinte redação: “O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de dez a cem salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.”
Além de atualizar o valor da multa, o artigo faz referência às demais sanções cabíveis em relação ao advogado, entre as quais a prevista na Lei nº. 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), art. 34, XI, c/c arts. 35, I e 36, I.
O antigo parágrafo único deste artigo foi substituído pelos §§ 1º. e 2º., com a seguinte redação:
“§ 1o. – A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer.
“§ 2o. – Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato.”
Atente-se para o disposto no art. 5º., LXXVIII da Constituição, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Evidentemente que o direito a um processo sem dilações indevidas alcança não somente o acusado, mas também é um interesse da sociedade.
Privilegiando o chamado foro de eleição, entendemos que antes da nomeação do defensor ad hoc deve o Juiz de Direito indagar ao réu se tem algum advogado para indicar e que possa assisti-lo naquele ato processual; caso o acusado não o faça ou o advogado indicado não possa comparecer imediatamente, então se procede à nomeação ou chama-se o Defensor Público com atuação na respectiva Vara Criminal. Neste sentido:
“TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS – APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0016.01.015716-8/001 – RELATOR: DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO – A Constituição de 1988 consagrou os princípios da ampla defesa e do contraditório, considerando-os como dogmas, ou seja, se desrespeitados tais princípios, viciada encontra-se a prestação jurisdicional. A nomeação de defensor dativo ao réu, sem que este tenha sido intimado para opinar a respeito, não sabendo da renúncia do advogado contratado, é vício que demonstra o desrespeito ao princípio da ampla defesa ao longo do procedimento.”
A propósito, o Supremo Tribunal Federal deferiu pedido de liminar em Habeas Corpus (HC 92091) de um acusado de cometer crime contra o sistema financeiro nacional. A defesa pedia, na liminar, o reconhecimento das nulidades do processo e a suspensão da execução da pena imputada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região até o julgamento final do HC. Isto porque, conforme os advogados, o Ministério Público não deu oportunidade ao réu para nomear defensor de sua confiança. “Os fundamentos em que se apóia esta impetração revestem-se de relevo jurídico, pois concernem ao exercício – alegadamente desrespeitado – de uma das garantias essenciais que a Constituição da República assegura a qualquer réu, notadamente em sede processual penal”, destacou o Ministro Celso de Mello, relator da matéria. O Ministro assinalou que a jurisprudência do Supremo, no tema, entende que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, “não importando, para efeito de concretização dessa garantia fundamental, a natureza do procedimento estatal instaurado contra aquele que sofre a ação persecutória do Estado”. Celso de Mello analisou que o Estado não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado constitucional da plenitude de defesa. “O reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público – de que resultem conseqüências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais – exige a fiel observância da garantia básica do devido processo legal,” conclui. Ele lembrou, também, que o STF já reconheceu ser direito daquele que sofre persecução penal escolher o seu próprio defensor. “Cumpre ao magistrado processante, em não sendo possível ao defensor constituído assumir ou prosseguir no patrocínio da causa penal, ordenar a intimação do réu para que este, querendo, escolha outro advogado. Antes de realizada essa intimação – ou enquanto não exaurido o prazo nela assinalado – não é lícito ao juiz nomear defensor dativo sem expressa aquiescência do réu” (RTJ 142/477, Relator Ministro Celso de Mello). Fonte: STF (Grifo nosso).
V – A CITAÇÃO E A SUSPENSÃO DO PROCESSO
Com a nova redação do art. 362, “verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei no. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.”[12] Neste caso, segundo parágrafo único acrescentado, “se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo” (ou os autos serão encaminhados à Defensoria Pública), prosseguindo-se nos demais termos do procedimento, não devendo ser aplicado o art. 366[13], pois não se trata de réu revel citado por edital. Aplica-se o atual art. 367.[14]
Temos agora a citação com hora certa, substituindo a citação editalícia nos casos em que o réu se oculta para não ser citado.
O novo art. 363 estabelece que “o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado”; na verdade, como ensina Frederico Marques, “com a citação válida, estabelece-se a angularidade da relação processual, surgindo assim a instância.”[15]
Foram revogados os dois incisos originais e acrescentados dois novos parágrafos:
“§ 1o. – Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por edital.” O prazo para o edital não mudou, pois não se alterou o art. 361.
“§ 4o. – Comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o processo observará o disposto nos arts. 394 e seguintes deste Código.” Neste caso, ter-se-á por citado o réu pessoalmente, prosseguindo-se nos demais termos do respectivo procedimento (ordinário, sumário ou especial), revogando-se a decisão proferida nos termos do art. 366.
Foram vetados os §§ 2º. e 3º. do art. 363.
O caput do art. 366 continua com a mesma redação, tendo sido revogados, porém, os seus dois parágrafos. Nota-se que a lei perdeu a oportunidade de acabar com a polêmica quanto à duração da suspensão do prazo prescricional. O legislador deveria, como constava do projeto de lei originário, optar pelos prazos já estabelecidos pelo art. 109 do Código Penal. Esta lacuna deve ser suprida com uma interpretação conforme à Constituição, ou seja, para não se permitir a imprescritibilidade (por via transversa) devem ser observados os prazos estabelecidos no art. 109 do Código Penal, levando-se em conta a pena máxima abstratamente cominada para o crime; findo o respectivo prazo, deve a prescrição voltar a correr normalmente, nada obstante a continuação da suspensão do processo.
Deixou a lei também de esclarecer o que se deve considerar como prova urgente, para efeito de produção antecipada. Além das perícias que, evidentemente se adéquam ao conceito, entendemos que devemos fazer uma interpretação analógica (art. 3º., CPP), aplicando-se o art. 92, in fine (“inquirição de testemunhas e de outras provas de natureza urgente”). Por este dispositivo, parece-nos que a prova testemunhal é sempre urgente.
Para Aury Lopes Jr. e Cristina Carla Di Gesu, “o delito, sem dúvida, gera uma emoção para aquele que o testemunha ou que dele é vítima. Contudo, pelo que se pode observar, a tendência da mente humana é guardar apenas a emoção do acontecimento, deixando no esquecimento justamente o que seria mais importante a ser relatado no processo, ou seja, a memória cognitiva, provida de detalhes técnicos e despida de contaminação (emoção, subjetivismo ou juízo de valor).”[16]
A propósito, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal negou Habeas Corpus (HC 93157) para M.M.O., acusado pela prática de homicídio qualificado. Ele questionava o fato de o juiz ter interrogado antecipadamente as testemunhas do caso. Para os Ministros, porém, o Código de Processo Penal permite ao juiz antecipar a produção de provas. De acordo com o relator, Ministro Ricardo Lewandowski, logo que citou o acusado (foragido) por edital e decretou sua prisão preventiva, o juiz decidiu antecipar a produção de provas, sem justificar. O magistrado só fundamentou sua decisão mais tarde, quando solicitado a dar informações de sua atitude às instâncias superiores que julgaram pedidos de habeas corpus ajuizados pela defesa. Na ocasião, o juiz explicou que os fatos criminosos investigados teriam ocorrido há mais de seis anos, e que se corria o risco de as testemunhas esquecerem os detalhes. Para o Ministro Ricardo Lewandowski, mesmo que o Código de Processo Penal permita a produção antecipada de provas, não se pode permitir o automatismo. Assim, por falta de fundamentação específica do juiz a justificar o procedimento, Lewandowski votou pela concessão da ordem para anular os interrogatórios. O ministro fez questão de frisar que seu voto tinha um viés pedagógico, no sentido de alertar os magistrados para que não tornem esse tipo de conduta automatizada. Os demais Ministros da Primeira Turma, contudo, divergiram do entendimento do relator. Para eles, o juiz agiu bem. O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito revelou que, de acordo com os autos, o que o juiz fez foi aceitar um pedido de antecipação de provas. O juiz tem o poder de determinar essa produção antecipada de provas, “está ao seu alvedrio”, disse o Ministro, iniciando a divergência e votando pelo indeferimento do pedido. O Código de Processo Penal, em seus artigos 225 e 366 dão respaldo ao juiz, emendou o presidente da Turma, Ministro Marco Aurélio. Para Cármen Lúcia Antunes Rocha, em certos casos o magistrado deve agir nesse sentido, para assegurar que se cumpra o dever do estado. O Ministro Carlos Ayres Britto completou a corrente que definiu o resultado do julgamento, pela rejeição do pedido. Em outra ocasião, por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal anulou, desde a fase de defesa prévia, processo movido pelo Ministério Público do Distrito Federal contra L.G.T.C, por falsificação de documento público. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 90630. Ao opinar sobre o caso, a PGR observou ainda que, segundo jurisprudência das Turmas do STF, interpretando os artigos 366 e 225 do Código de Processo Penal, “não é viável, durante o estado de revelia, antecipar a inquirição das testemunhas, o que depende da efetiva demonstração da necessidade da medida, que não pode ser deferida tão-somente pela possibilidade de a testemunha esquecer detalhes importantes dos fatos, em virtude do decurso do tempo, ou deixar seu domicílio, não mais sendo localizada”. Nesse sentido, a PGR citou como precedentes os RHCs nº 85.311-SP, relatado pelo ministro Eros Grau, e 83.709, relatado pelo Ministro Cezar Peluso. No mesmo sentido, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus (HC 96325) em favor de L.A.R., acusado por agressão física. De acordo com a relatora do processo, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, não existem nos autos elementos que justifiquem a adoção desta medida, prevista no artigo 366 do CPP, mas considerada excepcional. Os demais ministros presentes à sessão concordaram com a relatora. O ministro Marco Aurélio citou exemplos que poderiam justificar a antecipação, como a doença ou até mesmo a iminente mudança de domicílio para o exterior de alguma testemunha. Fonte: STF.
