A ressocialização e os gravames da execução penal em face da pessoa surda: a falta de ações afirmativas

Resumo: O presente estudo, através da análise da Lei de Execução Penal e do Estatuto da Pessoa com Deficiência, tem por objeto analisar e desenvolver a respeito da situação da pessoa surda em face da ressocialização e dos gravames da execução penal, ressaltando a observância da falta de ações afirmativas. Para tanto, aborda a teoria mista da pena, destacando os aspectos punitivo e preventivo, em face da finalidade da sanção; ressalta a importância da ressocialização à execução penal, considerando-a como meio mais viável de prevenção à reincidência; apresenta dados atuais da realidade do sistema carcerário brasileiro, transparecendo, assim, as mazelas sociais e as violações aos direitos fundamentais; introduzem as peculiaridades da pessoa surda, nos aspecto extramuros (comunidade) e intramuros (cumprimento da pena), nesse contexto, ressaltando a necessidade de ações afirmativas para assegurar o cumprimento aos princípios constitucionais de igualdade e dignidade da pessoa humana; e, por fim, apresenta propostas de alteração a esse cenário, norteando a inclusão social total e a garantia às liberdade e independência da pessoa surda.

Palavras-chaves: Pessoa surda. Ressocialização. Execução penal. Ação afirmativa. Língua Brasileira de Sinais.

Abstract: This study, through the analysis of the Penal Execution Law and the Statute of Persons with Disabilities, is engaged in analyzing and developing about the situation of deaf people in the face of rehabilitation and charges of criminal enforcement, emphasizing compliance with the lack of affirmative action. Therefore, it addresses the mixed theory of sentence, highlighting the punitive and preventive, in the face of the purpose of the sanction; emphasizes the importance of rehabilitation of penal execution, considering it as a means most viable prevention recurrence; It presents current data from the reality of the Brazilian prison system, transpiring thus the social ills and the violations of fundamental rights; introduce the peculiarities of the deaf person in respect extramural (community) and intramural (the sentence) in this context, stressing the need for affirmative action to ensure compliance with the constitutional principles of equality and human dignity; and, finally, presents amendments to this scenario, guiding the overall social inclusion and ensuring the freedom and independence of deaf person.  

Keywords: Deaf person. Resocialization. Execution law. Affirmative action. Brazilian Sign Language.

Sumário: Introdução; 1 – A teoria mista da pena; 2 – Ação afirmativa; 3 – A situação do preso no Brasil; 3.1 – O Princípio da Individualização da Pena na Execução Penal; 3.2 – Os Direitos do Preso; 3.3 – A ressocialização; 4 – A situação da pessoa surda por ocasião do cumprimento da pena; 5 – Peculiaridades na ressocialização; 6 – Propostas de alteração; Considerações finais.

INTRODUÇÃO

O crime, desde os tempos primórdios, é passível de sanção. Outrora, as condutas que descumpriam as regras do contrato social eram penalizadas através de sanções cruéis e degradantes, consubstanciadas em castigos e repressões que traduziam o tratamento do criminoso como “objeto” e o sentimento de vingança da sociedade.

Com o intuito de humanização da pena, o ius puniendi passou a pertencer ao Estado, sob a obrigação de seguir os preceitos dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais do ordenamento jurídico. Diante da pena, o Código Penal brasileiro, por sua vez, adota a teoria mista, configurando os caráteres punitivo e preventivo à sanção.

Destarte, por ocasião do cumprimento da pena, o Estado se posiciona em contribuição ao controle social, estabelecendo a finalidade de ressocialização do sentenciado, em atenção à sua reintegração.

Entretanto, a presente situação do sistema carcerário no Brasil é de desequilíbrio. Expõe as mazelas e os problemas socioeconômicos de um país emergente, apresentando superpopulação carcerária e demasiadas violações aos direitos fundamentais e princípios constitucionais, em especial, ao da dignidade da pessoa humana.

É sabido que, diante desse cenário, é inatingível o êxito da finalidade da pena. Desse modo, em meio a tantas problemáticas, faz-se necessário resguardar os direitos do preso, enfatizar a importância da ressocialização e amenizar os gravames do cumprimento da pena.

O enfrentamento a esses aspectos se agrava quando a pessoa apenada é surda, a qual sua diferença na comunicação realça as barreiras no contexto social, tanto em aspecto extramuros, na comunidade; quanto em aspecto intramuros, na execução penal.

A ausência de dados quantitativos consideráveis de presos surdos na população carcerária gera grave despreocupação e inobservância, por parte de juristas e de autoridades públicas, perante os descasos, o que em nada contribui para prevenir e minorar as grandes mazelas e dificuldades.

A exemplos, a incapacidade de comunicação na Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS dos funcionários e servidores nas searas públicas, como na Polícia, no Ministério Público (agentes penitenciários, defensores públicos), dentre outros; outrossim, a inexistência de intérpretes presentes para efetivar a comunicação entre o detento surdo e o servidor ouvinte, seja na execução da pena, seja no processo de ressocialização.

Todavia, as inserções de ações afirmativas e da efetiva acessibilidade na comunidade surda frente à sociedade traduzem, com perfeição, os ideais dos princípios constitucionais, como igualdade, liberdade, dignidade e justiça

Assim, consagra a sociedade em verdadeira evolução e avanço aos preceitos dos direitos fundamentais.

