Resumo: O objetivo deste trabalho é fomentar uma breve discussão sobre a possibilidade de responsabilização dos sócios nas Sociedades Empresariais pelos débitos relativos ao Financiamento da Previdência Social, indicando os mecanismos legais existentes para efetivação da cobrança.
Palavras-chave: Direito Previdenciário. Financiamento da Previdência Social. Execução Fiscal. Desconsideração da Personalidade Jurídica.
Abstract: The main goal of this present work is to instigate a brief discussion on the possibility of accountability of LLC (Limited Liability Company) partners by related debts on the Social Security Financing, showing the legal mechanisms existing for effective collect.
Key words: Social Security Law. Social Security Financing. Tax Execution. Disregard of Separate Legal Personality.
Sumário: Introdução. 1. Financiamento da Seguridade Social. 2. Competência Tributária e Capacidade Tributária Ativa. 3. A Pessoa Jurídica e a Desconsideração de sua Personalidade. 4. Aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito Tributário. Conclusão.
Introdução:
O intuito do presente trabalho é fazer uma breve analise sobre a responsabilização dos sócios nas sociedade empresariais pelo débitos relativos ao financiamento da Previdência Social, com base naquilo que a doutrina e a jurisprudência vem decidindo: ora pelo redirecionamento da execução fiscal ao responsável tributário, ora pela desconsideração da personalidade jurídica da empresa para alcançar os sócios e administradores.
Para tanto, faremos um apanhado de como se dá o financiamento da seguridade social, o que são contribuições sociais e quais estão a cargo da empresa, e como se dá a cobrança das referidas contribuições, o que é a pessoa jurídica e como e em que casos se opera a desconsideração da sua personalidade jurídica, e se a disregard doctrine é aplicável ao direito tributário.
1. Financiamento da Seguridade Social.
A Constituição Federal determina em seu art. 195, que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das contribuições sociais.
Segundo Ibrahim [2016, p. 84], o financiamento direto da seguridade é realizado pelas contribuições sociais, enquanto o indireto é realizado por meio de dotações orçamentárias fixadas no orçamento fiscal anual. Embora não sejam as únicas fontes de custeio da seguridade, as contribuições sociais são as principais.
Para a consecução desse fim, prevê o art. 165, § 5º, inciso III, da Carta Magna que a Seguridade Social terá orçamento anual próprio, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direita ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público, mas que não se confunde com o Orçamento do Tesouro Nacional.
Assim, toda a sociedade deverá financiar a seguridade social, de maneira direta ou indireta, visto o seu caráter universal que tem como escopo a proteção da população contra riscos sociais escolhidos pelo legislador, que se materializa através de prestações na área de saúde pública, assistência e previdência social.
As contribuições sociais estão previstas nos artigos 149 e 195 da Constituição Federal, sendo que o primeiro estabelece normas gerais sobre a instituição, e o segundo, normas especiais relacionadas as contribuições para a Seguridade Social.
O art. 149 do CF prevê a Competência Tributária Privativa da União para instituir Contribuições Sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse nas categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, delegando, no parágrafo primeiro, competência para que Estados, o Distrito Federal e os Municípios possam estabelecer contribuições para financiar regimes próprios de previdência de seus servidores.
Por seu turno, o art. 195 trata das Contribuições Sociais para custeio da Seguridade Social, sendo certo que a Seguridade Social compreende, segundo o art. 194 da Carta Magna, um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Por esse motivo, as contribuições sociais são classificadas pelo Supremo Tribunal Federal em Sociais [em sentido amplo] e Contribuições Sociais e sentido estrito [Seguridade Social], se subdividindo esta última em Previdenciárias [art. 195, I, “a” e II, CF/88] e Não Previdenciárias [demais contribuições do art. 195]. [Supremo Tribunal Federal, RE 146.733, Rel. Min. Moreira Alves, RE 166.772-RS, DJU de 16/12/94 e ADIn 1.659-UF, Rel. Min. Moreira Alves, 27/11/97, dentre outros julgados]
O presente trabalho cuidará apenas das Contribuições ditas Previdenciárias, previstas no incisos I, alínea “a” e II, do art. 195 da Carta Política.
Várias teorias foram criadas para tentar definir a natureza jurídica das contribuições sociais, sendo a teoria fiscal a mais aceita. Leciona Carrazza que […] “as ‘contribuições’ são, sem sombra de dúvida, tributos, uma vez que devem necessariamente obedecer ao regime jurídico tributário, isto é, aos princípios que informam a tributação, no Brasil”. [CARRAZZA, 1996, p.320].
