A responsabilidade penal da pessoa jurídica e sua integração com as políticas públicas ambientais

Resumo: O presente artigo analisa a integração da responsabilidade penal da pessoa jurídica, com os instrumentos de políticas públicas ambientais, como forma de coibir e prevenir a prática de crimes contra o meio ambiente. Faz-se uma abordagem sobre a perspectiva teórica e conceitual do instituto da responsabilidade penal, com o direito ambiental, considerando os marcos teóricos, aborda-se os aspectos legais da responsabilidade penal do ente coletivo e sua proteção jurídica no seio ecológico, em seguida faz-se uma contextualização das políticas públicas ambientais. e aplicação do instituto da responsabilidade penal, por último apresenta-se algumas considerações acerca da temática fortificando a corrente de aceitação da responsabilidade penal em casos de crimes ambientais, e criticando pontos controvertidos sobre o processo de elaboração das políticas públicas ambientais.


Palavras-chave: Responsabilidade Penal. Pessoa jurídica. Políticas Públicas Ambientais. Crimes Ambientais.


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Abstract: This article examines the integration of criminal liability of legal entities, with the instruments of public environmental policies as a way to restrain and prevent crimes against the environment. It becomes a discussion of the theoretical and conceptual approach of the institute of criminal liability, with environmental law, considering the theoretical frameworks, we discuss the legal aspects of criminal liability of the collective entity and its legal protection within ecological, then does It is a contextualization of environmental public policies. and implementing the institute of criminal liability, finally presents some considerations on the subject of fortifying the current acceptance of criminal responsibility in cases of environmental crimes, and criticizing controversial points about the process of shaping public policy environment.


Keywords: Criminal Liability. Legal person. Environmental Public Policy. Environmental Delict.


Sumário: Introdução, 1 Destaques da evolução histórica das políticas públicas ambientais; 2 Conceito e processo de criação das políticas públicas; 3 Aspectos relevantes sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais; 3.1 A proteção jurídica do meio ambiente; Considerações finais, Referências.


INTRODUÇÃO


Desde o seu princípio, a humanidade sentiu a necessidade de utilizar recursos naturais, conhecer o meio em que vivia, perdendo o interesse pelo hábito nômade, e passou a buscar a fixação em locais que oferecessem abrigo seguro e alimentação. O homem começou a entender que sua sobrevivência estava totalmente ligada ao meio ambiente, e que dependia inteiramente dos recursos naturais.


A progressão da relação sociedade-natureza ocorreu de forma dinâmica, e conduziu a muitos conhecimentos e saberes que foram se acumulando, constituindo no que hoje chamamos ciência moderna. A partir do avanço da própria ciência iniciou-se um processo de avanço da vida humana através do uso dos recursos naturais, e é com a ciência moderna e no seio do positivismo que é consagrada a crença nos benefícios da industrialização, do desenvolvimento técnico-industrial (avanço científico), do capitalismo, e tudo para o alcance do bem-estar social.


Esse avanço nas ciências trouxe graves conseqüências ao mundo contemporâneo, instalando a crise socioambiental no final do século XX. Tal crise surge pela tendência de alguns comportamentos sociais, como a influência da cultura ocidental, descarte excessivo e destrutivo. Por isso, desencandeou-se no mundo a poluição, a crise social e a degradação ambiental.


Professa Capra[1] que no século XIX mais de uma centena de países, na maioria de terceiro mundo investiam seu capital no excessivo comércio de armas, e equipamento militar para movimentar guerras nucleares e convencionais. Isso se deve ao período de extremo conflito que o mundo ultrapassava, marcado pela descoberta da bomba atômica na segunda metade do século XX, e conseqüentemente a guerra, miséria, fome, armas, reatores nucleares etc, principalmente nas cidades de Hiroshima e Nagazaki.


As conseqüências ambientais da guerra também foram identificadas por Capra[2] e, este afirma que os elementos radioativos liberados pelos reatores nucleares, após a explosão de bombas atômicas foram ameaças ao meio ambiente e a vida humana, pois, o despejo de toneladas de material tóxico no ambiente gerou o acúmulo dos resíduos no ar que respiramos, no alimento que comemos, na água que bebemos, e contribuíram para aumento do risco de contrair câncer e doenças genéticas.   


Nesse mesmo viés Viola in Pádua[3] afirma que quatro catástrofes ameaçaram a humanidade no fim do século XIX, como a guerra nuclear, o lixo atômico acumulado e acidentes em usinas nucleares, o efeito estufa e o enfraquecimento da camada de ozônio da atmosfera. Sobre o acidente nuclear destaca o de Chernobyl ocorrido na Ucrânia em 1986 causado pela explosão de um reator da usina que espalhou radioatividade em quantidade superior a 10 bombas atômicas do tipo lançado em Hiroshima. Os danos foram à morte de 10 mil pessoas e arredores, 600 mil trabalhadores encarregados da limpeza de Chernobyl após os desastres foram afetados pela radiação em doses críticas e 200 mil pessoas foram retiradas da região pelo governo.


Entres outras tragédias ecológicas merecem destaque o acidente na Baía de Minamata no Japão em 1972 que foi provocado pelo despejo de efluentes industriais, sobretudo mercúrio, esses resíduos contaminaram o pescado da região e consequentemente afetaram a saúde da população que se alimentava do pescado, causando surdez, cegueira, falta de coordenação motora e deformação nos fetos. Aproximadamente 12.500 pessoas haviam sido diagnosticadas com o “Mal de Minamata”. E ainda, o acidente do Atlantic Express em 1979 derramou 276.000 toneladas de petróleo bruto, o de Amoco Cadiz 282.000 t, o de Torrey Canyon e Exxon Valdez 240.000 barris. O resultado eram as “marés negras” que, jogadas para as costas dos países, chegavam às praias, matavam aves e, sobretudo, onde havia mangue, o tornava inapto a continuar sendo o berço de reprodução de crustáceos e outros animais deste ecossistema.


