A retórica na égide dos Juizados Especiais Federais Cíveis diante da ênfase ao princípio da oralidade processual

Resumo: Na sistemática jurídica contemporânea, os juizados especiais cíveis são regidos pelos princípios da informalidade, simplicidade, economia processual, celeridade e oralidade. Ocorre que a predominância da palavra falada em detrimento da escrita permitiu o advento da retórica na égide processual brasileira. Com fundamento na obra “Arte Retórica” de Aristóteles, questiona-se, pois, as vantagens e desvantagens de tal advento..

Palavras-chaves: Oralidade. Retórica. Juizados Especiais Federais Cíveis.

Sumário. 1 Introdução. 2 Panorama do Direito Processual Civil Brasileiro e os Juizados Especiais Federais Cíveis. 3 A oralidade processual e a retórica. 4. A abertura da retórica nos procedimentos processuais dos Juizados Especiais Federais. 4.1 Considerações iniciais. 4.2 Atermação. 4.3 Audiência de conciliação, instrução e julgamento. 4.4 Hipótese de não haver conciliação – prolação da sentença. 5 Aspectos positivos e negativos da retórica na égide processual dos Juizados Especiais Federais. Conclusão. Referências

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1 INTRODUÇÃO

No cenário jurídico contemporâneo, destaca-se uma visão constitucional processual, em que ganham preponderância aspectos como o acesso à justiça e a efetividade jurisdicional. Há, ainda, uma ênfase aos novos direitos, a exemplo daqueles considerados como de menor complexidade e os metaindividuais, porquanto o processo clássico se mostrou insuficiente para a solução de demandas que os envolvessem. Pretendeu-se valorizar, cada vez mais, institutos em que predominassem a informalidade, a simplicidade, a celeridade e a economia processual.

Aliada a esses aspectos, retoma-se a importância do princípio da oralidade, entendido como preponderância da palavra falada em detrimento da escrita, de modo a destacar a imediatidade do contato direto entre as partes e o Magistrado e deste com as provas, a concentração dos atos processuais, a identidade física do juiz e a irrecorribilidade das decisões interlocutórias.

Nesse contexto, relevante se apresentou a criação dos Juizados Especiais, cuja legislação atinente atentou para os aspectos constitucionais de acesso à justiça e da duração razoável do processo, bem como arrolou como seus princípios basilares a celeridade, a economia processual, a simplicidade, a informalidade e, finalmente, a oralidade. Questiona-se, pois, quais as vantagens e as desvantagens da valorização da oralidade na égide processual e como isso possibilitou o incremento da retórica.

2 PANORAMA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO E OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS FEDERAIS

Foram diversos os doutrinadores que objetivaram traçar as necessárias etapas de consolidação de um processo célere e eficaz, não só analisado sob o viés de atividade estatal substitutiva, para aplicação do direito objetivo ao caso concreto, mas também atento ao acesso à justiça e à composição das partes. Dentre esses doutrinadores, merecem destaque o norte-americano Bryant Garth e o italiano Mauro Cappelletti, segundo os quais, para o pleno desenvolvimento do acesso à justiça, ter-se-ia que observar três ondas renovatórias do direito processual.

A primeira onda renovatória do direito processual corresponde ao desenvolvimento da assistência judiciária, através da remuneração dos advogados particulares pelos cofres públicos (modelo judicare) ou da incorporação de advogados aos quadros da Administração Pública, como servidores públicos (modelo de assistência judiciária com advogados remunerados pelos cofres públicos); a segunda onda renovatória, à representação dos interesses difusos; e, finalmente, a terceira onda renovatória propõe um amplo e moderno programa de reformas no sistema processual, envolvendo a criação de meios alternativos de solução de conflitos, substituitivos da jurisdição; criação de tutelas jurisdicionais diferenciadas e reformas pontuais que visam à eficiência e à efetividade do provimento jurisdicional.

Ressalte-se que Cappelletti e Garth (1988, p. 8), embora tenham estabelecido o caminho necessário para a concretude do acesso à justiça, com as ondas renovatórias, esclarecem que a expressão “acesso à justiça” é de difícil definição, servindo para “determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado”.

Desde o início do século XX, verificam-se tentativas de aperfeiçoamento do conceito de acesso à justiça e a sua interligação com prática forense no cenário internacional. Tanto é que foram evidentes as reformas nos procedimentos jurisdicionais de diversos países, seja através da introdução de institutos como a conciliação e a arbitragem, seja através da criação de novas estruturas e órgão jurisdicionais, com princípios e desenvolvimento procedimentais próprios. A título de exemplo, foram criadas na Inglaterra, em 1948, as Country Courts que, segundo Moraes (1998, p. 61), em substituição às Cortes locais, “tinham jurisdição limitada e objetivavam uma justiça rápida e barata, dispensando as partes interessadas de fazerem longas viagens”. Ainda, nos Estados Unidos da América, mais precisamente no Estado de Nova Iorque, foram criados órgãos para julgamento de pequenas causas, correspondentes a uma subdivisão da Corte Civil.

