Resumo:
Este trabalho
apresenta discussões sobre a Emenda Constitucional nº 45/2004 (EC n° 45/2004) e
seus efeitos no Direito de Família, focando a Súmula Vinculante instituída por
essa Emenda em face da socioafetividade. Problematiza, também, a
socioafetividade e suas peculiaridades, a fim de que se possa refletir o seu
lugar na ciência do direito e como incidirão os reflexos dessa Emenda na sua
evolução.
Sumário: 1 Introdução; 2 Paternidade Socioafetiva;
2.1 Conceito de Afetividade; 2.2 Considerações sobre a filiação socioafetiva;
2.3 O princípio do melhor interesse da criança e a Socioafetividade; 3
Socioafetividade X Súmula Vinculante em favor da celeridade processual; 4
Considerações Finais; 5 Referências
1 Introdução
A
família, cada vez mais diversa, se encontra entre a liberdade de ser diferente
na contemporaneidade e a dificuldade de ter todas as suas nuances seguras pelas
Leis que, dentro de sua exatidão, não conseguem acompanhar o instituto que muda
com a velocidade com que caminha a humanidade.A Emenda Constitucional nº 45/2004
(EC nº 45/2004), mesmo vindo com o intuito de tornar mais efetivo o sistema
judiciário, no que diz respeito ao Direito de Família, encontrará um terreno
fértil, mas delicado para ser aplicada, dada à diversidade presente nesta área
do Direito.
Sobretudo
a socioafetividade encontra dificuldades quando o assunto é a normatividade,
pois de fato, a subjetividade com que conta se revela complicada de ser
traduzida em Leis.
2 Paternidade socioafetiva
2.1
Conceito de afetividade
Com
o advento da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (CF/88),
mudanças significativas aconteceram no Direito de Família. O mais importante
foi o de ter elevado o afeto à condição de valor jurídico. Segundo Paulo Luiz
Netto Lobo “projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da
natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços de
afetividade.” (LOBO, 2000, p. 49)
Fabíola Santos corrobora esse
pensamento expondo:
“O fato é que a partir da
Constituição vários outros princípios (…) passaram a colorir o direito de
família. Entre eles destacam-se: o do melhor interesse da criança e do
adolescente, o da convivência familiar, o da paternidade responsável e o do
planejamento familiar.” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 350)
A
afetividade passou a ser um fator relevante para solucionar questões familiares,
pois, como diz Silvana “o afeto, que começou como um sentimento unicamente
interessante para aqueles que o sentia, passou a ter importância externa e
ingressou no meio jurídico” (CARBONERA, 1999, p. 485).Entende-se por
afetividade em sentido lato, “o estado psicológico que permite ao ser humano
demonstrar os seus sentimentos e emoções a outro ser vivo” (AFETIVIDADE, disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Afetividade). O primeiro
meio que proporciona ao ser humano esse estado psicológico é a família. É nesse sentido, que ao falar de família,
liga-se de imediato a ela os sentimentos e valores mais elevados, pois é sob a
égide do amor que é formada; principalmente naqueles casos em que a falta de vínculo
biológico não impede que pessoas se tornem mãe ou pai afetivo de alguém. Dessa
maneira, o velho conceito de famíla, que se restringia ao pai, mãe e descendentes
biológicos, legitimado pelo casamento civil, deve ser esquecido; agora “é
importante começar a pensar na família como uma comunidade, constituída em
razão da vontade, onde as pessoas buscam a realização pessoal própria e
daqueles que as cercam”(CARBONERA, 1999, p. 509), independente se proveio de
união matrimonial ou estável, relação homoafetiva, adoção ou outras formas que
a família vem apresentando na atualidade, porque ela “é o centro emocional e
social do homem.” (SEREJO, 1999, p. 25)
2.2
Considerações sobre a filiação socioafetiva
A relação de paternidade sempre
levantou discussões no campo jurídico. Isso se dá, principalmente, pelo fato de
haver modificações na cultura e pensamento da sociedade com o passar do tempo.
