Resumo: A partir da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, o Brasil passou a prever a possibilidade de adoção de chamada súmula vinculante, desde que por decisão de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional. Obedecidos tais requisitos e com a publicação na imprensa oficial, a súmula deverá ter efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta. O tema gera profundas discussões doutrinárias em relação à eficácia de seu efeito vinculante para a superação da crise do Poder Judiciário. Através de uma pesquisa bibliográfica, que compreende leitura, análise e interpretação de livros, periódicos e textos legais, defender-se-á que a adoção da súmula vinculante, apesar de muitas controvérsias, melhoraria a situação da morosidade processual, priorizando uma prestação jurisdicional mais eficaz e isonômica, diminuindo a atual insegurança jurídica e proporcionando maior credibilidade à justiça brasileira. O sistema utilizado foi o lógico-sistemático.
Palavras-chave: súmula vinculante, crise no Poder Judiciário, engessamento.
Abstract: From the Constitutional Emendation nº 45, of December 8th,2004, Brazil started to foresee the possibility of adoption of what we call binding abridgement, if by decision of two third of the members of the Supreme Federal Court, after reiterated decisions on constitutional matter. Obeyed such requirements and with the publication in the official press, the abridgement must have binding effect in relation to the other agencies of the Judiciary Power and to the direct and indirect public administration. The subject generates deep doctrinal quarrels in relation to the effectiveness of its binding effect for the overcoming of the crisis of the Judiciary Power. Through one bibliographical, recherché involves that reading, analysis and interpretation of books, periodics and legal texts, will be defended the adoption of the binding abridgement, although many controversies, would improve the situation of the procedural morosity, prioritizing a more efficient and isonomic judgement, diminishing the current legal unreliability and providing bigger credibility to Brazilian justice. The used system was the logical-systematic.
Sumário: Introdução. 1. Evolução do direito sumular no Brasil. 1.1. Jurisprudência. 1.2. Conceito de jurisprudência. 1.3. Jurisprudência e súmula. 1.4. Evolução histórica da súmula no Brasil. 1.5. Conceito de súmula. 1.6. Efeito vinculante. 1.6.1. Origem do efeito vinculante no Brasil. 1.6.2. Noção de efeito vinculante. 1.6.3. Efeito vinculante e efeito erga omnes. 1.6.4. Efeito vinculante e súmula. 2. Súmula vinculante. 2.1. Súmula vinculante e assentos do direito português e stare decisis. 2.1.1. Instituto dos assentos do direito português. 2.1.2. Stare decisis. 2.2. EC nº 45/2004 e a previsão da súmula vinculante no brasileiro. 2.3. Regulamentação da súmula vinculante: Lei 11.417/06. 2.3.1. Objeto da lei. 2.3.2. Competência. 2.3.3. Natureza jurídica do processo de edição, revisão ou cancelamento da súmula vinculante. 2.3.4. Legitimidade. 2.3.5. Intervenção de terceiros. 2.3.6. Participação do Procurador Geral da República. 2.3.7. Requisitos para a edição de súmula vinculante. 2.3.8. Suspensão dos processos. 2.3.9. Aprovação, revisão ou cancelamento. 2.3.10. Efeitos da súmula vinculante. 2.3.11. Publicação do enunciado da súmula vinculante. 2.4. Reclamação: descumprimento das súmulas vinculantes. 2.4.1. Dupla motivação. 2.4.2. Contencioso administrativo. 2.4.3. Responsabilidade pessoal do administrador público. 2.4.4. Aplicação subsidiária do regimento interno do Supremo Tribunal Federal. 2.5. Definição de súmula vinculante. 2.6. Natureza jurídica da súmula vinculante. 2.7. Súmulas vinculantes já editadas. 3. Aspectos polêmicos da súmula vinculante. 3.1. Argumentos favoráveis á súmula vinculante. 3.1.1. Supremacia da Constituição Federal. 3.1.2. Respeito aos princípios da isonomia e da segurança jurídica. 3.1.3. Descongestionamento do Poder Judiciário. 3.2. Críticas às súmulas vinculantes. 3.2.1. Possível violação ao princípio da tripartição dos poderes. 3.2.2. Possível violação ao princípio do juiz natural e sua independência. 3.2.3. Possível violação ao princípio do livre convencimento do juiz. 3.2.4. Possível violação ao princípio da legalidade. 3.2.5. Possível violação ao princípio do duplo grau de jurisdição. 3.2.6. Possível violação ao sistema jurídico “civil law”. 3.3. Engessamento do poder judiciário. 3.3.1. Princípio da legalidade. 3.3.2. Princípio da separação dos poderes. 3.3.3. Princípio do juiz natural. 3.3.4. Princípio da independência judicial. 3.3.5. Princípio do livre convencimento judicial. 3.3.6. Princípio do duplo grau de jurisdição. 3.4. Súmula vinculante e o poder judiciário. 4. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004 foi introduzido o instituto da de Súmula Vinculante pelo Supremo Tribunal Federal. O artigo 103-A foi incorporado ao texto constitucional conferindo poderes ao STF para aprovar súmula com efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário a à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Mais de dois anos após a publicação da Emenda, em 19 de dezembro de 2006, foi editada a Lei nº 11.417, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento da súmula por parte do Egrégio Supremo Tribunal Federal. A partir de então, restou autorizada e regulamentada a súmula vinculante, mediante a decisão de dois terços dos membros do Supremo, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional. Aprovada e publicada, a súmula terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração pública, o que significa dizer que tais decisões do STF são de obediência compulsória pelos aplicadores da Lei, em qualquer grau.
O efeito vinculante tem por objetivo evitar que uma demanda judicial – cujo conteúdo substancial já tenha sido objeto de discussão e julgamento por parte do judiciário em várias outras demandas – seja novamente submetido ao órgão julgador. Referido instrumento mostra-se de grande eficácia para tornar mais célere o julgamento dos milhares de processos que se amontoam nos tribunais, retardando a prestação jurisdicional. Todavia, a existência do efeito vinculante das súmulas do STF para os juízes e tribunais inferiores é algo passível de controvérsias, ensejando argumentos contrários e a favor. Dentre outras razões, os opositores argumentam que o instrumento em questão cercearia a liberdade de criação dos juízes ou sua independência e causaria engessamento do Direito; por outro lado, os defensores sustentam suas razões nos Princípios da Celeridade, da Economia Processual, e da isonomia, reafirmando não ser mais possível que cada juiz julgue questões idênticas em sentidos diferentes, desencadeando a autuação de milhares de recursos junto aos tribunais.
Ressalta-se que as discussões sobre o assunto, como se verá, são sempre válidas e edificantes. Diante deste contexto, se faz necessário um estudo mais apurado sobre a adoção da súmula vinculante no direito pátrio, e para tal desiderato o texto a seguir discorre sobre as tradições históricas do direito sumular brasileiro, seguidas de considerações acerca do efeito vinculante das súmulas, do procedimento da Lei 11.4176, das opiniões favoráveis e desfavoráveis à decisão vinculativa e, por fim, da sua consonância com os princípios já consagrados na Constituição Federal.