Devido a ocorrência de sucessivos episódios de agressividade do homem ao meio natural, algumas camadas sociais passaram a se organizar formando movimentos de conscientização ambiental, denominados movimentos ecológicos. Para Viola in Pádua,[4] o quadro de degradação social e ambiental na escala planetária trouxeram o movimento ecológico, com a inclusão de um novo sistema de valores sustentado no equilíbrio ecológico. O meio ambiente passa a ser visto pelo movimento ecológico como uma dimensão fundamental do desenvolvimento, através da idéia-força de ecodesenvolvimento.


Os movimentos ambientalistas reforçavam a consciência pela vida, como os “hippies”, pacifista, feministas, minorias étnicas e comportamentais (negros, indígenas, homossexuais etc) anticonsumistas, e intelectuais. Entre as obras que contribuíram para mudança do modo de pensar foi a publicação “Primavera silenciosa” (Silent Spring), de Rachel Carson lançado em 1962. Foi a primeira obra a detalhar os efeitos adversos da utilização dos pesticidas e inseticidas químicos sintéticos, iniciando o debate acerca das implicações da atividade humana sobre o ambiente e o custo ambiental dessa contaminação para a sociedade humana. A autora advertia para o fato de que a utilização de produtos químicos para controlar pragas e doenças estava interferindo nas defesas naturais do próprio ambiente natural.


Dentro desse processo de evolução dos movimentos ambientais nas décadas de 70 e 80, a preocupação em freiar a evolução destrutiva do mundo se tornou mais forte, pois nesse período são criadas as ONG’s ambientalistas nacionais e (organizações não governamentais) internacionais como Greenpeace, IC e WWF, e o partido verde. Esses organismos contribuíram para disseminação de políticas públicas ambientais, e propositura de novas formas comportamentais ao homem em relação à natureza. Com isso a tendência ambiental passou a ocupar lugar com intuito de instalar novos paradigmas sociais, como alternativas de solucionar a série de problemas que estavam surgindo.


Viola in Pádua[5] se manifesta acerca da criação dos novos partidos, e ensina que os partidos verdes são partidos que não pretendem transformar-se em majoritários, enquanto partidos, e governar, ou tomar revolucionariamente o poder, senão agir como transformadores da cultura política introduzindo valores pós-materialistas.


Leis, Viola[6] esclareceram que na década de 80, em particular, a crise estrutural latino-americana tornou-se mais dramática, já que este período se inscreveu no esgotamento do estilo de desenvolvimento imperante nos centros dos sistema mundial desde 1945. Essa década é marcada pela intensa destruição do globo, principalmente entre 1981 e 1984 onde o modo de produção alavancava com o sistema capitalista e a forma desenvolvimentista de ser dos países dos Estados Unidos e Europa.


Nota-se que com o passar das décadas tanto a destruição acelerada dos recursos naturais aumenta quanto a preocupação em preservação também, mas a disputa pela geração de riquezas é intensa e muitos interesses particulares se sobrepõe sobre a inclusão de mudanças sócio-ambientais. Atualmente o século 21 apresenta padrões sociais diretamente ligados à problemática ambiental, onde as formas ambientais[7] de vida estão cada vez mais inseridas no cotidiano dos indivíduos. Por isso, os aparelhos ideológicos vêm produzindo discursos enfatizando a conscientização ambiental, como exemplo temos, o mercado com a produção de produtos biodegradáveis (papéis, produtos de limpeza), fabricação de carros, bicicletas todos elétricos, etc, o Estado com a inserção de programas ambientais em alguns níveis de ensino, e ainda dentro deste o Poder Judiciário com a judicialização de causas ambientais, a mídia com a criação de documentários, programas relacionados à temáticas ambientais, o cinema também vem contribuindo para a solidificação deste padrão como     destaque a produção do filme Avatar de James Cameron que propõe a descoberta de um novo mundo, onde os humanóides seres viventes primitivos da floresta defendem a natureza como parte de sua vida, com extrema sensibilidade, tanto a fauna quanto a flora, e na luta o seres humanos tentam destruir seu local de sobrevivência em busca da exploração de minérios.


No seio do latente processo industrial da atualidade, esta perspectiva é interpretada de forma prejudicial pelos investidores e empresários, pois esses temem a chegada de mudanças nos padrões de produção e exploração econômica, principalmente as advindas diretamente de recursos naturais, pois a inserção de padrões rigorosos tendem a dificultar irregularidades no processo de execução de extração e comercialização de matéria-prima. O objetivo é descartar a exploração excessiva e prejudicial preservando tanto a vida do homem quanto a natureza.


Neste mesmo contexto, movimentos sociais ligados a estrutura produtiva social traziam consigo a busca de seus ideais, principalmente as camadas que eram diretamente atingidas por danos ambientais, seja por lesões à saúde, ou destruição de seu meio de subsistência, conseqüência peculiar da inclusão de modos de produção tecnificados em comunidades rudimentares.  Como v.g, a implantação de hidrelétricas, esse processo tende a causar grande impacto ao meio ambiente, e principalmente exclusão social. 


Para Dupuy[8] isso é ocasionado pela lógica destrutiva do capitalismo, através da produção excessiva de bens, e ineficiência de absorção das demandas de consumo.


