Princípio da Integração do Contrato (1ª parte)
A Constituição Federativa do Brasil, cumprindo sua função social, reconheceu a necessidade da proteção do consumidor diante das relações de consumo em massa, determinando legislação específica de tutela (art. 5o, inciso XXXII, art. 170, inciso V e art. 48 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias).
Diante desta imposição constitucional, o Código de Defesa do Consumidor (art. 6o e art. 7o) determina a revisão do contrato sempre que houver adoção de práticas e cláusulas abusivas pelo fornecedor, estipulação de prestações desproporcionais na formação do contrato, acarretando lesão ao consumidor ou na ocorrência superveniente ao contrato de fatos e prestações excessivamente onerosas para o consumidor, entre outras. No entender de Humberto Theodoro Júnior[1]
[…]. Em nome do princípio da boa-fé o que se visou foi, antes de tudo, aperfeiçoar o negócio jurídico, revendo suas bases para torná-lo eqüitativo, seja por reequacionamento das prestações seja por eliminação das cláusulas abusivas.
Considerando a potencialidade de lesão ao consumidor nas práticas abusivas, mas sem pretender ferir de morte o contrato, estabeleceu o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 51, § 2o, que a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar os esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
No entender de Humberto Theodoro Júnior[2]
Nesse sentido, o inciso V do art. 6o assegura ao consumidor não a rescisão do contrato, mas a “modificação das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais” (lesão) ou “sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (teoria da imprevisão).
A ideologia empregada pela lei consumerista é a de que o contrato seja sempre preservado, salvo quando a nulidade – seja ela proveniente de lesão ao consumidor ou proveniente da teoria da imprevisão – atinja a essência da relação jurídica decorrendo em ônus excessivo a qualquer das partes. Para Humberto Theodoro Júnior[3] […]. Para a lei de defesa dos consumidores, deve-se impedir, na medida do possível, a nulidade do contrato.
Observação importante é que o Código de Defesa do Consumidor, quando aventa a possibilidade de resilição do contrato quando houver ônus excessivo, é enfático em estabelecer que esta excessividade pode tanto atingir o consumidor quanto o fornecedor.
Observa, a respeito, Nelson Nery Júnior[4]:
Constitui direito básico do consumidor a ‘modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas’ (art. 6º, nº V, CDC). Esse princípio modifica inteiramente o sistema contratual do direito privado tradicional, consubstanciado no antigo brocardo pacta sunt servanda.
No sistema do CDC, entretanto, as conseqüências do princípio pacta sunt servanda não atingem de modo integral nem o fornecedor nem o consumidor. Este pode pretender a modificação de cláusula ou revisão do contrato de acordo com o art. 6º, nº V, do CDC; aquele pode pretender a resolução do contrato quando, da nulidade de uma cláusula, apesar dos esforços de integração do contrato, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes (art. 51, § 2º, do CDC).
Por princípio da integração do contrato, apresenta Humberto Theodoro Júnior[5] conceito de que Considera-se integração a operação pela qual se substitui a cláusula abusiva pelas regras comuns e dispositivas do direito contratual, a fim de conservar-se o vínculo negocial eficaz entre as partes.
Desta forma, observado o princípio da integração do contrato previsto no § 2o do art. 51, Código de Defesa do Consumidor, duas são as conclusões, segundo Humberto Theodoro Júnior[6]:
a) se é possível isolar a cláusula abusiva do contexto contratual, sua nulidade fica restrita a seu próprio conteúdo. Segue-se o princípio clássico do utile per inutile non vitiatur;
b) ao eliminar a cláusula abusiva, cabe ao juiz proceder a uma revisão do contrato para preservá-lo, sempre que possível (princípio da conservação ou manutenção do contrato). Somente quando, pela eliminação da parcela abusiva, se tornar desequilibrada de forma irremediável a relação contratual, é que se terá de optar pela completa resolução do negócio.
É necessário a observação do caráter de ordem pública que está revestida a proteção contratual do consumidor. Mesmo em um comentário breve, importante o estabelecimento de que o procedimento ex officio do magistrado está previsto legalmente não pode ser obstaculizado por normas que ordem processual (art. 128 e 286, entre outros, do Código de Processo Civil) frente a imposições que possuem lastro constitucional (art. 1o e 4o do Código de Defesa do Consumidor)[7].