1. EVOLUÇÃO DO DIREITO SUMULAR NO BRASIL
1.1. JURISPRUDÊNCIA
Segundo Alexandre Sormani e Nelson Luis Santander: “A jurisprudência, sob o aspecto técnico-jurídico, parece ter surgido com os romanos, tendo, já no começo, uma acepção vinculada à interpretação dos textos legais, que era empreendida pelos jurisconsultos da época – denominados prudentes – aos quais, a partir de Augusto (27 AC-14 DC), foi outorgado o jus respondendi – direito declarar a lei com autoridade”.[1]
Aliás, sobre a origem histórica da jurisprudência a partir das fontes romanas, relata Rodolfo de Camargo Mancuso: “Nesses primórdios, pode-se dizer que a expressão jurisprudência se vinculava à tarefa exegética então praticada pelos jurisconsultos da época – ditos prudentes – no afã de esclarecer e interpretar os textos jurídicos, então incipientes, numa fase em que estavam ainda esbatidos os contornos do Direito, de envolta com regras de natureza moral ou religiosa.” Adiante, lembra o autor que: “(…) em Roma a atividade de dizer o direito – jurisdicere, donde deriva o vernáculo jurisdição – era exercida tanto através dos editos dos pretores, como das respostas dadas pelos prudentes.”[2]
No Brasil, as primeiras fontes de direito positivo foram as Ordenações lusitanas (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), adotadas desde os primórdios da colonização, por determinação da Coroa.[3] A propósito, aduz Mancuso que: “Em nosso país esse direito continental europeu aportaria por intermédio das ‘Ordenações’ lusitanas que, no capítulo da jurisprudência, apresentaram a importante contribuição dos assentos obrigatórios e, de maneira geral, serviram como o elo que viria possibilitar a filiação do então incipiente Direito brasileiro à vertente dos países de Direito codicístico, disto de law, ou seja, aqueles integrantes da ‘família romano-germânica’.”[4]
1.2. CONCEITO DE JURISPRUDÊNCIA
Para Lênio Luiz Streck, jurisprudência comporta três significados: “a) em sentido estrito, pode indicar a ‘Ciência do Direito’, também denominada ‘Dogmática Jurídica’ ou ‘Jurisprudência’; b) em sentido lato, pode referir-se ao conjunto de sentenças dos tribunais, e abranger tanto a jurisprudência uniforme como a contraditória; c) pode significar apenas o conjunto de sentenças uniformes, falando-se nesse sentido, em ‘firmar jurisprudência’ ou ‘contrariar a jurisprudência’”[5]
Rodolfo de Camargo Mancuso aduz que, apesar da palavra jurisprudência não apresentar um conteúdo unívoco, em sentido técnico-jurídico, o termo jurisprudência traduz: “coleção ordenada e sistematizada de acórdãos consonantes e reiterados, de um certo Tribunal, ou de uma dada Justiça, sobre um mesmo tema jurídico.” Adiante lembra Marcelo Roberto Ferro que O complexo de decisões reiteradas, acerca de uma determinada matéria , pronunciadas por órgãos do Poder Judiciário, no efetivo exercício da atividade jurisdicional.”[6]
1.3. JURISPRUDÊNCIA E SÚMULA
Jurisprudência, para Leonardo Vizeu Figueredo, é fruto de uma interpretação reiterada que as cortes dão à lei, nos casos concretos submetidos a seu julgamento. Enquanto súmula é uma síntese da Jurisprudência sobre determinado tema jurídico[7].
No ponto, esclarece Júlio da Costa Figueiras:
“Jurisprudência nada mais é do que reiteração uniforme e constante de certa decisão sempre no mesmo sentido. Porém, por conveniência do Tribunal, quando há um consenso sobre uma linha jurisprudencial, é possível sintetizar tal entendimento através de um enunciado em “súmula”. Apesar de serem distintos, em um ponto se assemelham, ambos não têm qualquer caráter congente, não obrigando os julgadores. Vale dizer, servem como mera orientação, não engessando a convicção pessoal do magistrado, que pode livremente contrariá-las, desde que fundamente sua decisão. Contudo, é óbvio, que não se pode ignorar a profunda influência que as súmulas exercem sobre o desempenho do judiciário como um todo. Mas, frise-se, trata-se de uma influência persuasiva, não normativa”[8].
1.4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SÚMULA NO BRASIL
Em decorrência da ligação histórica entre Brasil e Portugal até a segunda década do século XIX, a história do direito brasileiro se confunde com a do direito lusitano, razão pela qual o Brasil, durante os dois primeiros séculos de sua existência, até a independência, ocorrida em 1822, sofreu os influxos da legislação portuguesa (Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) em função do poder exercido pela Coroa sobre sua colônia, a qual tinha o dever de observância às ordenações do Reino, ainda que em detrimento aos atos normativos locais.[9]
Primeiramente vieram as Ordenações Afonsinas, publicadas em 1446, durante o reinado de D. Afonso V. que constituíam uma espécie de coletânea ou código de leis que reunia toda a legislação em vigor na época, por essa razão foi considerada a primeira compilação oficial do direito do país, colocando-as numa posição destacada na história do direito português. Ademais, com a publicação das Ordenações Afonsinas, as leis tornaram-se uniformes para todo o país impedindo, desta forma, os abusos praticados pela nobreza no que respeita à sua interpretação, permitindo ao rei amplificar a sua política centralizadora[10].
Seguiram-se as Ordenações Manuelinas, em 1512, quando se estabeleceu que, em caso de dúvida sobre o entendimento de alguma Ordenação, os desembargadores deveriam submetê-la à Mesa Grande e dar a sentença conforme o entendimento desta, o qual seria colocado no livro (assentos) para não se pôr mais em dúvida. Sobre o tema ensina Roberto Luis Luchi Demo, in verbis:
“Desse Direito reinol, as Ordenações Manuelinas, de 1512, capitulavam o assento em seu Livro V, Título 58, § 1o: E assim havemos por bem que quando os desembargadores que forem no despacho d’algum feito, todos ou algum deles tiverem alguma dúvida em alguma nossa Ordenança do entendimento dela, vão com a dita dúvida ao Regedor, o qual na Mesa Grande com os desembargadores que lhe bem parecer a determinará, e segundo o que for determinado se porá a sentença. E se na dita Mesa forem isso mesmo em dúvida, que ao Regedor pareça que é bem de no-lo fazer saber, para nós logo determinarmos, nolo fará saber, para nós nisso provermos. E os que em outra maneira interpretarem nossas Ordenações, ou derem sentenças em algum feito, tendo algum deles dúvida no entendimento da dita Ordenança, sem irem ao Regedor como dito, serão suspenso até nossa mercê. E a determinação que sobre o entendimento da dita Ordenação se tomar, mandará o Regedor escrever no livrinho para depois não vir em dúvida.[11]
Na seqüência, foram publicadas, em 1603, as Ordenações Filipinas, as quais mantiveram a previsão dos “assentos” das Ordenações Manuelinas, como observam Alexandre Sormani e Nelson Luis Santander, in verbis:
“As Ordenações Filipinas tinham um dispositivo (Livro 1, Título V, § 5º) que remetia a interpretação de seus dispositivos, em caso de dúvida, ao monarca que, por sua vez, repassava atribuição exegética à Casa de Suplicação. O produto da interpretação, então, era lançado no “Livro da Relação”, em forma de assentos obrigatórios, com força de lei. (…) Trata-se dos chamados assentos da casa de suplicação (cuja aplicação no Brasil restou efetivamente declarada por força dos Decretos de 04.02.1684 e de 18.08.1705, e, ainda, pela Lei da Boa Razão – Lei de 18.08.1769), pronunciamentos genéricos emanados do rei (na verdade, emanados da Casa de Suplicação), dotados de força vinculativa e soberana, com o escopo de esclarecer questões de direito em tese. A interpretação diversa daquela intentada pelo rei sujeitava o juiz que assim agisse à pena de suspensão, até segunda ordem do rei (Ordenações Filipinas, Livro V, título 58 §1º).”[12]
Proclamada a independência do Brasil, em 1822, as Ordenações Filipinas continuaram a irradiar seus efeitos no ordenamento jurídico pátrio. Nesse contexto, foram editados o Decreto Legislativo 2.684, de 23.10.1875 para regulamentar os Assentos da Casa de Suplicação no Brasil e, em seguida, o Decreto 6.142, de 10 de março de 1876 para regulamentar o funcionamento da tomada de assentos do Superior Tribunal de Justiça, o qual estabeleu, dentre outras coisas, que, para serem reconhecidos, era indispensável que os julgamentos divergentes tivesses sido proferidos em processos findos, depois de esgotados os prazos recursais, e que a divergência tivesse por objeto o direito em tese ou a disposição da lei. Importante referir, que os Assentos mantiveram-se vigentes até a Constituição de 1891, quando então foram substituídos pela nova técnica de uniformização de jurisprudência prevista no art. 59, § 2º.[13]
O art. 59, § 2º da CR/1891 instituiu o dever da Justiça Federal de consultar a jurisprudência estadual nas hipóteses em que cabível a aplicação da legislação estadual, bem como o dever da Justiça Estadual de consultar a jurisprudência federal nas mesmas hipóteses. Nessa mesma linha, foi editado o Decreto n 23.055, de agosto de 1933 que tinha por objetivo vincular os tribunais estaduais à jurisprudência, no caso, especificamente do Supremo tribunal Federal, sobre o direito federal.[14]
“Art. 59, § 2º da CR/1891: Nos casos em que houver de aplicar leis dos Estados, a justiça federal consultará a jurisprudência dos tribunaes locaes, e vice-versa, as justiças dos Estados consultarão a jurisprudência dos tribunaes federales, quando houverem de interpretar leis da União.”