    


Sob este enfoque as conseqüentes mudanças tanto no espaço geográfico quanto nos padrões sociais, trouxeram a necessidade de elaboração de políticas públicas para a proteção do meio ambiente, como forma de contemplação dos anseios sociais em contrapartida ao resguardo do equilíbrio ecológico. As políticas públicas ambientais apresentam-se ligadas também a responsabilidade penal da pessoa jurídica, uma vez que o reconhecimento de tal instituto surge devido a organização das classes sociais que pressionavam o Estado para penalizar empresários pertencentes a classes elevadas, donos de empresas, fábricas que exploravam recursos naturais de maneira desregular ou prejudicial. Então, nasce a necessidade de implementação de normas coercitivas não apenas por esse ato, mas em todo ato que implicasse em crime contra o meio ambiente.


A regulamentação legal de defesa do meio ambiente surgiu com o sancionamento da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81)[9] que criou o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e instituiu normas de preservação ambiental e condições para o desenvolvimento sócio-econômico. Aproximadamente, 7 (sete) anos depois a Constituição Federal Republicana de 1988 dedicou um capítulo próprio sobre meio ambiente, em destaque seu artigo 225, § 3º que instituiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. Em 1998 a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98)[10] trouxe a regulamentação de sanções penais e administrativas aplicáveis às condutas lesivas ao ambiente, tanto de pessoa física quanto jurídica. Esta representou um significativo avanço na tutela do ambiente, por inaugurar uma sistematização das sanções administrativas e por tipificar organicamente os crimes ecológicos. O diploma também inova ao tornar realidade a promessa constitucional de incluir a pessoa jurídica como sujeito ativo do crime ecológico (artigo art.3º).[11]


Nesse contexto, o recorte metodológico indica uma abordagem descritiva e analisa a interligação entre políticas públicas ambientais e o instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Com este estudo pretende-se contribuir para debates e reflexões sobre a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois se trata de um processo de compreensão e evolução. Inicialmente, faz-se uma abordagem sobre os destaques da evolução histórica das políticas públicas ambientais considerando os marcos teóricos, tratam-se dos aspectos relevantes da responsabilidade penal do ente coletivo advinda da prática de crimes ambientais e proteção jurídica do meio ambiente, em seguida faz-se uma contextualização de políticas públicas ambientais e responsabilidade penal, e por último apresentam-se as considerações finais.


1 DESTAQUES DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS


A preocupação com a tutela ambiental há muitos anos vem sendo abordada. No Brasil na fase colonial podíamos encontrar os primeiros documentos legais regulamentando a defesa dos recursos naturais, como por exemplo, as Ordenações Manuelinas cujo Livro V, no título LXXXIII proibia a caça de perdizes, lebres e coelhos e, no título “C”, tipificava o corte de árvores frutíferas como crime. Após 1548, o Governo Geral passou a expedir regimentos, ordenações, alvarás e outros instrumentos legais, o que marcaria o nascimento do nosso Direito Ambiental.[12]


Lembra Moraes[13] que em 1603 as Ordenações Filipinas “previam no Livro Quinto, Título LXXV, pena gravíssima ao agente que cortasse árvore ou fruto, sujeitando-o ao açoite e ao degredo para a África por quatro anos, se o dano fosse mínimo, caso contrário, o degredo seria para sempre. No mesmo período de Brasil colônia foi instituída pela corte a primeira lei de proteção florestal, sendo o Regimento do Pau-Brasil, em 1605: exigia autorização real para o corte dessa árvore.


O reconhecimento do meio ambiente como bem jurídico tutelado constitucionalmente foi o marco para o surgimento do direito ambiental, e consequentemente da responsabilidade penal da pessoa jurídica decorrente de crimes ambientais. O argumento forte do surgimento desse novo direito foi a necessidade de tutelar rigorosamente um bem essencial a sadia qualidade de vida para a sociedade. Por isso, a própria Constituição Federal Brasileira 1988 assegurou tal afirmativa da seguinte forma: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. […]”


Apesar do reconhecimento da significatividade do meio ambiente, muitas ações humanas contemplaram a deterioração ágil dos recursos, devido método de vida capitalista. Nessa perspectiva, de manejo dos recursos naturais Capra[14] previu uma crise decorrente das transformações que o mundo passava, em seus dizeres a forma desenfreada do homem utilizar os recursos advindos do meio ambiente trariam conseqüências a humanidade, como o esgotamento de alguns recursos naturais v.g o combustível fóssil, água, minério etc. Para ele a chegada da irracionalidade capitalista, cumulada com o aumento acelerado da população acarretariam sérios problemas de ordem ambiental e a vida do homem, como a poluição das águas, redução da segurança alimentar, diminuição da camada de ozônio, aumento do número de casos de câncer, doenças de pele, disseminação de doenças tropicais, extinção massiva de espécies, graves conseqüências para a humanidade, como a fome e a falta de água potável. A crise socioambiental em meados do final do século XIX e início do XX se instalava na humanidade e no mundo.


Diante desses fatos, passaram a surgir as reuniões discursivas de problemas ambientais, e um dos primeiros alertas da gravidade desta crise global de deterioração das condições ambientais foi dado em 1972, em Estocolmo, na “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano”, promovida pela ONU e contando com a participação de 113 países. Nesse evento os países chegaram a propor uma política de “crescimento zero” ou “estado estacionário”, visando a salvar o que não havia sido ainda destruído. Mas o resultado foi adverso. Naquele momento, o Brasil liderou o grupo de países com idéias contrárias a preservação ambiental, para ele somente uma taxa de crescimento elevada permitiria o financiamento de uma política ambiental vigorosa, voltada para difusão rápida da inovação, para a consideração dos custos de manutenção ou de restauração dos ambientes e para efetivação de mecanismos de reciclagem de materiais ou de eliminação de dejetos.  Talvez tal idéia defendesse mesmo os altos investimentos financeiros que os recursos naturais proporcionavam, e não esta política de preservação aliada a crescimento econômico elevado.