Princípio da Integração do Contrato (2ª parte)
Na Sententia Ferenda, deverá o juiz obrar com cautela e coragem, tendo por objetivo, mais do que a preservação do contrato, a procura e imposição do equilíbrio na relação negocial, sendo que seus esforços deverão ser no sentido da mantença contratual, uma vez extirpadas eventuais cláusulas abusivas, cujo teor de abusividade o Código de Defesa do Consumidor discricionariamente lhe confere a apreciação, tratando-se então, de um controle judicial do conteúdo dos contratos de consumo.
A coragem da magistratura em impor uma nova ideologia concebida através de legislação positivada adquire mais força quando os instrumentos desta imposição possuem legitimidade oriunda de um Estado Democrático de Direito.
A espada segue a balança. Francis Bacon[8] já advertia:
Precisamos apegar-nos a Maquiavel e a escritores dessa espécie, que abertamente e sem máscaras expõem o que os homens realmente fazem e não o que deveriam fazer; pois é impossível reunir a sabedoria da serpente à inocência da pomba, sem um prévio conhecimento do mal; do contrário a virtude, não guardada, se expõe a riscos.
Mais do que tudo, porém, não desarmar-se com muita brandura e afabilidade, o que expõe um homem a ofensas e censuras; ao contrário… convém às vezes manifestar-se centelhas de um espírito independente e generoso, mas que encerrem, por igual, ferrão e mel.
Para Cláudia Lima Marques[9] Uma vez que a nulidade absoluta deverá ser decretada ex officio pelo Poder Judiciário, cria o CDC, na prática, um novo controle incidente do conteúdo e da eqüidade de todos os contratos de consumo submetidos à apreciação do Judiciário brasileiro.
As causas que autorizam a revisão judicial dos contratos de consumo, entre outras, podem ser dividas em ‘causas concomitantes’ e ‘causas supervenientes’ que, segundo Roberto Senise Lisboa[10], são especificadas nos seguintes termos:
a) causas concomitantes ao momento de celebração do contrato; a cláusula abusiva, que é nula de pleno direito (eficácia ex tunc); e a lesão enorme, cujo reconhecimento judicial viabiliza a obtenção do justo preço complementado em juízo, a teor do disposto no art. 6o, V, do Código de Defesa do Consumidor; e
b) causas supervenientes ao momento de constituição do contrato; a teoria da imprevisão, nos contratos de trato sucessivo, diante do acontecimento imprevisível para as partes: e da inevitabilidade, bastando o simples desequilíbrio da relação jurídica para o seu reconhecimento judicial; a inimputabilidade posterior, e a teoria da quebra da base do negócio jurídico, que prescinde da imprevisibilidade do evento futuro, deixando-se de se proteger o consumidor tão-somente quanto o fato se mostrar excessivamente oneroso.
Como se pode observar, a legislação oferece, explícita (art. 6o, V, da Lei 8.078/90) e implicitamente os meios necessários para que o juiz proceda ao reequilíbrio da relação de consumo.
Há necessidade do magistrado conceber a mentalidade de que, não só o Código de Defesa do Consumidor, mas também, todo o mundo jurídico está se relacionando continuamente com as demais ciências, entre elas, a sociologia, a psicologia, a política e a filosofia. Ninguém transforma ninguém; e ninguém se transforma sozinho. Tudo parece estar ligado com tudo; e se tudo está em transformação, é necessário que o juiz esteja integrado neste processo evolutivo e aplique este ‘evoluir’ na Sententia Ferenda.
Diz Rui Portanova[11] sobre os magistrados que alcançam esta excelsitude:
São juízes que vêem o Direito como objetivo cultural impregnado de considerações axiológicas, sociais e filosóficas, correspondendo-lhe ato cognitivo de compreensão em método empírico-dialético, crítico, do objeto, das leis e suas tendências que fazem pender o prato da balança da parte mais forte economicamente. Neste diapasão, o justo deve ficar acima da lei. A tarefa do juiz é a de descobrir o Direito, não só nos textos, mas na realidade social, pois o valor na gama axiológica do Direito é sem dúvida o valor do justo.