Hoje os conceitos de maternidade e
paternidade, por exemplo, têm ultrapassado os vínculos biológicos, alcançando o
afeto como valor preponderante para se formar uma família e cultivar laços de
convivência entre seus membros. O que se observa, portanto, é a desbiologização
das relações familiares e a supremacia da socioafetividade, principalmente no
tocante à determinação da paternidade, pois “o afeto não é fruto da biologia.
Os laços de afeto e solidariedade derivam da convivência e não do sangue (LOBO,
2000, p. 252). Acerca desse assunto, identificam-se três tipos de paternidade:
a jurídica, a biológica, e a socioafetiva. A paternidade jurídica ou registral
é a ratificada por documento público: a certidão oficial de registro de
nascimento. “Assim, essa paternidade é a principal geradora de direitos e
deveres imediatos”. (SOUZA, 2006, p. 26). A paternidade biológica está
relacionada `a consangüinidade, em que exames de engenharia genética pode
provar sua veracidade.Para Everton Leandro, paternidade socioafetiva é
entendida como uma relação jurídica de afeto com o filho, em que mesmo sem
nenhum vínculo biológico os pais criam uma criança por mera opção, dando-lhe
todo amor, cuidado e ternura que se espera na relação de filiação (COSTA,
disponível em:www.ibdfam.com.br/public/artigos.aspx?codigo=295).
Segundo Luiz Netto
Lobo:
“Filiação
é conceito relacional; é a relação de parentesco que se estabelece entre duas
pessoas, uma das quais é considerada filha da outra (pai ou mãe). O estado de
filiação é a qualificação jurídica dessa relação de parentesco, atribuída a
alguém, compreendendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados.
O filho é titular do estado de filiação, da mesma forma que o pai e a mãe são
titulares dos estados de paternidade e de maternidade, em relação a ele.” (LOBO, 2004, p.210)
Existem, pelo menos, quatro tipos de
filiação socioafetiva, a saber: a filiação sociológica do filho de criação, em
que, mesmo não havendo vínculos biológicos, alguém cuida e acompanha uma
criança por vontade própria e publicamente a trata como seu filho, suprindo
suas necessidades e dando-lhe um lar; a filiação afetiva na adoção à
brasileira, em que alguém registra como sendo filho seu, uma criança de outrem,
não obedecendo aos trâmites legais; a filiação por adoção regular e legal, em
que alguém obedecendo todos os trâmites legais, toma para si uma criança como
filho; e a filiação por reprodução humana assistida, em que um casal concorda
ter um filho mesmo sem ligação genética de um dos companheiros.
Assim, tomando o
verdadeiro pai como aquele que ama, que cuida, que está disposto a se
responsabilizar tanto por encargos financeiros quanto pela formação moral e
social do filho, é que se defende a paternidade socioafetiva como merecedora de
legitimidade e proteção jurídica.
Nas palavras de Ana Paula Brandão Ribeiro:
“Portanto,
o elemento tractatus é aquele que se
dá no conviver, ou seja, manifesta-se nos atos do dia-a-dia, no educar, no
instruir, no se divertir, no chorar e no sorrir, enfim, o trato representa a
manifestação fática da mais pura e verdadeira prova de filiação: aquela que se
constrói e que se encontra alicerçada na afetividade.” (RIBEIRO, disponível em d: filhos de criação uma abordagem
paradigmática. Htm )
É importante registrar que já
existem no ordenamento brasileiro acórdãos favoráveis à socioafetividade como
neste trecho que se segue:
“Ainda que
o direito positivo não aluda de forma expressa a sócio-afetividade, a ela não
deixa de remeter e de forma implícita, que chega quase à explicitude, em
determinadas circunstâncias, prestando-se como exemplo adequado o da adoção.