Godard[15] afirma que após a década de 70, passamos a tomar a consciência, em certos meios, de que as raízes dos problemas ambientais deveriam ser buscadas nas modalidades de desenvolvimento tecnológico e econômico e de que não se tornaria possível confrontá-los sem uma reflexão e uma ação sobre essas modalidades de desenvolvimento. Aquilo que denominamos políticas de meio ambiente não poderia ser mantido permanentemente à margem dos processos de ação coletiva e de organização econômica. Isto constitui o sentido das referências feitas usualmente às noções de ecodesenvolvimento ou de desenvolvimento durável.


Nesta perspectiva, essa transição de paradigmas sociais trouxe o sancionamento da Lei 6.938/81 como reflexo da mudança de consciência em torno do problema ambiental. Esta legislação elencou a regulamentação da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), órgãos criados no fim da ditadura militar, com intuito de sistematizar a evolução das políticas públicas ambientais através de princípios e objetivos de uma política nacional do meio ambiente. Em seu artigo 9º e incisos foram instituídos instrumentos de gestão e fiscalização, como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivos relatórios (RIMA), regulamentados em 1986 pela Resolução 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), o zoneamento ambiental, licenciamento etc.


A Lei nº 6.938/81, no seu artigo 14, § 1º determinou ainda a viabilidade do Ministério Público da União e dos Estados proporem ações de responsabilidade civil e criminal por danos ambientais, depois a Lei nº 7.347/1985 (Ação civil pública) recepcionou esse instrumento de política ambiental no que tange a responsabilidade civil, já a criminal esteve sob a regulamentação da Lei de crimes ambientais (Lei nº 9.605/98).


 Nesse processo evolutivo é inviável não citar a Constituição Federal do Brasil de 1988 que recepcionou e acentuou esse processo de mudança de paradigma, de forma a institucionalizar princípios e normas fundamentados em conceitos como participação social e desenvolvimento sustentável, como muito esclarece o dispositivo 225, e parágrafos desta lei maior. Esta constituição consagrou o meio ambiente como um bem jurídico fundamental e indispensável para sadia qualidade do homem e demais seres vivos, considerando também suas demais classificações como meio ambiente artificial, cultural e do trabalho, além do natural, todas acompanhadas do seu respectivo meio de proteção e preservação.


Como resultado desta evolução do direito ambiental, ocorreu em junho de 1992, no Rio de Janeiro a “Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento”, conhecida como Rio 92, evento de repercussão mundial, da qual resultaram cinco documentos, em especial a elaboração de um programa para implementar o desenvolvimento sustentável, e a Agenda 21 global. Os países participantes da conferência assumiram o compromisso de elaborar, segundo os princípios da Agenda 21 global, sua Agenda 21 nacional. No caso, da agenda 21 brasileira, esta foi entregue a nação em 2002, seu texto resultou de ampla consulta nacional, e passou pelo crivo de inúmeras discussões, nas quais se envolveram os mais diversos segmentos da sociedade. Em seu conteúdo é possível visualizar uma aliança de questões ambientais como gestão de recursos naturais, inclusão social, estratégias de sustentabilidade, com regras de ordem econômica e administração governamental.[16]


Desta forma, as regulamentações legais e discussões internacionais conseqüentes das ações humanas consolidaram o meio ambiente como um bem essencial a vida do homem, engendrando aos paradigmas sociais a importância da aliança integrada do homem e ambiente, como parâmetros equitativos de vivência, onde o desenvolvimento econômico possa caminhar em conjunto a preservação ambiental.  Portanto, é inegável que políticas públicas neste âmbito tendem a afetar todos os ramos sistêmicos que envolvem o processo social, pois a ciência ambiental é transdisciplinar e interdependente as outras ciências.[17]


2 CONCEITO E PROCESSO DE CRIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS


Segundo os ensinamentos de Boneti as políticas públicas podem ser conceituadas como:[18]


“[…] a correlação de forças sociais conjugando interesses específicos de classes, em que os interesses das classes políticas economicamente dominantes tem prevalência, mas não unanimidade, pois a força da sociedade devidamente organizada luta contra o domínio do Estado.”


O livro políticas públicas de organização de Alysson Carvalho et. all. organizadores afirma que: “as políticas públicas têm sido criadas como resposta do Estado às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior, sendo expressão do compromisso público de atuação numa determinada área a longo prazo”.[19]


Conforme as conceituações destacadas, as políticas públicas nascem no seio social, devido às necessidades individuais que se originam em decorrências dos processos de modificação do tempo e espaço. Por isso, os indivíduos inseridos em uma nação democrática, e respaldados de uma série de direitos e garantias constitucionais passam a reivindicar a carência de equidade dos processos democráticos que asseguram seus direitos sociais e individuais.


O processo de formulação de uma política envolve a identificação dos diversos atores e dos diferentes interesses que permeiam a luta pela inclusão de determinada questão na agenda pública, e posteriormente sua regulamentação como política pública. Entre esses atores podemos citar a sociedade, Estado e o mercado, como integrantes dos eixos de formulação das políticas públicas. 


O tratamento igualitário desses três eixos ainda é uma problemática no campo de criação das políticas públicas, tendo em vista o entrelaçamento de interesses que envolvem a criação e execução das mesmas. E apesar do Estado apresentar a função de executor das políticas, diversos grupos ligados ao “Rei” articulam suas prioridades, e fortalecem a briga do interesse privado sob o público.


No que concerne a política pública ambiental (PPA), apenas adjetivamos a política, como de cunho ambiental, mas os vícios de formulação são igualmente encontrados assim como em políticas públicas em prol da saúde, saneamento, moradia, emprego, educação entre outras. A peculiaridade na PPA pode ser destacada quanto nos voltamos a entender a essência do adjetivo meio ambiente como direito difuso, de classificação ampla assim como seu conceito, pois quando entendemos que este está diretamente ligado a vida do homem seja em qualquer de suas formas, podemos concluir que uma PPA refletirá em outras esferas de política social como trabalho, saúde, economia, urbanidade e etc. Como v.g se o Estado desenvolve política pública de gestão ambiental coordenada em determinado local, poderá ser notado a oportunidade de emprego, a diminuição dos riscos de doença, pois as questões ambientais são respeitadas, o  desenvolvimento econômico ganha espaço de forma equilibrada e racional, a sociedade se inclui no processo de produção e os entes de governo colaboram entre si. Nesse processo há participação social e atividade governamental.


