A Responsabilidade Civil do Estado

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Resumo: À luz dos direitos e garantias positivados na Constituição Federal de 1988 aferimos as possibilidades de responsabilização civil do Estado por danos econômicos e morais causados na prestação de serviços na área da educação. Estudamos os elementos da responsabilidade civil bem como as teorias subjetiva e objetiva desta. Realizamos a aplicação das referidas teorias em casos concretos extraídos da jurisprudência de diversos tribunais brasileiros.[1]


Palavras-chave: Constituição; responsabilidade civil; Estado; educação; teoria subjetiva; teoria objetiva.


Abstract: Enlighten by the rights and guarantees on the Federal Constitution of 1988 we measured the possibilities the State civil responsibility for economic and moral damages caused on the educational services. We studied the civil responsibility features as well as it’s subjective and objective theories. We applied of those theories on real cases extracted from tribunal decisions of several brazilian courts


Keywords: Constitution; civil responsibility; State; education; subjective theory; objective theory.


Sumário: 1. Da responsabilidade civil do Estado; 1.1. Evolução histórica; 1.2. A responsabilidade civil do Estado nas constituições brasileiras; 1.2.1. Teoria do risco; 1.2.2. Teoria do risco administrativo; 1.2.3. Responsabilidade objetiva do Estado; 1.2.3.1. Responsabilidade subjetiva do agente; 1.2.3.2. Ação de regresso.


1. Da responsabilidade civil do Estado


O Estado como pessoa jurídica de direito público, é figura impar no ordenamento jurídico. Por vivemos em um estado democrático de direito e em face do elenco de direitos que foram garantidos aos cidadãos com o advento da Constituição Federal de 1988, o Estado foi imbuído de uma série de obrigações que não encontra comparação em nenhum outro ente jurídico. Para que tenha condições de cumprir tais obrigações, o Estado foi dotado de uma vasta série de “poderes-deveres”, como bem definiu o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello.


Justamente por haverem tantas distinções, a responsabilidade civil estatal, de igual forma, difere do modelo de responsabilidade civil cabível a qualquer outro ente jurídico. Desta forma, a análise da responsabilidade civil do Estado e sua extensão é um objeto de estudo tão instigante, absolutamente necessário e ainda muito longe de pacificação.


Os serviços prestados pelo Estado, que visam à materialização dos direitos positivados na Constituição, têm como destinatário o cidadão. Exatamente nesta prestação de serviços é que podemos notar a incidência da responsabilidade civil do Estado, uma vez que toda atividade, seja ela estatal ou privada, trás consigo uma carga de risco inerente. Assim, a responsabilidade civil do Estado se estende cada vez mais, nos mais diversos campos de atuação em que sua presença se faz necessária.


1.1. Evolução histórica


Na época dos Estados absolutistas não se cogitava da responsabilidade civil do Estado, muito pelo contrário, o Estado não possuía responsabilidade alguma. A entidade estatal estava intimamente ligada à figura do rei.


Segundo a teoria que vigorava então, o poder do rei emanava, em última análise, de Deus. Assim nasceu a regra inglesa da infalibilidade real “the king can do no wrong”, como pode-se extrair da ilustração de Cezar Fiuza:


“Partiu-se da irresponsabilidade para a responsabilidade subjetiva, até a responsabilidade objetiva.


A irresponsabilidade fundamentou-se na regra inglesa da infalibilidade real – The king can do no wrong. O Estado estava muito ligado à pessoa do rei, que era entronado, em última instância, por Deus”


Mesmo nos tempos em que tal teoria vigorava, os súditos não estavam totalmente desamparados pela lei. Admitia-se então a possibilidade de responsabilidade do funcionário, naquelas situações em que o ato lesivo pudesse ser diretamente relacionado a um comportamento pessoal deste. Entretanto, como afirma Bandeira de Mello, a “operatividade” da solução, no mais dos casos, se apresentava bastante difícil:


“É bem verdade, todavia, que a operatividade da solução, sobre se revelar insuficiente  pela pequena expressão do patrimônio que deveria responder, era gravemente comprometida em sua eficácia pela existência de uma ‘garantia administrativa dos funcionários’”


A irresponsabilidade estatal que dominou os estados absolutistas perdurou e só veio a ser extinta no século passado, desaparecendo em 1946 nos Estados Unidos e em 1947 na Inglaterra, ainda que estes países sejam “ambos Estados de Direito, aliás, pilares da democracia moderna”, nas palavras de Cezar Fiúza.