Art. 1º do Decreto 23.055/33: ‘As Justiças dos Estados, do Distrito Federal e do Território do Acre devem interpretar as leis da União de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.”
Passado pouco tempo da promulgação da Constituição de 1891, primeira Constituição Republicana, a legislação processual, ora reservada aos Estados, concebeu o prejulgado. O prejulgado era a pronunciação prévia do tribunal pleno ou de órgão colegiado que o regimento indicasse, para ser seguida no recurso em andamento, e podia ser suscitada por qualquer juiz ou parcela de tribunal ou, ainda, provocada por parte na causa, evitando-se com isso, a divergência de decisões. O instituto do prejulgado foi mantido no Código de Processo Civil de 1939 em seu artigo 861e instituído na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei 5.452/43) no caput do seu art. 902 e no Código Eleitoral (Lei 4.717/65) em seu artigo 263, todavia, o Supremo Tribunal Federal, em 12 de maio de 1977, ao julgar a Representação nº 946 os revogou sob o fundamento de a Constituição de 1946 e as que a sucederam não conservaram a figura do prejulgado.[15]
“Art. 861do CPC/39: A requerimento de qualquer dos seus juízes, a câmara, ou turma julgadora, poderá promover o pronunciamento prévio das câmaras reunidas sobre a interpretação de qualquer norma jurídica, se reconhecer que sobre ela ocorre, ou poderá ocorrer, divergência de interpretação entre câmaras ou turmas.”
“Art. 902 da CLT: É facultado ao Tribunal Superior do Trabalho estabelecer prejulgados, na forma que prescrever o seu Regimento Interno. § 1o. Uma vez estabelecido o prejulgado, os Tribunais Regionais do Trabalho, as Junà causa que o sugerira, mas tinha caráter normativo. O Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a constitucionalidade do prejulgado trabalhista.”
“Art. 263 do CE/65: No julgamento de um mesmo pleito eleitoral, as decisões anteriores sobre questões de direito constituem prejulgados para os demais casos, salvo se contra a tese votarem dois terços dos membros do tribunal.”
Oportuno dizer que, dentre os antecedentes históricos já vistos, foi, na década de 60, em que houve o grande avanço no direito brasileiro sumular, uma vez que instituída a Súmula da Jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, mediante emenda ao Regimento do Supremo Tribunal Federal por proposição de Victor Nunes Leal, um de seus maiores ministros, a qual restou aprovada em 13 de Dezembro de 1963. Era uma medida, de natureza regimental, que se destinava, primordialmente, a descongestionar os trabalhos do tribunal, simplificando e tornando mais célere a ação de seus juízes. Ao mesmo tempo, a Súmula servia de informação a todos operadores do direito, principalmente, aos juízes de primeiro grau, dando a conhecer previamente a orientação da Corte Suprema nas questões mais freqüentes. As súmulas, todavia, eram desprovidas de caráter normativo. Eram vistas como um valioso instrumento de persuasão, mas que não vinculava nem mesmo os juízes de primeiro grau.[16]
Ante este contexto jurídico, o CPC de 1973, com o propósito de evitar decisões discrepantes de um mesmo tribunal, instituiu em seus arts. 476 a 479, o incidente de uniformização de jurisprudência, do qual poderia resultar na edição de súmula.[17]
“Art. 476: Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando: I – verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II – no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que Ihe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas.”
“Art. 479: O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.”
Recentemente surgiram outras inovações na legislação a fim de albergar a autoridades das súmulas de jurisprudências, tais como os arts. 544, §3º, 557, 475, §3º, e 518, §1º, todos do CPC com a nova redação dada pelas Leis 9756/98, Lei 10352/01 e Lei 11276 de 07.02.2006, respectivamente[18].
Art. 544, § 3o Poderá o relator, se o acórdão recorrido estiver em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, conhecer do agravo para dar provimento ao próprio recurso especial; poderá ainda, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito, determinar sua conversão, observando-se, daí em diante, o procedimento relativo ao recurso especial. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)
“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998).”
“§ 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998).”
“Art. 475, § 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001).”
“Art. 518, § 1o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. (Renumerado pela Lei nº 11.276, de 2006).”
Pedro Miranda de Oliveira ensina que “O vocábulo súmula vem do latim summula. Significa sumário ou resumo. É uma ementa que revela a orientação jurisprudencial de um tribunal para casos análogos, ou seja, é o resultado final da formação de uma construção jurisprudencial, na medida em que representa a unificação da jurisprudência. Consiste, conforme art. 102 do regimento Interno do STF, na jurisprudência assentada pelo Tribunal”.[19]
“Art. 102 do RI do STF: A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal.”
Já segundo Enéas Castilho Chiarini Júnior, as súmulas são “entendimentos firmados pelos tribunais que, após reiteradas decisões em um mesmo sentido, sobre determinado tema específico de sua competência, resolvem por editar uma súmula, de forma a demonstrar qual o entendimento da corte sobre o assunto, e que servem de referencial não obrigatório a todo o mundo jurídico”.[20]
Vê-se, pois, que a própria essência conceitual da súmula é de ausência de força cogente, isso decorre da tradição romano-germânica do Brasil, isto é, tanto a jurisprudência, quanto a súmula têm forças meramente indicativas, não havendo quanto a elas necessidade de observância obrigatória por parte das instâncias inferiores[21].