De acordo com Leff[20] a ciência ambiental é transdisciplinar. Logo, podemos entender que as diversas searas, e respectivas ciências que regem a vida do homem estão de alguma forma ligadas ao meio ambiente. Então políticas públicas ambientais podem ser consideradas de um caráter multifacetário, já que sua implantação pode refletir em diversos setores do sistema. Pois, se o governo atualmente investir em programas eficazes de sustentabilidade podemos assegurar em prol dos indivíduos a proteção ambiental, com a economia, a saúde, a tecnologia, a cultura etc.


Frisa-se que as PPA´s servem para instigar e regulamentar a criação de ações para proteção e prevenção tanto do meio ambiente quanto do homem. Por isso, partindo da premissa que o meio ambiente é bem de uso comum do povo, reconhecido como um direito de terceira geração garantido constitucionalmente, as políticas públicas em prol deste bem tendem a causar reflexos a toda uma coletividade, inclusive às futuras gerações.


A criação de tais políticas inicia-se na percepção do problema, fase que ocorre a identificação da problemática a ser considerada um problema. Neste período inicial há necessidade de aceitação do fato social como problema, por isso o Estado mediador desse processo, representantes e classes sociais precisam reconhecer o fato como violador de um direito social. A evolução histórica e social contribui para o surgimento do problema, pois a expansão do mercado, dos setores econômicos, os modos de produção, o trabalho do homem a exploração dos recursos naturais são alguns dos fatores que originam deficiências sociais.


Na fase do processo implantativo político da política pública segue o ato de incorporação da problemática, criação da agenda pública, depois novamente a incorporação, o agendamento da problemática no poder público e por fim a formação da política. Esse processo é meramente exemplificativo, pois seu procedimento poderá ocorrer sob outras formas.


Nesse ponto de vista de formulação das políticas públicas a participação popular é um ponto significativo para construção desse processo, onde sua praticidade é assegurada através das audiências públicas, instrumento canalizador das mensagens da sociedade em diversos eventos que envolvam as tomadas de decisão do Estado.  No que tange essa discussão a doutrina de Santos[21] ensina que: “a participação entendida como “tomar parte na ação” é frequentemente confundida, às vezes intencionalmente, com a simples presença das pessoas em eventos e atividades grupais”.


Sobre o tema, Santos destaca ainda:[22]


A utilização de métodos participativos pode ser uma importante ferramenta da viabilização da democracia e da participação ativa em tomada de decisões sobre temas de interesse público, mas, para isso, sua utilização deve ocorrer no âmbito de processo mais amplos que envolvam a mobilização e organização social e a promoção de uma cultura de participação ativa dos sujeitos.


A ausência de participação ativa dos atores sociais é uma deficiência existente no processo de criação de políticas públicas, apesar da existência das garantias constitucionais de participação, fatores internos de interesses privados quase sempre excluem esse percentual participativo, ou quando inclusos ocorrem invalidamente, pois a ausência de conceitos técnicos permite apenas a presença física da parcela social, mas impede seu entendimento do processo e consequentemente sua efetiva participação.


Diante disso, é possível afirmar que o processo está viciado e a equitatividade de poder é inexistente.


Na análise de ligação da política pública ambiental e a responsabilidade penal da pessoa jurídica, faz-se um retrocesso da implementação dessa responsabilidade e entende-se que esta surgiu de sequências de ações, mobilizações sociais, tendo em vista também os reiterados fatos que eram praticados por homens comuns pertencentes a um grupo social elevado, mas que utilizavam suas empresas para cometer ilícitos ambientais, em prol de benefício econômico, prevalecendo ainda do adjetivo lacunoso da lei.


A responsabilidade penal da pessoa jurídica foi um instituto penal inserido na legislação ambiental como forma de coibir a prática de crimes ambientais praticados por empresas ou grupos dessas, contra um largo espectro de vítimas, nem sempre identificáveis. Exemplos dessa delinqüência, também conhecida por crimes do colarinho branco são os delitos perpetrados no mercado econômico e contra o ambiente natural.


Nesse espectro a sucessiva ocorrência de danos ambientais praticados por empresas trouxeram consigo prejuízos ao homem e ao meio ambiente. Por isso a problemática causou a organização de classes sociais em defesa de sua qualidade de vida e garantia do bem jurídico ambiental. Dessa forma instigaram o poder estatal acerca da necessidade de punibilidade dessas ações, e a solução foi o sancionamento da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) art. 3º, parágrafo único e da Constituição Federal, art. 225, § 3º regulamentando a viabilidade de aplicação da responsabilidade penal da pessoa jurídica.


3 ASPECTOS RELEVANTES SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS


O Código Civil Brasileiro atribuiu ao homem a qualidade de sujeito de direitos e obrigações na órbita civil, sempre que respeitados determinados requisitos concernentes à sua capacidade:


Entretanto[23]:


“[…] a complexidade da vida civil e a necessidade da conjugação de esforços de vários indivíduos para a consecução de objetivos comuns ou de interesse social, ao mesmo passo que aconselham e estimulam a sua agregação e polarização de suas atividades, sugerem ao direito equiparar à própria pessoa humana, certos agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir personalidade e capacidade de ação aos entes abstratos assim gerados”.