1 A TEORIA MISTA DA PENA

A pena se originou em tempos primitivos, onde a vingança e o castigo eram os precursores basilares das condutas contra o ato criminoso ao contrato social. Com o intuito de humanizar as sanções, as teorias da pena surgiram como “postulados racionais e científicos, com limites traçados pelos princípios fundamentais de direitos humanos, constantes em textos constitucionais” (MARQUES, 2008, p. 5), que buscam justificar as finalidades e os fundamentos da pena.

Destarte, da combinação entre as duas Teorias da Pena – Retributiva (punição; retribuição ao ato infracional) e Preventiva (prevenção a uma nova violação ao contrato social; ressocializar o apenado), surge uma terceira, sendo a Mista, também denominada como Teoria Unificadora, Eclética, desenvolvida por Adolf Merkel, adotada, atualmente, pela legislação penal brasileira.

A razão para essa união decorre das críticas atribuídas às teorias absoluta e relativa, por ocasião de não serem, individualmente, suficientes para cumprir com o fim e o fundamento da aplicação da pena.

No Código Penal brasileiro, sua previsão se encontra no artigo 59, caput, através dos termos “reprovação” e “prevenção do crime” contidos no texto legal. Outrossim, na Lei 7.210/84 – Lei de Execução Penal, nos artigos 1º e 10, são vislumbrados o objetivo da completa reintegração social do sentenciado.

Contudo, a Teoria Mista da Pena corresponde à justa retribuição ao fato criminoso cometido em adição à ideia de prevenção de novos delitos, agindo de forma que se eduque o sentenciado, por ocasião do cumprimento da pena, norteando a sua reintegração na sociedade, para, consequentemente, se lograr o êxito da ressocialização em razão da finalidade e do fundamento da pena.

2 AÇÃO AFIRMATIVA

Da Carta Magna de 1988, se extrai o conteúdo constitucional que demonstra a intenção do constituinte originário de promoção às transformações na democracia brasileira. Isso se deu com o fato de os legisladores obterem a compreensão de que, para se atingir as tais transformações, era necessário o auto reconhecimento, quanto Estado, como agente transformador social e dinâmico, que vai além da posição estática liberal de mero árbitro aos conflitos de interesses difusos.

Portanto, é notório o apontamento da igualdade como precursora da ordem e da justiça na conquista de tais feitos transformadores. Destarte, é na igualdade que as ações afirmativas encontram seu alicerce para a promoção do estado ideal visado pela Constituição Federal.

Nas palavras de Flávia Piovesan (2006, p. 39), destacam-se três vertentes a respeito da concepção de igualdade, sendo:

“A igualdade formal, que traduz ao preceito “todos são iguais perante a lei”, abolindo, assim, quaisquer formas de privilégios; a igualdade material, correspondente ao ideal de justiça social e distributiva (igualdade orientada pelo critério socioeconômico); e a igualdade material, correspondente ao ideal de justiça como reconhecimento de identidades (igualdade orientada pelos critérios gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia e outros).”

A origem das políticas de ações afirmativas se deu através da implementação de planos e programas de governos, e de particulares, que norteavam a inserção de oportunidades às minorias sociais em aspectos como empregos, espaços sociais, cargos, entre outros, nas mais variadas entidades.

Contudo, destaca-se definição em relação às ações afirmativas, mediante Joaquim Benedito Barbosa Gomes (2001, p. 40):

“Ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação, […].”

De outro modo, é a tradução da máxima Aristotélica, traduzida na efetivação do paradoxo de desigualar para se criar a igualdade, por meio da oferta de políticas que igualem as situações entre os cidadãos. No âmbito jurídico, é o estabelecimento de tratamento normativo diferenciado, mas sem violar o princípio da isonomia, isto é, desenvolvendo o paradoxo dentro dos limites de respeito à igualdade formal, conforme Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2003).

A importância dessas políticas afirmativas está elencada na Constituição Federal de 1988, sob a previsão do artigo 3º, incisos I, III e IV, onde prevê as construção, erradicação, redução e promoção para designar um comportamento ativo e atingir as transformações indispensáveis à verdadeira igualdade.

O objetivo do instituto é assistir cidadãos específicos que, por razões discriminadas, como físicas, mentais, sociais, culturais, linguísticas, entre outras, sofrem discriminações negativas na sociedade. Assim, conforme Cármem Lúcia Antunes Rocha (1996, p. 98), a ação afirmativa caracteriza-se como: “a expressão democrática mais atualizada da igualdade jurídica promovida na e pela sociedade, segundo um comportamento positivo normativa ou administrativamente imposto ou permitido”.

Inclusive, democracia transparece igualdade no exercício dos direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos, e as ações afirmativas têm caráter de urgência e, assim, constituem um mecanismo sociojurídico destinado a viabilizar, sobretudo, a harmonia e a paz social.

Com isso, é de salutar, então, que a igualdade, sendo componente essencial de justiça, é o fundamento basilar que serve de principal parâmetro normativo para embasar os critérios elementares favoráveis e mitigar aspectos incompatíveis, com o intuito de estabelecer uma conclusão idônea dos efeitos pretendidos pelo princípio, ou seja, o estado ideal de igualdade. É, justamente, essa igualdade que a Constituição Federal garante a todos como direito fundamental.