1.6. EFEITO VINCULANTE
1.6.1. ORIGEM DO EFEITO VINCULANTE NO BRASIL
Dentre os antecedentes históricos o instituto que mais se aproxima do efeito vinculante é a representação para interpretação de lei, introduzida no ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional nº 7, de 13 de abril de 1977. Referida emenda incluiu na competência originária do Supremo Tribunal Federal processar e julgar a Representação do Procurador-Geral da República destinada à interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual. Com isso, o Supremo Tribunal Federal introduziu, em seu Regimento Interno, o art. 187, que dispunham sobre o processo e o julgamento da Representação, afirmando que a partir da publicação da conclusão e da ementa do acórdão, no Diário da Justiça da União, a interpretação nele fixada teria força vinculante para todos os efeitos. Nesse instituto autoritário, revogado pela Constituição de 1988, encontra-se a raiz da expressão “vinculante”, que convertia o órgão supremo do Poder Judiciário em legislador positivo, pela interpretação, das leis e atos normativos federais e estaduais. Essa interpretação era prévia para ser aplicada aos casos concretos. O Congresso produzia a quase-lei, e a lei propriamente dita vinha da interpretação do STF.[22]
Relativamente ao efeito vinculante propriamente dito, ele foi instituído em nosso ordenamento jurídico, por ocasião da promulgação da Emenda Constitucional 03/93, cujo art. 1º alterou o art. 102 da Constituição para incluir o §2º, criando a Ação Declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo, dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante.[23]
1.6.2. NOÇÃO DE EFEITO VINCULANTE
A criação do efeito vinculante foi a solução encontrada para combater a recalcitrância dos demais poderes – sobretudo mediante a reiteração material de atos e condutas declarados inconstitucionais -, e reafirmar a preponderância institucional da jurisdição constitucional, ou seja, percebeu-se a necessidade de reforçar a eficácia das decisões prolatadas no âmbito da jurisdição constitucional, de modo que os demais poderes do Estado, inclusive os tribunais e a administração pública estivessem vinculados não só à parte dispositiva da sentença, mas também aos motivos, princípio e interpretações que lhe serviram de fundamento, privilegiando a estabilidade das relações sociais e políticas. Nesse sentido são os ensinamentos de Roger Stiefelmann Leal, nos seguintes termos:
“A sujeição dos demais poderes à Constituição e, por conseguinte, ao sentido que lhe empresta a jurisdição constitucional atua no sentido de eliminar eventuais divergências hermenêuticas, em nome dos princípios da segurança jurídica, da igualdade e da unidade da Constituição. Do mesmo modo, a sujeição das diversas autoridades do Estado à mesma solução constitucional comporta concretização do princípio da unidade da Constituição. Autoridades administrativas ou judiciais de localidades distintas estarão jungidas às mesmas razões e fundamentos, de modo que a Constituição será, na medida do possível, aplicada de idêntica forma. Sendo a Constituição a mesma, o seu conteúdo e o seu cumprimento não podem variar de acordo com a localidade, o caso ou a esfera de poder. Trata-se, portanto, de instituto que opõe obstáculos à arbitrariedade e à discriminação na aplicação da Constituição. Aos casos e controvérsias que apresentarem identidade de circunstâncias não se admitirá resolução distinta, que discrepe da orientação firmada pelos órgãos de jurisdição constitucional. Promove-se, assim, o princípio da igualdade, na medida em que os casos iguais merecerão, por parte dos demais poderes e órgãos do Estado, o mesmo tratamento constitucional: aquele dispensado no âmbito do controle jurisdicional de constitucionalidade.”[24]
Nessa mesma linha de raciocínio, Gilmar Ferreira Mendes explica:
“Como se vê, como efeito vinculante pretendeu-se conferir eficácia adicional à decisão do STF, outorgando-lhe amplitude transcedente ao caso concreto. Os órgãos estatais abrangidos estatais abrangidos pelo efeito vinculante devem observar, pois, não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isto é, que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquela objeto do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservado ou eliminado.”[25]
1.6.3. EFEITO VINCULANTE E EFEITO ERGA OMNES
No projeto de Emenda Constitucional nº 130, apresentado pelo deputado Roberto Campos, estabeleceu-se uma nítida distinção entre efeito vinculante e eficácia erga omnes (contra todos), o que acabou por repercutir direta e imediatamente na elaboração da EC nº 3 que, ao ser promulgada em 16.03.93, consagrou que “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do poder Judiciário e do Poder Executivo”.[26]
Discorrendo sobre o tema, Alexandre Sormani e Nelson Luis Santander,
explicam: “(….) se ocorre a improcedência da ação direta de inconstitucionalidade mantém-se a presunção de validade do ato normativo que poderá, a despeito do julgamento da Corte, ser questionada, como toda presunção relativa, na jurisdição constitucional difusa. Idêntico raciocínio valeria para a procedência da ação declaratória, se não houvesse o efeito vinculante”. Adiante, prossegue: “O efeito vinculante resolve um problema que surge com a simultaneidade dos critérios difuso e concentrado no sistema de fiscalização de constitucionalidade brasileiro. A sua utilização, ao vincular juízes e tribunais à decisão de mérito do supremo Tribunal Federal, obsta o controle difuso, inibindo divergências judiciais quanto à questão constitucional decidida.”[27]
Pontualmente Marcelo Novelino observa: “Apesar de serem institutos afins, a eficácia “erga omnes” e o efeito vinculante não são idênticos. A primeira se refere apenas ao dispositivo, ao passo que o segundo tem por objetivo conferir maior eficácia às decisões do STF, assegurando “força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes.”[28]
1.6.4. EFEITO VINCULANTE E SÚMULA
Roger Stiefelmann Leal ensina que apesar da aparente identidade de propósito, os dois institutos revelam, prima facie, diferenças em aspectos relevantes: “Seria a súmula vinculante resultado da reiteração de decisões num mesmo sentido, emitida após diversos pronunciamentos da Corte sumulante, sintetizados num enunciado propositivo. Por sua vez, o efeito vinculante prescinde, segundo sua formação original, de decisões reiteradas, constituindo eficácia derivada do próprio julgado, ainda que único. Ademais, o efeito vinculante não implica qualquer sumarização ou extratificação jurisprudencial. A vinculação decorrente do instituto alcança todos os fundamentos determinantes do julgado, sem o perigo das imperfeições que, não raro, recaem sobre a simplificação em verbetes ou enunciados condensadores da jurisprudência dominante.” Explica, ainda, o autor que a EC 45/04 não instituiu a súmula vinculante, mas reconheceu efeito vinculante às súmulas que observarem os requisitos estipulados pelo art. 103-A da CF, e, na eventual inobservância destes, apenas não se atribui o efeito vinculante à sumula que terá tão só efeitos morais e persuasivos.[29]
2. SÚMULA VINCULANTE
2.1. SÚMULA VINCULANTE E ASSENTOS DO DIREITO PORTUGUÊS E STARE DECISIS
2.1.1. INSTITUTO DOS ASSENTOS DO DIREITO PORTUGUÊS
Os assentos eram enunciados de uniformização de jurisprudência emitidos pelos membros da Casa da Suplicação que funcionava como Corte Superior de Portugal. Eram escritos no chamado Livro da Relação e possuíam caráter fortemente vinculador, pois os juízes ou desembargadores que decidissem em desconformidade com aqueles preceitos poderiam ser suspensos, como estava expressamente previsto nas Ordenações Manuelinas. Tal sistemática perdurou durante a vigência das Ordenações Filipinas, sendo confirmada pela Lei de 18 de Agosto de 1769, denominada Lei da Boa Razão, quando, então, foi extinta em 1822, por deliberação tomada pelos próprios membros da Mesa Grande da Relação, órgão da Casa da Suplicação que efetivamente proferia os assentos.[30]
O instituto dos Assentos Portugueses não é mais vigente, foi declarado inconstitucional por serem considerados autenticamente interpretativos, violando o Princípio da Tipicidade das Leis do sistema jurídico português[31].
