A relativização da coisa julgada faz brotar a insegurança jurídica? A relativização da coisa julgada atenta contra o princípio da razoável duração do processo inserto no inciso LXXVIII do art. 5º da CF/88?
A coisa julgada tem previsão constitucional no art. 5º, XXXVI e nada mais é do que uma das vigas mestras do Estado Democrático de Direito.
Em que pese haja entendimentos divergentes, predomina o posicionamento no sentido de ser a coisa julgada uma garantia constitucional e tendo como instrumento principal de ataque, se a sentença for inconstitucional, a Ação Rescisória, nos moldes do art. 485 do CPC.
A relativização da coisa julgada é tema que vem sendo muito discutido dentro do Direito e tem gerado opiniões conflitantes de diversos renomados autores. Hodiernamente, tem-se travado grandes debates sobre a possibilidade de relativização da coisa julgada material, independente do uso da ação rescisória e prazo estabelecido legalmente, o que está intimamente ligado ao princípio da segurança dos atos jurisdicionais.
Para Nelson Nery Jr., Sérgio Gilberto Porto e outros, a coisa julgada tem fundamento constitucional (art. 5.º, XXXVI, e art. 1.º, CF), é cláusula pétrea, e, pois, não pode ser alterada nem por emenda constitucional (art. 60, § 4.º, I e IV, CF). Já para Humberto Theodoro Jr., Teresa A. A. Wambier, José Miguel Garcia Medina e outros, ela tem fundamento infraconstitucional, é fenômeno processual e a Constituição Federal só fixa o entendimento de irretroatividade de lei.
Nesse sentindo há pouco tempo o STJ prolatou decisão em favor da coisa julgada sob o fundamento que sua relativização seria afronta ao direito vigente (REsp 432.108-MG, DJ 19/12/2002. REsp 435.102-MG).
Os doutrinadores favoráveis à flexibilização da coisa julgada, sustentam sua não formação em caso de vícios graves, ou nos casos de coisa julgada inconstitucional, aceitando sua desconstituição a qualquer tempo, grau de jurisdição e por qualquer meio, com extensiva interpretação, ou nova redação ao art. 485 do CPC. Já a posição contrária discorda da submissão da coisa julgada, defendendo a decisão justa “possível” com ressalva ao atual momento histórico-processual (celeridade, instrumentalidade, efetividade).
No entanto, o intérprete do direito não pode defender uma relativização da coisa julgada a qualquer custo e de qualquer modo, visto que se assim agir, poderá desmoronar e banalizar o instituto da coisa julgada, ofendendo o princípio da segurança jurídica, calcado na Constituição Federal como cláusula pétrea. Parece que mais acertado é o posicionamento daquela doutrina que anseia por alterações legislativas, no sentido de admitir mais uma hipótese de coisa julgada secundum eventum probationis, caso em que não se estaria tratando de relativizar o instituto da coisa julgada de lege lata, mas, de lege ferenda, de forma a legalizar o instituto.
Assim, pode-se afirmar que nem todas as decisões transitadas em julgado podem ser relativizadas, sob pena de ocorrer sua desconsideração, como adverte Marinoni[1], “(…) a falta de critérios seguros e racionais para a relativização da coisa julgada material pode, na verdade, conduzir à sua desconsideração, estabelecendo um estado de grande incerteza e injustiça. Essa desconsideração geraria uma situação insustentável”.
São consistentes os argumentos de Ovídio Baptista[2], pois, sabe-se que a coisa julgada é instituto ligado ao Estado de Direito e não tem nada a ver com a justiça da decisão esperada pelos jurisdicionados. A justiça buscada no judiciário é falível uma vez que é humana. A posição prevalente é ligada à idéia de que o Direito e a norma do caso concreto ditada pelo Judiciário são válidos porque foram declarados pelo Estado Soberano e, não porque é justo. Claro é que se ponderam os ideais de segurança e justiça, de maneira a conciliá-los e demonstrar sua importância no alcance das metas constitucionais.
Nesse sentido é o posicionamento da jurisprudência estrangeira, pela segurança da coisa julgada como uma imposição do direito à efetiva tutela jurisdicional.
Frente aos argumentos expostos, filio-me ao entendimento de que a relativização da coisa julgada faz brotar insegurança jurídica não somente no sistema como um todo, mas no coração dos seres humanos com a possível eternização dos conflitos.
Deve-se observar, no entanto, que não se prega as perpetuações de injustiças e sim, que a relativização não pode ser feita de qualquer forma, pois se assim fosse restaria afetado a estrutura da coisa julgada, protetora do princípio da segurança jurídica que dá sustentação ao Estado Democrático de Direito.
Para tanto, há de se fazer ponderação de interesses com base na proporcionalidade, posto que a coisa julgada não engessa o sistema, porém os meios para sua desconsideração devem estar insertos expressamente e não na esfera abstrata, ou seja, há a necessidade de legislar a questão no sistema para que haja pauta de motivação, a fim de se evitar a insegurança jurídica.
Não se deve olvidar, que acoisa julgada material é atributo indispensável ao Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário
O direito de acesso à justiça ao cidadão não faz sentido sem lhe dar o direito de ver seu conflito solucionado definitivamente. Em razão disso, se a definitividade inerente à coisa julgada pode, em alguns casos, produzir situações indesejáveis ao próprio sistema, não é correto imaginar que, por isso, ela simplesmente possa ser relativizada.
Ressalta-se por oportuno, que a idéia de se dar ao juiz o poder de balancear um direito com a coisa julgada material elimina a essência da coisa julgada como princípio garantidor da segurança jurídica, passando a instituir um sistema aberto.
Ademais, a possibilidade de desconsideração da coisa julgada diante de determinado caso concreto certamente estimulará a eternização dos conflitos e colaborará para o agravamento, morosidade judiciária, trilhando assim, caminho oposto ao almejado pela doutrina processual contemporânea.
A sociedade brasileira anseia por mudanças, porém deve-se evitar abrir exceções e conseqüentemente precedentes, com o intento de relativizar a coisa julgada a todo custo. Nesse caso, por mais que se faça um trabalho de hermenêutica jurídica, parece que não será correto mitigar a coisa julgada sem previsão legal que ampare essa hipótese, pois se adotarmos esse entendimento estaríamos vulneráveis à rediscussão ad eternum do processo, o que atenta diretamente contra o princípio constitucional da razoável duração do processo e a insegurança das relações sociais.
Possivelmente, ao se adotar a tese da relativização, a morosidade da justiça se agravará, já que se permitirá a reabertura de muitas demandas findas, o que poderá gerar caos no judiciário e também nos cartórios de registro.
O princípio da duração razoável do processo não se coaduna com a relativização da coisa julgada, eis que nesses casos o processo estará resolvido simplesmente sem prazo; semeando assim, incertezas, desigualdades e desequilíbrio social, estabelecendo aos litigantes e a seus sucessores um estado de grande incerteza e injustiça.
Servidora Pública Estadual e especialista Pós graduação lato sensu em Direito Público Processo Civil e Ciências Criminais
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