3 A SITUAÇÃO DO PRESO NO BRASIL

Em abril de 2016, o Ministério da Justiça divulgou Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias[1] com dados quantitativos a respeito do sistema carcerário brasileiro, correspondentes a dados de dezembro de 2014. Resulta em um total de 622.202 (seiscentos e vinte e dois mil e duzentos e dois) presos distribuídos pelo país.

Desse resultado, mostra o relatório que o perfil socioeconômico dos detentos concerne em 55% entre 18 e 29 anos de idade, 61,6% são negros e 75,08% têm até o ensino fundamental completo.

Segundo o estudo, o Brasil ocupa a quarta posição no ranking de maior população carcerária do mundo. Os países ocupantes dos três primeiros lugares são Estados Unidos da América (2.217.000), China (1.657.812) e Rússia (644.237), respectivamente.

O relatório divulgou, ainda, a informação de que em relação à taxa de encarceramento geral, ou seja, o número de pessoas presas por grupo de 100 mil habitantes, o Brasil ocupa a sexta colocação mundial, correspondendo a 306,2 (trezentos e seis vírgula dois) detentos por 100 mil habitantes, perdendo apenas para Ruanda, Rússia, Tailândia, Cuba e Estados Unidos da América.

Entretanto, segundo o diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, Renato de Vitto, o crescimento da população penitenciária brasileira nos últimos anos não indica redução nos índices de violência e, ainda, destaca a respeito da necessidade de se repensar o combate à criminalidade por meio da política pública de prisão.

3.1 O princípio da individualização da pena na execução penal

Uma vez que um crime é praticado, o Estado exerce o ius puniendi – direito este exclusivo e indelegável, diante de relação jurídico-punitiva, convertendo o direito abstrato em punibilidade.

A lei 7.210/84 – Lei de Execução Penal, traz a responsabilidade de efetivar as disposições de sentença ou de decisão criminal, dentro da promoção de condições harmônicas à integração social do condenado e do internado, conforme preceito do artigo 1º.

Neste sentido, afirma Carmem Silvia de Moraes Barros (2001, p. 129-130):

“Cabe, em sede de execução penal, oferecer todas as oportunidades, sem exigir qualquer submissão a propósitos, quer reeducativos, quer ressocializadores, quer reintegradores – as oportunidades oferecidas serão aceitas ou não, conforme aprouver ao sentenciado, sem que contudo qualquer das hipóteses lhe possa causar benefício ou prejuízo durante o cumprimento da pena e óbice à sua integração social. Assegura-se, assim, na execução penal, sua integridade moral, sua dignidade e o livre desenvolvimento de sua personalidade.”

Ao princípio da individualização da pena contempla os princípios da personalidade e da proporcionalidade. Naquele, traz o conceito de que a pena deve atingir apenas a pessoa determinada, sujeito ativo do delito penal, não podendo ultrapassá-la. Determina, ainda, a classificação dos presos de acordo com as características pessoais, concomitantemente, à adoção de meios à ressocialização.

Quanto ao princípio da proporcionalidade, limita a imposição de anseios sociais à pessoa sentenciada, executando, portanto, condutas de respeito à dignidade dele, conforme os preceitos constitucionais.

Em suma, o princípio da individualização da pena por ocasião da execução penal consiste no respeito à dignidade da pessoa humana, à igualdade, à liberdade, à personalidade do sujeito, de modo que essa assistência seja o meio mais viável à obtenção ou encurtamento, cada vez maior, do caminho à reintegração do sentenciado na sociedade, posto que a ressocialização é oriunda do caráter preventivo da teoria mista da pena, em razão da sua finalidade e fundamento, aplicada no ordenamento jurídico brasileiro.

3.2 Os direitos do preso

No Estado Democrático de Direito, a execução da pena deve se limitar aos preceitos da lei perante o cumprimento da pena e a medida de segurança. Tudo que extrapola, contraria direitos. O artigo 41, da Lei 7.210/84 – LEP, aborda o rol que consiste aos direitos do preso. Como não se trata de rol taxativo, não há limite a tais direitos, posto que os direitos da pessoa humana, inclusive da que se encontra em privação de liberdade submetida a algumas restrições, não se esgotam, absolutamente.

Sob a mesma óptica, destaca-se que, na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos III e XLIX, que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”; e “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

Entretanto, o cumprimento desses direitos ainda não é uma realidade absoluta. Destarte, ressalta Renato Marcão (2011, p. 69):

“É público e notório que o sistema carcerário brasileiro ainda não se ajustou à programação visada pela LEP. Não há, reconhecidamente, presídio adequado ao idealismo programático da LEP.”

O panorama atual do Brasil reflete o descaso de tratamento por parte das autoridades e da sociedade diante dos direitos humanos aos presos, banalizando a ressocialização. No entanto, o respeito aos direitos fundamentais do detento é uma questão de dignidade e de responsabilidade social.

3.3 A ressocialização

Ressocialização advém do verbo “ressocializar” que significa “reintegrar uma pessoa novamente ao convívio social por meio de políticas humanísticas”[2]. Mais, “tornar-se sociável aquele que desviou por meio de condutas reprováveis pela sociedade e/ou normas positivadas”[3].

O Brasil é signatário de Tratados Internacionais que priorizam, consideravelmente, a dignidade da pessoa humana. Assim, dentro dos preceitos da finalidade da pena, a ressocialização é o objetivo principal, de maior importância decorrente da teoria mista aplicada no país.