Para a maioria da doutrina e da jurisprudência, as contribuições sociais são espécie autônoma de tributo, ao lado dos impostos, taxas, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios.
É de suma importância a definição da natureza jurídica das contribuições previdenciárias, pois nos ajudará a compreender as regras que lhe são aplicáveis.
2. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE TRIBUTÁRIA ATIVA.
O doutrinador Carrazza ensina que as pessoas políticas [União, Estados, Municípios e Distrito Federal] possuem uma série de competências, dentre elas a competência tributária, que é originária, e busca seu fundamento de validade na própria Constituição, passando, a seguir, a conceitua-la como “[…] a possibilidade de criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas” [CARRAZZA, op. cit., p. 265 e 266. O grifo é do autor.]
Destarte, a competência tributária é a possibilidade de se criar tributos, inovando a ordem jurídica, expedindo regras tributárias, que somente as pessoas políticas, no exercício de seu poder de legislar, estão aptas a exercer.
O art. 149 da Constituição Federal, estabelece a Competência Tributária Privativa da União para instituir contribuições sociais. A mesma Carta Política, no art. 195, como já visto, estabelece que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direita e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais.
Sendo assim, a União é a única que pode instituir contribuições sociais para o custeio da previdência social, aqui entendido o Regime Geral de Previdência Social [RGPS], haja vista que as demais pessoas políticas podem estabelecer contribuições para financiar regimes de previdência de seus servidores [§ 1º, do art. 149, da CF].
Coisa diferente é capacidade tributária ativa. Pode ser que a pessoa política que instituiu o tributo se coloque na posição de sujeito ativo, sendo a credora da prestação a ser cumprida pelo devedor. Outras vezes, a mesma pessoa política edita lei criando um tributo, mas transfere a outra entidade a prerrogativa para cobrar esse tributo. Desse modo, a entidade que recebe essa incumbência passa a ser a credora da exação criada, passando a figurar, então, no polo ativo.
Trago à colação, excerto da doutrina de Carvalho que explica a diferença entre elas:
“Em algumas oportunidades, porém, verificamos que a lei instituidora do gravame indica sujeito ativo diferente daquele que detém a respectiva competência, o que nos conduz à conclusão de que uma é a pessoa competente, outra a pessoa credenciada a postular o cumprimento da prestação. Ora, sempre que isso se der, apontando a lei um sujeito ativo diverso do portador da competência impositiva, está o estudioso habilitado a reconhecer duas situações juridicamente distintas: a) o sujeito ativo, que não é titular da competência, recebe atribuições de arrecadar e fiscalizar o tributo, executando as normas legais correspondentes (CTN, art. 7º), com as garantias e privilégios processuais que competem à pessoa que legislou (CNT, art. 7º, § 1º), mas não fica com o produto arrecadado, isto é, transfere os recursos ao ente político; ou b) o sujeito ativo indicado recebe as mesmas atribuições do item a, acrescidas da disponibilidade sobre os valores arrecadados, para que os aplique no desempenho de suas atividades específicas […]”. [CARVALHO, 1997, p. 147/148.].
Quando acontece a última hipótese acima mencionada, ocorre o fenômeno jurídico da parafiscalidade, que é conceituado pelo mesmo doutrinador:
“[…] como o fenômeno jurídico que consiste na circunstância de a lei tributária nomear sujeito ativo diverso da pessoa que a expediu, atribuindo-lhe a disponibilidade dos recursos auferidos, para o implemento de seus objetivos peculiares.” [CARVALHO, op. cit., 148].
Sendo as contribuições sociais destinadas ao financiamento da Seguridade Social, a União, que é a pessoa política competente para instituí-las e cobrá-las, poderia outorgar a capacidade ativa para o órgão administrador da Seguridade Social, e assim o fez.
Antes da edição da Lei nº 11.457/07, a capacidade tributária ativa de arrecadação e fiscalização das contribuições previdenciárias era do INSS. Com a Lei 11.098/05, houve a criação da Secretaria da Receita Previdenciária, que era órgão do Ministério da Previdência Social, a quem a União transferiu a capacidade de lançar, arrecadar e fiscalizar as contribuições de custeio do RGPS, perdendo, assim, o INSS a capacidade tributária ativa.