Importa salientar que, segundo Glauco Salomão Leite, muito embora os assentos portugueses e as súmulas vinculantes se assemelham quanto sua finalidade – buscam conferir um tratamento uniforme a determinada questão jurídico – e estrutura normativa – são prescrições jurídicas gerais e abstratas -, são institutos que denotam diferenças consideráveis quanto a sua criação – os assentos são criados a partir de uma única decisão do Supremo Tribunal de Justiça e não pelo Tribunal Constitucional Português, enquanto que as súmulas vinculantes exigem reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal que atua Corte Constitucional – e viabilidade de revisão – os assentos não podem ser revistos pelo Tribunal que os criou, enquanto as súmulas vinculantes podem ser revistas pelo próprio Supremo Tribunal Federal e por demais legitimados previstos em lei -, com demonstra in verbis:
“As súmulas vinculantes são precedidas de um entendimento firme consolidado por parte do Supremo Tribunal Federal, que o aplicou reiteradas vezes a casos com questões jurídicas idênticas. Isso aumenta a credibilidade da jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal, pois se sabe que nela está refletida o posicionamento consistente de, no mínimo, oito de seus membros, e que foi aplicado a diversas situações pretéritas. Como o assento português somente exige uma única decisão para ser elaborado, é possível não se depositar tanta confiança no entendimento ali estabelecido, pois ele não resulta de uma aplicação reiterada e constante de casos idênticos. Sob tal aspecto, o entendimento firmado no assento, em comparação com o estabelecido na súmula, pode ser encarado como frágil e incerto”. E continua, ainda, “(…) Somada a essa diferença, aponte-se para a circunstância de que os assentos não podem ser revistos pelo próprio tribunal que os criou. Isso significa que uma eventual alteração do assento só se faz mediante atuação do Poder Legislativo, que deve elaborar uma lei suplantando a doutrina fixada no assento. Sob essas circunstâncias, na observação de Jorge Miranda, lavrar um assento seria, para o Supremo Tribunal de Justiça, tecer uma malha de onde não poderá mais tarde sair.”[32]
Discorrendo sobre o tema, André Ramos Tavares, refere outras quatro distinções entre os institutos em análise. São elas relativa à iniciativa e sua criação – os assentos resultam de recursos interpostos pelas partes interessadas, no curso de determinado processo, enquanto as súmulas pode ser editada de ofício ou por provocação de autoridades e entidades que receberam a legitimação e resultar de procedimento próprio – , ao tipo de decisão envolvida – os assentos dependiam de decisões prévias divergentes, duas, no mínimo, e as súmulas dependem de decisões prévias convergentes, em número superior a dois para formar as “reiteradas decisões” – , ao objetivo buscado – o propósito dos assentos era alcançar a uniformização da jurisprudência, enquanto as súmulas buscam diminuir o número de julgados -, e aos seus efeitos – no caso das súmulas, o efeito vinculante vai além do mero efeito erga omnes, ou força de lei, que era normalmente reconhecido para os assentos pela doutrina portuguesa.[33]
2.1.2. STARE DECISIS
No estudo da súmula vinculante se faz necessário o estudo de dois modelos de sistema jurídico: o commow law, em que prevalece o instituto dos precedentes obrigatórios do Direito norte-americano, refletido na conhecida doutrina do stare decisis, e o sistema romano-germânico (civil law), em que predomina a lei como fonte de direito, no qual se encontra o direito brasileiro. Com efeito, para se bem compreender tal distinção, André Ramos Tavares ensina:
“A discussão acerca da “súmula vinculante” pressupõe a consideração dos dois grandes modelos que se conhecem de sistemas jurídicos: modelo do direito codificado-continental –civil law – e o modelo de precedente judicial anglo-saxão – commow law. Há uma radical oposição e aparente incompatibilidade entre os modelos mencionados. Realmente, enquanto o modelo codificado (caso brasileiro) atende ao pensamento abstrato e dedutivo, que estabelece premissas normativas e obtém conclusões por processos lógicos, tendendo a estabelecer normas gerais organizadoras, o modelo jurisprudencial obedece, ao contrário, a um raciocínio mais concreto, preocupado apenas em resolver o caso particular. Este modelo do common law está fortemente centrado na primazia da decisão judicial. É, pois um sistema nitidamente judicialista, já que o direito codificado, como se sabe, está baseado, essencialmente, na lei. O chamado precedente (stare decisis) utilizado no sistema judicialista, é o caso já decidido, cuja decisão primeira sobre o tema (leading case) atua como fonte para o estabelecimento indutivo de diretrizes para os demais casos a serem julgados. A norma e o princípio jurídico são induzidos a partir da decisão judicial, porque esta não se ocupa senão da solução do caso concreto apresentado. Esse precedente, como princípio jurídico que lhe servia de pano de fundo, haverá de ser seguido nas posteriores decisões como paradigma, ocorrendo , aqui, portanto, uma aproximação com a idéia de súmula vinculante.”[34]
Sobre o ponto, explica Glauco Salomão Leite que o centro político-jurídico dos sistemas ligados à Família Romana-Germânica de Direito – civil law – é a lei, enquanto o sistema jurídico da commow law estrutura-se em torno das decisões jurisdicionais de caso concreto, influenciado pelo princípio do stare decisis que consiste na necessária aplicação ao caso sub judice da decisão tomada no caso precedente, desde que entre os dois casos existam semelhanças fátco-jurídicas substanciais.[35]
Nesse particular, Rodolfo de Camargo Mancuso esclarece que na commow law, o primeiro plano é ocupado pelo precedente judiciário, aparecendo a legislação como um posterius, enquanto isso, nos países da vertente romano germânica – civil law, como o nosso, o primado repousa na norma legal, como se extrai dos princípios: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” (CF, art. 5º, II); “Todos são iguais perante a lei (…)” (art. 5º,caput); “Não há crime sem lei anterior que o defina,nem pena sem prévia cominação legal” (CF, art. 5º, XXXiX).”[36]
Por fim, Guido Fernando Silva Soares, sucintamente os diferencia afirmando que: “A questão é de método: enquanto no nosso sistema a primeira leitura do advogado e do juiz é a lei escrita e, subsidiariamente, a jurisprudência, na Commow Law o caminho é inverso: primeiro os cases e, a partir da constatação de uma lacuna, vai-se à lei escrita.”[37]
No sistema jurídico da commow law, uma vez que a Corte decida um caso, essa decisão valerá como precedente obrigatório aos casos futuros análogos, já a súmulas vinculantes apenas podem ser editadas em procedimento próprio, e se preencherem os requisitos legais do art. 103-A da CF, dentre os quais, está a exigência da reiteração de várias interpretações em um mesmo sentido do Supremo Tribunal Federal sobre determinada matéria, ou seja, a súmula vinculante decorre de um entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, que é o órgão responsável pela interpretação jurídico-constitucional em caráter definitivo. No ponto esclarece Glauco Salomão Leite: “O dever de obediência pelas instâncias inferiores e pela Administração Pública à jurisprudência constitucional firmada pelo Supremo Tribunal Federal através de súmulas vinculantes não deve ser visto como a introdução acrítica do stare decisis, nem como a total desconsideração da lei criada por corpo legislativo. Basicamente, as súmulas se aproximam do stare decisis apenas no que tange ao caráter obrigatório e geral de uma orientação interpretativa proveniente de uma corte superior. No entanto, as súmulas vinculantes se inserem no quadro geral da jurisdição constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal, enquanto órgão que decide em caráter definitivo sobre a interpretação jurídico-constitucional. Adiante prossegue: “As súmulas não devem ser vistas como uma espécie de transposição equivocada do instituto stare decisis para o Direito brasileiro, sendo mais correto afirmar que ele serviu, no máximo, de inspiração para o instituto brasileiro. Sendo assim, é preciso identificar a súmula vinculante como um elemento adicional a fazer parte do nosso sistema de jurisdição constitucional misto, que agrega componentes do modelo difuso e do concentrado, em cujo âmbito, reitere-se, as decisões já se revestem de efeito vinculante.[38]
Mancuso ensina que “a dicotomia entre as famílias civil law/commow law hoje não é tão nítida e radical como o foi outrora, sendo visível uma gradativa e constante aproximação entre aqueles regimes: o Direito legislado vai num crescendo, nos países tradicionalmente ligados à regra do precedente judicial e, em sentido inverso, é a jurisprudência que vai ganhando espaço nos países onde o primado recai na norma legal.”[39]
2.2. EC Nº 45/2004 E A PREVISÃO DA SÚMULA VINCULANTE NO BRASILEIRO
A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, com o propósito de uniformizar a jurisprudência e pôr fim às demandas múltiplas de causas idênticas, criou a figura da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, nos termos seguintes:
“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamante, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”
Sua regulamentação veio com a Lei nº. 11.417/2006, "disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal" e que entrou em vigor somente três meses após sua publicação no Diário Oficial da União de 20 de dezembro de 2006.