Vejamos esta outra decisão do Supremo Tribunal Federal:
“Se o acusado, citado por edital, não comparece nem constitui advogado, pode o juiz, suspenso o processo, determinar colheita antecipada de prova testemunhal, apenas quando esta seja urgente nos termos do art. 225 do Código de Processo Penal” (STF-2ªT – HC 85.824 – rel. Cezar Peluso – j. 05.08.2008 – DJU 22.08.2008).
Também a propósito, vejamos este julgado:
“A prova testemunhal, por sua própria natureza e dispensado específicos argumentos, justifica a antecipação, porque, notoriamente, o mero decurso do tempo prejudica sua eficácia, com a memória sendo prejudicada pelo avançar dos dias, em detrimento da apuração da verdade real. Antever-se prejudicialidade ao direito de defesa do réu com a antecipação da prova oral é mero exercício de adivinhação. Primeiro, sequer se sabe se a prova será prejudicial ou não à defesa. Pode ser colhido depoimento que interesse à própria defesa. E, ainda que o depoimento seja, em tese, prejudicial à defesa, não se sabe se ele, por si, terá o condão de determinar eventual condenação do réu” (TJDF – 1ª T. – Recl. 2008.00.2.010868-0 – rel. Mário Machado – j. 08.01.2009 – DJU 03.02.2009).
De toda maneira, “a medida prevista no art. 366, caput, in fine, do CPP é daquelas que se encontra no âmbito dos poderes gerais de cautela do magistrado, ficando a seu critério a análise acerca da necessidade da antecipação da prova no caso concreto. Vale dizer, a realização da providência acautelatória dependerá da constatação de que a colheita da prova é urgente e imperiosa por haver risco de não ser possível sua realização no futuro’. A produção antecipada de provas não é medida a ser utilizada para qualquer prova, mas somente para aquela cuja colheita é premente. Não demonstração da premência da antecipação. Crime de falso testemunho cuja ocorrência já está documentalmente provada. Recurso não provido” (TJSP – 2ª C. – SER 1.183.723.3/9 – rel. Francisco Orlando – j. 19.05.2008).
Obviamente tais provas deverão ser produzidas com a prévia notificação do Ministério Público ou do querelante e do defensor nomeado pelo Juiz, sem prejuízo de uma reinquirição em momento posterior, quando a marcha processual for retomada com o acusado presente e o seu defensor constituído. A observância do contraditório é de rigor, sob pena da prova ser considerada ilícita. O que não se deve é arriscar-se a ouvir as testemunhas arroladas na peça acusatória após dez anos, quando o réu voltou e foi citado pessoalmente. Evidentemente que não se pode exigir deste depoente a firmeza (possível) que se espera de uma testemunha.
No que se refere à possibilidade da prisão preventiva, ressalte-se que não se trata de prisão obrigatória, mas nos estritos termos dos arts. 312 e 313. Repita-se: a prisão preventiva não pode ser conseqüência imediata da citação editalícia quando não haja o comparecimento do acusado ou do seu defensor constituído, como hoje, infelizmente, vem se tornando praxe. O fato de acusado não atender citação por edital não significa que ele pretende frustrar a aplicação da lei penal. Baseado nesse entendimento, os Ministros da Segunda Turma do STF concederam o pedido de Habeas Corpus nº. 95674. O relator, Ministro Eros Grau, disse que a regra antes do trânsito em julgado da sentença é a liberdade, e a prisão é a exceção, somente podendo ser decretada em situações excepcionais demonstradas concretamente, sob pena de violação do princípio da presunção de inocência. O ministro explicou que a prisão preventiva do réu estava fundamentada, tão somente, na presunção de fuga. “A jurisprudência do STF está alinhada no sentido de que, para a decretação de prisão preventiva não basta a mera citação por edital, exigindo-se os autorizadores do artigo 312 do Código de Processo Penal devidamente evidenciados”, destacou.
VI – A EMENDATIO E A MUTATIO LIBELLI
Vejamos, então, como está disposta agora a questão da emendatio libelli:
“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.”
Nesta hipótese, como se sabe, a peça acusatória narrou perfeitamente o fato criminoso, tendo o Juiz “liberdade de atribuir ao delito conceituação jurídica diversa da que lhe foi dada pelo acusador, mesmo para impor pena mais grave, contanto que não substitua o fato por outro”, como já explicava Basileu Garcia.[17]
Foram acrescentados dois parágrafos, nos seguintes termos:
“§ 1o. – Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
“§ 2o. – Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.”
Assim, caso a nova qualificação jurídica atribuída ao fato narrado corresponda a um tipo penal cuja pena mínima não exceda a um ano[18], deverá o Magistrado encaminhar os autos ao membro do Ministério Público para que se pronuncie acerca da possibilidade de proposta da suspensão condicional do processo, nos termos, aliás, do Enunciado 337 do Superior Tribunal de Justiça, aplicável também à espécie. De se observar, outrossim, o Enunciado 696 do Supremo Tribunal Federal, em caso de recusa do Ministério Público em fazer a proposta.
Não precisa o Juiz esperar a conclusão da instrução criminal para aplicar a emendatio libelli, muito pelo contrário. Como não se trata de uma alteração dos fatos narrados, mas, tão-somente, de uma correção técnica na classificação do crime, é aconselhável que o Juiz já receba a peça acusatória indicando na respectiva decisão o tipo penal, possibilitando, desde logo, a fruição de quaisquer benefícios ao acusado, como a suspensão condicional do processo, a liberdade provisória, etc. Aguardar-se o término da instrução para “corrigir” a tipificação atribuída ao fato é submeter o réu, desnecessariamente, às chamadas “cerimônias degradantes” do processo penal[19]. Lembre-se que o Juiz não estará modificando a imputação fática nem “acusando” o réu.
Aventemos a seguinte hipótese: o Promotor de Justiça narra um furto simples (cuja pena mínima é de um ano) e, ao final da peça acusatória, indica como tipo penal o art. 155, § 4º., II (pena mínima de dois anos). Ora, obviamente que o Juiz não deve aguardar o término da instrução para aplicar a emendatio libelli, e sim, desde logo, receber a denúncia nos termos em que foi feita a imputação fática e encaminhar os autos ao Ministério Público para a proposta de suspensão condicional do processo. Assim agindo preservará os interesses do acusado, evitando as cerimônias degradantes do procedimento e sem mácula aos postulados do sistema acusatório.
Neste sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“Denúncia: errônea capitulação jurídica dos fatos narrados: erro de direito: possibilidade do juiz, verificado o equívoco, alterar o procedimento a seguir (cf. HC 84.653, 1ª T., 14.07.05, Pertence, DJ 14.10.05). 1. Se se tem, na denúncia, simples erro de direito na tipificação da imputação de fato idoneamente formulada é possível ao juiz, sem antecipar formalmente a desclassificação, afastar de logo as conseqüências processuais ou procedimentais decorrentes do equívoco e prejudiciais ao acusado. 2. Na mesma hipótese de erro de direito na classificação do fato descrito na denúncia, é possível, de logo, proceder-se a desclassificação e receber a denúncia com a tipificação adequada à imputação de fato veiculada, se, por exemplo, da sua qualificação depender a fixação da competência ou a eleição do procedimento a seguir.” (HC 89.686/SP – Primeira Turma; à unanimidade; DJ de 17/08/07, p. 58, relator: Ministro Sepúlveda Pertence).
Também o Tribunal Regional Federal da 1ª. Região:
“PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONTROLE JUDICIAL DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ERRO DE DIREITO. POSSIBILIDADE. 1. A classificação dada ao fato na denúncia ou na queixa não implica vinculação do órgão julgador a ela, pois ocorrerão casos em que, da simples narrativa da imputação, poder-se-á perceber erro de direito na classificação, daí resultando alterações significativas para o processo com repercussão para o acusado.2. Na mesma hipótese de erro de direito na classificação do fato descrito na denúncia, é possível, de logo, proceder-se a desclassificação e receber a denúncia com a tipificação adequada à imputação de fato veiculada, se, por exemplo, da sua qualificação depender a fixação da competência ou a eleição do procedimento a seguir. Recurso em sentido estrito não provido.” (RCCR 2007.37.00.004500-2/MA, Rel. Juiz Federal César Jatahy Fonseca, Terceira Turma,e-DJF1 p.226 de 25/04/2008).
Diga-se o mesmo quanto à modificação da competência; também nesta hipótese não é necessário que o Juiz aguarde o final da instrução criminal, até por uma questão de economia processual e para evitar nulidades de atos processuais decorrente da incompetência. Aliás, o art. 109 do Código de Processo Penal determina que “se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte”, remetendo os autos ao Juízo competente, inclusive para o Juizado Especial Criminal se se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo.