Com a Lei 11.457/07, foi criada a Secretaria da Receita Federal do Brasil [SRFB], que passou a ser o órgão tributário responsável pelos orçamentos fiscais e da Seguridade Social. Portanto, a partir da edição da referida lei, a União delegou à SRFB a capacidade tributária ativa para gerenciar e fiscalizar a arrecadação das contribuições sociais da pessoa jurídica, sujeito passivo da relação tributária.
A cota patronal previdenciária, como é conhecida a contribuição da empresa, incide sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício [art. 195, I, “a” da CF].
Por sua vez, a Lei de Custeio – Lei 8.212/91 – e Decreto 3.048/99, estabelecem as alíquotas que são aplicáveis a título de contribuição da empresa, que deverão ser pagas exclusivamente para o financiamento do RGPS, consoante determinação contida no art. 167, XI, da CF.
Caso a pessoa jurídica não pague as contribuições a seu cargo, a Receita Federal do Brasil [RFB] irá intimá-la para prestar esclarecimentos, examinando livros e documentos, formalizando exigências, aplicando as multas, enfim, concluindo o lançamento fiscal.
Caso a pessoa jurídica não impugne ou não tenha sucesso nela, deverá efetuar o recolhimento do valor devido sob pena de execução fiscal. Decorrido o prazo e não paga a dívida, será inscrita na dívida ativa, por meio de Certidão de Dívida Ativa [CDA], cujo título extrajudicial abre o processo regular de cobrança do crédito previdenciário de custeio.
Assim, a Fazenda Nacional irá promover a execução fiscal contra a pessoa jurídica, que será citada para no prazo de 5 dias pagar a dívida ou garantir a execução. Não paga a dívida nem garantida a execução, bem como não encontrando-se bens livres em desembaraçados em nome da pessoa jurídica, poderá a Fazenda Nacional requerer o redirecionamento contra os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado, que responderão pessoalmente pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
Acontece que parte da doutrina e da jurisprudência entendem que o redirecionamento não seria o correto, devendo-se realizar a desconsideração da personalidade jurídica, consoante previsão do art. 50 do Código Civil. Em outras ocasiões, trata do redirecionamento, com fundamento no art. 135, III do Código Tributário Nacional, como sendo hipótese de desconsideração da personalidade jurídica tutelada pelo Direito Tributário.
Para tentar responder a esse questionamento, discorreremos a respeito do conceito de empresa e da desconsideração da personalidade jurídica, fazendo um comparativo com a doutrina e jurisprudência pátrias sobre o tema em questão.
3. A PESSOA JURÍDICA E A DESCONSIDERAÇÃO DE SUA PERSONALIDADE
A pessoa jurídica nada mais é do que entidade a que a lei atribui personalidade jurídica. Assim, no direito pátrio, foi adotada a teoria da realidade técnica, uma vez que a personalidade só pode ser atribuída a algum ente por meio do ordenamento jurídico.
Para a consecução da finalidade comum, várias pessoas reúnem seus esforços e bens, mas para conseguirem agir em unidade, é necessário que o grupo adquira personalidade, atuando em nome próprio, e não em nome de cada um de seus integrantes.
Assim, a personalidade da pessoa jurídica não se confunde com a de seus integrantes. A separação entre o patrimônio da sociedade e do sócio era fundamental para o capitalista dispor-se a correr o risco de investir em qualquer atividade econômica. Era indispensável que o patrimônio pessoal do empresário fosse preservado, considerando a possibilidade de fracasso do empreendimento e o excesso de eventuais débitos com credores.
Esse princípio da autonomia patrimonial possibilita que sociedades empresárias sejam utilizadas como instrumento para a prática de fraudes e abusos de direito contra credores, acarretando-lhes prejuízos. [GONÇALVES, 2006. p. 213]. No dizer de Coelho “[…] ao se prestigiar o princípio da autonomia da pessoa jurídica, o ilícito perpetrado pelo sócio permanece oculto, resguardado pela licitude da conduta da sociedade empresária.” [COELHO, 2015. p. 55].
Em reação a esses abusos, foi concebida no direito estrangeiro a disregard doctrine ou disregard of legal entity, que ficou conhecida no país como teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
A despeito da disregard doctrine estar prevista em vários diplomas legais, como o Código de Defesa do Consumidor [§ 5º, do art. 28]; na lei Antitruste [estando a matéria atualmente regulada pelo art. 34 da Lei 12.529/2011]; na Lei do Meio Ambiente [art. 4º, da lei 9.605/98], o que importa para o nosso estudo é a norma prevista no art. 50 do Código Civil, que regula a desconsideração da personalidade jurídica em face de sociedades comerciais.