Para François Rigaux[12]:
[…]. O juiz é, por múltiplas razões, coagido a fazer obra criadora. Primeiro, porque toda norma tem necessidade de ser interpretada. Depois, porque nenhuma codificação poderia prever a diversidade das situações da vida, e a previsão do mais sábio dos legisladores é frustrada pelo progresso das técnicas, pela modificação das condições econômicas e sociais, pela evolução dos costumes e pela variação moral resultante disso.
Aplicar o princípio da integração do contrato, determinando a nulidade pleno iure de cláusulas abusivas, usando para isto os comandos insertos no Código de Defesa do Consumidor, é atitude afirmativa da ideologia do proteção do consumidor. Certa carga de subjetividade do juiz é algo caracterizador em qualquer julgamento e sua formação (tradição cultural) – quando bem aprendida e aplicada – é fator de segurança para todos.
Nos dizeres de Rui Portanova[13]
Este julgar criador e comprometido não transmuda o juiz em legislador nem lhe retira as condições de imparcialidade diante dos sujeitos litigantes. Não será o juiz um legislador porque se manterá sempre apegado à solução dos casos concretizados em juízo. O juiz não dirá comandos abstratos e genéricos. Pelo contrário, se manterá nos limites sub specie jurisdictionis.
No caso objetivo do Código de Defesa do Consumidor, aplicando o princípio da integração e atendendo ao controle, inicialmente formal do contrato, segundo Cláudia Lima Marques[14]:
O juiz examinará, inicialmente, a manifestação de vontade do consumidor, verificando se foi respeitado o seu novo direito de informação sobre o conteúdo das obrigações que está assumindo (art. 46 e 54), sob pena de declarar o contrato ou a cláusula não destacada como não existente; verificará igualmente se houve exercício do novo direito de desistência, assegurado ao consumidor pelo art. 49, no prazo de 7 dias, nos casos de contratos concluídos fora do estabelecimento comercial, nas conhecidas vendas de “porta-em-porta” e nas contratações à distância do comércio eletrônico. O art. 47 assegura também, como frisamos anteriormente, interpretação favorável ao consumidor.
O controle concreto do contrato de consumo será operado pelo magistrado segundo os preceitos estabelecidos no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor e seus respectivos parágrafos. E as respostas jurisprudenciais sobre a aplicação do controle formal e/ou concreto do contrato na relação de consumo vêm a confirmar a assimilação, por parte da magistratura nacional, da ideologia existente na legislação consumerista. Cláudia Lima Marques[15] afirma que
Surpreendente foram essas decisões não porque sua base não estivera positivada no CDC; ao contrário, os arts. 46 e 54, § 4o, do Código lhes dão perfeita fundamentação legal. Surpreendente é seu espírito libertador, exatamente contrário ao que queria inicialmente do sistema do CDC.
Importante a percepção da nova ordem (ideologia) imposta pelo Código de Defesa do Consumidor. A entrada em vigência da legislação consumerista e a promulgação dos julgados representando o direito de consumo vigente demonstram a força do Poder Judiciário em busca do ideal de justiça. E isto porque, segundo Roberto Senise Lisboa[16],
O consumidor tem maiores dificuldades que o fornecedor para cumprir as suas obrigações contratuais, em face do desequilíbrio econômico. Em algumas oportunidades, não lhe resta outra alternativa senão desistir do negócio jurídico. E, na prática, duas saídas são encontradas: ele tornar-se pura e simplesmente inadimplente ou comunica formalmente a sua desistência.
Se o mercado negocial brasileiro ainda não atingiu o equilíbrio desejado, constata-se que está mais transparente e responsável. Como dita Cláudia Lima Marques[17]:
[…]. Ao decidir proteger só uma das partes contratantes, o parceiro contratual mais vulnerável, o consumidor, instituiu o CDC no Direito Brasileiro, como uma nova noção de ordem pública, que prevalecerá inclusive em relação ao novo Código geral, o CCBr./2002, ordem pública de direção baseada no reconhecimento da necessidade de um equilíbrio obrigatório nos contratos de consumo. […], o CDC rompe efetivamente com o pensamento individualista e liberal de nosso Direito das Obrigações. Rompe com a função exclusivamente supletiva das normas que disciplinavam os contratos. E introduz uma nova concepção deste instituto basilar do direito e da economia, concepção esta que vai relativizar o dogma da autonomia da vontade, instituindo estes novos valores imperativos: transparência, boa-fé, equilíbrio, segurança e respeito nas relações de consumo.