No Brasil, um dos atuais exemplos que visa à concretização dessa concepção de acesso à justiça são os Juizados Especiais que, pautados sob a égide dos princípios da informalidade, simplicidade, celeridade, economia processual e oralidade, visam rechaçar a morosidade do trâmite processual e atender as diversas camadas sociais da população, com a devida cautela assecuratória dos direitos fundamentais.

Assim é que, na atual sistemática processual, objetiva-se concretizar os pontos sensíveis da efetividade do processo, que são, dentre outros: 1º) ingresso em juízo, facilitação à admissão no processo, barateamento de custos, escolha de representantes; 2º) Direito Constitucional do processo, garantismo processual; 3º) utilidade das decisões judiciais, aperfeiçoamento dos mecanismos da tutela cautelar – assecuratória e eficácia da prestação jurisdicional; e 4º) justiça nas decisões judiciais, importância da fundamentação das questões judiciais, finalidade social da norma jurídica, proporcionalidade.

Com a promulgação da Constituição da República Federativa de 1988, em redação estabelecida pelo poder constituinte originário, constou estabelecida a competência concorrente dos entes da Federação legislar sobre a criação, o funcionamento e o processo do juizado de pequenas causas (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasilde 1988 art. 24, inciso X), nele incluídos “o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo” (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1998, art. 98, inciso I).

Os Juizados Especiais, sejam os de cunho civilista, sejam os de cunho criminalista, apresentaram-se como importantes institutos do acesso à Justiça e da autocomposição das partes frente aos olhos e atentos da figura do órgão jurisdicional. Aliás, nos termos dos ensinamentos de Moraes (1998, p. 7), “a idéia básica dessa instituição consiste em facilitar o acesso à Justiça, de maneira a atingir os menos favorecidos, mediante a gratuidade, celeridade e simplicidade do processo”. Para tanto, imprescindível estarem assegurados os preceitos da ampla defesa e do contraditório, sempre voltados a uma figura democrática do processo, entendido como produto construído por ambas as partes frente ao Estado-Juiz.

Em âmbito infraconstitucional, coube à Lei nº. 9.099, de 1995, disciplinar sobre as normas gerais da organização e estruturação dos Juizados Especiais Cíveis, dispondo sua competência para julgar as causas de valor até quarenta salários mínimos; as causas elencadas no art. 275, inciso II, do CPC; as ações de despejo para uso próprio e ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a quarenta salários mínimos (art. 3º, da Lei nº. 9.099/95).

Posteriormente, foi promulgada a Lei nº. 10.259, de 10 de julho de 2001, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justiça Federal, dispondo a competência absoluta para o processamento, conciliação e julgamento das causas de valor até sessenta salários mínimos, bem como a execução de suas sentenças (art. 3º, da Lei nº. 10.259, de 12 de julho de 2001).

3 A ORALIDADE PROCESSUAL E A RETÓRICA

Ao instituir os Juizados Especiais Cíveis Federais, o legislador objetivou um processo mais efetivo, pautado na simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade e, sobretudo, oralidade. O princípio da oralidade consiste no predomínio da palavra falada sobre a escrita, na adoção da forma oral no advento processual, sem que isso signifique abandono completo da forma escrita. Tal ênfase à oralidade remontou à contemporaneidade o papel desempenhado pela retórica, seja na argumentação a ser utilizada na tentativa de conciliação, seja nos recursos de convencimento frente à decisão a ser prolatada.

A abertura que se verifica à oralidade processual provocou uma significante mudança na estrutura processual civil, uma vez que afastou o formalismo exagerado e primordiou o contato direto entre as partes e entre as partes e o órgão estatal jurisdicional. Assim, mostrou-se imprescindível a valorização da palavra falada em detrimento da escrita, tornando, cada vez mais, o argumento e o diálogo como elementos essenciais na composição do litígio.

Com efeito, foi na Grécia Antiga que a retórica mereceu destaque nos campos político e jurídico, em especial diante dos encontros em praças públicas, nas chamadas ágoras, para discussão dos aspectos atinentes à polis. Tamanha a importância que se dava ao discurso, à oralidade e à eloquência que a origem do termo “retórica” é etmologicamente grega, advindo dos termos retor (orador) e retoreia (discurso público).

Cunha (2004, p. 27) esclarece que, em razão da estrutura política sob a qual estavam envoltas as polis-gregas, “a retórica começou a ganhar terreno no discurso político e espaço no campo da Filosofia. A retórica na sociedade ateniense reflete a essência da vida civil, da comunidade politicamente organizada”. Isso porque, diante da preponderância dada à linguagem, era possibilitado ao cidadão tratar dos assuntos da polis, a exemplo da democracia, e dirimir os conflitos em sociedade.

A valorização da retórica pelo sofista Górgias pode ser analisada claramente no diálogo de Platão, que leva o seu nome:

“Sócrates — Respondeste, mas ninguém te perguntou quais eram as qualidades da arte de Górgias: perguntaram-te apenas que arte era e qual o nome que convém atribuir o Górgias. Relativamente aos exemplos que há pouco te apresentou Querofonte, respondeste com justeza e concisão. Diz agora da mesma maneira qual é a arte de Górgias e como devemos designá-lo. Ou antes, Górgias, diz-nos tu próprio como devemos chamar-te em função da arte que exerce.

Górgias — A minha arte é a retórica, Górgias.