Nesse sentido, enfatiza Renato Marcão (2011, p. 31-32):

“A execução penal deve objetivar a integração social do condenado ou do internado, já que adotada a teoria mista ou eclética, segundo a qual a natureza retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Objetiva-se, por meio da execução, punir e humanizar.”

No entanto, é favorável concluir que o êxito na reintegração do apenado evita, veementemente, a reincidência da conduta. Dessa forma, destaca à pena de prisão como um instrumento de oportunidade ao cidadão sentenciado à civilização, afastando a ideia de repressão, vingança e castigo, e favorecendo a reinserção social.

Tendo em vista a ressocialização estabelecida na fase administrativa da individualização da pena, cabe ao Estado a responsabilidade de oferecer recursos e oportunidades que a favoreçam.

Contudo, destaca-se que a melhor maneira para conquistar esse feito advém da combinação: formação educacional e uma profissão. O artigo 31 da Lei de Execução Penal aduz que o condenado submetido à pena privativa de liberdade tem a obrigação de trabalhar, de acordo com as suas aptidões e capacidade. Perante o preso provisório, o trabalho é facultativo.

Todavia, é sabido e notório que o Estado, por sua vez, ainda é omisso e ineficiente em cumprir esse dever, tornando toda a expectativa da legislação em uma utopia.

Essa não assistência é extremamente grave e fere os fundamentos da pena frente à sua finalidade. O não atendimento prejudica o sentenciado quanto à remição da pena, em razão da consequência da lei e decorrente do trabalho; quanto à ressocialização, negando meios adequados para efetivação; e, por fim, da remuneração proveniente do labor (direito ao trabalho), a qual serve para custear o pagamento da sua pena de multa ou da prestação pecuniária.

A razão é fundamentada na realidade do sistema carcerário, a qual revela as violações aos direitos dos presos de forma abusiva, repressiva e violenta; à falta de assistência psicológica, jurídica e social, traduzida em insuficiência e precariedade.

Porém, é inegável constatar que, diante de toda celeuma, ainda que não falte qualificação educacional e profissional, o cidadão apenado, após o cumprimento da pena, ainda carregará o rótulo, em forma de estigma, de “ex-presidiário”, resultando em chances ínfimas de reinserção, por razões de medo, insegurança, preconceito e discriminação.

4 A SITUAÇÃO DA PESSOA SURDA POR OCASIÃO DO CUMPRIMENTO DA PENA

Primeiramente, afirma-se que a pessoa surda, objeto do presente estudo, é aquela que se comunica e interage, pessoal e socialmente, através da Língua de Sinais (modalidade de comunicação visual-espacial[4]), tendo esta como a sua primeira língua oficial.

Destarte, a sociedade, composta em sua maioria por pessoas ouvintes (aquelas que se comunicam na modalidade oral-auditiva), contém um número reduzido de pessoas surdas inseridas no mesmo contexto de convivência social.

Segundo censo realizado no ano de 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE, cerca de 9,7 milhões de brasileiros possuem deficiência auditiva, o que condiz a 5,1% (cinco, vírgula, um por cento) da população brasileira; e, desse total, cerca de 344,2 mil (trezentos e quarenta e quatro, vírgula, dois mil) habitantes são surdos[5].

Como se observa, a legislação e a sociedade brasileira ainda enquadram a pessoa surda como “portadora de deficiência auditiva” e, inclusive, utiliza o termo “deficiente auditivo” como forma de tratamento.

Diante disso, o presente trabalho se apresenta contrário à essa assertiva, sendo congruente das seguintes palavras de Edmarcius Carvalho Novaes (2014, p. 36):

“Embora conste no texto constitucional e em outras leis posteriores, o uso do termo portador é incorreto. Àquela época, o legislador visava tão somente não utilizar de palavras com conotação negativas, como surdo-mudo, retardado e outros. Entretanto, atualmente, este termo também não condiz com a realidade e, portanto, deve ser evitado.”

Outrossim, nas palavras de Ricardo Vianna Martins: “Sem língua não existe nem os surdos nem o modo de ser, cultural, surdo. Existiriam apenas deficientes auditivos.” (2004, p. 204-205).

Por fim, acrescenta a seguinte distinção (NOVAES apud MARTINS, 2014, p. 39):

“O deficiente auditivo é a pessoa que não tem surdez profunda, sua limitação sensorial é parcial. Por outro lado, o surdo é a pessoa com limitação sensorial de forma total. A terminologia correta a ser utilizada é pessoa surda, caso sua surdez seja profunda, ou deficiente auditiva, caso a pessoa ainda ouça, mesmo que de forma parcial.”

Portanto, os termos utilizados no presente estudo são “pessoa surda” e “surdo”, haja vista retratar com respeito e sem ofensas a comunidade surda.

Dentro do cenário brasileiro se constata, de um lado, os cidadãos ouvintes e, do outro, os cidadãos surdos. A princípio, parece o país estar diante de dois grupos de pessoas diferentes, os quais não estabelecem comunicação entre si, dando consequência à existência de dois mundos paralelos, embora ambos estejam submetidos às mesmas legislações, direitos e garantias do contrato social.

Mas, em verdade, essa concepção é parcialmente uma falácia. O equívoco é apontado diante da impossibilidade de comunicação entre eles, posto que, o Brasil, desde 2002, através da Lei n. 10.436/2002, reconheceu a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS como, também, língua oficial do país.