Dentro da perspectiva descrita pelo autor, surge a pessoa jurídica, ente fictício para teoria da ficção, sustentando que é impossível a pessoa jurídica ser responsável penalmente por seus atos, e acredita ainda que os responsáveis pelos danos ambientais sejam as pessoas físicas que praticam tais atos e representam a pessoa jurídica. Em contrapartida, a doutrina moderna adota a teoria da realidade orgânica, para esta teoria a pessoa jurídica é uma realidade sociológica, tendo vida própria e capacidade de querer e de agir, entende que ‘‘pessoa’’ abrange não apenas as pessoas físicas. Neste caso, as pessoas jurídicas são consideradas pessoas reais, dotadas de consciência coletiva.[24]


A teoria da realidade orgânica é utilizada atualmente pela legislação brasileira, e fundamenta a natureza jurídica da responsabilidade penal ou civil do ente coletivo, decorrente do dano ambiental ou outro dano, pois esta materializa a pessoa jurídica como sujeito ativo de delitos. Por isso, a Constituição Republicana de 1988 regulamentou no capítulo destinado à matéria ambiental (Capítulo VI, título VIII) a responsabilidade penal, e assegurou no caput do art. 225 que o meio ambiente é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.[25] E ainda, no § 1º buscou regulamentar princípios que contribuem para execução das normas de proteção ambiental, entre esses os princípios constitucionais relativos ao meio ambiente, como o princípio do poluidor-pagador, a necessidade de educação ambiental, precaução, prevenção e etc.


O instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais está disciplinada no § 3º, do mencionado dispositivo constitucional, in verbis: [26]


“Art. 225. […] § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” (g/n)


Essa é o gênesis da responsabilidade penal da pessoa jurídica no Brasil.


Embora já estivesse prevista desde 1988 na Constituição Federal, a responsabilidade penal das empresas foi recepcionada pela Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, mas a eficiência do instituto veio anos depois de sua inserção no ordenamento jurídico, em decorrência de inúmeras lacunas na lei, posicionamentos doutrinários contrários, e tribunais divergentes. Entre os argumentos contrários estavam a carência de teoria penal admitindo a pessoa jurídica cometer crime, para eles somente o homem poderia ser sujeito ativo de crimes, a infringência aos princípios da personalidade da pena ou ainda da intransmissibilidade da pena.   


O artigo 3º da lei mencionada dispõe que:[27]


“Art.3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade.” (g/n)


Pode-se observar que durante muito tempo foi discutido a respeito da matéria, tanto em meio à doutrina quanto a jurisprudência, havendo conflito e divergência. Mas atualmente a jurisprudência está pacificada em termos de aplicação da responsabilidade penal em entes coletivos, desde que sejam obedecidos seus requisitos, entre esses que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal e tiver como fundamento interesse ou benefícios para a entidade conforme esclarece o texto de lei.


Com a intenção de posicionar o entendimento atual dos tribunais acerca da temática, vejamos a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá:[28]


Habeas Corpus – Imputação de fato típico e presença de indícios da autoria – Trancamento de inquérito policial – Impossibilidade – Crime ambiental – Caráter permanente – Prescrição da pretensão punitiva – Prazo – Contagem da cessão da prática delituosa – Circunstância ainda desconhecida – Aferição impossível – Pessoa jurídica como sujeito ativoPossibilidade – Inteligência do art. 225, § 3°, da CF e do art. 3°, da Lei n° 9.605/98 – 1) Não há porque se cogitar do trancamento de inquérito policial por meio de habeas corpus, quando o procedimento encontra-se fundado em elementos informativos que evidenciam a prática, em tese, de fato típico e demonstram razoavelmente a existência de indícios da autoria – 2) Em razão do caráter permanente do crime descrito no art. 54, da Lei n° 9.605/98, não há como aferir se houve ou não exaurimento do prazo prescricional, cuja contagem se inicia da cessação da prática delituosa, se esse fato ainda é desconhecido – 3) Por força do disposto no § 3°, do art. 225, da Constituição da República, e no art. 3°, da Lei n° 9.605/98, a pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crime ambiental, quando a infração for cometida por decisão de seu representante legal ou de seu órgão colegiado e tiver como fundamento interesse ou benefício para a entidade. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Amapá – TJAP. Câmara Única  – HC 1443/06 – Rel. Des. Mário Gurtyev – Unânime – DOE 3779. Disponível em www.tjap.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 08.mar.2009)  (g/n)


Os julgamentos dos tribunais têm fundamentado suas decisões de acordo com a teoria da realidade orgânica, e neste sentido a letra de lei está sendo aplicada diante dos casos concretos conforme denota a jurisprudência citada, mesmo com a divergência existente no âmbito doutrinário a responsabilidade penal dos entes coletivos encontra aplicação, e tal posicionamento encontrou fundamento tanto no aparato das leis brasileiras quanto na situação socioambiental que o país se encontra.


O Professor Cezar Roberto Bitencourt[29], ao explanar sua posição contrária ao reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica, leciona que:


“A inadmissibilidade da responsabilidade penal das pessoas jurídicas – societas delinquere non potest – remonta Feurbach e Savigny. Os dois principais fundamentos para não se reconhecer a capacidade penal desses entes abstratos são: a falta de capacidade ‘natural’ de ação e a carência de capacidade de culpabilidade.”


Outra abordagem contrária foi feita pelo Procurador de Justiça e Professor Oswaldo Henrique Duek Marques em artigo publicado no Instituto de boletim criminal IBCCRIM nos seguintes termos:[30]


“[…] as sanções impostas aos entes coletivos, previstas nas novas legislações, não podem ter outra natureza senão a civil ou a administrativa, porquanto a responsabilidade desses entes decorre da manifestação de vontade de seus representantes legais. […] Atribuir a pessoa jurídica a autoria de uma infração penal, por fato de terceiro, constituíra retorno à responsabilidade coletiva e objetiva, oriunda de uma época totêmica, na qual os clãs primitivos atuavam como um todo, solidários na ação e na responsabilidade. As sanções atingirão todos os integrantes da entidade, tenham ou não participação no crime, o que violará o princípio da personalidade da pena.”