Em meados do século XIX começou-se a admitir a possibilidade da responsabilidade subjetiva do Estado. Conforme visto no capítulo anterior, a responsabilidade subjetiva depende da culpa do agente, sem a qual, mesmo que haja um ato ilícito e dano, não há que se falar em responsabilidade. Entretanto a responsabilização subjetiva do Estado se mostrou inócua na tentativa de garantir direitos dos cidadãos, tendo em vista a grande dificuldade que um simples cidadão tem em produzir provas frente ao grande aparelhamento estatal que protegia a administração pública e seus agentes.


Com o surgimento da teoria da “falta do serviço” começou-se a caminhar em direção à responsabilidade objetiva do Estado. Segundo Bandeira de Mello há “a culpa do serviço ou ‘falta do serviço’ quando este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado” e continua “a ausência do serviço devido ao seu defeituoso funcionamento, inclusive por demora, basta para configurar a responsabilidade do Estado”.


Muito embora a teoria da “falta do serviço” representasse um avanço, ela ainda não configurava a responsabilidade objetiva do Estado, uma vez que em o Poder Público provando ter operado com diligência, prudência e perícia, este fica isento de responsabilidade.


Em seguida chegou-se á responsabilidade objetiva do Estado. Na responsabilidade objetiva não é necessário a comprovação da culpa, bastando o ato ilícito, o dano e obviamente o nexo causal entre estes para a configuração da responsabilidade. Tal teoria vem a equilibrar a relação entre o Estado, com todos os seus privilégios e poderes, e seus cidadãos que evidentemente encontram-se em estado de hipossuficiência nesta relação jurídica.


1.2. A responsabilidade civil do Estado nas constituições brasileiras.


No Brasil, a responsabilidade objetiva da administração pública começou a ser aplicada com o advento da Constituição Federal de 1946 (art. 194), seguindo a Constituição de 1967 (art. 105) e sua emenda nº. 1, que vários doutrinadores consideram como um nova constituição. Em síntese, como afirma o professor Bandeira de Mello, os dispositivos supra citados “equivalem ao atual art. 37, § 6º”.


O artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988 positiva:


“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”


Do dispositivo em tela pode-se extrair o princípio da responsabilidade objetiva dos Estado, uma vez que não se faz necessária, segundo a regra constitucional, a demonstração de culpa do agente, “(…) responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros”, e também o princípio da responsabilidade subjetiva do próprio agente estatal, “assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa”.


O trecho extraído do voto do Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário nº. 109.615, ilustra com clareza os institutos do artigo em comento:


“A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.”


Assim, tem-se bem claro que a carta constitucional vigente não se limita a imputar ao Estado a responsabilidade civil de forma objetiva, mas também imputa aos agentes estatais a responsabilidade civil na forma subjetiva, nos casos em que forem pertinentes.


1.2.1. Teoria do risco


A teoria do risco surgiu como solução encontrada pelo legislador brasileiro em resposta as falhas da teoria da culpabilidade. Esta teoria era ineficaz no que tange a produção de prova por parte da vítima frente às situações cotidianas de danos provenientes de atividades realizadas com regularidade.


A base da teoria do risco é o dever genérico de não prejudicar, do qual estão imbuídos todos os cidadãos. Sinteticamente, a referida teoria tem fulcro na responsabilidade social que advêm da atividade exercida. Assim toda pessoa que, além de obter proveito, normalmente financeiro, de sua atividade, cria risco de dano a terceiros tem o dever de reparação. Nas palavras de Venosa:


“A insuficiência da fundamentação da teoria da culpabilidade levou à criação da teoria do risco, com vários matizes, que sustenta ser o sujeito responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano. Trata-se da denominada teoria do risco criado e do risco benefício. O sujeito obtém vantagens ou benefícios e, em razão dessa atividade, deve indenizar os danos que ocasiona.”


Cabe ressaltar que a teoria do risco, embora semelhante, não se confunde com a responsabilidade objetiva. A teoria do risco baseia-se na idéia de que um indivíduo ou um grupo de indivíduos não devem suportar os danos advindos de uma atividade em que outrem tira proveito, enquanto a responsabilidade objetiva tem fulcro na hipossuficiência da parte lesada.