Garante, ainda, diuturnamente, o apoio e assistência aos surdos em sua própria língua por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, de assistência à saúde e do sistema educacional, resguardando seus direitos e promovendo a igualdade e a inclusão social, conforme preceitua os artigos 2º, 3º e 4º, da mesma lei.

Dito isso, a convivência entre os cidadãos, ouvintes e surdos, brasileiros se torna, cada vez mais, viável e factível, estreitando mais a relação social entre eles e a boa convivência livre de preconceitos, discriminações e intolerâncias; ainda que, é sabido se estar distante da ideia saudável de sociedade, liberdade igualdade e dignidade humana.

Em ato contínuo, ainda que em face de evolução na vivência da pessoa surda dentro do contexto social, em aspecto extramuros; destaca-se, com lamento, a sua situação por ocasião do cumprimento da pena, no aspecto intramuros.

É bem sabido que, no cenário brasileiro, a sociedade ainda caminha em passos lentos rumo à inclusão social ideal na comunidade. Porém, a existência de políticas públicas inseridas nesse meio tem contribuído com a promoção da igualdade entre as pessoas, dentro dos preceitos de dignidade, liberdade e justiça.

Ressalta-se, são essas ações afirmativas que têm propiciado aos cidadãos o avanço na plenitude de vida, em respeito às diferenças e peculiaridades.

No entanto, no sistema carcerário, nenhuma conduta positiva e inclusiva tem acontecido. As mazelas sociais e todos os demais fatores que dificultam a efetividade do fim e do fundamento da aplicação de uma pena já corroboram, sensivelmente, com os gravames do seu cumprimento, que, enfaticamente, crescerão, quando da inexistência de ações afirmativas inseridas nesse contexto em favor da execução penal pelo sentenciado surdo.

Em debate à pessoa surda, é, veementemente, reprovável a realidade de tratamento do Estado, face a sua responsabilidade de proporcionar apoio e assistência a esses apenados, tendo em vista a promoção de fatores e oportunidades à sua ressocialização.

Admira-se que, na constância do século XXI e na vigência da Constituição Federal mais democrática e humana, a realidade do sistema prisional não dispõe, sequer, de uma medida direta ou alternativa para assistir, de prontidão, a esses cidadãos. Com ainda maior reprovação, à adoção de medidas que assegurem, ativamente, os direitos fundamentais e garantias constitucionais.

A exemplo, inexiste ação afirmativa que assegure, no ambiente prisional, a capacidade de servidores e funcionários à realização da comunicação em LIBRAS com os detentos surdos.

Aliás, raramente se encontra na sociedade, dentro do contexto diário, em locais públicos como escolas, hospitais, parques, a figura do intérprete, como exemplo, para intermediar a comunicação e consagrar a inclusão social.

Essa omissão estatal é cruel, injusta e nociva. Deixa o apenado surdo à míngua da sorte e da desumanidade, exaltando o contexto de desproteção e vulnerabilidade, e enseja à reincidência, o que remete tal situação aos tempos primitivos, onde o preso era tratado como “objeto”, sem dignidade e submetido a penas cruéis e degradantes.

Mais, macula o futuro desse sentenciado no momento após o cumprimento da pena, no retorno ao convívio social, uma vez que não o assistiu, quando era possível e oportuno, perante os critérios de recuperação, reintegração e prevenção à reincidência, de acordo com os preceitos da Lei de Execução Penal.

Importante frisar que, se diante do aspecto extramuros, na comunidade, dentro do convívio social, a pessoa surda ainda sofre discriminação e desrespeito às suas dignidade e liberdade em razão de preconceito, intolerância e discriminação; induz-se às reflexão e mínima expectativa, então, no aspecto intramuros, no âmbito prisional, onde é nítida a percepção de precariedade e ainda se permeia o desejo de vingança, o discurso de ódio e de total desassistência pelo poder público na situação da pessoa surda frente à sua ressocialização.

Constata-se um grande descaso social, que, comprovadamente, é traduzida pela ausência de dados quantitativos consideráveis de presos surdos na população carcerária, gerando grave despreocupação e inobservância por parte de juristas e de autoridades públicas, o que em nada contribui para prevenir e minorar tais grandes obstáculos.

Nas palavras de Christiano Jorge dos Santos (2010, p. 76):

“[…] é extremamente preocupante, pois revela o descaso dos operadores do direito criminal (principalmente a polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário), […], o que em nada contribui para minorar as grandes dificuldades que encontram os deficientes e seus familiares, principalmente aqueles de baixa renda. Maior relevo ganha essa questão quando se apura que 10% da população do Brasil é deficiente.”

Portanto, torna-se ilógico e não funcional o discurso que destaca os direitos humanos e garantias fundamentais nas práticas das ações, assim como a inserção de políticas públicas que favorecem os princípios constitucionais, tendo em vista a constatação clara e notória de ofensa, silêncio, omissão e descumprimento pelo Estado, cujos atos ainda revelam fragilidade e descompromisso com os seus cidadãos, pela própria população.

5 PECULIARIDADES NA RESSOCIALIZAÇÃO

Em face da real situação do preso no Brasil e do aumento, exorbitante, da criminalidade, torna-se imprescindível a efetivação da Lei de Execução Penal. Diante da ressocialização, apontam-se características eficazes de zelo à dignidade da pessoa humana do preso e de promoção à sua reintegração social.