Sócrates — Devemos então chamar-te orador?

Górgias — E bom orador, Sócrates, se me queres chamar aquilo que ‘me glorifico de ser’, como diz Homero.(…)

Sócrates — Tens razão. Diz-me então da mesma maneira a respeito da retórica qual é o objecto de que ela é ciência.

Górgias — Os discursos.(…)

Sócrates – Mas, insisto em perguntar, que coisa é essa?

Górgias — É a capacidade de persuadir pela palvra os juízes no Tribunal, os senadoresno Conselho, o povo na Assembleia, enfim, os participantes de qualquer espécie de reunião política. Com este poder farás teus escravos o médico e o professor de ginástica, e até o grande financeiro chegará à conclusão de que arranjou dinheiro não para ele, mas para ti, que sabes falar e que persuades a multidão.

Sócrates — Agora é que me parece, Górgias, que definiste, com a possível exactidão, a espécie de arte que é a retórica e, se te compreendi bem, afirmas que ela é obreira de persuasão, que tal é o objectivo e a essência de toda a sua actividade. Ou pensas que a retórica tende a mais do que a fazer nascer a persuasão na alma dos ouvintes?

Górgias — De modo nenhum, Sócrates, acho que a definiste perfeitamente: essa é com efeito a sua característica fundamental.” (PLATÃO, 2006, p. 23-33)

A retórica se revelou como um instrumento de grande abrangência, com capacidade de persuadir interlocutores, quaisquer que sejam eles, em especial os desprovidos de muito conhecimento. Isso porque era baseada na crença diante de uma sociedade em que havia forte viés mitológico.

Insurgindo-se contra a retórica sofística, Sócrates defende ser imprescindível a substituição da doxa pela episteme, da filodoxia pela filosofia. Para ele, a retórica dos sofistas se cingia à ignorância, por não despertar o conhecimento, a sabedoria. Eram necessárias indagações que proporcionassem um discurso inteligente, pautado na racionalidade (ALMEIDA, 1999, p. 14).

Tal perspectiva coaduna com toda a base da filosofia socrática, a qual tem como principais características a ironia e a maiêutica, motivo pelo qual são preferíveis as indagações às respostas. Ocorre que Sócrates não deixou nenhuma obra escrita, sendo os seus pensamentos apresentados por seu discípulo Platão, em diálogos.

Para Platão, a retórica corresponde a uma mera rotina ou prática empírica, desprovida de qualquer atenção aos valores de justiça e do belo. É um mero instrumento que objetiva prazer e satisfação (stochastiké), querendo atingir um resultado a qualquer custo, baseando-se na crença e na ignorância. Assim, não pode ser confundida com arte (techné), por carecer de razão (ALMEIDA, 1999, p. 28). Portanto, para este filósofo, a retórica nos tribunais e nas demais assembleias se vale de fonte de crença sem conhecimento, e não de fonte de conhecimento. Corresponde à “adulação”, à uma prática que só visa ao prazer, sem se preocupar com valores morais e éticos. Diante desse quadro, vence quem tem o melhor argumento, pouco importando se o certame é justo ou injusto – o que não pode prevalecer diante da preponderância da episteme.

Por sua vez, em Fedro, Platão apresenta uma nova concepção de retórica, de aspectos positivos e de uso admitido pelo filósofo em sua atividade política. Alguns autores atribuem essa mudança de pensamento à maturidade do filósofo, sendo certo que Fedro foi escrito após a exposição da Teoria das Ideias e de A República, especialmente.

Almeida apresenta um trabalho comparativo entre as duas obras de Platão, concluindo que: “As leituras do Górgias normalmente destacam o empenho de Platão em atacar e refutar a retórica sofística. Já os estudos dedicados ao Fedro ressaltam uma mudança na perspectiva de investigação, uma vez que é neste diálogo que Platão nos apresenta o discurso-programa de uma retórica filosófica. À diferença do Górgias, no Fedro, a retórica seria finalmente merecedora de um tratamento positivo. Esta perspectiva de abordagem poderia ser sintetizada de maneira bem simples: o Górgias e o Fedro seriam dedicados à ‘má’ e ‘boa’ retórica, respectivamente. (…) Poderíamos sintetizar, distinguindo na reflexão platônica sobre a questão da retórica dois eixos principais, presentes nos dois diálogos mencionados: 1) a denúncia do caráter irracional da retórica sofística e sua rejeição como pseudo-técnica; 2) o estabelecimento de uma nova retórica, amparada nos parâmetros de racionalidade e discursividade, a retórica filosófica. A fim de concluir, remetemos novamente aos diálogos, insistindo que no Górgias a retórica é tratada com uma certa veemência crítica, o que não deve ofuscar o que seria o esboço de um discurso programa posteriormente levado a cabo no Fedro; do mesmo modo, no Fedro, o discurso-programa não deve camuflar as passagens em que Platão promove a crítica da retórica sofística.” (ALMEIDA, 1999, p. 20 e 27)

Ressalta Berti (1998, p. 168) que essa retórica, apresentada em Fedro, é uma verdadeira arte, com o fim de “persuadir, isto é, de guiar a alma por meio da palavra, mas se funda em um conhecimento científico da alma, e mesmo quando é empregada para persuadir sobre o falso pressupõe o conhecimento do verdadeiro”. Mister corroborar um excerto da obra de Fedro, em que Platão apresenta o posicionamento de retórica como arte:

Sócrates: Não é a retórica, encarada como um todo, uma arte de conduzir a alma por meio do discurso, isto náo só nos tribunais e nas várias outras assembléias públicas, como também nas reuniões privadas? E não é a mesma independentemente de se ocupar de coisas de pequena ou grande importância, e, a nos expressarmos propriamente, algo a não receber mais estima trate de assuntos relevantes ou triviais? Será isso o que ouviste a respeito?