Dispõe o mencionado artigo:
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
Somente se deve aplicar a disregard doctrine se a personalidade jurídica autônoma da empresa se torne um obstáculo a que haja responsabilização do sócio ou administrador. Se a autonomia da sociedade não impedir a imputação da responsabilização do sócio ou administrador, não há que se falar em desconsideração. Ou dito de outro modo, se a autonomia da sociedade empresarial servir para ocultar a fraude ou o abuso de direito perpetrados, justifica-se o afastamento de sua autonomia para verificar o oculto por detrás do véu da pessoa jurídica.
Esse é o requisito subjetivo exigido pela lei para que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica: a fraude ou o abuso de direito, perpetrados pelo sócio ou administrador, voltados à frustração de legítimo interesses dos credores.
O elemento objetivo encontra-se, fundamentalmente, na confusão patrimonial, que pode ocorrer, por exemplo, na existência de bens de algum sócio registrado em nome da sociedade, e vice-versa.
Deste modo, para que seja deferida a desconsideração da personalidade jurídica, deverá restar cabalmente demonstrado uso fraudulento ou abusivo da personalidade jurídica e a confusão patrimonial entre os bens da sociedade e dos sócios ou administrador.
É bom frisar que a desconsideração da personalidade jurídica não tem por objetivo a invalidação do ato constitutivo da empresa, nem a sua dissolução, mas a ineficácia de atos realizados pela sociedade, mas atribuídos aos sócios ou administradores, coibindo a realização de práticas abusivas ou fraudulentas perpetradas por aqueles que a utilizam, mas preservando o instituto.
4. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO TRIBUTÁRIO.
O Código Civil de 2002 trouxe a lume, em seu art. 50, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, bem como questionamentos a respeito da sua aplicabilidade nos demais ramos do direito, principalmente no campo do direito tributário, haja vista que as contribuições sociais tem natureza jurídica de tributos. Assim, nosso estudo passa a ser sobre a possibilidade ou não da aplicação da disregard doctrine para alcançar o patrimônio dos sócios ou administradores para pagamento dos débitos da pessoa jurídica para como o financiamento da previdência social.
Na doutrina, a corrente majoritária entende que deve haver previsão legal da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário. Caso não haja dispositivo específico autorizando a sua aplicação, não estaria autorizada a sua utilização na seara tributária.
De acordo com Carvalho:
“Estamos em que o direito tributário positivo é o ramo didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto das proposições jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. Compete à Ciência do Direito Tributário descrever esse objeto, expedindo proposições declarativas que nos permitem conhecer as articulações lógicas e o conteúdo orgânico desse núcleo normativo, dentro de uma concepção unitária do sistema jurídico vigente” [CARVALHO, op. cit., p. 11].
Para este doutrinador, o sistema jurídico é uno, indivisível. Mas, por razões didáticas, o direito tributário é visto como um ramo autônomo do direito, como um conjunto de proposições jurídico-normativas que visam direta e indiretamente à tutelar a matéria tributária.
Assim, há toda uma estrutura de princípios e valores como a segurança jurídica, a certeza e a previsibilidade que sustentam o direito tributário, sendo um dos principais princípios o da estrita legalidade.
Neste sentido, a doutrina de Filho:
“Por atenção a essa odiosidade da tributação, é conquista da civilização ocidental a sujeição da potestade tributária a uma estrita legalidade. Mais do que em qualquer outro ramo do direito, o direito tributário é a lei que determina estritamente as faculdades do sujeito ativo e os seus devedores.” [FILHO, 1987, p. 107/108].
O princípio da legalidade é visto como uma das colunas sobre os quais se assenta o direito tributário. Assim, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito tributário seria inaplicável, em razão da inexistência de expressa previsão legal.
Sob a perspectiva da legalidade estrita, somente com edição de Lei Complementar implementando a disregard doctrine no universo jurídico tributário seria possível a sua aplicação [Vide Constituição Federal, art. 146, inciso III). Em outras palavras, no direito público somente é permitido o que a lei determina.
“[…] o silêncio normativo não impede a aplicação da teoria do superamento da personalidade jurídica societária, no campo do direito privado. Contrariamente, se passa no tocante ao direito tributário. E é assim porque a natureza e o objeto da regulação das normas tributárias e do direito privado se confundem.” [FILHO, op. cit.., p. 110]
“O legislador necessita, assim, prever a hipótese da desfunção, tipificá-la (através de modelos fechados) e determinar a desconsideração. Assim, não se admite a desconsideração, no direito tributário, sem prévia legislatura. Caberá à lei autorizar a desconsideração, como também definir os pressupostos de sua incidência.” [FILHO, op. cit., p. 116].