Ao egresso comum, o ambiente prisional tem sido desumano, violento, um ensejador de ódio e vingança, caracterizando nos preceitos da famosa “escola do crime”. Ao egresso surdo, esse cenário se agrava ainda mais com a adição da falta de assistência e de recursos que maximizem os ideais constitucionais de igualdade, liberdade e dignidade.

Ainda que sob os rótulos de, ainda, serem vistos socialmente sob fundamentos de preconceito, inferioridade, incapacidade, a pessoa surda traz a peculiaridade de comunicação através de língua diversa à portuguesa, sendo a Língua de Sinais.

Nas palavras de Daniel Choi (2011, p. 31):

“O que parte do mundo ouvinte tenta fazer é limitar esse acesso ao mundo Surdo por preconceito, falta de informações ou domínio do considerado diferente. A língua e a linguagem são elementos fundamentais nos discursos, na ideologia, na sociedade e na formação de uma identidade, seja ela coletiva ou individualizada.”

Destarte, a Lei n. 10.436/02 garante à comunidade surda o apoio e a assistência para o uso e difusão da língua, o que é louvável perante a inclusão social e a sua dignidade humana, conforme se destaca no artigo 2º da lei.

Dessa forma, no viés da execução penal em face da ressocialização pela pessoa surda, tal garantia não é, prontamente, atendida.

Desse modo, na hipótese da pessoa apenada ser surda, é transparente e notória a constatação de que, para o alcance dos direitos do preso em face dela, é indispensável a presença de pessoa capacitada à comunicação na Língua Brasileira de Sinais. E mais, rompendo as barreiras específicas do ambiente carcerário, é também indispensável a presença em todas as esferas sociais, sejam elas públicas ou privadas.

Tal raciocínio decorre do respeito aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. E, diante dessa assertiva, o presente estudo destaca o entendimento de que onde há a necessidade de maximização desses princípios, postos à erradicação da discriminação e do preconceito, há a necessidade de instituição de ações afirmativas, devido ao caráter de emergência.

Outrossim, nas palavras de Flávia Piovesan (2006, p. 40):

“O combate à discriminação é medida fundamental para que se garanta o pleno exercício dos direitos civis e políticos, como também dos direitos sociais, econômicos e culturais. (…). Faz-se necessário combinar a proibição da discriminação com políticas compensatórias que acelerem a igualdade como processo. Isto é, para assegurar a igualdade não basta apenas proibir a discriminação mediante legislação repressiva. São essenciais estratégias promocionais capazes de estimular a inserção e inclusão dos grupos socialmente vulneráveis nos espaços sociais.”

E destaca:

“Nesse sentindo, como poderoso instrumento de inclusão social, situam-se as ações afirmativas. Essas ações constituem medidas especiais e temporárias que, […], objetivam acelerar o processo de igualdade substantiva por parte de grupos vulneráveis […].”

Portanto, no mesmo sentido, se direciona à efetividade da ressocialização. É preciso meios e promoções de políticas públicas para assistir, diretamente, a pessoa surda aos objetivos do cumprimento da pena, dirimindo, assim, os gravames por ocasião dela, em cumprimento e obediência aos princípios da igualdade e, principalmente, da dignidade da pessoa humana, conforme os preceitos legais.

6 PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO

No conhecimento das disposições e leis estudadas pertinentes à pessoa surda, o presente trabalho apresenta propostas de alteração. A grande preocupação do estudo consiste na garantia aos princípios constitucionais e direitos fundamentais, com ênfase nos ideais de igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana e justiça.

É assegurado, pela Constituição Federal de 1988, o tratamento igualitário a todos, perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, de acordo com o artigo 5º. De forma implícita, destaca o direito à dignidade da pessoa humana.

Concomitantemente, a Lei n. 13.146 de 2015, que corresponde ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, dispõe, em seu artigo 1º, a garantia e a promoção do exercício dos direitos e das liberdades fundamentais, em condições de igualdade, por pessoa com deficiência, com o intuito de efetividade às inclusão social e cidadania.

Outrossim, no artigo 4º, da mesma lei, preceitua que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”. No artigo 10, identifica a competência do poder público de “garantir a dignidade da pessoa com deficiência ao longo de toda a vida”.

Destarte, com o intuito de estreitar as relações interpessoais entre surdos e ouvintes brasileiros em promoção à inclusão social, a legislação garante recursos de acessibilidade[6], na comunicação[7] entre eles, como forma de auxílio ao enfrentamento das barreiras[8] sociais do cotidiano humano. Assim, dispõe o artigo 53:

“Art. 53. A acessibilidade é direito que garante à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e de participação social.”

A exemplo da observância à essa garantia, aponta-se o preceito do artigo 28, inciso XI, da Lei 13.146/2015:

“Art. 28: Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:

XI: formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio.”

Na sociedade, um exemplo prático dessa assistência aconteceu no interior de São Paulo, no município de Barretos, onde o Ministério Público estadual firmou um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC com a Prefeitura do município visando garantir o pleno acesso das pessoas com deficiência auditiva aos serviços públicos do município.