Fedro: Não, por Zeus, não exatamente isso. A arte do discurso e do escrever é praticada principalmente nos tribunais, enquanto a do discursar o é também nas assembléais públicas. Nunca ouvi falar de quaisquer outros usos.

Sócrates: Bem, nesse caso ouviste falar apenas dos tratados de retórica de Nestor e Odisseu, escritos por eles durante o seu ócio em Tróia, e não soubeste da obra de Palamedes?

Fedro: Por Zeus, nem sequer da de Nestor,a não ser que por Nestor queiras dizer Górgias e por Odisseu Trasímaco ou Teodoro.(…)

Sócrates: E não estamos cientes de que Palamedes de Eléia é detentor de tal arte do discurso que coisas idênticas parecem aos seus ouvintes ser semelhantes e dessemelhantes, unas e múltiplas, fixas e em movimento?

Fedro: Com toda a certeza.

Sócrates: Consequentemente, a prática do discurso de oposição não se restringe aos tribunais e às assembléias públicas, mas, pelo que parece, se realmente é uma arte, seria uma e a mesma em todos os tipos de discurso, aquela por meio da qual se está capacitado a produzir uma similaridade entre todas as coisas que são passíveis de serem tornadas similares, além de manifestar as similaridades produzidas e disfarçadas por qualquer outra pessoa.” (PLATÃO, 2008, p. 80-82)

Outro filósofo grego que contribuiu para o enriquecimento do tema é Aristóteles, para quem retórica é “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão”. Apresenta-se como arte de comunicação ou, mais precisamente, como ressalta Berti (1998, p. 168) “a arte dos discursos persuasivos (pisteis), representando “uma verdadeira forma de racionalidade”. Defende Aristóteles (1985, p. 29) que a arte retórica apresenta algumas semelhanças à dialética, uma vez que “ambas tratam de questões que de algum modo são da competência comum de todos os homens, sem pertencerem ao domínio de uma ciência determinada”. Isto é, “todos os homens participam, até certo ponto, de uma e de outra; todos se empenham dentro de certos limites em submeter a exame ou defender uma tese, em apresentar uma defesa ou uma acusação”.

Ao defender que a retórica é uma arte que não se confunde com as demais, o filósofo acrescenta que tal instituto possui uma função própria, concernente não tão somente à persuasão, mas à descoberta do que é próprio para persuadir, consoante se verifica: “Nenhuma outra arte possui esta função, porque as demais artes têm, sôbre o objeto que lhes é próprio, a possibilidade de instruir e persuadir; por exemplo, a medicina,  sôbre o que interessa à saúde e à doença, a geometria, sôbre as variações das grandezas, a artimética, sôbre o número: e o mesmo acontece com as outras artes e ciências. Mas a Retórica parece ser capaz de, por assim dizer, no concernente a uma dupla questão, descobrir o que é próprio para persuadir.” (ARISTÓTELES, 1985, p. 33)

Para Berti (1998, p. 170), a concepção de Aristóteles acerca da retórica, analisada “como arte de comunicação, não mais do puro encantamento ou da pura sugestão emotiva”, atraiu o interesse de diversos autores contemporâneos sobre o tem, tais como Perelman e Viehweg.

Sem dúvida, por ser a retórica atrelada à comunicação, à linguagem, ao argumento persuasivo, vê-se que é condizente defender que um sistema processual que tem como um dos princípios basilares a oralidade dê mais abertura ao seu uso, seja para a conciliação das partes, seja do exercício do direito de ação frente ao órgão jurisdicional.

4 ABERTURA DA RETÓRICA NOS PROCEDIMENTOS PROCESSUAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

4.1 Considerações iniciais

Para facilitar o seu estudo, é sabido que o processo, conquanto uno, pode ser vislumbrado em procedimentos e atos distintos, a exemplo da postulação, da contestação, da audiência de conciliação, instrução e  julgamento. A retórica, considerada como atividade persuasiva, apresenta-se em cada um desses procedimentos com intensidade distinta, de acordo com a incidência do princípio da oralidade.

     Na égide dos Juizados Especiais Federais, o pedido pode ser apresentado oralmente pela parte autora à seção de atermação, bem como a contestação pode assim ser apresentada pela parte adversa em audiência. A conciliação objetiva o consenso pelo debate entre as partes, tendo grande importância o diálogo persuasivo a ser utilizado. Finalmente, se for o caso, a sentença a ser prolatada irá ser apresentada como produto da participação de ambas as partes no processo, de acordo com os argumentos por elas apresentados e provas trazidas para análise em juízo.