2.3. REGULAMENTAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE: LEI 11.417/06
2.3.1. OBJETO DA LEI
O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão (art. 2, § 1º da Lei 11.417/06).
2.3.2. COMPETÊNCIA
Conforme art. 103-A da Constituição Federal, a competência para a edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante é exclusiva do Supremo Tribunal.
2.3.3. NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO DE EDIÇÃO, REVISÃO OU CANCELAMENTO DA SÚMULA VINCULANTE
Segundo Leonardo Vizeu Figueiredo, da análise dos dispositivos legais, depreende-se que se trata de procedimento de competência originária do Supremo Tribunal Federal, de natureza objetiva, uma vez que versará, exclusivamente, sobre a validade, interpretação e eficácia de normas jurídicas em face do texto constitucional. Sobre o assunto, ainda sustenta que:
“Em que pese haver a possibilidade de manifestação de terceiros, não há que se falar em discussão sobre interesses pessoais, uma vez que o Pretório Excelso limitar-se-á, tão-somente, a objetivar a fundamentação de seus julgados exercida em sede de controle difuso de constitucionalidade ou no exercício de sua competência originária (quando se tratar de matéria constitucional), nos termos estabelecidos no art. 102 da CRFB, a ser compendiada nos enunciados vinculantes que compõe sua súmula.”[40]
2.3.4. LEGITIMIDADE
O art. 103-A, § 2º, da CF preceitua que as súmulas vinculantes poderão ser aprovadas, revisadas ou canceladas por proposta de qualquer dos co-legitimados para o ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade (os mesmos da ADC), ou seja, pelo Presidente da República, Mesa da Câmara de Deputados, Mesa do Senado Federal, Governadores de Estado ou do Distrito Federal, Mesa das assembléias legislativas ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Procurador-Geral da República, partido político com representação no Congresso Nacional, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional. Em 2006, surge a Lei nº 11.417 que regulamenta a súmula vinculante e em seu art. 3º amplia o rol de co-legitimados, estendendo essa faculdade ao Advogado-Geral da União, à Mesa do Congresso Nacional, ao Defensor Público-Geral da União, ao Procurador-Geral de Estado ou do Distrito Federal, ao Procurador Geral de Justiça do Ministério Público de Estado ou do Distrito Federal e Territórios, ao Defensor Público-Geral de Estado ou do Distrito Federal e Territórios, aos Tribunais Superiores, aos Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, aos Tribunais Regionais Federais, aos Tribunais Regionais do Trabalho, aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos Tribunais Militares e, por fim, ao Município, porém, este somente poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte. (Art. 103-A da CF c/c o art. 3º da Lei 11.417/06).
2.3.5. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
O relator do processo poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 3º, §2º, da Lei 11.417/06). Tal abertura para estranhos ao processo de edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante teve início com a lei de Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade (Lei 9.868/99), com a institucionalização do amicus curiae (terceiros que devem ser compreendidos como participantes ou colaboradores.[41]
2.3.6. PARTIICIPAÇÃO DO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA
O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, manifestar-se-á previamente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante (Art. 2º, § 2o da Lei 11.417/06).
2.3.7. REQUISITOS PARA A EDIÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE
Para fundamentar o pedido de edição da súmula vinculante, o legitimado deve demonstrar que: a) a matéria a ser sumulada é de cunho eminentemente constitucional[42]; b) há reiteração de decisões idênticas; c) há controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre estes e a Administração; d) a situação acarreta grave insegurança jurídica; d) a situação redunde multiplicação de processos idênticos. E, para os casos de processo deflagrado por Município: e) haja processo judicial em curso no qual o Município seja parte e discuta, incidentalmente, o tema que será objeto principal do processo de súmula vinculante[43].
2.3.8. SUSPENSÃO DOS PROCESSOS
Ressalta-se que a proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que se discuta a mesma questão (art. 6º da Lei 11.417/06).
2.3.9. APROVAÇÃO, REVISÃO OU CANCELAMENTO
O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, em sessão plenária, aprovar, revisar ou cancelar súmula vinculante (art. 103-A da CF e art. 2º, § 3º, da Lei 11.417/06).
2.3.10. EFEITOS DA SÚMULA VINCULANTE
As súmulas vinculantes aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal terão, a partir de sua publicação na imprensa oficial, efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública Direta e Indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (Art. 2o da Lei 11.417/06 e art. 103-A da CF).
Pela exegese do art. 103-A da CF e dos arts. 2o e 4º da Lei 11.417/06, as súmulas vinculantes, em regra terão eficácia imediata[44], admitindo-se, porém, a modulação ou limitação temporal de seus efeitos pelo STF, por decisão de 2/3 dos seus membros, que poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.
Sobre a extensão subjetiva da eficácia das súmulas vinculantes, observa Pedro Lenza: “a vinculação repercute somente em relação ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder Judiciário, não atingindo o Legislativo, sob pena de se configurar o “inconcebível fenômeno da fossalização da Constituição”, conforme anotado pelo Ministro Peluzo na análise dos efeitos da ADI (Rcl 2617, Inf. 386/STF), nem mesmo em relação ao próprio STF, sob pena de inviabilizar, como visto, a possibilidade de revisão e cancelamento de ofício pelo STF e, assim, a adequação da súmula à evolução social.”[45]
2.3.11. PUBLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA VINCULANTE
No prazo de 10 dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar enunciado de súmula com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, o enunciado respectivo (art. 2, § 4º da lei 11.417/06).
2.4. RECLAMAÇÃO: DESCUMPRIMENTO DAS SÚMULAS VINCULANTES
Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal – sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação – que se julgar procedente anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida, com o sem a aplicação da súmula, conforme o caso (Art. 7o, caput e § 2º, da Lei 11.417/06 c/c art. 103-A, § 3º, da CF).
