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A sociedade do controle. Liberdade X segurança

Nos últimos anos de
experiência neoliberal temos assistido o aumento da criminalidade que acompanha
os índices de aumento da exclusão social, do desemprego e da concentração de
riquezas. Para a compreensão do problema devemos ter uma correta percepção da história,
para entender que a experiência que agora assistimos o seu fim foi a reedição de uma situação econômica construída no século
dezoito e dezenove e que resultou em um processo de concentração econômica
jamais visto. Na verdade, o que se convencionou chamar de neoliberalismo
trata-se de um movimento do capital conservador (o grande capital) que procura, com a desregulamentação e logo o afastamento do
Estado da economia, recriar uma condição que permitiu aos economicamente mais
fortes concentrarem ainda mais riquezas no século dezenove e que agora ao se
repetir, leva este processo de concentração ao seu limite máximo em nível
global. Na verdade, é importante lembrar, que são os liberais, que reconhecendo
a impossibilidade de manter a livre iniciativa e livre concorrência sem uma
regulamentação que permita o Estado intervir para evitar a concentração
econômica, chamam o Estado a intervir no combate ao capital conservador criando
mecanismos contra a concentração, fato que encontra como marco inicial a lei Sherman em 1890. Este tema é tratado em outros trabalhos com
maior detalhe, e a sua presença aqui nesta introdução tem a finalidade de
lembrar que a base do problema atual de exclusão, e como conseqüência aumento
de criminalidade e comprometimento do tecido social, tem
bases econômicas e não policiais.

Podemos lembrar que
também no século XIX, começamos a vislumbrar a base de um urbanismo de
controle, com a reforma urbana de Paris. Podemos dizer que a sociedade
pan-ótica tem como marco inicial principal a reforma de Paris na época do
prefeito Barão Hausmann no 2
império, época de  Napoleão III.

Neste período a
Europa vivia um processo de concentração econômica que junto com o processo
acelerado de substituição da manufatura pela que maquinofatura,
levou ao inchamento dos centros urbanos gerando uma exclusão social também em
larga escala. Todas as pessoas que chegavam nos
grandes centros europeus, e tomamos Paris como o exemplo, se aglomeravam no
centro das cidades, a antiga cidade medieval. Neste centro medieval de Paris
era o espaço dos excluídos, sejam empregados ou desempregados. Com a exclusão
social crescendo devido ao processo de concentração econômica, começam a
ocorrer as primeiras rebeliões sociais, manifestações
públicas de insatisfação e reivindicações coletivas por pão e trabalho. Também
com a exclusão aumenta a criminalidade, como mecanismo de busca de
sobrevivência ou de riqueza, para aqueles muitos que não encontravam o que
necessitavam ou desejavam através do mercado.

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Com estes problemas
o Estado Liberal, originariamente abstencionista
perante as questões sociais e econômicas, tem como resposta a ação da polícia.
Ou seja, perante uma questão de origem econômica e social (o conflito entre
capitalismo liberal e capitalismo conservador) procura-se resolver como sendo
uma questão de polícia. È obvio que um problema
sócio-econômico e como conseqüência cultural, não se resolverá com polícia. O
que se pode conseguir é apenas controlar o conflito não resolvê-lo.

Como o problema se
agravava à medida que aumentava a concentração econômica foi necessária a adoção de medidas mais sofisticadas de controle, uma vez
que não interessava ao conservadores no poder do Estado mudar uma estrutura
econômica extremamente favorável aos seu interesses econômicos.

A segunda medida de
importância e de controle foi portanto a reforma
urbana, com a criação de um urbanismo de controle social e de exclusão. A Paris
medieval de ruas estreitas, onde era fácil se esconder da polícia e fazer
barricadas para enfrentar o poder público, foi destruída, e no seu lugar foram
construídos os largos bulevares e as largas avenidas, onde o individuo é
facilmente localizado e controlado. Os miseráveis que habitavam o centro foram
mandados para a periferia da periferia, onde além de dispersos (o que dificulta
sua organização) são mais facilmente controlados. A este urbanismo do controle
soma-se uma arquitetura monumental, que exclui de sua redondeza o miserável, oprimido pela ostentação.

Estava inaugurada a
sociedade de controle visual. É importante mais uma vez lembrar que isto não
resolve o problema, pois este está em outra esfera que não é policial,
urbanística ou arquitetônica, mas sim sócio-econômica, e agora cultural.

Ao lembrarmos esta
história, percebemos que algumas políticas públicas contemporâneas ainda insistem nos mesmos erros de 140 anos atrás. Erros para uns
e conveniência para outros.

A cidade de Belo Horizonte não foge a regra.
Não só o seu projeto urbano foi, de longe, inspirado na reforma urbana de Paris
do século XIX, como hoje querem trazer o controle cada vez mais sofisticado
para as ruas da cidade.

Como a exclusão
continua aumentando, principalmente fruto do modelo neoliberal, aumenta cada
vez mais o controle. A pessoas moram em edifícios
cercados por cercas elétricas, alarmes e câmeras de controle, ou em verdadeiras
cidades medievais muradas.

Em Belo Horizonte, seguindo o que já ocorre em
Paris e Londres de hoje, colocam câmeras nas ruas. Devemos nos perguntar sobre
a legalidade, constitucionalidade e utilidade desta medida de controle.

Devemos nos
perguntar até que ponto estas câmeras comprometem a privacidade das pessoas e
se estas câmeras serão colocadas em todos os locais com problema de
criminalidade alta, ou apenas em locais onde a população tem dinheiro para
custear a sua instalação doando dinheiro para a Polícia. É absolutamente
ilegal, inconstitucional e imoral a utilização de doações de cidadãos
condicionada a satisfação de necessidade dos doadores. Em outras palavras, se a
população de um bairro rico, doa dinheiro para o Estado este dinheiro torna-se
público e deve ser utilizado com critérios públicos. Neste caso o critério
público e a satisfação do interesse público de toda a população, avaliando-se
tecnicamente em quais áreas estas câmeras serão mais necessárias, seguindo portanto a prioridade técnica fundamentada, que tem de ser
de conhecimento público. A doação condicionada a utilização do equipamento para
os doadores é privatização do público, prática rejeitada neste país pela lei e
pela Constituição e certamente pela opinião pública nacional, que já se fartou
de ver o poder público privatizado servindo aos interesses de poucos.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

José Luiz Quadros de Magalhães

 

Especialista, mestre e doutor em Direito Constitucional pela UFMG Professor da graduação, mestrado e doutorado da PUC-MINAS e UFMG.

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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