A aplicação do princípio da integração com base nas normas ínsitas no Código de Defesa do Consumidor não é fator de enfraquecimento de quaisquer das modalidades contratuais. Ao contrário, o esforço é no sentido da manutenção da parte ‘sadia’ da obrigação, apenas extirpando aquilo que de abusivo foi imposto.
Ademais, a cada novo caso que se apresenta diante da magistratura, toda a estrutura humana conspira para a solução. Há evidente incerteza e falta de absoluta exatidão quando se trata de ciências humanas. Para Ronald Dworkin[18]
[…]. Os processos judiciais sempre suscitam, pelo menos em princípio, três diferentes tipos de questões: questões de fato, questões de direito e as questões interligadas de moralidade, política e fidelidade. […].Num sentido trivial, é inquestionável que os juízes “criam novo direito” toda vez que decidem um caso importante.[19]
O sistema adotado pela Constituição Federativa do Brasil retira do cidadão a possibilidade de fazer justiça com as próprias mãos, atribuindo-lhe em compensação o direito subjetivo à ação, ou seja, o direito de exigir do Estado a entrega da prestação jurisdicional exercido através da jurisdição. Será, pois, no exercício legítimo desta jurisdição que o Estado poderá promover a proteção do consumidor e aplicar, uma vez comprovada sua necessidade, o princípio da integração do contrato.
Neutralidade e imparcialidade da decisão
A primeira noção importante é a de que o Código de Defesa do Consumidor é uma legislação que atribui constante poder discricionário ao juiz. Não raras vezes a lei consumerista remete ao senso de justiça do magistrado, na apreciação da prova e das fontes do direito, a solução para o problema jurídico concreto que se apresenta.
Para Volnei Ivo Carlin[20]
A total independência da função do Judiciário, em relação a todos, é inerente a um princípio essencial, traduzido no fato de o juiz decidir em consciência e em respeito ao direito, sem nenhuma pressão, direta ou indireta (influências externas e internas), vertical (dos superiores hierárquicos) ou horizontal (outros julgadores).
Não se trata de uma visão ‘alternativa’ do direito, esta, em alguns aspectos, defendida por Rui Portanova. E isto, justamente porque este campo alargado de movimento possibilitado pelo Código de Defesa do Consumidor concede ao juiz não só elaborar a Sententia Ferenda sem se afastar dos limites da lei, como também e principalmente – não se sentindo escravo dela -, aplicar a ideologia do microssistema da Lei n° 8.078/90, ou seja, de uma política afirmativa de proteção do mais fraco na relação de consumo.
Para Rui Portanova[21]:
O juiz é um agente político do Estado e do Poder, foi investido nessa função por critérios estabelecidos na Constituição e mediante forma legal. O juiz deve ser a expressão da democracia. Diante disto, não há razão para enclausurar o julgador em cubículos formais de procedimento, sem liberdade de movimento, e com pouquíssima liberdade criativa (Dinamarco, 1987, p. 182). Fragmentar o fato, atribuindo-lhe repercussão unicamente jurídica, afronta a concepção de Estado, pois ao tratar cada problema como questão isolada acaba-se por fragmentar também a função regulatória do Poder (Faria, 1985, p. 97).
A neutralidade da decisão não está na sua distância dos problemas enfrentados pelas partes senão na sua capacidade – e porque não dizer, política – de aplicar a ideologia do direito vigente. Se o Código de Defesa do Consumidor é claramente vocacionado para a defesa do vulnerável, do consumidor, da parte mais fraca na relação de consumo, a neutralidade está na capacidade desta decisão de afirmar e confirmar a teoria positivada na lei. E isto porque, conforme Rui Portanova[22], […] … o juiz é bem mais do que intermediário entre o texto e a realidade. Ele é um buscador do justo. Logo não há como furtar-se de uma busca de justiça… .