4.2 Atermação

Como peculiaridade trazida ao Processo Civil pelas leis que regem os Juizados Especiais, merece destaque a possibilidade de apresentação oral do pedido pela parte à secretaria do juízo, no exercício do ius postulandi. Trata-se da atermação, ato processual pelo qual o servidor da secretaria do juízo reduz a termo a narração e os pedidos da parte que, diante de um conflito de interesses, busca o Poder Judiciário. Isso é, o setor de atermação atende o autor, ouve seu caso e inconformismos, anota os principais fatos, destaca os pedidos, tudo com o viés de uma postulação inicial.

Atentando-se para o fato de que os argumentos usados pela parte possam vir a persuadir o servidor do Judiciário responsável pela atermação, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região elaborou um manual do servidor, “constituindo-se de instrumento de consulta voltado para os servidores que atuam na redução a termo dos pedidos orais que chegarão diariamente aos Juizados Especiais Federais Cíveis da Justiça Federal da 1ª Região”, com o fito de otimização da prestação jurisdicional e garantia de imparcialidade do Juízo. Segundo esse manual (2002a, p. 11), a redução a termo dos fatos esposados oralmente deve ser feita com concisão e propriedade, sendo imprescindível que o servidor não se envolva “pessoalmente com o que é relatado”, bem como ter “habilidade para conter manifestações de hostilidade e excessos emocionais”.

Para tanto, Ernani Fidélis dos Santos, citado pelo Manual do Servidor do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (2002b, p. 12), defende que “apenas o essencial deve ser narrado, sem necessidade da descrição minuciosa dos fatos simples que, por si só, não levam a nenhuma conclusão jurídica”. Mesmo porque, frustrada a conciliação, somente ao Magistrado competente cabe decidir o deslinde do feito.

No mesmo sentido, acrescenta Aristóteles que: “É igualmente evidente que, num debate, devemos limitar-nos a demonstrar que o fato existe ou não existe, sucedeu ou não sucedeu; quanto, porém, a saber se êsse fato é importante ou mínimo, justo ou injusto e tôdas as questões que o legislador não determinou com precisão, ao juiz em pessoa compete decidir, sem se importar com o que pensem as partes em presença.” (ARISTÓTELES, 1985, p. 29)

Por sua vez, como salienta o filósofo grego (1985, p. 206), a exórdia é o começo do discurso, em que se começa “por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o plano”. Assim, de um lado, se os fatos devem ser apresentados de forma sucinta (art. 14, §1º, da Lei nº. 9.099/95), de outro, deve a parte autora atentar se a narração reduzida a termo pelo servidor se apresenta em conformidade com a narração oralmente por ela apresentada, não se olvidando de fatos e verbetes que sejam imprescindíveis para a completude do seu direito de ação e necessários ao correto deslinde do feito.

4.3 Audiência de conciliação, instrução e julgamento

Proposta a ação, designar-se-ão data e hora para a audiência de conciliação, instrução e julgamento, na qual devem comparecer as partes litigantes frente ao Juízo, na tentativa de se conciliarem. Pode-se dizer que é este o momento processual em que a retórica nos juizados especiais atinge o seu ápice, uma vez que, consoante Leite (2009, p. 431), “a audiência é o lugar e o momento em que os juízes ouvem as partes”.

Nascimento explica que “a palavra ‘audiência’ significa audição, atenção que se presta a quem fala, recepção dada a pessoa ou pessoas para tratar determinado assunto”, de modo que: “os atos mais importantes no procedimento são praticados em audiência: a defesa oral do réu, a tentativa de conciliação, o saneamento do processo pelo juiz, se necessário, o depoimento das partes, a inquirição das testemunhas, a juntada de alguns documentos, as alegações finais das partes, a proposta final de conciliação,o debate e julgamento do caso. Portanto, praticamente tudo quanto há de mais importante.” (NASCIMENTO, 2009, p. 512)

Após o pregão das partes, o conciliador deve a elas se apresentar, dizendo o seu nome, sua atuação e que age sob supervisão do juiz competente para a causa. Após, ele deve ouvi-las, uma de cada vez, sem tomar qualquer parcialidade na controvérsia.

Depois da oitiva das partes, o conciliador deverá voltar toda a sua atenção à conciliação, incentivando a solução do litígio a um momento anterior à atuação do magistrado. Para tanto, são autorizados vários recursos linguísticos e discursivos, como evitar fazer o uso de expressões e verbetes negativos como “não”, “nunca”, “prejuízo” e “perda” e, por outro lado, defender o uso de verbetes positivos e imperativos, no sentido das máximas de que “conciliar faz bem”, “conciliação é a justiça de todos” e “é conversando que a gente se entende”.

Sobre as máximas, Aristóteles defende se tratarem de: “uma maneira de exprimir em têrmos de universalidade; ora, as pessoas sentem prazer, quando ouvem enunciar em geral o que elas já previamente tinham concebido e de maneira inteiramente individual (…) por conseguinte, se as máximas são honestas, farão com que o caráter do orador pareça igualmente honesto”. (ARISTÓTELES, 1985, p. 146)

Portanto, a retórica, entendida como atividade persuasiva, é analisada na conciliação frente a todo arsenal linguístico e dialético usado no discurso do conciliador para as partes, bem como de uma parte para a outra.