1.4.1. DUPLA MOTIVAÇÃO
A Lei 11.417/06 em se art. 8º ao prever que “se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso”, instituiu no processo administrativo o mecanismo da dupla motivação do órgão decisório que supostamente contrariou (ou descumpriu) o enunciado da súmula vinculante. Sobre o tema, nos esclarece André Ramos Tavares, in verbis:
“Assim, no âmbito do processo administrativo federal (âmbito de aplicação da Lei 9.784/1999), se houver, na visão do interessado, descumprimento (a lei fala, aqui, em contrariar) de súmula vinculante pelo órgão decisório, este interessado poderá provocar uma demanda de reforço argumentativo, obrigando o centro decisório a explicar as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula”. Logo, não bastará, no âmbito administrativo, motivar a decisão; será necessário motivar os motivos, expor as razões pelas quais foi adotado determinado entendimento (supostamente contrário à súmula), e não outro (sempre que o órgão prolator da decisão impugnada pretender mantê-la).” Adiante prossegue: “O que fez a LSV, alterando a Lei do processo administrativo, federal, foi reconhecer a possibilidade de desacordo (entre a instância administrativa e interessado) acerca do cumprimento da súmula em determinado caso concreto. Esse desacordo ocorre no mesmo nível em que ocorre quanto á incidência das leis em geral. Não se trata de um problema de setorização, próprio da súmula. È discussão que pode relacionar-se à interpretação e à compreensão do âmbito de incidência (pessoal, espacial, temporal e material, cf. TAVARES, 2007: 164-5) da súmula vinculante. Assim, sem admitir a fraqueza (real e presente) da súmula vinculante, a Lei impõe o ônus argumentativo para as situações nas quais seja a súmula invocada como aplicável, contra decisão que supostamente a descumpre.”[46]
Nessa mesma linha de raciocínio, dispõe o art. 9º da Lei 11.417/06 quando determina que “Se o recorrente alegar violação de enunciado da súmula vinculante, o órgão competente para decidir o recurso explicitará as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.”
1.4.2. CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Em se tratando de omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas (art. 7º, § 1º da Lei 11.417/06). André Ramos Tavares observa que a lei estabeleceu o contencioso administrativo obrigatório mitigado (prévio esgotamento administrativo), como explica, in verbis:
“A reclamação constitucional tem como órgão originalmente competente para sua apreciação o próprio STF, e como hipótese de cabimento – entre outras que aqui não interessam – o descumprimento de súmula vinculante. Quando, porém, essa reclamação por descumprimento se der em relação a ato ou omissão da Administração Pública, exige-se do interessado o esgotamento prévio das vias administrativas. Diz-se, contencioso mitigado, porque a exigência de esgotamento aplica-se exclusivamente à reclamação por descumprimento de súmula vinculante, não para as demais medidas judiciais cabíveis. O interessado poderá propor mandado de segurança, ou, qualquer outra medida judicial, imediatamente. Apenas no caso de optar pela reclamação é que deverá atender ao requisito do prévio esgotamento de instância administrativa.”[47]
A respeito, observa Pedro Lenza: “Trata-se de instituição, por parte da lei, de contencioso administrativo atenuado e sem violar o princípio do livre acesso ao Judiciário (art. 5º, XXXV), na medida em que o que se veda é somente o ajuizamento da reclamação e não de qualquer outra medida cabível, como a ação ordinária, o mandado de segurança, etc.”[48]
1.4.3. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO ADMINISTRADOR PÚBLICO
Preceitua o art. 64-B da Lei 9.784/99, com nova redação dada pela Lei 11.417/06, que “Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal”.
1.4.4. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Por fim, o art. 10 da LSV determina a aplicação subsidiária do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal ao procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante.
2.5. DEFINIÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE
Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso, súmula vinculante é “a potencialização da eficácia das súmulas do STF, as quais, até a EC 45/2004 (CF, art. 103-A e parágrafos) tinham força tão só persuasiva perante os órgãos jurisdicionais brasileiros, além do efeito de dispensarem, perante o STF, ‘a referência a outros julgados no mesmo sentido’ (RISTF, § 4º, do art. 102).”[49]
Súmulas vinculantes são “a possibilidade de construção de enunciados por parte da Corte que sintetizem o entendimento já consolidado do STF sobre a matéria constitucional, iluminando operações judiciais posteriores com a expectativa de que esse entendimento seja seguido por todas demais instâncias judiciais e pela Administração Pública (TAVARES, 2005:230), sob pena de invalidação do ato contrário e responsabilizações.”[50]
Para Roger Stiefelmann Leal, a súmula vinculante seria resultado da reiteração de decisões num mesmo sentido, emitida após diversos pronunciamentos da Corte sumulante, sintetizados num enunciado propositivo que alcança todos os fundamentos determinantes do julgado.[51]
Pela exegese do art. 103-A da CF, poder-se afirmar que súmulas vinculantes são enunciados de cunho eminentemente constitucional proferidos pelo Supremo Tribunal Federal sobre a validade, interpretação e eficácia de normas determinadas, que têm força obrigatória perante os demais órgãos do Judiciário e da Administração Pública.
2.6. NATUREZA JURÍDICA DAS SÚMULAS VINCULANTES
Para Calmon de Passos a súmula vinculante é típica atividade jurisdicional, partindo do pressuposto que a vinculação ou o efeito vinculante é inerente às decisões judiciais proferidas pelos Tribunais, em especial pelo Supremo Tribunal Federal, chegando a afirmar que ‘falar-se em decisão de tribunal superior sem força vinculativa é incidir-se em contradição manifesta’. Em sentido oposto, Mônica Sifuentes entende que a súmula vinculante é ato normativo do Poder Jurisdicional, sob o fundamento que a diferença entre ato jurisdicional e ato normativo está na capacidade de extrapolar as fronteiras do caso concreto, apresentando-se no ordenamento jurídico com as características da generalidade e da abstração, dotado de congência[52].
2.7. SÚMULAS VINCULANTES JÁ EDITADAS
Súmula nº 1: "Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar nº 110/2001." Data de aprovação: 30/05/2007.
A edição da súmula vinculante nº 1 trata da validade de acordo para recebimento de recursos do FGTS e foi aprovada por unanimidade. Ela impede que a Caixa Econômica Federal (CEF) seja obrigada, judicialmente, a pagar correções relativas a planos econômicos sobre o FGTS nos casos em que o banco já tenha feito acordo prévio com o correntista.
Destinou-se a impedir a quantidade de recursos, que podia chegar a trinta milhões. Esse é o número de brasileiros que, segundo o Ministro Gilmar Mendes, fizeram acordo com a Caixa Econômica Federal, como previsto pela Lei Complementar nº 110, de 2001, para o recebimento, em parcelas, das diferenças relativas aos pagamentos feitos a menor das correções monetárias expurgadas e relativas ao Plano Verão (42,72%), em janeiro de 1989, e ao Plano Collor (44,80%), em abril de 1990.
Súmula nº 2: "É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias". Data de aprovação: 30/05/2007.
A edição da súmula vinculante de nº 2 declara a inconstitucionalidade de lei estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias. Decisões reiteradas do Supremo determinam que é de competência privativa da União legislar sobre o tema.
Súmula nº 3: "Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão". Data de aprovação: 30/05/2007.
A edição de súmula vinculante de nº 3 trata do direito de defesa em processo administrativo que tramita no Tribunal de Contas da União (TCU). A anulação, pelo Tribunal de Contas da União, ou por qualquer tribunal de contas, de ato administrativo que tenha beneficiado alguém e que acarreta decréscimo patrimonial para o antigo beneficiário, constitui processo em que a Constituição exige ampla defesa e contraditório.
Súmula nº 4: Salvo nos casos previstos na constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial. Data de aprovação: 30/04/2008.
A edição da súmula vinculante de nº 4, do STF, passou a vedar a utilização do salário mínimo como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado e tornou, por conseqüência, inconstitucional o artigo 192, da CLT.
Súmula nº 5: A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição. Data de aprovação: 07/05/2008.
A edição da súmula vinculante de nº 5 trata da defesa técnica no PAD. Entenderam que, no PAD, a presença do advogado é uma faculdade de que o servidor público dispõe, que lhe é dada pelo artigo 156 da Lei 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos), não uma obrigatoriedade. Exceções seriam o caso de servidor que, submetido a tal processo, se encontre em lugar incerto e não sabido, caso em que cabe ao órgão público a que pertence designar um procurador; e, ainda, o fato de o assunto objeto do processo ser muito complexo e fugir à compreensão do servidor para ele próprio defender-se. Neste caso, se ele não dispuser de recursos para contratar um advogado, cabe ao órgão público colocar um defensor a sua disposição.