Família não é somente o ente advindo de relação biológica, havendo que se
considerar e em algumas vezes com importância até superior, a que advém do
relacionamento afetivo, em cuja moldura tanto é possível inserir! Se em relação
ao filho biológico a afetividade surge como circunstância natural e resultante
de sua própria condição, torna-se evidente que no tocante ao filho que não
tenha essa mesma característica, acabe ela por emergir, como fruto de ligação
que passa a existir entre ele e os pais. Pouco importa tenha o legislador do
Código Civil brasileiro, ao contrário do português, desconsiderado o estado de
filiação.” (Apelação
nº 464.936-4/0-00)
De fato o direito positivo ainda não
alcançou a magnitude da socioafetividade deixando-a em lacuna, erroneamente,
como se fosse situação de rara ocorrência.
2.3
O princípio do melhor interesse da criança e a socioafetividade
A Declaração
Universal dos Direitos do Homem (DUDH), de 1948, se transformou em referencial
na matéria de direitos fundamentais. Essa Convenção não chegou a consagrar proteção
especial à criança e ao adolescente, mas reconheceu que a infância tem direito
a cuidados e assistências especiais. Isso contribuiu para que em 1959 fosse
proclamada a Declaração Universal dos Direitos da Criança, que foi assinada
pelo Brasil assim como a DUDH.
No entanto, a
proteção integral da criança foi consagrada pela Convenção Internacional sobre
os Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 20
de novembro de 1989. O Brasil a adotou pelo Decreto 99.710, de 21 de novembro
de 1990.
Assim, nessa
Convenção:
“Foram
reconhecidos no âmbito internacional, direitos próprios da criança, que deixou de ocupar o papel de apenas parte integrante do complexo familiar
para ser mais um membro individualizado
da família humana (…)
Nessa
linha, passa a criança a ter direito à vida, a um nome, `a nacionalidade, a
preservar sua identidade, à liberdade de expressão e opinião- devendo ser
ouvida em todo processo judicial que lhe diga respeito-, à liberdade de
pensamento, consciência, de crença, de associação; enfim, tem reconhecida a
dignidade inerente e os direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana.” (
BARBOZA, 2000, p. 203)
O ordenamento
brasileiro foi grandemente influenciado por essa Convenção, sendo seus
princípios sintetizados no artigo 227 da CF/88. E para concretizar e expressar
definitivamente os direitos inerentes à população infantil, a Lei 8.069 de
13-07-1990, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
consagra em seu texto os direitos fundamentais desses, explicitando que:
“Art. 3º A criança e o adolescente
gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo
da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade.”
Esse conjunto de leis, visando à proteção
integral da infância, contagiou a legislação brasileira com o princípio do
melhor interesse da criança, devendo ser observado sempre, principalmente no
que diz respeito a relações familiares que a envolva.Nota-se, então, que a
afetividade e o melhor interesse da criança são aspectos indissociáveis, já que
se sabe que toda criança precisa de afeto para desenvolver moral, espiritual e
socialmente, e isso ela encontrará na família, que é um grupo social fundado
essencialmente no amor. No Direito de família esse princípio já é observado
pela jurisprudência nos casos que envolvem a guarda da criança, portanto, o que
se espera é que esse seja usado também como critério para determinar a filiação
socioafetiva.Se o ECA considera o princípio do melhor interesse da criança,
tudo o que se faça para seu bem-estar e para sua proteção integral, como diz em
seu art. 1°, pressupõe-se que aceitar o pai socioafetivo como “legítimo”, que mesmo
sem laços biológicos dá incondicionalmente todo amor e cuidado que uma criança
precisa, seja obedecer a esse princípio.
3
Socioafetividade x súmula vinculante em favor da celeridade processual
A EC nº 45/2004
trouxe grande inovação na intenção de promover o controle difuso de
constitucionalidade ao criar a Súmula Vinculante, em seu artigo 103-A que diz:
“Art.