1.2.2. Teoria do risco administrativo


A teoria do risco administrativo segue a lógica da teoria do risco. Como visto anteriormente, a teoria do risco preceitua que um particular não deve suportar o dano inerente de uma atividade desenvolvida por outro particular, na qual este segundo normalmente obtém lucro ou algum tipo de vantagem. Na mesma forma, a teoria do risco administrativo preceitua que não deve um particular suportar o dano advindo de uma atividade que, em tese, se reverte em benefícios a toda coletividade. Nas palavras de Tathiana de Melo Lessa Amorim:


“A teoria do risco social fornece suporte ao princípio da responsabilidade estatal, servindo como linha divisória entre os atos regulares e os que rompem o equilíbrio dos encargos e vantagens sociais, em prejuízo de alguns particulares que acabam se sujeitando a um ônus que deveria ser suportado pela coletividade, representada pelo Estado, tendo em vista que os benefícios que geraram estes riscos também são coletivos.”


A partir da teoria do risco administrativo é que se chega à responsabilidade objetiva do Estado. Nesta teoria, afasta-se a necessidade de comprovação de culpa por parte do agente, no presente caso do agente estatal, considerando-se a hipossuficiência do administrado no que tange sua capacidade probatória bem como a regularidade dos serviços prestados pelo Estado e o proveito social inerente à esses serviços. Desta forma a “questão se desloca para a investigação da causalidade referente ao evento danoso, sem perder de vista a regularidade da atividade pública, a anormalidade da conduta do ofendido, a eventual fortuidade do acontecimento”.


1.2.3. Responsabilidade objetiva do Estado


A responsabilidade civil do Estado é fruto da evolução histórica da responsabilidade estatal que, como visto anteriormente, começou pela total ausência de responsabilidade por parte do Estado. Assim, a responsabilidade objetiva apresenta-se como o que há de mais moderno em termos de responsabilidade civil.


Para que se possa compreender de forma clara o instituto da responsabilidade objetiva do Estado, é necessário analisar a relação jurídica entre Estado e administrado – cidadão – sob a ótica deste último. Frente ao aparato que possui o Estado para organizar a vida em sociedade e administrar os serviços que deve prestar ao administrado, cidadão comum, este se encontra em flagrante hipossuficiência, ou seja, não tem condições, em um estado de igualdade formal, de concorrer juridicamente com o Estado.


Desta maneira, em face do princípio da isonomia, que em uma leitura atualizada reza que se trate de forma igual os iguais e desigual os desiguais na medida de sua desigualdade, o instituto em tela vêm para equilibrar a relação entre Estado e administrado, tendo em vista que afasta-se a necessidade de prova da culpa, esta a maior dificuldade encontrada pelo cidadão comum em uma relação jurídica.


Ainda embasado no princípio da isonomia, a responsabilidade objetiva do Estado busca a distribuição equânime do ônus das atividades estatais, tendo em vista que o bônus das referidas atividades, em tese, é aproveitado pela sociedade de forma geral. Na ilustração de Celso Antônio Bandeira de Mello:


“na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público – mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -, entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividade desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito.”


Na primeira parte do §6º do artigo 37 da Constituição Federal há uma densificação da garantia de indenização frente a lesões causadas por agentes estatais: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros”. Fica claro pela leitura do dispositivo que o legislador originário fez opção pela responsabilidade objetiva do Estado – sem necessidade de demonstração de culpa – uma vez o texto constitucional não faz qualquer menção a isso.


Já na segunda parte do dispositivo em comento, há uma dupla garantia: “assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Se o direito de regresso é assegurado literalmente em favor do Estado, também fica implicitamente garantido ao agente estatal a possibilidade de ser processado apenas pelo Estado, uma vez que a responsabilidade de indenização do administrado cabe ao próprio Estado. Tal interpretação fica clara pelo julgado do STF:


“O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular.” (RE 327.904, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 08/09/06)


Assim, ficam consagradas duas espécies distintas de responsabilidade, a responsabilidade objetiva – sem necessidade de averiguação de culpa – do Estado perante o administrado e também a responsabilidade subjetiva – com necessidade de averiguação de culpa – do agente estatal perante o Estado.


1.2.3.1. Responsabilidade subjetiva do agente


No que tange à responsabilidade subjetiva do agente, é importante ressaltar exordialmente o pensamento do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello:


“não se biparte Estado e agente (como se fossem representado e representante, mandante e mandatário), mas, pelo contrário, são considerados como uma unidade. A relação orgânica, pois, entre o Estado e o agente não é uma relação externa, constituída exteriormente ao Estado, porém interna, ou seja, procedida na intimidade da pessoa estatal”


Essa distinção da relação do Estado com seus agentes é fundamental para se entender a responsabilidade subjetiva do agente. Conforme visto no item anterior, a responsabilidade objetiva do Estado baseia-se no princípio da isonomia. Uma vez que toda a coletividade tira proveito dos serviços prestados pelo Estado, não seria justo que apenas parte dessa coletividade ou atém mesmo um único indivíduo suportem os danos – ônus – oriundos da prestação desses serviços.