O trecho acima frisa-se o acatamento e respeito ao posicionamento contrário, mas entendemos que a matéria deve ser vista e entendida à luz de uma responsabilidade social[31], uma vez que o criminoso ambiental não é um criminoso comum, seu delito é mais complexo que a pesca em áreas protegidas por moradores circuvizinhos, que não tem outro modo de subsistir.


Portanto, como forma de penalizar as empresas e seus respectivos responsáveis por violação ao bem ambiental o legislador instituiu na lei 9.605/98, em seu artigo 21 as formas de penalizar a pessoa jurídica como a multa, prestação de serviços à comunidade e restritivas de direitos aplicáveis isolada, cumulativa ou alternadamente.


A penalidade mais grave para a pessoa jurídica vem disciplinada no art. 24, in verbis:[32]


“Art. 24 A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.”


Podemos notar, portanto, que as penas atribuídas à pessoa jurídica não alcançam as pessoas físicas integrantes da sociedade, não obstante o parágrafo único do art. 3º da Lei de Crimes Ambientais, afirmar que a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.[33] Por isso, a responsabilidade dos dirigentes não se confunde com a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Isto significa que a sanção será aplicada tanto a empresa quanto ao agente responsável pelo dano, não deixando que a primeira possa compor unicamente o pólo da ação penal, havendo a obrigatoriedade de dupla imputação.


Muito se discute a respeito dessa necessidade do chamamento de pessoa física e jurídica ao pólo passivo da ação penal, uma vez que a teoria da realidade orgânica adotada no Brasil considera ambos, pessoas distintas. A esse respeito, a lei foi omissa nesse ponto processual, mas há quem afirme que tal imputação passa a constituir um concurso de agentes, e na prática a qualificação isolada de um dos agentes sempre implicará na denegação de denúncia, impossibilitando o início da ação penal ambiental. Essa processualística é contraditória se comparada aos termos da lei.


3.1 A proteção jurídica do meio ambiente


Conforme a Lei nº 6.938/81 meio ambiente é o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite abriga e rege a vida em todas as suas formas”.[34]


A Constituição Federal 1988, art. 225, caput, rascunha uma definição afirmando que “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”[35]


Nota-se que a definição constitucional é confusa, pois afirma a exigibilidade do direito, mas não expressa claramente a significação do bem tutelado. Assevera ainda uma amplitude a definição, pois atinge tudo aquilo que permite a vida, que abriga e rege.


Silva[36] esclarece de forma ampla que meio ambiente é “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.


Conforme a doutrina e a própria Constituição Federal[37] (que reconheceu as várias formas de meio ambiente) o meio ambiente está subdividido em: a) meio ambiente natural (é aquele que existe sem a influência do homem, a fauna, a flora); b) meio ambiente artificial (interação do homem com o meio o meio ambiente por seus equipamentos construídos); c) meio ambiente cultural (também fruto da interação do homem com o meio ambiente natural, mas com um valor especial adquirido, integrados pelos os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico); e d) meio ambiente do trabalho (interação como meio ambiente na atuação de proteção da saúde e segurança do trabalhador).


Partindo da amplitude dessa subdivisão da definição é necessário enfatizar a abrangência da ciência ambiental. Assim, como assevera Milaré[38] fala-se numa visão holística do meio ambiente, querendo-se com isso significar o caráter abrangente e multidisciplinar que a problemática ambiental necessariamente requer.


Em princípio seria possível analisar que as ciências relacionadas à problemática ambiental seriam a jurídica ambiental, ecologia e biologia, pois discutem legislações que defendem o meio ambiente e doutrinas biológicas e ecológicas. Neste contexto é importante frisar Leff[39] que com fundamentação afirma que “o ambiente não é a ecologia, mas a complexidade do mundo”.


Logo, o ambiente não se constitui apenas de fauna e floral, é muito além da conceituação naturalista, sua composição é heterogênea e completa, pois onde quer que estejamos estaremos submetidos a um determinado conceito de meio ambiente.


Dando um salto nesta análise de transdisciplinariedade da ciência ambiental, a legislação ambiental brasileira com ênfase em defender o meio ambiente sancionou a Lei nº 9.605/98 tipificando crimes com suas respectivas penas. Sob mesmo prisma, mas em tempo anterior a Constituição Federal 1988 e a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) instituíram regulamentos e normas dos órgãos ambientais nacionais e locais, todos com objetivo de coibir a prática de ações que degradassem o bem jurídico ambiental.


Em apertada síntese a legislação predispõe de mecanismos de proteção na prática denominado de instrumentos de política ambiental, entre esses temos: as formas de licenciamentos, estudo de impacto ambiental (EIA), o relatório de impacto ambiental (RIMA) que regulamentam a permissividade de atividade com significativa degradação ou apenas poluidora. Esses instrumentos viabilizam o controle da gestão dos recursos naturais, e previnem a postulação de demandas judiciais relacionadas às ações ilícitas decorrentes de exploração de atividade econômica.


CONCLUSÃO


A possibilidade legal de punição da pessoa jurídica diante dos crimes perpetrados contra o meio ambiente se fez pela necessidade de evolução da ciência penal brasileira como forma de se adaptar aos novos conceitos impostos pelo desenvolvimento da sociedade, ante a existência de constantes delitos ambientais envolvendo empresas e seus responsáveis.