103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,(…)
aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial terá efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma
estabelecida em lei.
§
1° A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de
normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos
judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave
insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão
idêntica.”
A Súmula Vinculante
vem com o intuito de sustentar uma das propostas pilares da referida Emenda,
que é a Celeridade Processual, como afirma Rosemiro Leal, “a possibilidade de o
STF elaborar um julgamento único para casos semelhantes vai ao encontro do
princípio da Celeridade Processual, com o fulcro de evitar a morosidade na
prestação jurisdicional.” (LEAL, 2005, p. 58)
De fato, o efeito
vinculante contribuiria para que demandas não se tornassem eternas e que
recursos já decididos não sejam repetidos, mas resta discutir se esta matéria
de cunho tão prático irá contribuir em casos que envolvam a Súmula no Direito
de Família.
Segundo Cláudio
Sinoé:
“Mesmo
existindo a súmula vinculante, o atendimento costumeiro afeito por alguns
Juízes, não estará o Julgador preso a esta, podendo proferir sentença diversa
da interpretação dada pelo Supremo, preocupado com isso o próprio legislador
tratou de repetir o lenitivo processual da reclamação. Sendo proferida sentença
com conteúdo diverso da súmula e a parte não reclamando estaremos diante de uma
sentença existente, válida e aparentemente eficaz (para não dizermos ineficaz,
estando futuramente à mercê de uma análise pelo STF do cabimento ou não da
aplicação da súmula por outras vias, afora a reclamação).” (SANTOS, disponível
em: http:// www.juristas.com.br/a 803~p_1~a-emenda-45-uma
breve -analise-da-coisa-julgada-e-outros-aspectos )
Encontra-se na
sociedade diversos arranjos familiares que podem gerar vários problemas e,
conseqüentemente, diferentes tipos de demanda. A respeito da Súmula Vinculante
em Direito de Família tem-se a de n° 301/STJ que diz: “em ação investigativa, a
recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.” (LOBO,
2006, p. 801)
Pode-se notar que
mesmo com conteúdo aparentemente técnico, a Súmula toca em questões que vão além.
“O enunciado, (…) procura ater-se a formação de provas. Confunde investigação
de paternidade com o direito da pessoa de conhecimento da origem genética.” (LOBO,
2006, p. 801)
A Súmula n° 301/STJ
criticada por Luiz Netto Lobo é apenas um exemplo das confusões que podem ser
provocadas no uso da Súmula Vinculante em questões que envolvam aspectos socioafetivos.
Em Direito de Família
pode-se até tentar se estabelecer a Súmula Vinculante, mas seu alcance não
abrangerá a pluralidade das famílias contemporâneas, pois estas não são mais
construídas por um modelo parental padronizado pelos valores familiares dantes
dominantes, como bem é demonstrado na CF/88 no art. 226 nos parágrafos
seguintes: § 3°para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento, § 4° Entende-se, também, como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
4
Considerações finais
Diante do universo da
socioafetividade, seus conceitos e efeitos, conclui-se que se refere a assunto
bastante denso e complexo, devendo ser tratado com muita seriedade e atenção
pelo Judiciário brasileiro, pois, ainda há muito que se extrair do tema.
Não há que seguir
procedimentos normativos, como muito se faz no meio jurídico, em detrimento de
sentimentos, laços afetivos e diferentes meios de bem viver em família e, conseqüentemente,
em sociedade.
Mesmo se tendo a consciência
de que novas alternativas devem ser estudadas para que a socioafetividade
encontre caminho tranqüilo no presente sistema jurídico, não se deve crer de
imediato que a celeridade processual oferecida pela Súmula Vinculante seja
positiva para este instituto, que se revela um mosaico de delicadeza.
Enfim, a rapidez
almejada talvez não seja o ideal para atender às relações familiares e a Súmula
Vinculante pode ser pequena para o grande universo que é a família.
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Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros -UNIMONTES
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