Para os adeptos dessa corrente, também não se deverá aplicar a teoria da desconsideração, porque já existe regra específica no Código Tributário a regular tal situação, estando previsto tal dispositivo no inciso III, do art. 135, a saber:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”
Como o próprio CTN prevê que os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos crédito correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, não haveria a necessidade de se valer da disregard doctrine.
Assim, se durante a execução fiscal, se verificasse que a pessoa jurídica não tem bens suficientes para saldar o débito tributário e constatado que houve excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, por parte dos diretores, gerentes ou representantes legais da empresa, bastaria redirecionar a execução para estes últimos, não se podendo falar em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, que estariam resguardados por meio de embargos à execução.
Segundo Paulsen, não se pode deduzir do artigo 135, III, do CTN que este encerre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pois apenas cuida da responsabilidade pessoal daqueles que representam a pessoa jurídica quando agem com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. [PAULSEN, 2009.]
No mesmo sentido, ainda, a opinião Torres:
“Quanto aos demais dispositivos do Código Tributário Nacional, queremos evidenciar que os arts. 124 e 135, em nenhuma circunstância, têm o condão de permitir formas de desconsideração da personalidade, como pensam alguns. […]. Por isso, quanto ao art. 135, do CTN, segundo entendemos, este cumpre a finalidade de imputar responsabilidade pessoal a determinados sujeitos pelos créditos de obrigação tributárias resultantes de atos praticados com excessos de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos […].” [TÔRRES, 2005, p. 65].
Destarte, para o adeptos dessa corrente, tendo em vista os diferentes requisitos e finalidades para aplicação do disposto no art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, e a desconsideração da personalidade jurídica, prevista no art. 50 do Código Civil, o CTN não serviria de embasamento para aplicação da teoria da desconsideração no campo de direito tributário.
Ao contrário desta corrente, existe outra que usa como fundamento para aplicação da desconsideração o próprio art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional.
Antes do Código Civil de 2002, não havia norma geral que regulasse a teoria da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, o que fez com que os tribunais utilizarem, de maneira analógica, a disregard doctrine no campo tributário com fundamento no art. 135, inciso III, do CTN.
Neste sentido, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – INOCORRÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO – VÍNCULO FAMILIAR – DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. […] 3. Examinada a lei aplicável à espécie, o CTN, o primeiro diploma do direito pátrio a consagrar a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, não se encontra, nas hipóteses do art. 134 do CTN, determinação legislativa justificadora do litisconsórcio. 4. Recurso especial provido”. [BRASIL. STJ. RESP Nº 200200625279. Min. Eliana Calmon. 2ªTurma. Julgado em 27.09.2004. [O grifo é nosso]].
Após a promulgação do Código Civil, os tribunais continuaram a embasar suas decisões no art. 135 do CTN, para justificar a responsabilidade do administrador e sócio por abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial.
“EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA. ART. 135, III, DO CTN. POSSIBILIDADE. FRAUDE À LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. PATRIMÔNIO DO SÓCIO AFETADO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. 1. A insuficiência de penhora não se erige a ponto de inviabilizar a execução ante a possibilidade de reforço. 2. Devidamente comprovada a ação fraudulenta do embargante contra a legislação tributária, desconsidera-se a personalidade jurídica da empresa para atingir o patrimônio do sócio. Inteligência do art. 135, III, do CTN […]”. [BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, AC 200001000242644, Juiz Federal Carlos Alberto Simões de Tomaz, 7ª Turma. Julgado em 17.03.2006].
Para alguns autores, dentre eles Castro, o Código Tributário Nacional permitiria a desconsideração com base no art. 135 do CTN, visto que o mesmo possui os elementos centrais da teoria da desconsideração. Além do citado artigo, segundo o mesmo autor, existiriam outros dispositivos no mesmo diploma legal, que permitiriam a desconsideração, afastando qualquer dificuldade de identificação exata e clara do sujeito passivo do tributo, sendo um deles o art. 149, inciso VII. Portanto, havendo pessoa jurídica a obstruir a tributação de pessoa física, efetivo sujeito passivo da obrigação tributária, não impediria o sujeito ativo de desconsiderá-la para fins de tributação.