Oportuna, então, a lição de François Rigaux[23]:
[…] Os juízes sempre fizeram aquilo que o vemos mais claramente praticar hoje. Ocorre que seu papel ganhou mais amplitude e os métodos de interpretação ficaram mais maleáveis em conseqüência de evoluções sociais que nem o legislador nem o poder judiciário puderam dominar e aos quais tiveram, tanto um como o outro, de se adaptar. […] Os juízes só exercem com moderação sua liberdade de interpretação, e foi isso que permitiu às teorias do direito mais influentes dar uma margem tranqüilizadora da “submissão do juiz à lei” ou do caráter excepcional dos “verdadeiros” problemas de interpretação, abusivamente limitados aos textos obscuros e ambíguos.
A legislação consumerista calca esta sua política ideológica na capacidade discricionária do juiz na medida em que se percebe que a lei, por ser diacrônica – como diversas vezes repetido -, não tem o condão de respaldar, hermeticamente, toda a justiça pretendida pelos homens e que está porvir. Esta questão, temporal e filosófica, já foi decantada pelo antigos. São lembrados na obra de Rui Portanova[24]:
Platão: “A lei jamais seria capaz de estabelecer, ao mesmo tempo, o melhor e mais justo, para todos os casos […]”; A verdadeira lei é somente a justa e não a injusta, ainda que os ignorantes tenham esta última com lei”. Cícero: “É absurdo pensar que seja justo tudo o que é determinado pelos costumes e leis dos povos”. Guilherme de Hockham: “Toda lei civil que contradiz a razão divina ou a razão revelada, não é lei”.
A imparcialidade e neutralidade na Sententia Ferenda das relações de consumo está na coragem de seu signatário legal, o juiz, em entender o Código de Defesa do Consumidor como instrumento de reequilíbrio contratual. Por certo que neste reequilíbrio, haverá o magistrado de sopesar todas as nuances do caso concreto. Isto porque a Lei n° 8.078/90 não pode ser concebida como um salvo conduto para o consumidor, guindando-o à condição de inatingível e, assim, imune de qualquer responsabilidade. Para François Rigaux[25],
A dinâmica da relação entre o juiz e o legislador é impregnada de uma tensão entre a aptidão do primeiro para empregar uma jurisprudência inventiva ou construtiva (Rechtsforbildung) e as restrições que impõe a si mesmos (judicial self-restraint).
O Código de Defesa do Consumidor protege o consumidor e as relações de consumo, então também deve e pode proteger o fornecedor quando o casuísmo assim reclamar.
Para Humberto Theodoro Júnior[26]:
A revisão do contrato, pelos tribunais, em nome dos princípios éticos-sociais não pode ser discricionária nem tampouco paternalista. Em seu nome não pode o juiz transformar a parte frágil em superpoderosa, transmudando-a em ditadora do destino da convenção. Isto não promoveria um reequilíbrio, mas, sim, um desequilíbrio em sentido contrário ao inicial. Se se pudesse cumular a parte débil com uma desproporcionada proteção judicial, quem se inferiorizaria afinal seria o contratante de início forte. Solucionar-se-ia um mal com outro mal, uma injustiça com outra injustiça. Evidentemente não se concebe que em nome da justiça contratual se realize tamanha impropriedade. Daí por que a intervenção judicial na revisão do contrato tem que ser limitada, respeitando-se, com prudente moderação, as exigências da boa-fé objetiva e do justo equilíbrio entre as prestações e contraprestações.
Esta prática já foi observada pelo pretório catarinense, na medida em que negou ao consumidor a devolução em dobro das quantias eventualmente pagas nos contratos bancários diante das divergências jurisprudenciais que norteiam o assunto.