Em razão do TAC, a prefeitura se comprometeu a disponibilizar, no prazo de 30 (trinta) dias, intérpretes da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS para acompanhar as pessoas com deficiência auditiva de Barretos aos serviços públicos municipais, estaduais e federais, em especial nas áreas de saúde e assistência social. Em caso de comprovada necessidade, os intérpretes poderão, excepcionalmente, acompanhar as pessoas com deficiência auditiva em atendimentos referentes a serviços particulares, como consultas a médicos especialistas, entre outros. O TAC estabeleceu o prazo de 30 (trinta) dias para o início da oferta do serviço e firmou uma multa diária à Prefeitura em caso de descumprimento[9].

Estar-se diante de uma iniciativa louvável.

Entretanto, observa, o presente estudo, que essa acessibilidade disposta, atualmente, na legislação brasileira é insuficiente para tornar a comunidade surda livre e independente, o que fere, por conseguinte, os ideais de igualdade, justiça e dignidade humana.

Destaca, ainda, que os direitos e garantias em tela, diante da comunidade surda, não têm sido assistidos de forma efetiva frente à sociedade e ao contrato social. Que há uma violação crônica que ultrapassa as barreiras sociais da comunidade, atingindo todas as searas, incluindo o âmbito prisional, por ocasião da ressocialização no cumprimento da pena.

Contudo, é concluído, diante disso, a constatação de uma “discriminação disfarçada”, a qual tem sido inobservada pelas autoridades públicas e pelos operadores do Direito. Esse descaso é preocupante e a reparação requer caráter emergencial.

O presente estudo compreende e respeita o entendimento de que a acessibilidade em vigor contra a barreira da comunicação entre os cidadãos surdos e ouvintes colabora, consideravelmente, com a aproximação deles, contribuindo com o ideal de inclusão social.

No entanto, defende que essa iniciativa não cumpre com o dever de assegurar a liberdade e a dignidade humana à pessoa surda, uma vez que esse cidadão continuará dependendo de um fator externo (a figura do intérprete ou do tradutor, de um ente familiar etc.) para as situações relativas à cidadania, das mais básicas, como uma ida ao banco, reunião de pais na escola do filho, conversa com o amigo ouvinte, confraternização com a família, entre outros; às mais complexas, como uma ida ao posto de saúde, reunião com defensor público para o acesso à justiça, viagem de trabalho.

Ora, se a ideia da acessibilidade é romper, sempre que possível, os obstáculos para a pessoa surda viver com dignidade, independência e autonomia, sob o ensejo da igualdade entre os cidadãos surdos e ouvintes, sem sofrer qualquer forma de discriminação, então, é ilógico aprisiona-la a um outro ser humano, em tempo integral, para conseguir suprir a diferença social em razão, unicamente, da comunicação.

Em continuidade, é desumano limitar a cidadania desse cidadão brasileiro, o condicionando à realização dos feitos da vida civil à disponibilidade de um intérprete.

Em aspecto mais frágil, a situação de mal-estar ou um acidente no trânsito, cuja vítima é uma pessoa surda. Defende-se não ser correto e humano sempre condicionar o intermédio da comunicação, entre médico e vítima, ao intérprete de LIBRAS para a prestação de socorro. É inviável considerar essa acessibilidade sem constatar absurdos.

Por ocasião do cumprimento da pena, é inimaginável a ressocialização do apenado surdo, diante dos direitos do preso e dos critérios de reintegração social, onde não há política pública que assegure a presença, em tempo integral, de um intérprete para suprir tais gravames. Ainda que exista, é contrário aos preceitos de dignidade humana e igualdade o condicionamento da presença dele para cumprir com os direitos do apenado surdo brasileiro.

Dentre inúmeras outras situações, reitera-se a conclusão, portanto, de que a legislação vigente ofende os princípios constitucionais em face da igualdade, liberdade, dignidade e justiça, em relação à pessoa surda.

Entende-se, portanto, que a devida acessibilidade consiste na inserção da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS no currículo escolar regular das escolas brasileiras, desde o início da educação fundamental, igualmente à realidade da língua portuguesa. Tendo em vista que o conhecimento, no mínimo, básico da língua já proporciona interação direta entre os cidadãos e uma nova e justa concepção de igualdade social, tornando a pessoa surda livre.

Vale destacar que o país é bilíngue, desde 2002, com a promulgação da Lei n. 10.436/2002. No entanto, a educação bilíngue tem sido direcionada apenas à pessoa surda. A presente proposta é de amplia-la a todos os brasileiros.

De forma concomitante, a instauração emergencial de ação afirmativa, a qual insira o profissional intérprete e/ou a capacitação dos funcionários e servidores, em todas as searas públicas e privadas, de serviço básico e social. Sendo, no direito à saúde, em hospitais, clínicas, ambulâncias, prontos-socorros e consultórios particulares.

Na educação, em instituições de ensino, de níveis básico, médio, superior e seguintes. No esporte, a capacitação do próprio técnico ou professor, preferencialmente. No acesso à justiça, em defensorias públicas, ministério público, delegacias, juizados, fóruns, tribunais, entre outros. Nos estabelecimentos comerciais. No setor de hotelaria. Nas fábricas e indústrias. Nos comitês de partidos políticos. Em suma, em todas as categorias que englobam o ser humano.

Acredita-se que, somente assim, serão efetivados os direitos fundamentais e respeitados os princípios constitucionais. Que essa compreensão trará avanço à sociedade brasileira e, com ampliação, à população mundial.