Ainda na fase conciliatória, a retórica pode ser vislumbrada no diálogo das partes, quando uma delas apresenta a outra uma proposta de conciliação e, para tanto, utiliza-se de todos os recursos linguísticos e discursivos para que a outra parte aceite os termos propostos. “A participação, maior ou menor das partes, o número de propostas, contrapostas, os motivos que levam os participantes a formulá-las” são algumas das enumerações de Nassif (2005, p. 127), revelando essa atuação de uma parte frente a outra.

4.4 Hipótese de não haver conciliação – prolação da sentença

Não atingida a conciliação, deve haver o julgamento da causa pelo juiz competente, atentando Moraes (1998) que “a solução de pequenos conflitos exige a adoção de novos parâmetros, principalmente no tocante à participação ativa do juiz no processo, bem como das partes. Assim, espera-se um juiz mais dinâmico, que efetivamente participe e colabore na participação do conflito, sendo indispensável boa dose de sensibilidade aos valores sociais assim como às mutações de sua sociedade; e, por outro lado, a intensa participação das partes faz com que estas possam influir na decisão judicial, contribuindo, dessa maneira, para uma solução mais favorável.” (MORAES, 1998, p. 13)

Cada parte tentará convencer o órgão jurisdicional de que lhe assiste razão, rechaçando as argumentações feitas pela parte adversa e apresentando uma versão dos fatos que lhe favoreça.  Tal mister se destaca com maior ênfase diante da possibilidade de apresentação da defesa oralmente (art. 30 da Lei nº. 9.099/95), aplicável aos Juizados Especiais Federais por força do art. 1º da Lei nº.10.259/01.

A decisão deve ser prolatada em atenção a todos os elementos do processo, em razão da cautela e da experiência esperadas do Poder Judiciário, não devendo se cingir somente aos argumentos oralmente apresentados pelas partes, tudo se mostrando devidamente fundamentado

Atentando-se para todos esses aspectos, a retórica utilizada no Juízo, mais possibilitada pela incidência do princípio da oralidade processual, enriquece a atuação do juiz, no sentido de que ele não é mero espectador das partes no processo, como completa Marinoni: “Essa tranformação da ciência jurídica, ao dar ao jurista uma tarefa de construção – e não mais de simples revelação -, confere-lhe maior dignidade e responsabilidade, já que dele se espera uma atividade essencial para dar efetividade aos planos da Constituição, ou seja, aos projetos do Estado e às aspirações da sociedade”. (MARINONI, 2008a, p. 48).

5 ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA RETÓRICA NA ÉGIDE PROCESSUAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

Numa esfera jurisdicional em que se valoriza a expressão oral, a simplicidade e o contato direto entre o Juiz e as partes, a retórica vai se apresentar mais evidente especialmente nos elementos linguísticos e persuasivos utilizados na busca da conciliação e no convencimento do Magistrado pela parte quanto aos seus argumentos. Diante de vários entendimentos histórico-filosóficos acerca da retórica e de sua evidente existência no âmbito dos Juizados Especiais Federais, importante discutir os seus desdobramentos na atual égide processual, se predominantemente positivos ou negativos.

As críticas doutrinárias que se destacam em relação à retórica na égide processual dos Juizados Especiais concernem aos argumentos falaciosos postos em juízo, passíveis de fazer o órgão jurisdicional competente perder de vista os aspectos e problemas que estejam no seu campo de atuação no Direito. Por isso, tais doutrinadores questionam que, diante da persuasão, é possível haver o abandono das garantias constitucionais fundamentais, tais como o julgador imparcial e o contraditório.

Essa concepção retoma a crítica de Platão e Sócrates aos sofistas, defendendo que a retórica traz uma situação de insegurança jurídica, em que assistirá o direito a quem tiver o melhor argumento e atuação em juízo, independente de lhe assistir razão. Mostra-se, assim, incondizente o fato de se exigir simplicidade do procedimento, de um lado, e excelente articulação dos argumentos pela parte, do outro, cabendo àquele que busca o Poder Judiciário mais saber se expressar bem e convencer o juiz, em prol da crença e probabilidade do direito invocado, do que juridicamente lhe assistir razão, em um juízo de verossimilhança e certeza.

Defende-se que o uso indiscriminado da retórica pode conduzir a um casuísmo ilimitado, sendo cada caso interpretado de uma maneira. Ademais, a interpretação deve partir da norma para a solução do problema, e não o contrário, por enfraquecer o sistema jurídico. Questiona-se, ainda, que o procedimento jurisdicional tradicional, em que predomina a palavra escrita em detrimento da falada garante maior concretude e consistência, coadunando com a segurança jurídica, razão pela qual não há que se inverter este quadro.

Bender, citado por Cappelletti e Garth (1988, p. 163), entende que, diante da persuasão proveniente da retórica, o Juiz pode “perder de vista os aspectos e problemas que estejam fora de seu campo de atuação no Direito”, agindo com parcialidade e, por vezes, para além de suas atribuições legais. Isto é, pode o Juiz vir a ser envolver com a causa de uma maneira que comprometa a sua atuação jurisdicional.