Seria de bom alvitre que o Juiz, antes de aplicar a emendatio libelli, determinasse a intimação das partes, como estabelecia o projeto de lei que deu origem à lei ora comentada. Aliás, este projeto de lei previa que a emendatio libelli poderia ser antecipada para o instante do recebimento da denúncia ou queixa.
Vejamos, então, como está disciplinada a mutatio libelli, lembrando, ainda com Basileu Garcia, que se “veda ao juiz, no decidir a causa, a mutatio libelli.”[20]
Assim está escrito o caput do novo art. 384:
“Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de cinco dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública (queixa subsidiária, portanto), reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.”
Pela nova redação, este prazo de cinco dias é para aditar a queixa subsidiária, não a denúncia; assim, os prazos para o aditamento da denúncia devem ser, numa interpretação analógica (art. 3º., CPP) aqueles previstos no art. 46.
As alterações procedidas foram para melhor, sem dúvidas. Em primeiro lugar excluiu-se a expressão “circunstância elementar”, que confundia coisas diferentes: circunstância[21] e elementar[22] do tipo. Agora a lei refere-se a circunstância ou elemento da infração penal. Outra mudança importante é a exclusão do advérbio “implicitamente” que dava a entender ser possível uma denúncia ou queixa com elementos ou circunstâncias implícitos, possibilidade absolutamente estranha aos postulados do devido processo legal, especialmente a ampla defesa. É evidente que a denúncia tem que conter explicitamente, “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias” (art. 41 do Código de Processo Penal).
Também importante foi se estabelecer a necessidade do aditamento em qualquer hipótese (que pode ser feito inclusive oralmente), ainda que não haja possibilidade de nova definição jurídica mais gravosa para o acusado. A antiga redação do caput do art. 384 era uma flagrante mácula ao sistema acusatório, pois permitia ao Juiz condenar o réu por fato não imputado formalmente em uma peça acusatória, além de ferir o princípio da correlação entre acusação e defesa que proíbe ao Juiz “cambiar los hechos de la causa por los cuales el imputado fue concretamente acusado, entendidos en el sentido de acontecimiento histórico, con todos los elementos y circunstancias que de alguna manera puedan influir en el debate.” [23]
Segundo o § 1o., caso o “o órgão do Ministério Público” não adite a denúncia, “aplica-se o art. 28 deste Código”. E se o Procurador-Geral concordar com o não aditamento? Restará ao Juiz absolver o acusado ou condená-lo pelo fato imputado originariamente na denúncia ou queixa subsidiária.
Se o aditamento for oferecido, estabelece-se um contraditório prévio, pois, antes de recebê-lo, deverá ser “ouvido o defensor do acusado no prazo de cinco dias”.
Admitido “o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.” (§ 2o.). Neste caso, segundo dispõe o § 4o., “cada parte poderá arrolar até três testemunhas, no prazo de cinco dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.” Aqui se aplica como não poderia deixar de ser, o princípio da correlação entre sentença e acusação, ou seja, o Juiz deve observar os termos da peça acusatória aditada.
Sobre o princípio da correlação, vejamos a jurisprudência:
“A mutatio libelli conseqüencializa a nulidade da sentença, sendo, como é, direito do réu conhecer a nova definição jurídica do fato imputado na acusatória inicial e dela defender-se.3. Ordem concedida.” (STJ. HC – 11671/MS. Processo: 199901206162. 6a. Turma. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. DJ DATA:19/02/2001 PÁGINA:245 RSTJ VOL.:00145 PÁGINA:584).
“É possível, na sentença, que se dê nova definição jurídica ao fato em decorrência de prova de circunstância elementar não contida na denúncia. Tal procedimento requer seja antes ouvida a defesa; caso de mutatio libelli (Cód. de Pr. Penal, art. 384).2. A falta de prévia audiência implica a nulidade do processo. Ordem de habeas corpus concedida.” (STJ. HC – 35561/RO. Processo: 200400688414. 6a. Turma. Rel. Min. Nilson Naves. DJ DATA:21/02/2005 PÁGINA:227).
“TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2a REGIÃO – APELAÇÃO Nº. 2006.51.01.502737-5 – RELATOR: DESEMBARGADORA FEDERAL LILIANE RORIZ – É nula a sentença que incorre em mutatio libelli, sem que se observe o disposto no art. 384, caput, do Código de Processo Penal. Apelação provida.Declarada a nulidade da sentença.”
“A infringência da norma insculpida no art. 384, caput, do Código de Processo Penal, por parte do Magistrado de 1º grau, torna nula a sentença proferida, vício que pode ser reconhecido de ofício pelo Tribunal a quo.A ser consabido que no processo penal vige o princípio pas de nullité sans grief (art. 563, do CPP), é de se conferir ao impetrante o demonstrar, extreme de dúvida, do prejuízo que terá sido imposto ao réu em face da nulidade argüida – mister do qual não se desincumbiu.Ordem DENEGADA”.(STJ. HC – 34166/ES. Proc: 200400312250. 6a. Turma. Rel. Min. PAULO MEDINA. DJ DATA:01/08/2005 PÁGINA:565).”
“TRF 2 – Processo nº: 2000.02.01.010885-0 – RELATOR: DESEMBARGADORA FEDERAL LILIANE RORIZ – (…) Na emendatio libelli, prevista no art. 383 do Código de Processo Penal, o juiz corrige apenas a classificação jurídica, ou seja, a capitulação do crime atribuída na denúncia sem haver qualquer modificação quanto aos fatos narrados, que permanecem os mesmos. Na mutatio libelli, ocorre verdadeira alteração na imputação do fato delituoso, em razão da existência de alguma circunstância elementar não contida implícita ou explicitamente na denúncia.5. Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de 8 (oito) dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas.” (artigo 384 do Código de Processo Penal).6. A mutatio libelli conseqüencializa a nulidade da sentença, sendo, como é, direito do réu conhecer a nova definição jurídica do fato imputado na acusatória inicial e dela defender-se.7. Apelação parcialmente provida. Nulidade declarada.”
“TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – Apelação Crime – Oitava Câmara Criminal – Regime de Exceção Nº 70009809690 – A correlação entre a imputação e a sentença é uma garantia constitucional assegurada ao réu, pois permite que ele se defenda apenas dos fatos lhe imputados, sendo que a sua inobservância constitui nulidade insanável.”
Veja-se este trecho do voto:
“(…) Se o Juiz reconheceu a possibilidade de nova definição jurídica ao fato, deveria ter obedecido aos ditames do artigo 384 do Código de Processo Penal, o que, infelizmente, não ocorreu. A correlação entre a imputação e a sentença é uma garantia constitucional assegurada ao réu, pois permite que ele se defenda apenas dos fatos lhe imputados, sendo que a sua inobservância constitui nulidade insanável. Nesse sentido:“O princípio da correlação entre a imputação e a sentença representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa, que se acha tutelado, por via constitucional. Ninguém pode ser punido por fato que não lhe foi imputado. Na medida em que se descreve, com pormenores, um episódio criminoso atribuindo-o a alguém, a denúncia fixa os limites de atuação do Juiz, que não poderá decidir além ou fora da imputação. A sentença espelha, portanto, a imputação, refletindo-a nos seus exatos contornos. Qualquer distorção na imagem significa uma ofensa ao princípio da correlação e acarreta a nulidade da sentença”. (TACRIM – SP – AP – Rel. Álvaro Cury – JUTACRIM – SP 66/369)“Não pode alguém ser condenado por receptação se foi denunciado por furto e não houve providência processual com vistas à adequação da imputação à nova definição jurídica do fato”. (TACRIM – SP AP – Rel. Dínio Garcia – JUTACRIM – SP 56/353)“SENTENÇA. AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO ENTRE A IMPUTAÇÃO E A DECISÃO. ATO NULO. É fundamental a existência de correlação entre a acusação e sentença, princípio que representa uma das garantias constitucionais do direito de defesa. O princípio da correlação determina que o Juiz não pode condenar o acusado por fato não descrito na denúncia ou queixa sem as providências do art. 384 ou de seu parágrafo único.”. (Apelação Crime Nº 70010430874, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 19/05/2005).
“Superior Tribunal de Justiça – HABEAS CORPUS nº. 49.209 – RS (2005/0178219-2) – RELATOR: MINISTRO NILSON NAVES (…) O réu defende-se tão-só dos fatos que lhe são imputados pela inicial acusatória, sendo inadmissível sua condenação por fato diverso, sob pena de ferir-se o princípio da correlação, com prejuízos imensuráveis à ampla defesa, o que claramente ocorreu no presente feito.”
“Anula-se o processo, ab initio, com relação ao delito pelo qual o réu foi condenado, por não ter sido respeitado o princípio da correlação. O crime conexo a que foi condenado não constou da denúncia, da pronúncia, nem do libelo, tendo sido apresentado tão-somente ao final do julgamento pelo Tribunal do Júri. Extinção da punibilidade do fato atribuído ao réu, tendo em vista a pena corporal imposta e por ter sido negado provimento ao apelo ministerial e, também, em função da anulação do processo desde o seu início, com relação ao já propalado crime conexo, que não foi devidamente processado. Anulado o processo atinente ao crime conexo. Apelo do Ministério Público improvido. Extinção da punibilidade declarada. Decisão unânime” (TJRS – 3ª C. – AP 70025007212 – rel. José Antônio Hirt Preiss – j. 24.07.2008 – DOE 29.07.2008).
