Sumário: I- Introdução; II- Tratamento normativo e jurisprudencial; III- A transcendência em matéria criminal; IV- Considerações finais; V – Documentos consultados.
Resumo: Este artigo trata do Recurso extraordinário na esfera criminal, no qual é abordado o tratamento normativo e jurisprudencial do mesmo, bem como a analise acerca da (in)aplicabilidade da exigência da demonstração preliminar repercussão geral ou transcendencia ao referido recurso, imposta pela disposição constitucional constante no parágrafo 3º. do art. 102 da Lei Maior e regulamentada, no âmbito processual civil, pela Lei 11.418 de 19 de dezembro de 2006 que acrescentou os artigos 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil. Discute-se, ainda, a eficácia da mencionada norma constitucional, tratando, por fim, acerca da sua incidência, ou não, no recurso extraordinário na seara criminal.
Palavras-chave: Recurso Extraordinário – repercussão geral – eficácia -legislação – processamento – inexigibilidade – matéria criminal.
I – INTRODUÇÃO. [1]
Neste trabalho analisaremos o recurso extraordinário manejado perante a justiça criminal, examinando sua admissibilidade, requisitos, aspectos procedimentais e, em especial, a exigência estabelecida pela disposição constitucional constante no parágrafo 3º. do art. 102 da Lei Maior, regulamentada pela Lei 11.418 de 19 de dezembro de 2006 que acrescentou os artigos 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil, impondo a demonstração preliminar da repercussão geral da questão constitucional discutida no recurso.
Na etapa inicial do presente estudo faremos uma breve pesquisa em torno do recurso extraordinário na esfera criminal, expondo sua previsão constitucional, a regulamentação através da legislação específica, além dos requisitos exigidos pela jurisprudência para o conhecimento e processamento do mesmo.
O primeiro e grande desafio na abordagem do tema escolhido é a análise acerca da aplicabilidade, ou não, da exigência da repercussão geral da questão constitucional discutida nos recursos criminais, vez que a alteração legislativa, regulamentando o disposto no art. 102, parágrafo 3º, da Constituição Federal, se deu através de acréscimos dos artigos 543-A e 543-B do Código de Processo Civil. Como o tema é assaz presente, porque a Lei 11.418 de dezembro de 2006 entrou em vigor fevereiro de 2007, ainda não temos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da matéria.
Outro instigante debate gira em torno dos limites da exigência da repercussão discutindo se esta circunscreveria apenas na esfera penal ou também seria necessária a demonstração da transcendência para o ordenamento jurídico como um todo, atingindo, assim, a relevância econômica, política, social e jurídica. Tal questão deverá ser enfrentada pelos que admitem a incidência repercussão na seara criminal.
Dessa forma, partindo para conclusão, nos posicionamos pela desnecessidade da demonstração da transcendência no recurso extraordinário ofertado perante a justiça criminal, em razão da própria essência da relação jurídica processual penal, bem como do bem jurídico tutelado serem de interesse de toda coletividade.
II – TRATAMENTO NORMATIVO E JURISPRUDENCIAL.
O recurso extraordinário tem seu berço na Constituição Federal e, na lição de Tourinho Filho[2] é o “ (…) meio do qual se propicia ao Supremo Tribunal Federal manter o primado da Constituição. Por intermédio dele o Excelso Pretório, guardião supremo da Lei Maior, tutela os mandamentos constitucionais”.
Para a doutrina de Ada Pelegrini Grinover e outros[3] “(…) são meios de impugnações que estão à disposição das partes, mas que visam na verdade à tutela do próprio direito federal; prestam-se somente ao reexame de questões de direito, excluída a análise de matéria de fato; e, finalmente, são cabíveis apenas nas hipóteses taxativamente elencadas(…)”
A previsão constitucional do recurso em debate vem expressa no artigo 102 , inciso III da Carta Republicana, que assim dispõe, ad litteram:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(omissis)
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Regulamentando a interposição do recurso assegurado constitucionalmente, temos o disciplinamento da matéria através da Lei 8.038 de 1990 que possui a seguinte disposição legal, in verbis:
Art. 26. Os recurso extraordinário e especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos no prazo comum de 15 (quinze) dias, perante o Presidente do Tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:
I – exposição do fato e do direito;
II – a demonstração do cabimento do recurso interposto;
III – as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.
Parágrafo único. Quando o recurso se fundar em dissídio entre a interpretação da lei federal adotada pelo julgado recorrido e a que lhe haja dado outro Tribunal, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, ou indicação do número e da página do jornal oficial, ou do repertório autorizado de jurisprudência, que o houver publicado.