Aliás, Cappelletti e Garth (1988, p. 163) advertem que “o maior perigo que levamos em consideração ao longo dessa discussão é o risco de que procedimentos modernos e eficientes”, substitutivos do processo tradicional, ao destacar um sistema oral e simplório, que abarque a retórica, “abandonem as garantias fundamentais do processo civil – essencialmente as de um julgador imparcial e do contraditório”.

Por sua vez, como aspectos positivos da retórica na égide processual dos Juizados Especiais, apresentam-se os reflexos da ênfase à oralidade: maior aproximação do órgão jurisdicional competente às peculiaridades do caso concreto e o destaque ao acesso à justiça, pelo que cada parte pode se defender com os próprios argumentos, sem necessidade de conhecimento técnico e jurídico exarcebado.

Através da retórica, a palavra, o argumento e o diálogo se tornam elementos essenciais na composição do litígio. É assim que Silva (2009, p. 65-67) defende que “os JESPs são uma realidade de concretização do acesso à ordem jurídica justa”, por fazer do processo “um instrumento de real pacificação social”. Tal mister, portanto, apresenta-se como outro aspecto positivo, ao lado da efetividade, caracterizado pela facilitação ao acesso da população brasileira ao Judiciário, propiciando, cada vez mais, a busca por ideais de justiça e pacificação social.

O acesso à justiça se apresenta como uma das garantias constitucionais que mais vem merecendo destaque na atual realidade processual brasileira, tendo em vista a problemática aventada pelos enormes gastos processuais, pela morosidade da prestação jurisdicional, pelo abarrotamento de demandas repetitivas, pelo desgaste psicológico dos litigantes e dispêndio de tempo. Assim, consoante o Manual do Conciliador, elaborado pela Justiça Regional Federal da 1ª Região (2002a, p. 27), os Juizados Especiais Federais facilitam o acesso da população ao Judiciário por preferir o contato direto entre os sujeitos do actum trium personarum. Isso é, a adoção do princípio da oralidade possui como “reflexo psicológico positivo, principalmente entre as partes, o contato direto com o magistrado”, que dão aos litigantes maior comprometimento com o Poder Judiciário.

À luz da oralidade, a sentença não é produto do estudo meticuloso dos autos, mas do diálogo entre julgador e partes, de modo que o convencimento do Magistrado aparece firmemente enraizado e motivado à situação concreta posta sob sua apreciação. Nassif (2005, p. 123) salienta que “é justamente a participação das partes que forma a motivação da decisão pelo juiz”.

Por isso, imprescindível que as partes explorem os mais diversos meios de convencimento do Juízo ao seu alcance, a exemplo da retórica. A expresão oral das partes em juízo é que vai permitir ao Juiz perquerir sobre as suas realidades político-social e econômica, bem como o litígio que as envolve.

A retórica, assim, deve ser entendida como instrumento de cidadania e atuação na esfera sócio-jurídica, como arte de se expressar bem, com coerência e clareza e de trazer o argumento para análise em Juízo, bem como meio de persuasão, porquanto cada frase, cada palavra, cada significado e sentido possuem um valor.

É ínsita do ser humano a linguagem como forma de comunicação, sendo certo que tal sistema jurídico, tal como tracejado nas Leis nº. 9.099/95 e 10.259/01, possibilita ao leigo sua participação de forma mais atuante, construindo uma nova leitura da justiça, contradita àquela estabelecida nos preconceitos sociais de que a justiça é morosa. 

Ainda, deve se ter em mente que a oralidade é um princípio e, como tal, indica uma diretriz a ser seguida no estudo, interpretação e aplicação do ordenamento jurídico. Sua incidência vai ocorrer em atenção à ponderação, variando de acordo com o caso concreto. Não ocorrerá de maneira absoluta, ponderando-se, por exemplo, com o princípio da escritura, que defende a preponderância da linguagem escrita à falada.

Como visto, um argumento utilizado pela corrente doutrinária que repudia a inserção da retórica na égide processual dos Juizados Especiais é a possibilidade de o órgão jurisdicional competente perder de vista os aspectos e problemas que estejam no seu campo de atuação no Direito, sendo influenciado por falácias. Ora, tal argumento é facilmente rechaçado pela corrente adversa, tendo em vista que o Magistrado é um órgão que tem uma cautela e experiência jurídica suficientes para saber analisar a retórica como tão-só uma parte de uma conjuntura processual, afastando argumentos falaciosos e desnecessários ao deslinde da lide. Mais uma vez, cumpre destacar que a forma de investidura, as responsabilidades e atribuições do cargo da Magistratura exigem do profissional conhecimento jurídico e social necessário para a análise de cada caso concreto.

Diante da legitimidade da retórica e de sua relevância como função da linguagem, que é parte do todo processual, deve-se ter em mente apenas o cuidado para apreciá-la conjuntamente com os demais elementos do processo, em atenção especial aos primados da motivação das decisões e da conciliação.

Isso porque os argumentos retóricos, por si sós, não legitimam uma decisão judicial, devendo ser analisados em atenção à unidade do feito e corroborados com provas e demais elementos processuais. Em outras palavras, a decisão deve ser prolatada em atenção a todos os elementos do processo, em razão da cautela e da experiência esperadas do Poder Judiciário, não devendo se cingir somente aos argumentos oralmente apresentados pelas partes, tudo se mostrando devidamente fundamentado.