Na doutrina, ensina-nos Júlio Fabbrini Mirabete que “deve haver uma correlação entre a sentença e o fato descrito na denúncia ou na queixa, ou seja, entre o fato imputado ao réu e o fato pelo qual ele é condenado. Esse princípio da correlação entre a imputação e a sentença representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa e qualquer distorção, sem observância dos dispositivos legais cabíveis, acarreta a nulidade da decisão. Não pode o Juiz, assim, julgar o réu por fato de que não foi acusado ou por fato mais grave, proferindo sentença que se afaste do requisitório da acusação.”[24]
Complementando tal lição, ensina Benedito Roberto Garcia Pozzer que “a exigência da correlação entre acusação e sentença constitui poderoso instrumento de garantia do direito de defesa no processo penal. Verificada a discordância entre a acusação, fática ou jurídica, e os fatos comprovados, procede-se a correção pelo acusador, restabelecendo o contraditório e a ampla defesa. Acusar, defender e julgar é regra seqüencial, lógica e inafastável, no processo de conhecimento da espécie. Afinal, o mínimo a ser exigido, em qualquer Estado Democrático de Direito, é permitir ao acusado ser julgado, tão-só, pelos verdadeiros fatos e acerca dos quais teve oportunidade de se defender.”[25]
Assim, os fatos delineados em uma peça acusatória limitam o julgador em seu pronunciamento final que, por sua vez, deve circunscrever-se à narração fática feita pelo órgão acusador e sobre as quais o imputado exercitou o seu amplo direito de defesa. A consonância que a sentença deve guardar com o fato narrado é medida que obstaculiza a ocorrência de julgamentos extra petita ou ultra petita, a impedir qualquer desobediência ao sistema acusatório assumido pela atual Constituição Federal (art. 129, I).
Daí afirmar Benedito Roberto Garcia Pozzer que, “diante da possibilidade de nova definição jurídica, por fato não contido na denúncia ou queixa, não poderá o julgador determinar, tão-somente, a complementação da defesa. Impõe-lhe, primeiro, determinar o exercício da acusação, um direito do acusado: direito à acusação formal, deduzida pelo acusador oficial ou particular.” Assim, o aditamento se imporá “sempre que [houver] alteração substancial da imputação, fática ou legal”, não podendo o Juiz arvorar-se de acusador, pois “cuida do devido processo penal, antevendo a sentença, mas não substitui as partes.”[26]
Por isto, diz Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró que “toda violação da regra de correlação entre acusação e sentença implica em um desrespeito ao princípio do contraditório. O desrespeito ao contraditório poderá trazer a violação do direito de defesa, quando prejudique as posições processuais do acusado, ou estará ferindo a inércia da jurisdição, com a correlativa exclusividade da ação penal conferida ao Ministério Público, quando o juiz age de ofício. Em suma, sempre haverá violação do contraditório, sejam suas implicações com a defesa ou com a acusação.”[27]
Como já dissemos, esta hipótese não se confunde com a emendatio libelli a que faz alusão o art. 383 do Código de Processo Penal. Com efeito, pode o Juiz qualificar o fato de maneira diversa da que originariamente feita pelo órgão responsável pela acusação, pois, como se sabe, o acusado se defende dos fatos narrados. Vejamos a lição de Julio Fabbrini Mirabete:[28]
“No caso, o juiz, verificando que estão comprovados os fatos e as circunstâncias narradas na peça inicial, pode condenar o acusado dando ao delito a definição jurídica que entende cabível e não aquela articulada na denúncia, inclusive com a aplicação de pena mais grave (…) Compreende-se que essa definição seja alterada pela sentença porque o acusado se defende do fato criminoso que lhe é imputado e não do artigo da lei com que ele é classificado na peça inicial.”
Novamente respaldando-se nas lições de Tourinho Filho, que didaticamente diferenciou os dois institutos, tem-se que “se o Promotor, na denúncia, imputa ao réu um crime de furto, e, afinal, apura-se que ele cometeu outro crime completamente diverso (estupro, p. ex.), e não o de furto, não pode o Juiz proferir condenação pelo estupro, que não foi pedida, e muito menos quanto ao furto que não ocorreu. Todavia, se o Promotor, na denúncia, descreve um crime de estupro (que efetivamente ocorreu), mas, ao classificar a infração, tal como exige o art. 41 do CPP, classifica-a como sedução (CP, art. 217), ou furto (CP, art. 155), o Juiz, ao proferir sentença, poderá condenar o réu nas penas do art. 213 (estupro), sem necessidade de qualquer providência, como permitido pelo art. 383 do CPP. Diz-se, até, que, nesse caso, nem existe a mutatio libelli (modificação, alteração da peça acusatória), mas sim uma verdadeira emendatio libelli. Aí, evidentemente, não há julgamento ultra petitum. O Juiz deu aos fatos, tão-somente, a correta classificação. E jura novit curia, livre dicção do direito objetivo, porque o Juiz conhece o Direito. Se, por acaso, o Promotor denuncia alguém como incurso nas penas do art. 155, caput, do CP, correspondendo a classificação ao narrado na peça vestibular da ação penal, e, no curso da instrução criminal, apura-se que o réu tinha a precedente posse ou detenção da res, cumpre ao Juiz tomar aquela providência apontada no caput do art. 384 do CPP e, depois, proferir sentença.”[29]
“O juiz de primeiro grau, com base no art. 383 do Código de Processo Penal, pode dar nova classificação jurídica ao fato definido na queixa ou na denúncia ao protalar a sentença, prescindindo de aditamento da peça exordial ou mesmo de abertura de prazo para a defesa se manifestar, já que o réu se defende dos fatos narrados pela acusação e não dos dispositivos de lei indicados.” (STJ – 6ª T. – HC 21.864 – rel. Paulo Gallotti – j. 16.12.2003 – DJU 02.02.2009).
Porém, “o juiz acha-se adstrito ao fato imputado, à classificação jurídico-penal e à sanção cominada par a responsabilização do agente”[30], sendo vedado “julgar fato não imputado, nem alterar a classificação jurídico penal apresentada na denúncia ou queixa. Desta forma, definida a relevância penal, vincula-se à sanção cominada, a ser aplicada nos estritos limites da necessidade e suficiência, para preservação da paz pública.”[31]
Este princípio da correlação encontra fundamento no sistema acusatório e no processo penal garantidor, em que ao acusado é dado o direito de conhecer e defender-se dos fatos a ele imputados; “qualquer inobservância dessas regras, com conhecimento de fatos não acusados nem contraditados, para absolvição ou condenação, implicará em incongruência entre a acusação e julgamento. Como conseqüência temos a nulidade absoluta da sentença penal, por ofensa ao mandamento constitucional, porque manifesto o prejuízo causado pelo desrespeito ao devido processo penal, com todo os seus corolários”[32].
Observemos outra lição de Benedito Roberto Garcia Pozzer:
“Direito de acusação e defesa são inseparáveis e, pela própria importância, reclamam verificação judicial, porque o julgamento incidirá sobre a imputação, fática e legal, da qual não poderá se afastar o julgador.”[33]
Arremata o autor, em sua conhecida obra:
“Inconcebível alguém ser acusado por um fato e condenado por outro. A simetria entre acusação e sentença é reclamada como garantia da fidelidade do julgamento judicial, ao fato concreto. Pelo confronto, entre uma e outra, resulta possível a apuração da correspondência. Indispensável, portanto, conhecer cada elemento formador da acusação, para constatá-los na sentença”[34].