“Sustenta-se, portanto, que o Código Tributário Nacional já permite (sempre permitiu) o afastamento de anteparos, realidades meramente formais ou artificiais (realidades falsas), dificultadores da perfeita identificação do sujeito passivo. Com efeito, o art. 149, inciso VII do Código Tributário Nacional estabelece que o lançamento será efetuado e revisto de ofício quando se comprovar a presença, entre outros, de simulação.” [CASTRO, 2005, p. 485].
Existe, também, uma terceira corrente que pugna pela aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário, com fundamento em que o direito deve reprimir o uso abusivo e ilegal das sociedades comerciais, mesmo não havendo norma expressa no ordenamento jurídico tributário, haja vista que esse é um princípio basilar da Teoria Geral do Direito.
“[…] a natureza desta não consideração da personalidade jurídica deriva do abuso do direito subjetivo à personalidade jurídica, sendo correto afirmar que a categoria geral do abuso de direito pertence à Teoria Geral do Direito, e é aplicável a todos os ramos do ordenamento jurídico, como um todo harmônico, num intenso diálogo de complementariedade que satisfaz a perspectiva da tão desejada unidade sistêmica.” [SILVA, 2007, p. 212].
Sob esse enfoque, o abuso de direito seria um instituto da Teoria Geral do Direito, razão pelo qual poderia ser aplicado a qualquer ramo dele [Direito]. Tendo em vista que o direito à personalidade jurídica é tutelado juridicamente, com vistas a fomentar a atividade econômica e como uma forma de reduzir os riscos corridos pelo empresário no exercício da atividade econômica. Entretanto, tal direito não deve ser utilizado de maneira abusiva, como por exemplo, para fraudar as leis tributárias. Assim, a disregard doctrine seria a solução jurídica para o desvio de função da personalidade jurídica.
“Assim, no direito tributário, para que seja aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica com fundamento na confusão patrimonial entre pessoas jurídicas, ou entre estas e seus sócios, deverá haver o uso abusivo da personalidade jurídica com a finalidade de prejudicar o Fisco, ou mesmo, de fraudar a lei tributária. [SILVA, op. cit., p. 223].
Assim, como na doutrina, na jurisprudência, ora os Tribunais têm entendido não caber a disregard doctrine, ora que esse instituto é perfeitamente aplicável ao direito tributário, tendo prevalecido esse último posicionamento.
Contudo, com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que regulamentou o procedimento da desconsideração, nos artigos 133 e seguintes, apesar da jurisprudência não ter se posicionado ainda sobre a sua aplicabilidade no direito tributário, começaram os Tribunais e firmarem posicionamento sobre o tema em questão, que pode sugerir uma tendência a ser seguida pela jurisprudência.
Por exemplo, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados [ENFAM] aprovou o Enunciado de número 53, dispondo que “o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/15”. [Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados. Disponível em: http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf. Acesso em: 29.07.2017].
No mesmo sentido, o Fórum de Execuções Fiscais da 2ª Região [Forexec], edição 2015, aprovou o Enunciado de número 6, dispondo que “a responsabilidade tributária regulada no artigo 135 do CTN não constitui hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, não se submetendo ao incidente previsto no artigo 133 do CPC/2015”. [Tribunal Regional da 2ª Região. Disponível em: http://emarf.trf2.jus.br/site/documentos/enunciadosforexec2015.pd. Acesso em 29.07.2017].
CONCLUSÃO:
Verificamos que não existe consenso sobre a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no Direito Tributário. A corrente majoritária da doutrina entende que não é possível haver a aplicação da disregard doctrine ante a falta de previsão legal, bem como já haver previsão no próprio CTN, no art. 135, III, de que os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos crédito correspondentes das obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
As correntes minoritárias entendem que seria possível a aplicação da desconsideração no direito tributário, fundamentando esse posicionamento, ora por entender que o art. 135, III do CTN possui os elementos centrais da teoria da desconsideração, bem como por existirem outros dispositivos no próprio CTN a permitir a disregard doctrine, como por exemplo, o art. 149, VII, que afasta qualquer dificuldade de identificação do sujeito passivo do tributo; ora por entender que a categoria geral de abuso de direito pertence à Teoria Geral do Direito, e assim sendo, seria aplicável a todos os ramos do ordenamento jurídico, como um todo harmônico, que permitiria a sua aplicação na seara tributária.
Também não há consenso na jurisprudência, mas o que tem prevalecido é o entendimento que é possível a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do direito tributário. Entretanto, com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, existe uma tendência de mudança de posicionamento.
Advogado e Pós-Graduando em Direito da Seguridade Social pela Faculdade Legale
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