CONCLUSÃO

Diante da formalidade e burocracia exarcebadas e do aumento do número de demandas a serem analisadas pelo Poder Judiciário, o processo tradicional clássico se mostrou insuficiente para lidar com conflitos de interesses que envolvam direitos de menor complexidade, analisados conjuntamente com os corolários de economia processual, proporcionalidade e efetividade. Nesse contexto fático-jurídico, o legislador pátrio pretendeu valorizar a informalidade, a simplicidade, a oralidade, a celeridade e economia processual como princípios basilares institucionais de uma nova realidade processual, que são os juizados especiais.

Os juizados especiais se apresentam, pois, como institutos de incrementação necessária e importantes em face dos anseios da sociedade contemporânea, perante a qual se ressaltam os escopos do acesso à justiça, da rápida solução dos litígios e do processo de resultados. Assim é que, ainda mais após a Emenda Constitucional nº. 45/2004, tal realidade se mostrou coadunante com a atual égide constitucional brasileira, fazendo preponderar uma leitura do processo em viés constitucional, como um instituto necessário à concretização de garantias e direitos magnos.

Aliada a essa necessidade de uma nova conjuntura processual, não se pode olvidar de que o Direito é intimamente ligado à linguagem, trazendo em seu bojo signos e significantes que demandam significados. A linguagem oral, tal como posta, é inerente à própria natureza humana, à necessidade de se fazer compreendido e de haver comunicação.

Com efeito, o ordenamento jurídico deve ser analisado como uma unidade coesa e coerente, com a finalidade de se considerar uma harmonia no estudo e aplicação de seus institutos. Entendendo o Direito como fato, valor e norma, essa harmonia deve ser estendida a institutos extrínsecos à disciplina jurídica, mas que a ela atingem e se apresentam como realidade, tal como a retórica.

Por isso, não se deve mais perquirir sobre a existência ou não da retórica na égide jurídico-processual, uma vez que ela já é uma realidade decorrente da própria valorização da oralidade, da ampla argumentação e da necessidade inerente ao ser humano de convencer lhe assistir razão. Cabe arguir como, diante do incremento de sua inserção à esfera processual e de seus aspectos que ora se apresentam positivos, ora negativos, ela se legitima.

A retórica entendida como atividade persuasiva é analisada na conjuntura processual dos Juizados Especiais Federais Cíveis frente a todo arsenal linguístico e dialético usado no discurso do conciliador com as partes, o que, por vezes, pode vir a contribuir para a autocomposição delas, enfocando a efetividade do processo jurisdicional e o primado da conciliação. Assim, revela-se num instrumento de incrementação à oralidade, possibilitando a inserção e atuação da parte perante o juízo através de funções da própria linguagem e maior efetividade processual, porquanto o processo será mais simples, compreensível e acessível.

Por inserir a palavra, o argumento e a dialética como elementos essenciais à composição do litígio, um sistema que valoriza os princípios da informalidade e da oralidade evita o tecnicismo jurídico exarcebado, fazendo com que o trâmite processual se apresente como uma realidade mais próxima das partes que acionam e são acionadas no Poder Judiciário. Isso é, diante de uma pretensão resistida, foi possibilitado às partes articular, frente à figura do Estado-Juiz, com suas próprias palavras e sem um necessário e prévio conhecimento técnico-jurídico. Assim, a linguagem utilizada compõe a conjuntura processual, sendo parte de um todo, o que permite uma aproximação à realidade social dos sujeitos ali envoltos.

Ademais, seja por causa do contato direto entre as partes, seja pela maior imediatidade e agilidade das expressões orais, um sistema tal como posto na legislação atinente aos Juizados Especiais permite maior independência do Magistrado para a condução do processo, percebendo as situações fáticas e as realidades sócio-jurídicas que envolvem as partes com maior rapidez, o que não corresponde a maior ou menor discricionaridade ou arbitrariedade do juiz, uma vez que suas atuações estão fixadas segundo parâmetros legais.

A sistemática dos Juizados Especiais, tal como apresentada e baseada nos corolários da oralidade, muito remete à conjuntura da Grécia Antiga, em que as questões da polis eram discutidas e decididas na ágora, após manifestação oral, enfatizada pela retórica. O certo é que, naquela época, a atividade persuasiva e os meios para a persuasão já se apresentavam como uma realidade na conjuntura legislativa e jurídica das polis.

Sendo inerente à linguagem especialmente falada, a retórica deve ser tratada como uma realidade à sistemática processual dos Juizados Especiais Federais Cíveis, não havendo motivos para perquirir sobre uma possível influência negativa nesse mister, tendo em vista que coaduna com os primados da conciliação, da efetiva participação das partes e basilares dos Juizados, exarados tanto em sede constitucional como complementados em legislações especiais, coadunando com a teoria constitucional processual, permitindo aventar o acesso à justiça e o justo processo.

 

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Informações Sobre o Autor

Ana Flávia Chaves Vaz de Mello

Servidora Pública. Bacharel em Direito pela UFMG. Pós-graduada pela PUC-Minas


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Equipe Âmbito Jurídico

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