Concebido em prol do acusado, o princípio da correlação entre a acusação e o julgamento, por vezes ganha denominação diversa, como, por exemplo, a vedação à sentença incongruente: “A sentença incongruente, por conseguinte, é sentença que desrespeita a vinculação temática do juiz.”[35]
“Reconhecemos, entretanto, que uma sentença incongruente, embora não obrigatoriamente, via de regra violará tanto o principio da ação como quanto as garantias do contraditório e da ampla defesa. Isso porque quando o magistrado julga além ou fora do objeto processual, normalmente não comunica as partes processuais dessa inovação de ofício, nem dá chance à Defesa para refutar a nova imputação. Logo, concomitantemente o julgador desrespeita o principio da ação, o contraditório e a ampla defesa.”[36]
No direito comparado, a garantia da correlação entre acusação e a sentença segue a mesma diretriz aqui exposta; neste sentido é a legislação peninsular:
“Se nel corso dell’istruzione dibattimentale il fatto risulta diverso da como é descrito nel decreto que dispone il giudizio e non appartiene alla competenza di um giudice superiore, il pubblico ministero modifica l’imputazione e procede alla relativa contestazione (…)”[37]
Veja este julgado da Cámara Nacional de Casación Penal da Argentina:
“PROCESO PENAL. VIOLACION AL PRINCIPIO DE CONGRUENCIA. Falta de identidad fáctica entre el hecho por el cual fue condenada la imputada [acción de ocultar la prueba (material estupefaciente)] y el enunciado en la acusación que le fuera intimada [acción de portar el material estupefaciente]. Defensa en juicio. Debido proceso. Límites en la facultad de modificar la calificación jurídica asignada al hecho en el acto acusador (art. 401 del C.P.P.N.) – C. 5298 – “Vaca, Claudia Susana s/ recurso de casación” – CNCP – Sala II – 04/11/2004: (…) De la transcripción de las partes pertinentes del requerimiento fiscal de elevación a juicio y de la sentencia condenatoria surge que la identidad fáctica a la que hace referencia el principio de congruencia ha sido infringida, toda vez que en la acusación no figura la acción de “ocultar las pruebas de la ilegítima tenencia del material por parte de Díaz”, que fuera el acontecimiento medular para dar sustento a la condena por el delito previsto en el art. 277, inc. 1°, apartado “b” del Código Penal.- Surge evidente que aquí se está, no frente a una simple modificación de la calificación jurídica de los hechos que fueron materia de acusación, sino ante diferencias sustanciales de las plataformas fácticas expuestas en ambas piezas procesales las que acarrearon diversas calificaciones jurídicas que se amoldaban a cada uno de los hechos descriptos.” (Ciudad de Buenos Aires, a los 4 días del mes de noviembre del año dos mil cuatro, Sala II de la Cámara Nacional de Casación Penal integrada por el doctor Pedro R. David como Presidente y los doctores Raúl R. Madueño y Juan E. Fégoli como vocales asistidos por la Prosecretario de Cámara, doctor Gustavo J. Alterini, a los efectos de resolver el recurso interpuesto contra la sentencia de fs. 315 y vta. -fundamentada a fs. 317/319 vta.- de la causa nº. 5298 del registro de esta Sala, representado el Ministerio Público por el señor Fiscal General doctor Raúl Omar Pleé y la Defensa Pública Oficial por el doctor Guillermo Lozano).
Na doutrina, destacamos ainda a lição de Eugenio Pacelli de Oliveira:
“Enquanto na emendatio a definição jurídica refere-se unicamente à classificação dada ao fato, aqui, na mutatio libelli, a nova definição será do próprio fato. Não se altera simplesmente a capitulação feita na inicial, mas a própria imputação do fato (…).Assim, uma vez realizada a instrução criminal, se o juiz entender provada a existência de outro fato, não contido (nem implicitamente) na denúncia ou na queixa, poderá ele mesmo alterar a inicial da ação penal, para o fim de nela incluir a circunstância elementar que entendeu provada.Uma observação: circunstância elementar contida implicitamente seria aquela decorrente de simples processo dedutivo, lógico, independentemente, por isso mesmo, de explicitação (…)Na mutatio, o que ocorre não é simples alteração do elemento subjetivo da conduta, mas a imputação de ocorrência de novo fato. A espécie de desclassificação que dela surge não decorre também de simples juízo de adequação do fato à norma, mas, repetimos, de nova imputação fática”[38].
Observamos, outrossim, a proibição em segunda instância da aplicação da mutatio libelli, por força do Enunciado 453 do Supremo Tribunal Federal.
São aplicáveis na mutatio libelli os §§ 1o e 2o do art. 383, segundo dispõe o § 3o. do art. 384. Por fim, estabelece o § 5o. que se não for “recebido o aditamento, o processo prosseguirá.” Neste caso, é possível o manejo do recurso em sentido estrito, com fulcro no art. 581, I do Código de Processo Penal, pois “o recurso em sentido estrito, apesar de ser casuístico, admite interpretação extensiva.”[39]
Observa-se que a redação do art. 384 continua a se referir tão-somente à ação penal pública ou à de iniciativa privada subsidiária da pública. De toda forma, estamos com Tourinho Filho que, nada obstante a restrição legal, “possa também o querelante proceder ao aditamento. Há duas situações: a) se, ao tempo da queixa, já havia prova sobre determinada circunstância elementar (hoje circunstância ou elemento) capaz de alterar a qualificação jurídico-penal do fato, objeto do processo, e o querelante não se deu conta, o aditamento seria até impossível por manifesta decadência; b) se a prova se deu posteriormente, o aditamento pode ser feito por aplicação analógica (…), não havendo violação ao princípio da disponibilidade que rege a ação privada, mesmo porque ninguém está fazendo o aditamento pelo querelante e tampouco obrigando-o a fazê-lo.”[40]
Por fim, entendemos que perdeu o legislador a oportunidade de revogar expressamente o art. 385 do Código de Processo Penal, acabando com a possibilidade do Juiz “proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”, disposição que não foi recepcionada pela Constituição Federal, especialmente pelo art. 129, I.
VII – A SENTENÇA CONDENATÓRIA E A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Foram alterados os incisos II, III e IV do art. 387 do Código de Processo Penal e a ele foi acrescentado um parágrafo único. O inciso II apenas foi atualizado com a nova Parte Geral do Código Penal, indicando-se agora os arts. 59 e 60 do Código Penal. No inciso III excluiu-se a referência às penas acessórias, também em consonância com a Parte Geral do Código Penal. O novo inciso IV determina, como já foi dito no início deste trabalho, que o Juiz “fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”
Esqueceu-se o legislador de revogar expressamente os incisos V e VI inaplicáveis desde a reforma penal de 1984 (nova Parte Geral e Lei de Execução Penal).
O novo parágrafo único do art. 387 amolda-se ao princípio da presunção de inocência, à garantia constitucional do duplo grau de jurisdição e ao direito de apelar em liberdade. Com efeito, estabelece-se que “o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.” Coerentemente, a lei nova revogou o art. 594 do Código de Processo Penal, esquecendo-se, porém de também revogar o art. 595, não recepcionado pela Constituição Federal.[41] A este respeito, o Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado nº. 347 com a seguinte redação: “O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão.”
VIII – O PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
Adiante, o caput do novo art. 394 prevê os dois novos procedimentos: o comum e o especial. Por sua vez, o comum poderá ser ordinário, sumário ou sumaríssimo (§ 1º.). Os procedimentos especiais são aqueles ora previstos no próprio Código de Processo Penal (Título II do Livro II e o Procedimento do Júri), ora em leis extravagantes (Lei nº. 11.343/2006 – Lei de Drogas, Lei nº. 8.038/90 – Ação Penal Originária, etc.).
O procedimento comum ordinário será obedecido “quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos de pena privativa de liberdade”. O sumário “quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 quatro anos de pena privativa de liberdade” e o sumaríssimo “para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei”[42] (incisos I, II e III do § 1º.).
O critério para adoção de determinado procedimento é a quantidade da pena privativa de liberdade, independentemente de se tratar de reclusão ou detenção, ressalvando-se, obviamente os crimes dolosos contra a vida (arts. 406 a 497), os que se submetam a procedimentos especiais (Lei de Drogas, por exemplo) e os casos em que o acusado tenha prerrogativa de função (Lei nº. 8.038/90). Para este efeito, devem ser levadas em conta as causas de aumento (no máximo) e as de diminuição de pena (no mínimo), inclusive a tentativa e o arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal), excluídas as agravantes e as atenuantes, por serem genéricas. No caso de crimes conexos, crime continuado e concurso formal (continência) entendemos que deve prevalecer o rito mais amplo do ponto de vista da ampla defesa, ressalvando-se, excepcionalmente, a hipótese do art. 80, in fine do Código de Processo Penal.
Dispõem os §§ 2º. e 3º. do art. 394 que, salvo disposições em contrário do próprio Código ou de lei especial, o procedimento comum aplicar-se-á a todos os processos. Para os crimes dolosos contra a vida e os conexos, por exemplo, aplicar-se-ão as novas regras estabelecidas nos arts. 406 a 497 do novo Código (alterados pela Lei nº. 11.689/2008).
O § 4o. estabelece que “as disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código”, ou seja, com exceção das ações penais originárias (Lei nº. 8.038/90[43]), em todo processo penal no Brasil, qualquer que seja o rito (comum ou especial, inclusive o do Júri), deve-se, caso não se rejeite liminarmente a peça acusatória, receber a denúncia ou queixa, citar o acusado para a resposta preliminar e, se for o caso, julgar antecipadamente o processo (absolvição sumária). No que diz respeito à Lei de Drogas e à dos Juizados Especiais Criminais, entendemos que já havendo em ambos os procedimentos a resposta preliminar (que antecede, inclusive, o recebimento da denúncia), não houve qualquer alteração.
Já o § 5º. afirma que se “aplicam subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário.” Aqui, apenas subsidiariamente.
Então vejamos; o art. 395 passou a ter a seguinte redação:
“A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
“I – for manifestamente inepta; por exemplo: não observou os requisitos exigidos pelo art. 41.
“II – faltar pressuposto processual[44] ou condição para o exercício da ação penal”; aqui também estão abrangidas as denominadas condições específicas para o exercício da ação penal, como a representação e a requisição do Ministro da Justiça. Atentar que a chamada possibilidade jurídica do pedido, menos do que uma condição para o exercício da ação penal, confunde-se mesmo com o mérito e deve ensejar um julgamento antecipado, nos moldes do art. 397, III, coberto pela coisa julgada material.
“III – faltar justa causa para o exercício da ação penal”, ou seja, o lastro probatório mínimo que deve lastrear uma peça acusatória, a saber: indícios suficientes e razoáveis da autoria e prova da existência do crime.