Art. 27. Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista pelo prazo de 15 (quinze) dias para apresentar contra-razões.
§ 1º Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso, no prazo de cinco dias.
§ 2º Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo.
§ 3º Admitidos os recursos, os autos serão imediatamente remetidos ao Superior Tribunal de Justiça.
§ 4º Concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado.
§ 5º Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial daquele em decisão irrecorrível, sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para julgar o extraordinário.
§ 6º No caso de parágrafo anterior, se o relator do recurso extraordinário, em despacho irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial.
Art. 28. Denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de 5 (cinco) dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso.
§ 1º Cada agravo de instrumento será instruído com as peças que forem indicadas pelo agravante e pelo agravado, dele constando, obrigatoriamente, além das mencionadas no parágrafo único do art. 523 do Código de Processo Civil, o acórdão recorrido, a petição de interposição do recurso e as contra-razões, se houver.
§ 2º Distribuído o agravo de instrumento, o relator proferirá decisão.
§ 3º Na hipótese de provimento, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito do recurso especial, o relator determinará, desde logo, sua inclusão em pauta, observando-se, daí por diante, o procedimento relativo àqueles recursos, admitida a sustentação oral.
§ 4º O disposto no parágrafo anterior aplica-se também ao agravo de instrumento contra denegação de recurso extraordinário, salvo quando, na mesma causa, houver recurso especial admitido e que deva ser julgado em primeiro lugar.
§ 5º Da decisão do relator que negar seguimento ou provimento ao agravo de instrumento, caberá agravo para o órgão julgador no prazo de 5 (cinco) dias.
A exigência da repercussão geral da questão discutida no recurso extraordinário foi implementada através da Emenda Constitucional de numero 45 que inseriu o parágrafo 3º. no art. 102 da Lei Maior que assim dispõe, ad litteram:
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
O aludido parágrafo que trata da repercussão geral do recurso extraordinário ou transcendência, é regulamentado, na esfera do Direito Processual Civil, pela Lei 11.418 de 2006 que inseriu os artigos 543-A e 543-B ao mencionado Código e que preceitua o seguinte, in verbis:
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.(g.n)
§ 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.(g.n)
§ 2o O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.
§ 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.
§ 4o Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.
§ 5o Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 6o O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 7o A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.”
“Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
§ 3o Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
§ 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
§ 5o O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.”
No tocante ao cabimento do recurso extraordinário, bem como os requisitos formais para sua admissibilidade a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há bastante tempo, já traçou as linhas mestras acerca do assunto.
Para o Colendo STF, não será admitido recurso extraordinário quando a matéria não foi objeto de manifestação explicita no juízo de origem e nem foram ofertados embargos declaratórios a fim de ver discutida a questão constitucional controvertida, portanto o prequestionamento do tema que se pretendia ver submetido à instância extraordinária. Do mesmo modo, não se admite o recurso em questão somente para reavaliação da prova. Nesse sentido é o teor das Súmulas 279 e 356 da Excelsa Corte, ad litteram:
O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento. (SÚM. 356)
Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. (SÚM. 279)
Destaque-se, ainda, a importância da correta fundamentação do recurso extremo, demonstrando, cabalmente, a questão jurídica debatida, bem como a controvérsia existente, de forma que fique bastante evidente o que pretende levar ao conhecimento da instância extraordinária. Nesse sentido e o teor das Sumulas do Colendo STF:
É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia. (SÚM. 284)
Idêntico cuidado deve-se ter com a interposição do agravo de instrumento nos casos de não admissão do recurso extraordinário na instância originária. Cofira-se:
Nega-se provimento ao agravo, quando a deficiência na sua fundamentação, ou na do recurso extraordinário, não permitir a exata compreensão da controvérsia.(SÚM. 287)
Vale enfatizar, ainda, a relevância da instrução escorreita dos recursos impetrados, seja o recurso extraordinário ou o agravo de instrumento, em caso de não admissibilidade do primeiro pelo juizo a quo, sob pena de ver prejudicada a questão de direito discutida:
Nega-se provimento a agravo para subida de recurso extraordinário, quando faltar no traslado o despacho agravado, a decisão recorrida, a petição de recurso extraordinário ou qualquer peça essencial à compreensão da controvérsia.(SÚMULA Nº 288)
Aplica-se a Súmula 288 quando não constarem do traslado do agravo de instrumento as cópias das peças necessárias à verificação da tempestividade do recurso extraordinário não admitido pela decisão agravada.” (SÚM. 639)
É de relevo salientar, por fim, o prazo para interposição do recurso extraordinário na esfera criminal, bem como do agravo de instrumento, caso o primeiro não seja recebido no tribunal de origem. Assim dispõe a norma de regência:
Art. 26. Os recurso extraordinário e especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos no prazo comum de 15 (quinze) dias, perante o Presidente do Tribunal recorrido, em petições distintas que conterão(g.n)
(omissis)
Art. 28. Denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de 5 (cinco) dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso. (Lei 8.038/90)(g.n)
Destaque-se também que as alterações introduzidas no âmbito do Direito Processual Civil não repercutiram na esfera Processual Penal, mantendo-se, portanto, a integralidade da legislação de regência, no que diz respeito ao recurso extraordinário e ao agravo de instrumentos interpostos em matéria penal. Este é o teor da Sumula 699 do C. STF:
O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a lei 8038/1990, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da lei 8950/1994 ao código de processo civil. (Súmula nº 699)
III – A TRANSCENDÊNCIA EM MATÉRIA CRIMINAL
A análise da repercussão geral da matéria discutida no recurso, diga-se, desde logo, que não se confunde com a relevância federal da questão, outrora exigida pelo RISTF no art. 325, inciso XI e Súmula 282 do STF, como vem se manifestando, equivocadamente, parte da doutrina.