A Constituição Federal de 1988 trouxe significativo avanço normativo para matéria ambiental quando instituiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica no art. 225, § 3º, e tal avanço foi novamente recepcionado pela lei infraconstitucional nº 9.605/98 que tipificou uma série de crimes contra o meio ambiente. Tais avanços se devem a atores sociais que organizados intervêm na formulação de políticas públicas executadas pelo Estado. Afinal, a legislação como produto do processo democrático representativo advém em princípio das necessidades sociais.


As políticas públicas são as conseqüências de ações sociais que grupos de indivíduos organizados propõem através de seus representantes ao Poder Público, e a responsabilidade penal das empresas na década de 80 foi objeto dessas ações em decorrência da instalação de sucessivas empresas no Brasil que realizavam atividade exploratória de recursos naturais. Este evento contribuiu para origem de problemas de ordem socioambiental, como v.g o deslocamento da comunidade circunvizinha e a degradação ambiental.


Na verdade o acúmulo político institucional brasileiro e a formulação das políticas públicas ambientais são as ações pioneiras para a promulgação da legislação que dispõe e regulamenta a Constituição Federal Brasileira 1988, Lei de Crimes Ambientais, Lei de Política Nacional do Meio Ambiente etc.


Nesse eixo de discussão frisa-se que as políticas públicas ambientais (PPa’s) influenciaram no sancionamento da responsabilidade penal, tendo em vista a importância dos problemas que a irresponsabilidade empresarial vinha causando em face tanto do meio ambiente quanto da humanidade. Os vícios existentes na formulação de políticas públicas foram obstáculos de implementação do instituto, isto se afirma pela existência de interesses que se entrelaçam no processo de formulação, e principalmente nesses casos que envolvem empresas, pois a elite esta fortemente presente.


A efetiva participação popular ainda não foi concretizada nesse percurso de implantação de políticas públicas, talvez pela desigual inclusão do indivíduo de determinadas classes, que sem oportunidades desconhecem as matérias discutidas em audiências públicas. Apesar da consolidação das leis ambientais a operacionalização ainda é ineficiente, isso tende a dificultar o processo de gestão integrada e construção da cidadania ambiental.


 


Referências

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______.Tribunal de Justiça do Estado do Amapá – TJAP. Câmara Única  – HC 1443/06 – Rel. Des. Mário Gurtyev – Unânime – DOE 3779. Disponível em www.tjap.jus.br/jurisprudencia. Acesso em 08.mar.2009

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Notas:

[1] CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982. p. 27

[2] Ibid., p. 29.

[3] PÁDUA, José Augusto de (org) (1987). Ecologia e política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e tampo/IUPERJ. p. 13.

[4] Ibid., p. 15.

[5] Ibid., p. 20.

[6] LEIS, Héctor R. (org) (1991). Ecologia e Política mundial. Rio de Janeiro: FASE/VOZES/AIRI/PUC. p. 24.

[7] Hábitos que demonstram preocupação com a reduzida degradação do meio natural, como o: descarte de lixo, energia solar, aproveitamento da água da chuva, redução de emissão de gases poluentes etc.

[8] DUPUY, Jean-Pierre (1980) Introdução a critica da Ecologia Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

[9] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm. Acesso em 20.07.2010.

[10] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm. Acesso em 15.07.2010.

[11] Ibid.

[12] MAGALHÃES, Juraci Perez. A Evolução da Legislação Ambiental no Brasil, 1998, Ed. Oliveira Mendes, p. 26/27

[13] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 8ªedição, S. Paulo, Ed. Atlas, ano 2000, pág. 646

[14] Capra, op. cit., p. 35.

[15] GODARD, OLIVIER (1997). A gestão integrada dos recursos naturais e do meio ambiente – conceitos, instituições e legitimação. In: WEBER & VIEIRA. Gestão dos recursos naturais renováveis e desenvolvimento – novos desafios para a pesquisa ambiental. São Paulo: Cortez.

[16] A Agenda 21 Brasileira compreende dois volumes: 1. Agenda 21 Brasileira – Resultado da consulta nacional, 2. Agenda 21 Brasileira – Ações prioritárias, Brasília – DF: MMV, PNUD, 2002.

[17] LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. São Paulo: Cortez, 2002. p. 20.

[18] BONETI, Lindomar Wessler. Políticas públicas por dentro. Ijuí: Unijuí, 2006. p.15.

[19] CARVALHO, Alysson [et all.] organizadores. Políticas Públicas. Belo Horizonte: UFMG, Proex, 2002, p.12.

[20] LEFF, op. cit., p. 22.

[21] SANTIAGO, Ivan. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica na Lei dos Crimes Ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 30.

[22] Ibid, p. 48.

[23] PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol I, Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 185.

[24] Santiago, op. cit., p.53/54.


[26] Ibid.

[27] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm. Acesso em 15.07.2010.

[28] Disponível em www.tjap.jus.br/jurisprudencia: Acesso em 08.mar.2010.

[29] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1, p. 164.

[30] MARQUES. Oswaldo Henrique Duek. “A responsabilidade penal da pessoa jurídica” Boletim IBCCRIM, São Paulo, nº 65, 1998. p. 6

[31] RIBEIRO. Lúcio Ronaldo Pereira. Da responsabilidade penal da pessoa jurídica e a nova Lei de crimes ambientais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, 1999, vol. I. p. 88

[32] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.ht. Acesso em 20.07.2010.

[33] Ibid.

[34] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm. Acesso em 20.07.2010.


[36] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 5.ed. Malheiros, 2004. p. 20.


[38] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. Gestão Ambiental em foco. Doutrina Jurisprudência. Glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.112

[39] Leff, op. cit. p 17.

Informações Sobre o Autor

Luciana Uchôa Ribeiro

Bacharel em direito pela Faculdade Seama de Macapá, mestranda em direito ambiental e políticas públicas pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP)


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Equipe Âmbito Jurídico

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