Tais hipóteses não se confundem com a sentença absolutória prevista no novo art. 397 (que veremos adiante). Aqui, trata-se de uma decisão interlocutória que não fará coisa julgada material, nada impedindo, portanto, que a ação penal seja mais uma vez iniciada, caso sejam observados os requisitos legais, presentes as condições da ação (ressalvada a possibilidade jurídica do pedido – atipicidade, causas excludentes de criminalidade, culpabilidade e extintivas da punibilidade, que dizem respeito ao interesse de agir – interesse utilidade), além dos pressupostos processuais (ressalvadas a perempção, coisa julgada e litispendência). O recurso cabível para combatê-la é o recurso em sentido estrito (art. 581, I, CPP).
Vejamos, então, o procedimento ordinário e o sumário; os preceitos adiante indicados aplicam-se aos dois procedimentos, até a audiência de instrução e julgamento quando, então, diferem-se, como veremos depois.
Assim, dispõe o art. 396 que, “nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de dez dias.” [45]
Ou seja, caso o Juiz não rejeite desde logo a peça acusatória (ou não a receba, como preferem alguns), com fulcro em um dos incisos do art. 395 (em decisão interlocutória, a ser enfrentada com o art. 581, I), deverá recebê-la e determinar a citação do acusado para oferecimento de uma resposta preliminar, cujo prazo será de dez dias. Dispõe o parágrafo único que tendo sido o réu citado por edital este prazo de dez dias “começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.”
Nesta defesa prévia (que, na verdade, deveria ser anterior ao recebimento e à citação do réu), “o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.” É importante que o patrono do acusado saiba que, apesar do recebimento da peça acusatória, a sua resposta, se convincente, poderá levar desde logo à absolvição sumária, evitando os demais termos do processo, inclusive o interrogatório.
Caso não seja “apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.” Onde houver Defensoria Pública instalada, os autos ao seu representante serão enviados. Em nenhuma hipótese, sob pena de nulidade absoluta, os autos serão conclusos para a decisão sem esta resposta prévia.
Se houver alguma exceção a ser argüida, deverá ser processada “em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código”. (art. 396-A, §§ 1º. e 2º.).
Seria importante que a lei estabelecesse como o fez no art. 409 que trata do procedimento no Júri, a necessidade da ouvida do Ministério Público ou querelante sobre preliminares e documentos apresentados na resposta preliminar. Também como permite o art. 5º. da Lei nº. 8.038/90 (ação penal originária). De toda maneira, nada impede que o Magistrado assim o faça, preservando o contraditório.
O art. 397 traz uma novidade importante em nosso ordenamento jurídico, que há muito carecia de uma disposição como esta. Trata-se da possibilidade do Juiz penal, desde logo, julgar antecipadamente o caso penal[46], sem necessidade, sequer, de submeter o acusado ao interrogatório e às demais “cerimônias degradantes” do processo penal. É o que a lei chama de absolvição sumária (também prevista no procedimento do Júri, art. 415). Portanto, agora, temos duas hipóteses de absolvição sumária.
Pois bem.
Diz o art. 397 que após a resposta preliminar “o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
“I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (art. 23 do Código Penal).
“II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; tratando-se de réu inimputável é indispensável o processo, com a presença de um curador, além do advogado, para possibilitar, confirmando-se a ilicitude e antijuridicidade do fato, a aplicação de uma medida de segurança (absolvição imprópria, nos termos do art. 386, parágrafo único, III).
“III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; (ausência de tipicidade, impossibilidade jurídica do pedido).
“IV – extinta a punibilidade do agente.” (art. 107 do Código Penal).
Estas hipóteses diferem formal e substancialmente da rejeição liminar da peça acusatória (ou do não recebimento, como prefiram[47]), pois a absolvição sumária é uma decisão de mérito, passível de fazer coisa julgada material (intangível e absolutamente imutável) e que desafia o recurso de apelação (art. 593, I). Ressalvamos apenas que na hipótese de decisão extinguindo a punibilidade, o recurso será o de apelação apenas se foi proferida nesta fase, pois se a decisão foi anterior (na fase do inquérito, por exemplo) ou mesmo durante o processo, como permite o art. 61 do Código, o recurso oponível continua sendo o recurso em sentido estrito (art. 581, VIII, não revogado).
Também entendemos que o Juiz, até para que se evite uma citação desnecessária do denunciado, ao invés de receber a peça acusatória e determinar a citação do acusado para respondê-la e só então absolvê-lo, deve desde logo rejeitar a denúncia ou queixa (com base no art. 395, II, segunda parte), caso estejam presentes uma das circunstâncias do art. 397, seja por impossibilidade jurídica do pedido (inciso III) ou por falta de interesse de agir (interesse-utilidade, incisos I, II e IV).
Em conversa com o Professor baiano Nestor Távora[48], alertou-me acertadamente que as quatro hipóteses previstas no art. 397 não são taxativas; assim, por exemplo, deve também ser caso de absolvição sumária quando o Juiz concluir estar provada a inexistência do fato ou provado não ser o réu autor ou partícipe da infração penal (aplicando-se, por analogia, o art. 415, I e II do CPP).
Sobre a absolvição sumária, veja-se este julgado:
“A Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, criou hipótese de absolvição sumária, que admite o reconhecimento da insignificância, seja como excludente da ilicitude (como condição objetiva de punibilidade), seja como atipia (como condição de tipicidade). Como fase processual nova, somente pode incidir sobre os feitos após sua vigência – princípio da imediatidade, o que se verifica no caso presente, consideradas a vacatio legis e a data em que proferida a decisão. A segurança jurídica da decisão esperada recomenda o prestigiamento dos precedentes, especialmente da Suprema Corte, a dar a solução definitiva em tema de tipicidade – na via do habeas corpus. Possível, na data da decisão, a absolvição sumária, e não sendo admissível o prosseguimento da persecução criminal por fato reconhecidamente atípico pela reiteração jurisprudencial nesta Corte de tema exclusivamente de direito, mantém-se o excepcional trancamento da investigação criminal.” (TRF 04ª R.; RN 2008.72.11.000622-1; SC; Sétima Turma; Rel. Des. Fed. Néfi Cordeiro; Julg. 17/02/2009; DEJF 04/03/2009; Pág. 764).
Se o Juiz não rejeitou a peça acusatória (ou deixou de recebê-la) nem absolveu sumariamente o acusado, cabe-lhe designar “dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente”, além de comunicar o ofendido (art. 201, § 1º.) Se se tratar de réu preso “será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação.” [49] Tal disposição aplica-se ao acusado preso na mesma cidade onde se situa o juízo processante, pois do contrário será cabível a expedição de carta precatória ou o interrogatório por videoconferência (art. 185, § 2º., CPP).
O caput do art. 399 parece-nos que contém um equívoco ao estabelecer que “recebida a denúncia ou queixa”, pois, na verdade a peça acusatória já havia sido recebida, conforme previsto no art. 396; portanto, agora basta ao Juiz proceder às notificações para a audiência de instrução e julgamento, pois o recebimento e a citação do acusado já foram feitos. Neste aspecto, há na doutrina forte divergência, uns entendendo que a denúncia será recebida na fase do art. 396, outros na fase do art. 399 e até os que entendem haver, hoje, dois recebimentos. Para nós, a peça acusatória só pode ser recebida uma vez, exatamente ao ser oferecida, apesar de concordarmos que o melhor seria o recebimento após a resposta preliminar. Não foi esta, porém a opção do legislador.
Passa a estabelecer o Código que “o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.” (art. 399, §§ 1º. e 2º.). Adota-se, agora, o princípio da identidade física do Juiz, tal como é no processo civil, ainda que não com a mesma redação do art. 132 do Código de Processo Civil. Por ele, o Juiz que colher a prova deve julgar o processo, podendo, desta forma, “apreciar melhor a credibilidade dos depoimentos; e a decisão deve ser dada enquanto essas impressões ainda estão vivas no espírito do julgador.”[50] Evidentemente, e até por força do art. 3º., CPP, devemos ressalvar as hipóteses em que o Juiz “estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado.” (art. 132, CPC).
Como afirma o Professor Dotti, é extremamente salutar a adoção deste princípio, pois “a ausência, no processo penal, do aludido e generoso princípio permite que o julgador condene, com lamentável freqüência, seres humanos que desconhece”.[51] A propósito, vejamos estes julgados:
“Tenho que o novel princípio processual penal da identidade física do juiz, sem detalhamentos legais, merece valoração dentro dos limites já estabelecidos pela análoga legislação e jurisprudência cível. A identidade física dá-se ao juiz que preside a instrução e, na falta de explicitação maior, razoável é admitir-se a evolução de estudos do análogo processo civil, onde a audiência também é una e o princípio já lá está consagrado há décadas, recebendo os necessários temperamentos jurisprudenciais. Admito que é até mais relevante o contato com a prova no processo penal, mas de outro lado pondero que somente agora isto se reconheceu, não sendo razoável daí exigir-se maior abrangência do princípio nesta jurisdição. Assim, creio que devam analogicamente incidir os precedentes que somente vinculam o juiz que concluir a instrução (REsp 699.234), isto mesmo antes de alterada a redação do art. 132 CPC pela Lei nº 8637/93, que originalmente dizia vincular-se o juiz que iniciar a audiência. Também devem incidir os excepcionamentos do mesmo art. 132 CPC, que negam vinculação ante a movimentação regular da carreira (quando convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado – ao que a jurisprudência detalha também abranger os casos de remoção e férias)” (TRF 4ª R. – Seção – CJ 2008.04.00.039941-2 – rel. Néfi Cordeiro – j. 20.11.2008 – DJU 04.12.2008).