Afinal, o sujeito do estudo é o próprio cidadão brasileiro, dotado de direitos e deveres. Qualquer outra forma de ressalva à assertiva acarretará em injustiças, desigualdades, desumanidade e retrocesso social, limitando e restringindo, gratuitamente e sem fundamentos, o cidadão brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil, como um país emergente, ainda transparece problemas sociais graves, em razão das mazelas, desproteção e precariedade do país.

Com isso, a existência de uma conduta discriminatória geral, em face de um grupo específico de pessoas, apresenta caráter emergencial de reparação, uma vez que tal ação tem cerceado direitos básicos à pessoa humana.

Assim, a inserção de ações afirmativas para resguardar direitos fundamentais e garantias constitucionais torna-se uma ideia alternativa viável ao enfrentamento do problema social. Isto não significa que haverá a erradicação da causa, mas assegurará mais dignidade à pessoa humana vítima do descaso.

Em razão disso, frente à comunidade surda, percebe-se que a inobservância à acessibilidade é generalizada, onde nenhum ambiente público ou particular, dos mais básicos aos mais complexos, apresenta condições de igualdade e dignidade a essas pessoas. Muito menor, ainda, face ao respeito à sua liberdade de gozar plenamente seu direito de cidadania de forma livre e independente.

Na hipótese de ignorar, novamente, tal realidade ocasionará no crescimento do preconceito já existente e ainda valorizará a fortaleza dessa barreira. Rompê-la, em ocasião posterior, certamente, não será mais simples do que no tempo presente.

Destarte, conclui o presente estudo que a pessoa surda é desrespeitada, inclusive pela legislação. Ações afirmativas que assistam, emergencialmente, uma discriminação gritante é, nitidamente, válida, afinal ela dirime ações provenientes de descasos sociais que limitam a dignidade da pessoa humana, entre outros preceitos constitucionais.

Mas, concomitantemente, o respeito à igualdade, à dignidade da pessoa humana e à liberdade deve vir resguardado, defendido e assegurado, em forma de lei, tendo em vista seu caráter definitivo e de comprometimento com a inclusão social total.

 

Referências
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BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 292 p., 1988.
BRASIL, Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras providências. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 2002.
BRASIL, Lei n. 13.146/2015, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 2015.
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GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. A recepção do instituto da ação afirmativa pelo direito constitucional brasileiro. Revista de informação legislativa, v. 38, n. 151, jul./set., 2001.
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NOVAES, Edmarcius Carvalho. Surdos: educação direito e cidadania. 2ª ed. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2014.
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THOMA, Adriana da Silva e LOPES, Maura Corcini (orgs.). A invenção da Surdez: cultura, identidade e diferença no campo da educação. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004.
Notas
[1] Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública publicados em sua página virtual, no menu “Notícias”, com a matéria “População Carcerária Brasileira chega a mais de 622 mil detentos”. 26 de abr. 2016. Disponível em: (http://www.justica.gov.br/noticias/populacao-carceraria-brasileira-chega-a-mais-de-622-mil-detentos).
[2] Informações retiradas do Dicionário informal de Lindomar Xavier Dias, para o vocábulo “ressocialização”. Disponível em: (http://www.dicionarioinformal.com.br/ressocialização/). Acessado em julho/2015.
[3] Idem, ibidem.
[4] “A língua de sinais brasileira é visual-espacial, representando por si só as possibilidades que traduzem as experiências surdas, ou seja, as experiências visuais” (QUADROS apud CHOI [et al.], 2011, p. 29).
[5] Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE publicados em matéria do Portal “Associação de Deficientes Auditivos, Pais, Amigos e Usuários de Implante Coclear”, com a matéria “Deficiência auditiva atinge 9,7 milhões de Brasileiros”. Publicado em 24 de maio de 2013. Disponível em: (http://www.adap.org.br/site/index.php/artigos/20-deficiencia-auditiva-atinge-9-7-milhoes-de-brasileiros).
[6] Lei n. 13.146/2015, art. 3º, inciso I: acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.
[7] Idem, ibidem, inciso V: comunicação: forma de interação dos cidadãos que abrange, entre outras opções, as línguas, inclusive a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a visualização de textos, o Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos multimídia, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizados e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, incluindo as tecnologias da informação e das comunicações.
[8] Idem, ibidem, inciso IV: barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em: a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo; b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados; c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes; d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação; e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas; f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias.
[9] Notícia retirada do portal do Ministério Público do Estado de São Paulo, com matéria “TAC entre MP e Prefeitura garante acesso de deficientes auditivos a serviços públicos de Barretos”, em 31 de março de 2015. Disponível em: (http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/noticias/noticia?id_noticia=13266262&id_grupo=118).


Informações Sobre os Autores

Lívia Maria Sampaio Tenório

Advogada; Especialista em Direito Ambiental pela COGEAE – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP; Especialista em Inovações do Direito Civil pela Universidade Anhanguera – UNIDERP; Mestranda em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

Kamila de Souza Gouveia

Mestranda em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP com bolsa integral do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica CNPq

Eduardo Dias de Souza Ferreira

Promotor de Justiça do Estado de São Paulo; Professor de Direitos Humanos e de Direito da Criança e do Adolescente na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP; Mestre e Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP


Equipe Âmbito Jurídico

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