Por outro lado, a responsabilidade do agente – subjetiva – baseia-se, conforme visto no capítulo anterior, na culpabilidade, ou seja, no caráter subjetivo da conduta. Destarte, para que possa o agente ser responsabilizado por sua conduta, deve restar comprovado que este agiu com negligência, imprudência ou imperícia.


Tal distinção de responsabilidades nada mais é do que a conseqüência lógica do ordenamento constitucional. Conforme mencionado no início deste capítulo, o Estado, por toda sua singularidade como ente jurídico, deve suportar os danos advindos de suas atividades, de modo que sua relação com os administrados se torne isonômica. Já a relação do Estado com seu agente, conforme visto na ilustração do Professor Bandeira de Mello, possui um caráter interno, de forma que não se esgota no simples cunho patrimonial. Nesta relação também deve ser observado o cunho educacional, motivo pelo qual a responsabilidade do agente é subjetiva, devendo-se sempre averiguar a existência de culpa.


1.2.3.2. Ação de regresso


A ação de regresso do Estado contra seu agente reveste-se de garantia constitucional, conforme se extrai da segunda parte do §6º do artigo 37: “assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. O dispositivo em comento não visa garantir tão somente o Estado mas também o agente estatal.


Para o Estado, o direito à ação de regresso possui o cunho de proteção patrimonial, uma vez que nos casos cabíveis pode-se buscar no patrimônio do agente a reposição das perdas ocasionadas pela indenização paga ao administrado em virtude da responsabilidade do Estado. Ainda em relação ao Estado, o direito à ação de regresso possui um cunho educativo. Uma vez que, só tem direito a tal ação nas situações em que seu agente atua com dolo ou culpa, ou seja, com negligência, imprudência ou imperícia, a ação de regresso é uma forma que o Estado possui, em tese, para educar seu agente de forma a não mais cometer tais erros.


Para o agente, o direito estatal à ação de regresso lhe garante a possibilidade de ser processado somente pelo próprio Estado. Muito embora não exista nenhuma norma constitucional vedando ao administrado a possibilidade de processar diretamente o agente estatal, as garantias patrimoniais do Estado no caso de sentença favorável superam largamente as garantias da esmagadora maioria dos agentes estatais.


Não obstante todos estes aspectos, raramente o Estado efetivamente exercita seu direito de regresso contra seus próprios agentes. Os principais motivos dessa inércia são analisados com clareza por Bandeira de Mello:


“o Poder Público dificilmente moverá a ação regressiva, como, aliás, os fatos o comprovam de sobejo. Tirante casos de regresso contra motoristas de veículos oficiais – praticamente os únicos fustigados por esta via de retorno – não se vê o Estado regredir contra funcionários. Diversas razões concorrem para isto. De fora parte o sentimento de classe ou de solidariedade com o subalterno (já de si conducente a uma contenção estatal da matéria), assaz de vezes o funcionário causador do dano age incorretamente com respaldo do superior, quando não em conluio com ele ou, pelo menos, sob sua complacência.”


 Seguindo, o mestre aborda as questões processuais:


“ao ser acionado, o Estado sistematicamente se defende  – e é esta mesma sua natural defesa – alegando não ter existido a causalidade invocada e haver sido absolutamente regular a conduta increpada, por isenta de qualquer falha, imperfeição ou culpa. Diante disto, é evidente que, ao depois, em eventual ação de regresso, enfrentará situação profundamente constrangedora e carente de qualquer credibilidade, pois terá de desdizer-se às completas, de renegar tudo o que dantes disse e proclamar exatamente o oposto do que afincadamente alegaram”


Desta forma, o importante e relevante instituto da ação de regresso, seja por desvios de conduta, seja por questões de lógica processual, acaba por cair em desuso, prejudicando não apenas o Estado como pessoa jurídica, mas a qualidade da prestação do serviço público de forma geral.


 


Notas:

[1] Este artigo foi orientado pelo Professor Renato Duro Dias.

Informações Sobre o Autor

Ricardo Ramos Rodrigues

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Rio Grande – FURG.


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Equipe Âmbito Jurídico

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