Assim dispõem as referidos normas:
Art. 325 (1 e 5). Nas hipóteses das alíneas a e d do inciso III do artigo 119 da Constituição Federal, cabe recurso extraordinário[4]:
(omissis)
XI – em todos os demais feitos, quando reconhecida a relevância da questão federal.
“É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.” (SÚM. 282)
A distinção entre a atual exigência da repercussão geral ou transcendência e a relevância federal da questão, anteriormente exigida, é que esta era apenas um instrumento que vedava a admissão de recursos extraordinários que não estavam expressamente elencados no regimento interno do STF. A transcendência, por sua vez, ao contrário, aplica-se a todos os recursos extraordinários, não penais, levado ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal e por quorum qualificado decidirá ser há ou não transcendência daquele caso concreto subjudice. Nesse sentido, acolhemos integralmente o posicionamento doutrinário de Marcelo Andrade Feres[5] a respeito do tema, tendo o mesmo esclarecido o seguinte:
Não se pode confundir, assim, a atual repercussão geral (ou transcendência) com a antiga argüição de relevância. Enquanto esta constituía um mecanismo de atribuição de admissibilidade apenas a recursos que não se encontrassem expressamente previstos na enumeração regimental, aquela é exigida de todo e qualquer apelo extraordinário, ao menos na vocação literal do novo inciso III do art. 102 da Constituição da República.
Parte da doutrina, a qual nos filiamos, sustenta que a regra inserida pela EC 45 de 2004, impondo a demonstração preliminar da repercussão geral ou transcendência da matéria discutida no recurso extraodinario não possui eficácia imediata, depende de norma regulamentadora, ou seja, “ (…) há preceitos constitucionais que tem aplicação mediata, por dependerem de norma posterior, ou seja, de lei complementar ou ordinária, que lhes desenvolva a eficácia(…),[6] assim, são normas de eficácia mediata, chamadas por Maria Helena Diniz[7] de normas com eficácia relativa dependente de complementação legislativa, porque
Não recebem, portanto, do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação imediata, porque ele deixou ao Legislativo a tarefa de regulamentar a matéria, logo, por esta razão, não poderão produzir todos os seus efeitos de imediato, porem têm aplicabilidade mediata já que incidirão totalmente sobre os interesses tutelados, após o regramento infraconstitucional.
Nesse sentido, trazemos ainda o posicionamento de Marcelo Andrade Féres[8] em relação ao disposto no art. 102, parágrafo 3º. da Lei Maior, in verbis:
(…), outra investigação que se alinha é aquela referente à eficácia da novel disposição constitucional. O § 3º introduzido no art. 102 da Lei Fundamental refere-se à transcendência, nos termos da lei, ou seja, demanda norma infraconstitucional para que se concretize. Cuida-se, pois, de norma de eficácia limitada. Não se pode fugir disso. É necessário que a legislação venha regular o procedimento de aferição da transcendência, bem como dar densidade àquilo que se reputa ser a transcendência. Seria ela analisada em sessão administrativa da Corte, como ocorria com a argüição de relevância? Poderia ser a transcendência econômica, social, política ou jurídica? Caberia intervenção das partes ou de terceiros no momento de seu exame? Trata-se de perguntas que, sem dúvida, reclamam respostas legislativas.