“A aplicação do referido diploma (Lei nº 11.719/2008), que traz a sedimentação do princípio da identidade física do juiz no processo penal, só deve ocorrer a partir da vigência da Lei nº 11.719/2008, com a realização da audiência una disposta na nova redação processual, pois esta está intimamente ligada à aplicação do referido princípio.” (TJ-DF; Rec. 2008.00.2.018395-1; Ac. 343.636; Câmara Criminal; Relª Desª Nilsoni de Freitas; DJDFTE 05/03/2009; Pág. 30).
O art. 400 disciplina a audiência de instrução e julgamento, válida apenas para o procedimento ordinário, já que para o procedimento sumário adotar-se-ão as disposições dos arts. 531 e seguintes (observar o art. 185, § 4º., CPP – utilização da videoconferência).
Agora, tal como nos Juizados Especiais Criminais também são adotados os princípios da imediatidade e da concentração dos atos processuais, pois na “na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de sessenta dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.” Ademais, “as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.” Se forem necessários dos peritos, as partes deverão requerer previamente (art. 400, §§ 1º. e § 2o.).
A propósito, “nos feitos que correm sob o procedimento comum ordinário, passados 60 dias sem que a audiência de instrução e julgamento tenha se realizado, e imperiosa a soltura do paciente, conforme se infere do artigo 400 do Código de Processo Penal, com redação determinada pela Lei n. 11.719/2008. Ordem concedida.” (TJGO – 2ª C. – HC 33.965-3 – rel. José Ricardo M. Machado – DOE 17.02.2009).
A ordem de inquirição das testemunhas deve ser rigorosamente observada, sob pena de nulidade absoluta, em observância do princípio do contraditório. Admite-se excepcionalmente a inversão nos casos do art. 222 (expedição de carta precatória, pois a instrução criminal não se suspende, salvo se for possível a inquirição por videoconferência, na forma do § 3º.) e art. 225 (produção antecipada de prova). Não há devido processo legal sem o contraditório, que vem a ser, em linhas gerais, a garantia de que para toda ação haja uma correspondente reação, garantindo-se, assim, a plena igualdade de oportunidades processuais. A respeito do contraditório, Willis Santiago Guerra Filho afirma:
“Daí podermos afirmar que não há processo sem respeito efetivo do contraditório, o que nos faz associar o princípio a um princípio informativo, precisamente aquele político, que garante a plenitude do acesso ao Judiciário (cf. Nery Jr., 1995, p. 25). Importante, também, é perceber no princípio do contraditório mais do que um princípio (objetivo) de organização do processo, judicial ou administrativo – e, logo, um princípio de organização de um instrumento de atuação do Estado, ou seja, um princípio de organização do Estado, um direito. Trata-se de um verdadeiro direito fundamental processual, donde se poder falar, com propriedade em direito ao contraditório, ou Anspruch auf rechliches Gehör, como fazem os alemães.” (grifos no original).[52]
Segundo Étienne Vergès, a Corte Européia dos Direitos do Homem (CEDH) “en donne une définition synthétique en considérant que ce principe ´implique la faculté, pour les parties à un procés penal ou civil, de prendre connaissance de toutes pièces ou observations présentées au juge, même par un magistrat indépendant, en vue d´influencer sa décision et de la discuter` (CEDH, 20 févr. 1996, Vermeulen c/ Belgique, D. 1997, som. com. P. 208).”[53]
Será possível a substituição de testemunha não encontrada; neste sentido, os Ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam que o ordenamento jurídico brasileiro admite a substituição de testemunha não localizada. Eles negaram agravo regimental interposto contra decisão do Ministro Joaquim Barbosa (relator) que concedeu, ao procurador-geral da República, pedido de substituição da testemunha de acusação. Segundo os autores, a substituição foi deferida com base no artigo 397 do Código de Processo Penal, revogado pela Lei 11.719/08. O artigo 397, do CPP, estabelecia a possibilidade de o juiz deferir a substituição de testemunha que não fosse localizada, salvo nos casos em que se constatasse a tentativa de burlar o prazo para o seu arrolamento. No recurso, argumentava-se que a substituição de testemunhas não poderia ser admitida no processo penal por ausência de previsão legal, tendo em vista o silêncio do CPP a respeito do tema. Contudo, o ministro Joaquim Barbosa destacou que não se pode concluir ter sido da vontade do legislador impedir eventuais substituições de testemunhas no curso da instrução criminal, “até porque não houve uma revogação direta expressa do antigo texto do artigo 397, mas sim uma reforma de capítulos inteiros do código por leis esparsas”. “Não se pode imaginar que o processo, guiado que deve estar para um provimento final que realmente resolva e pacifique a questão debatida, exclua a possibilidade de substituição das testemunhas não encontradas por outras eventualmente existentes”, disse. Ele entendeu que na hipótese pode ser aplicado o artigo 408, inciso III, do Código de Processo Civil, segundo o qual, a parte só pode substituir a testemunha (I) que falecer; (II) que por enfermidade não estiver em condições de depor; (III) que tendo mudado de residência não for encontrada pelo oficial de justiça. Fonte: STF.
Aliás, “ainda que o Juízo não se impunha qualquer providência, de ofício, quando à intimação da defesa para substituição de testemunha não-encontrada, conforme previsão do art. 405 do CPP, por força do princípio do contraditório e da ampla defesa impõe-se a renovação da precatória para oitiva de testemunha considerada imprescindível.” (TRF 4ª R. – 7ª T. – COR 2008.04.00.038092-0 – rel. Gerson Luiz Rocha – j. 25.11.2008 – DJU 03.12.2008).
Observa-se que o interrogatório do acusado passa a ser o último ato processual após a instrução criminal, o que vem a fortalecer a idéia de considerá-lo, além de mais um meio de prova, um autêntico e importante meio de defesa[54]. Pode ser realizado por videoconferência, na forma do art. 185, § 2º., CPP.[55]
Assim, “na lei nova prevalece outra orientação: o interrogatório é o momento mais importante da auto-defesa; é a ocasião em que o acusado pode fornecer ao juiz sua versão pessoal sobre os fatos e sua realização após a colheita da prova permitirá, sem dúvida, um exercício mais completo do direito de defesa, inclusive pela faculdade de permanecer em silêncio (art. 5º., LVIII, CF).”[56]
Como afirma a doutrina, com a reforma, “o interrogatório e, por conseguinte, a autodefesa, ganharam ainda mais importância, principalmente porque aquele ato passou a ocupar o derradeiro momento da persecução penal, permitindo, assim, ao réu, apresentar a sua versão dos fatos após ter tido contato pessoal com todas as demais provas produzidas, principalmente as orais. Trata-se, como se percebe, de importante inovação, que confere ao acusado uma maior possibilidade de defender-se, até porque, como se sabe, talvez em razão da falta de investimentos ou, até mesmo, de cultura em investigação, quase sempre os processos criminais são decididos com base nas provas testemunhais colhidas. No entanto, obviamente, para que o réu possa desempenhar sua autodefesa de maneira ampla, é essencial que ele esteja pessoalmente presente durante a realização da audiência de instrução e julgamento e, também, a da tomada de todos os testemunhos que ocorram fora desta. Tal afirmação já era válida na sistemática anterior, com fundamento na CF e, até mesmo, na Lei Adjetiva vigente, mas tornou-se inquestionável doravante, tendo em vista a supramencionada alteração na ordem da colheita das provas e, bem assim, o entendimento do STF quanto à hierarquia dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Quanto a este último aspecto, cumpre destacar que o Brasil é signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York, aprovado pelo Dec. Leg. nº 266/1991 e promulgado pelo Dec. nº 592/92, o qual expressamente prevê, como direitos de todos os que sejam acusados criminalmente, “de estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente” (art. 14, 3, d).”[57]
Com relação aos processos pendentes, observar que “nos termos do art. 2º do CPP, a Lei Processual penal deve ser aplicada desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da Lei anterior. – Desnecessária a anulação do processo ou a suspensão da ação penal, porquanto o CPP permite novo interrogatório dos réus ao final da instrução, continuando válidos e eficazes os atos processuais já praticados sem que isso signifique constrangimento ilegal ou prejuízo para a defesa. – Ordem parcialmente concedida, com extensão aos co-réus, apenas para determinar que o processo de ora em diante siga nos exatos termos do artigo 400 e parágrafos da Lei nº 11.719/2008, com o reinterrogatório do paciente, bem como o dos co-réus, ao final.” (TRF 03ª R.; HC 34704; Proc. 2008.03.00.042470-2; SP; Rel. Des. Fed. Henrique Geaquinto Herkenhoff; DEJF 13/02/2009; Pág. 298).