Se a legislação consumerista não poder ser concebida como um sistema hermético sustentado tão somente em si próprio, é justa a alegação de que, por conta da evolução das relações de consumo, também a lei progrida cada vez que é atualizada e modernizada. Para Ronald Dworkin[27]
[…]. A diferença entre dignidade e ruína pode depender de um simples argumento que talvez não fosse tão poderoso aos olhos de outro juiz, ou mesmo ao mesmo juiz no dia seguinte. As pessoas freqüentemente se vêem na iminência de ganhar ou perder muito mais em decorrência de um aceno de cabeça do juiz do que de qualquer norma geral que provenha do legislativo.
Duas são as maneiras pela quais a lei é modernizada e atualizada através da inovações legislativas e/ou através da Sententia Ferenda operada pelo Poder Judiciário, sendo que o poder criativo do juiz, respeitados os limites legais e exegéticos, é de suma importância na ocorrência desta modernização e atualização.
Para Rui Portanova[28]:
Para criar, a sentença, até o limite variável em cada caso, necessita freqüentemente deformar a norma vigente para assentar o germe da norma vindoura. É que o Direito está de fato em contínua reelaboração, e as necessidades que fizeram surgir determinado regramento não são nunca rigorosamente iguais às experimentadas em um momento posterior.
Assim, a intenção por uma interpretação criativa, porém dentro dos limites da exegese constante da ideologia do Código de Defesa do Consumidor, não é somente uma possibilidade do juiz mas um direito reclamado pela sociedade. Convém não esquecer o alerta de Cândido Rangel Dinamarco[29]
[…]. Entram aí as convicções sociopolíticas do juiz, que hão de refletir as aspirações da própria sociedade; o juiz indiferente às escolhas axiológicas da sociedade e que pretenda apegar-se a um exagerado literalismo exegético tende a ser injusto.
Portanto, é indiferente que alguns queiram atacar esta tendência de proteção do consumidor sob o argumento de que uma decisão deste calibre não atingirá a neutralidade e a imparcialidade exigidas na entrega da prestação jurisdicional. Se se está protegendo o vulnerável, se se está atendendo a lei (Código de Defesa do Consumidor) e sua ideologia – é bom lembrar que na ciência jurídica, o sempre e o nunca possuem campos de atuação extremamente limitados e estreitos -, a sentença, por certo, terá o aval popular como escorreita prestação jurisdicional por parte do Estado.
Para François Rigaux[30]
Que a regra esteja dormindo faz crer em sua aptidão a se apoderar sem esforço interpretativo da situação de fato submetida ao juiz, enquanto é preciso inventar, em vez de descobrir, a regra à seleção da qual se detém finalmente o profissional e que recebe, da conceituação da situação jurídica, um significado até então despercebido.
A neutralidade e imparcialidade exigidas na Sententia Ferenda é o atendimento ao preceito constitucional de que o Estado promova a defesa do consumidor. Daí ser neutra e imparcial a decisão que, inobstante tenha a tendência a priori de defesa do consumidor, o faz baseada na proteção conferida pela legislação específica.
É necessário a prova de que estamos construindo um novo direito, mais justo e social, mais preocupado em erigir conceitos e princípios que reflitam nosso desejo de paz social com segurança jurídica. Ronald Dworkin[31] apresenta uma resposta que vem desenvolvendo ao longo dos anos, que é
A de que o raciocínio jurídico é um exercício de interpretação construtiva, de que nosso direito constitui a melhor justificativa do conjunto de nossas práticas jurídicas, e de que ele é a narrativa que faz dessas práticas as melhores possíveis. E que nas divergências, o bom juiz prefere a justiça à lei.[…]. Pois quanto mais aprendemos sobre o direito, mais nos convencemos de que nada de importante sobre ele é totalmente incontestável.[32]
As relações consumeristas, suas implicações e conseqüências, devem ser sopesadas pelo juiz na procura do equilíbrio justo. Após anos de soberania absoluta de um sistema legal de proteção do capital, está posto à disposição dos operadores do direito um instrumento fundamental de legitimidade do sistema para a diminuição das diferenças abissais ainda existentes entre o portentoso mercado produtor e o destinatário destes produtos e serviços, ou seja, o consumidor.
Que as mentes percebam a importância do Código de Defesa do Consumidor como fator de reequilíbrio contratual e que isso entusiasme a magistratura brasileira em busca de um país mais justo, de um Brasil melhor.
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