Nesse passo, admitindo que o preceito contido no parágrafo 3º. do art. 102 da Lei Maior como norma de eficácia limitada, como de fato o é, vez que o próprio texto constitucional é expresso em estabelecer que o preceito tratado no referido parágrafo terá eficácia nos termos da lei, tanto é que foi preciso a edição da Lei 11.418 de 2006 para que se pudesse ter efetividade na esfera processual civil. Dessa forma, apresenta-se o primeiro e contundente argumento pela não exigência nos recursos criminais a demonstração preliminar da transcendência ou repercussão geral da matéria discutida em juízo face a ausência de norma infraconstitucional regulamentadora, exigida, como dissemos, pelo texto constitucional.
Para que se possa impor a comprovação da repercussão geral ao recurso extraordinário manejado na esfera criminal, faz-se, inexoravelmente, a necessária alteração do Código de Processo Penal, como já ocorreu no Código de Processo Civil, nos termos da Lei. 11.418 de 2006. Registre-se, desde já, por oportuno, que as alterações na esfera processual civil não repercutem, necessariamente, no direito processual penal, como, por exemplo, a divergência no prazo para interposição do recurso de agravo de instrumento no âmbito penal e civil, não se aplicando as alterações ocorridas seara processual civil, consoante demonstramos acima.
Outro substancial argumento que afasta a exigência da demonstração da transcendência ou repercussão geral nos recursos criminais é extraído da própria relação jurídica processual penal. Esta é completamente diversa das outras áreas do direito, até mesmo pelo bem jurídico envolvido, por vezes, foge da esfera de disponibilidade do titular do direito, repercutindo em toda coletividade.
Além disso, é de relevo destacar que, na esfera criminal, a nosso sentir, haverá imensa dificuldade do legislador em regulamentar a questão da transcendência, até mesmo porque a própria relação jurídica processual penal, de per si, na sua essência, já ultrapassa os interesses pessoais envolvidos, como ilustraremos adiante.
Constata-se que, quase sempre, os erros, as omissões e o desatendimento ao rito estabelecidos nas normas processuais, dentre outras situações, via de regra repercutem nas garantias constitucionais e, em particular, no sistema acusatório encampado pela norma constitucional. Sendo assim, tais ofensas, ensejam a provocação da instância extraordinária e não é por outra razão que o RISTF dipõe em seu art. 325 acerca do admissibilidade do recurso extraordinário em matéria criminal, ad litteram:
Art. 325(1 e 5). Nas hipóteses das alíneas a e d do inciso III do artigo 119 da Constituição Federal, cabe recurso extraordinário[9]:
I – (omissis)
II – (omissis)
III – nos processos por crime a que seja cominada pena de reclusão;(g.n)
IV – nas revisões criminais dos processos de que trata o inciso anterior;(g.n)
Convém rememorar que o Estado avocou para si, com exclusividade, a função de realizar justiça, vedando, portanto, aos particulares a possibilidade de faz justica com as próprias mãos[10], ou seja, somente o Estado poderá impor sanção de caráter penal (jurisdição necessária), no interesse da sociedade, através do procedimento estabelecido em lei(integralidade do rito), com imperiosa e inafastável resistência técnica (indispensabilidade da defesa), de tal foram que a imposição de pena, de forma justa, adequada e proprocional ao fato praticado, assegurando as garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, dentre outros correlatos, tem respaldo o legal e legitimidade demandados por toda sociedade (realização da justiça plena).
A pena infligida consoante as regras previamente estabelecidas, nos moldes demonstrados acima, é de interesse de toda sociedade, transcedende, portanto, os interesses dos envolvidos na relação jurídica processual penal, porque a realização da justiça substancial é um anseio de toda sociedade. Dessa forma, constata-se que a própria natureza da relação jurídica penal, na sua essência, de per si, transcende os interesses envolvidos no processo, repercute em toda coletividade, não se admitindo, portanto, a imposição de outros requisitos que dificultem ou prolonguem a tutela da liberdade. Se o legislador assim o fizer, seguramente, tal norma será considerada inconstitucional.
Acrescente-se, ainda, que o descumprimentos das formalidades processuais estabelecidas ou a ofensa à garantia da integralidade procedimental ou ainda a inobservância das garantias constitucionais, em especial do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, bem de outros sub-princípios decorrentes daqueles, irá refletir nos dispositivos constitucionais, contrariando-os, ensejando, assim, interposição de recurso extraordinário, sem necessidade de demonstrar qualquer outra exigência.