Aqui vale uma advertência: o indeferimento injustificado de provas requeridas pela defesa poderá acarretar a nulidade absoluta do ato processual pela afronta ao princípio da ampla defesa, de forma que somente quando induvidosas as intenções protelatórias da parte acusada é que legítimo será o indeferimento, sob pena de se utilizar, com sucesso, o habeas corpus. Caso o meio probatório requerido vise a produzir prova contra o acusado, o indeferimento poderá ensejar a correição parcial ou mesmo o mandado de segurança.
O número de testemunhas não mudou: continuam oito testemunhas, não se compreendendo neste número as que não prestaram compromisso e as referidas, podendo a parte “desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, ressalvado o disposto no art. 209 deste Código.” (art. 401, §§ 1º. e 2º.). Assim, o “juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes” e não será computada como testemunha a pessoa que nada souber que interesse à decisão da causa”. (art. 209).
Após o interrogatório, “ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.” (art. 402), o que significa que tais requerimentos devem ser feitos de imediato e não mais em 24 horas (o que não impede que, considerando-se a complexidade do processo, seja deferido às partes um prazo maior para tais requerimentos, atentando-se apenas para que não se protele injustificada e demasiadamente o andamento processual). As primeiras diligências devem ser requeridas desde logo, ou seja, quando do oferecimento da peça acusatória ou na resposta preliminar. Já as diligências previstas no art. 402 são aquelas outras, cuja necessidade adveio após a instrução. Como lembra Tourinho Filho, comentando o antigo art. 499, “nada obstante a clareza da norma, é comum as partes (Promotores e Advogados) aproveitarem a fase do art. 499 para requerer diligências que olvidaram quando da denúncia ou queixa ou defesa prévia.”[58]
Não tendo havido qualquer requerimento “ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por vinte minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 dez, proferindo o juiz, a seguir, sentença.” Do indeferimento de diligências não cabe recurso, devendo o acusado utilizar-se do habeas corpus e a acusação da correição parcial (como vem admitindo reiteradamente a jurisprudência) ou mesmo do mandado de segurança (ou argüir a nulidade como preliminar recursal).
Se houver mais de um réu “o tempo previsto para a defesa de cada um será individual.” Já para o advogado do assistente, o prazo será de dez minutos, após as alegações finais do Ministério Público; neste caso prorroga-se “por igual período o tempo de manifestação da defesa.”
Permite a lei, excepcionalmente, considerando a complexidade do caso ou o número de acusados que o Juiz conceda às partes “o prazo de cinco dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de dez dias para proferir a sentença.” (art. 403, §§ 1o., 2o. e 3o.). O que deve ser evitado é a apresentação de memoriais transformar-se em regra!
Se forem requeridas diligências, fatalmente a audiência será sobrestada para o cumprimento do que foi requerido. Neste caso, prevê o art. 404 que “a audiência será concluída sem as alegações finais”. “Realizada, em seguida, a diligência determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, suas alegações finais, por memorial, e, no prazo de dez dias, o juiz proferirá a sentença.” (parágrafo único).
Por fim, encerrando as disposições concernentes ao procedimento ordinário, temos o art. 405, in verbis:
“Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos.
“§ 1o. Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações.
“§ 2o. No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição.”
É bom observar que “o indeferimento do pedido de degravação dos testemunhos prestados em juízo e arquivados em CD-Room, causa prejuízo às partes, no tocante ao acesso às provas, devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, CF).” (TJPR – 1ª C. – CP. 0491140-8 – rel. Mário Helton Jorge – j. 10.07.2008 – DOE 25.07.2008)
IX – O PROCEDIMENTO SUMÁRIO
Em seguida, passa-se a regulamentar o procedimento sumário, entre os arts. 531 a 538, lembrando-se que até a audiência de instrução e julgamento as disposições são comuns para os procedimentos ordinário e sumário; a diferença entre ambos inicia-se a partir da audiência de instrução e julgamento, como veremos a seguir:
“Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.”
Repetimos todas as observações feitas quando comentamos o art. 400. Muda o número de testemunhas (cinco), segundo o art. 532. Aplica-se “ao procedimento sumário o disposto nos parágrafos do art. 400 deste Código.” (art. 533).
Foram revogados os §§ 1o., 2o., 3o. e 4o. do art. 533.
Também neste procedimento, “as alegações finais serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez, proferindo o juiz, a seguir, sentença.” “Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual.” Se houver assistente, o seu advogado, após a manifestação do Ministério Público, terá o prazo de dez minutos para as suas alegações, “prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.” (art. 534, §§ 1o. e 2o. ).
Dispõe o novo art. 535 que “nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.” Entendemos que só podem ser conduzidas coercitivamente as testemunhas (art. 218) e vítimas (art. 201, § 1º.). Esta permissão, bem como aquela contida no art. 260, não deve ser aplicada ao acusado. Aliás, a este respeito, modificamos entendimento anterior e hoje pensamos que esta disposição do Código de Processo Penal deve ser interpretada à luz da Constituição, não devendo ser mais admitida a condução coercitiva, pois a conveniência quanto ao comparecimento ao interrogatório deve ser aferida pelo acusado e seu defensor, evitando-se a obrigatoriedade de participar de uma “cerimônia degrante”.[59]
Neste mesmo sentido, o magistério de ROBERTO DELMANTO JUNIOR:
“Tampouco existe embasamento legal, a nosso ver, para a sua condução coercitiva com fins de interrogatório, prevista no art. 260 do CPP, já que de nada adianta o acusado ser apresentado sob vara e, depois de todo esse desgaste, silenciar. Se ele não atende ao chamamento judicial, é porque deseja, ao menos no início do processo, calar. Ademais, a condução coercitiva ‘para interrogatório’, daquele que deseja silenciar, consistiria inadmissível coação, ainda que indireta. (Inatividade no Processo Penal Brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, pp. 192/193).
A propósito, veja-se esta decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª. Região:
“CC 2007.02.01.007301-4 – rel. Maria Helena Cisne – j. 27.02.2008 – DJU 24.03.2008 – EMENTA: PROCESSO PENAL – CORREIÇÃO PARCIAL – CONDUÇÃO COERCITIVA DE RÉU DEVIDAMENTE QUALIFICADO E IDENTIFICADO PARA SER INTERROGADO – DESNECESSIDADE – ART. 5º, LXIII, DA CRFB – CORREIÇÃO PARCIAL INDEFERIDA – O comparecimento do réu ao interrogatório, quando devidamente qualificado e identificado, constitui uma faculdade e não um dever do mesmo. Apenas em situações excepcionais poderá o Magistrado promover a condução coercitiva do acusado, nos termos do art. 260, do CPP.- A CRFB, ao permitir ao acusado calar-se diante do Juiz, demonstra que o interrogatório não é imprescindível para o deslinde da causa, devendo o réu, desde que devidamente citado, arcar com o ônus processual de seu não comparecimento. Correição Parcial indeferida.”
Foram revogados os §§ 1o. e 2o. do art. 535.
Segundo o art. 536, “a testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no art. 531 deste Código.” Foi revogado o art. 537.
Pelo art. 538, “nas infrações penais de menor potencial ofensivo, quando o juizado especial criminal encaminhar ao juízo comum as peças existentes para a adoção de outro procedimento, observar-se-á o procedimento sumário previsto neste Capítulo.” Aqui faz-se referência àquelas duas causas modificadoras da competência previstas na Lei nº. 9.099/95: a complexidade ou circunstâncias da causa que dificultem a formulação oral da peça acusatória (art. 77, § 2º.) e o fato do réu não ser encontrado para a citação pessoal (art. 66, parágrafo único)[60]. É importante ressaltar que neste caso o procedimento será o sumário, mas devem ser aplicados na vara comum os arts. 74, 76 e 89 da Lei nº. 9.099/95, pois se tratam de medidas de caráter penal, benéficas, aplicáveis em qualquer processo, independentemente do respectivo procedimento (ressalvando o disposto no art. 90-A da Lei nº. 9.099/95 e no art. 41 da Lei 11.340/06, ambas disposições, aliás, que nos parecem inconstitucionais, por ferirem o princípio da isonomia e o da proporcionalidade).
Note-se que a lei determina a adoção do procedimento sumário, ainda que o crime de menor potencial ofensivo seja um daqueles que tenham um procedimento especial, como por exemplo, os crimes contra a honra, os delitos praticados por funcionários públicos, etc.
Foram revogados todos os parágrafos deste art. 538, bem como os arts. 43 (rejeição da denúncia ou queixa, agora prevista no art. 395); art. 398 (substituído pelo art. 401); arts. 498, 499, 500, 501, 502 (novo procedimento ordinário); arts. 537, 539, 540 (novo procedimento sumário), art. 594 (substituído pelo art. 387, parágrafo único), os §§ 1º e 2º do art. 366; os §§ 1º a 4º do art. 533 (novo procedimento sumário), os §§ 1º e 2º do art. 535 (idem) e os §§ 1º a 4º do art. 538 (idem).
Procurador de Justiça no Estado da Bahia. Foi Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador-UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Integrante, por duas vezes consecutivas, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação da Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, do Curso JusPodivm e do Curso IELF. Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria com Isaac Sabbá Guimarães) e “Juizados Especiais Criminais”– Editora JusPodivm, 2009, além de organizador e coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados na Bahia e no Brasil.
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