Admitindo-se a hipótese da exigência da repercussão nos recursos criminais, apenas ad argumentandum, vale destacar desde logo que o juizo acerca da transcendência ‘e de exclusividade do Supremo Tribunal Federal, sendo vedado, portanto, ao Tribunal de origem a apreciação deste requisito de admissibilidade.
Ademais disso, por outro ângulo, para os que admitem a aplicabilidade da norma constitucional da repercussão geral aos recursos criminais, surge outra interessante questão a ser desvelada no tocante aos limites e alcance da exigência da transcendência, bem como o conteúdo, a substância da mesma no âmbito criminal.. Em muitos casos, jamais a parte recorrente poderá demonstrar, por exemplo, a repercussão econômica ou política da decisão judicial atacada que ultrapasse os interesses subjetivos da causa. Quanto aos demais requisitos, tais sejam o aspecto social ou jurídico da repercussão geral a ser evidenciada no recurso, admite-se como possível, em tese, a sua demonstração.
IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Por todo o exposto, conclui-se que não se poderá exigir do recorrente a demonstração, em sede preliminar, da transcendência ou repercussão geral no recurso extraordinário ofertado em matéria criminal, vez que a norma contida no art. 102, parágrafo 3º. da Constituição Federal não possui eficácia imediata, ou como quer parte da doutrina, é preceito constitucional com eficácia relativa dependente de complementação legislativa, sendo, portanto, necessário a alteração do Código de Processo Penal, como já ocorreu na esfera do direito processual civil com a Lei 11.418 de 19 de dezembro de 2006, que acrescentou os artigos 543-A e 543-B ao CPC.
Não se imporá também a exigência da repercussão geral em virtude da relação jurídica na esfera criminal ser completamente distinta das estabelecidas nas demais áreas do direito, até mesmo pelo bem jurídico protegido que, por vezes, ultrapassa a esfera de disponibilidade do titular do direito, repercutindo em toda coletividade.Haverá, assim, grande dificuldade do legislador em regulamentar a questão da transcendência, pois como dissemos, a própria relação jurídica processual penal, de per si, já extrapola os interesses pessoais envolvidos.
Acrescente-se, ainda, que o descumprimentos das formalidades ou as ofensas perpetradas contra à garantia procedimental, a inobservância do devido processo legal, em seu duplo aspecto, as ofensas à ampla defesa e ao contraditório, por fim, as regras do sistema constitucional acusatório, certamente irão repercutir nas garantias constitucionais, ensejando, portanto, a interposição do recurso extraordinário para julgamento pelo guardião da Constituição Federal.
Sendo assim, deve-se levar em conta, ainda, que, na esfera penal, há interesse da sociedade que a pena imposta a um de seus membros seja forma justa (legítima), através de procedimento prévio (garantia do procedimento adequado), integral, estabelecido na norma, além de atender às garantias insculpidas na Lei Maior (contraditório, ampla defesa, devido processo legal, dentre outros) sobretudo a observância do sistema constitucional acusatório. A injustiça causa temor, desconfiança e, além de tudo, desestabiliza a fé do cidadão nas instituições. Conclui se, portanto, que a transcendência ou repercussão geral do recurso extraordinário, na esfera criminal, é tácita em virtude das especificidades da relação jurídica firmada, bem como em face do jurídico tutelado e seu imediato reflexo no direito de liberdade, como forma de atender os anseios de justiça clamados por toda sociedade.
Aliado a isso, temos ainda que no processo penal há obrigatoriedade do cumprimento do rito estabelecido, o atendimento integral de todo o procedimento previsto no ordenamento jurídico, pois qualquer desvio, descumprimento ou desatendimento poderá repercutir nas garantias constitucionais do acusado e, de conseguinte, gerar reflexo no direito de liberdade de modo a ensejar a interposição do recurso extremo.
Conclui-se, assim, que não se poderá exigir a demonstração preliminar da repercussão geral ou transcendência dos recursos extraordinários ofertados em matéria criminal, porque a norma constitucional não é auto aplicável, depende de lei infraconstitucional regulamentadora especifica, bem como, e mais relevante, em virtude da própria relação jurídica estabelecida da seara processual penal de per si, na sua essência, já transcende os interesses pessoais envolvidos.
Defensor Público Federal de Categoria Especial, Titular do 30o. Ofício Superior – Tribunais Superiores – Especializado Criminal;
Professor de Prática Processual Penal, Direito Processual Penal Militar e Professor de Direito Processual Penal do UNICEUB – Brasília /DF
Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UNIFACS
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