Importante destacar que o Conselho Federal da OAB apresentou proposta de cancelamento da Súmula Vinculante nº 5 ao STF, nos seguintes termos:
“Na proposta, a entidade afirma que a referida súmula contraria o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa, uma vez que a aplicação de qualquer penalidade a servidor público, efetivo ou não, deve ser antecedida de processo administrativo disciplinar. Inicialmente, a OAB alega que o procedimento de edição da referida súmula não observou os pressupostos exigidos pela Constituição Federal para a aprovação de súmula com efeito vinculante. Segundo a entidade, além de não existirem reiteradas decisões no sentido do enunciado, há inclusive decisões do STF que apontam para direção diametralmente oposta à contida na Súmula 5. A entidade cita, ainda, a súmula 343 do STJ, que considerava obrigatória a presença do advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar. No mérito, a entidade questiona a legalidade do enunciado, por violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Para a OAB, a demissão do servidor estável só pode ocorrer em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou de processo administrativo em que lhe sejam possibilitadas as garantias constitucionais. "A inobservância do processo adequado ao caso e o cerceamento do direito de defesa geram – pela extrema gravidade de que se reveste esse procedimento ilícito da Administração Pública – a nulidade do ato punitivo", afirma a entidade na proposta assinada pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, e pelo conselheiro federal pelo Paraná, Romeu Felipe Bacellar Filho. A proposta de cancelamento da súmula foi originalmente feita pelo vice-presidente nacional da OAB, Vladimir Rossi Lourenço e aprovada pelo Pleno da OAB Nacional, em sua sessão de junho último. Ao final da proposta, a OAB requer o cancelamento da Súmula 5 do STF pela ausência dos pressupostos exigidos constitucionalmente para a edição de súmulas com efeito vinculante e pelo fato de que seu conteúdo contraria o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa.“[53]
Súmula nº 6: “Não viola a constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.” Data de aprovação: 07/05/2008.
A edição da súmula vinculante nº 6 se refere à decisão sobre o pagamento de valor inferior ao salário mínimo para os jovens que prestam serviço militar obrigatório. Grande discussão vinha sendo travada sobre a questão do pagamento inferior ao salário mínimo para os praças prestadores de serviço militar.
A decisão do STF foi baseada em parâmetros como os afirmados pelo ministro Lewandowsky no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 570177, quando informou que "praças que prestam serviço militar inicial obrigatório não tinham, como não têm, o direito a remuneração, pelo menos equivalente, ao salário mínimo em vigor, afigurando-se juridicamente inviável classificá-los, por extensão, como trabalhadores na acepção que o inciso IV do artigo 7º da Carta Magna empresta ao conceito. […] os militares se submetem a um regime jurídico próprio que não se configura com os servidores públicos civis. […] nem os constituintes originários nem os derivados animaram-se em fazê-lo ao editar a EC n.º 19 de 1998". O ministro disse, ainda, que o regime de servidores militares é tão distinto daquele de servidores civis que eles são impedidos de fazer greve e não podem, sequer, ter filiação partidária.
Súmula nº 7: “A norma do §3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela emenda constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar.” Data de aprovação: 11/06/2008.
A edição da súmula vinculante de nº 7 tem o mesmo texto da Súmula 648, editada em 2003 pelo STF, e diz que o parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal, um dispositivo que já foi revogado e que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tem sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.
Súmula nº 8: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do decreto-lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.” Data de aprovação: 12/06/2008.
A edição da súmula vinculante de nº 8 declarou a inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212/91, que previam, respectivamente, prazos decadencial e prescricional de dez anos para as contribuições devidas à Seguridade Social. O fundamento da decisão foi que lei ordinária não pode dispor sobre prazos de decadência e prescrição de tributo, questões reservadas à lei complementar (art. 146, III, "b", da Constituição Federal). Portanto, para a decadência do direito à constituição dos créditos tributários, inclusive das contribuições previdenciárias, o prazo é de cinco anos, a teor dos arts. 150, § 4º e 173, I, ambos da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), recepcionada pela CF/88 como lei complementar.
Súmula 9: “O disposto no artigo 127 da lei nº 7.210/1984 (lei de execução penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58.” Data de aprovação: 12/06/2008.
A Súmula vinculante nº 9 diz respeito à perda de dias remidos por falta grave e a constitucionalidade do artigo 127, da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84). A cada três dias trabalhados, o preso tem direito ao desconto de um dia da pena a que foi condenado. Esses dias premiados pelo trabalho são chamados de remidos (remição) e, pelo artigo 127 da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84), são perdidos ou desconsiderados quando o condenado comete falta grave. Um novo período passará a ser contado a partir da data da infração disciplinar. O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) já julgou o assunto e determinou a constitucionalidade do artigo 127, da Lei de Execuções Penais (LEP).
Súmula nº 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.” Data de aprovação: 18/06/2008.
A súmula vinculante de nº 10 homenageia o princípio constitucional da reserva de plenário que está disposto no artigo 97 da CF/88 (Art. 97: “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”).
Ficou estipulado na súmula que, por mais que não seja declarada a inconstitucionalidade de maneira expressa, não pode um órgão fracionário dos tribunais afastar a incidência, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo. Tal decisão apenas será possível pela maioria absoluta dos membros, ou dos membros do órgão especial.
Súmula nº 11: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. Data de aprovação: 13/08/2008.
A súmula vinculante nº 11 consolidou jurisprudência da Corte no sentido de que o uso de algemas somente é lícito em casos excepcionais e prevendo a aplicação de penalidades pelo abuso nesta forma de constrangimento físico e moral do preso. É certo dizer que súmula consolida entendimento do STF sobre o cumprimento de legislação que já trata do assunto: inciso III do artigo 1º da Constituição Federal (CF); de vários incisos do artigo 5º da (CF), que dispõem sobre o respeito à dignidade da pessoa humana e os seus direitos fundamentais, bem como dos artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal (CPP) que tratam do uso restrito da força quando da realização da prisão de uma pessoa. Além disso, o artigo 474 do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.689/08, dispõe, em seu parágrafo 3º.
Sumula nº 12: “A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal.” Data de aprovação: 13/08/2008.
A súmula vinculante nº 12 trata do direito constitucional de educação. O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a Constituição Federal já obriga que a União aplique 18% de tudo que é recolhido com impostos na educação. Com isso, as despesas apontadas no recurso com alunos carentes, como bolsa, transporte, alimentação, são atendidos por esses recursos públicos. Ademais, lembrou o pensamento do ministro Joaquim Barbosa, de que a cobrança de taxa de matrícula é uma verdadeira triagem social baseada na renda, principalmente lembrando que a matrícula “é uma formalidade essencial para ingresso na universidade”. Frisou que o direito à educação é uma das formas de realização concreta do ideal democrático, para quem a política pública mais eficiente para alcançar esse ideal é a promoção do ensino gratuito, da educação básica até a universidade. Não é factível que se criem obstáculos financeiros ao acesso dos cidadãos carentes ao ensino gratuito, concluiu Lewandowski.
Súmula nº 13: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da união, dos estados, do distrito federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.” Data de aprovação: 21.08.2008.
A súmula vinculante de nº 13 veda o nepotismo nos Três Poderes, no âmbito da União, dos Estados e dos municípios. O dispositivo tem de ser seguido por todos os órgãos públicos e, na prática, proíbe a contratação de parentes de autoridades e de funcionários para cargos de confiança, de comissão e de função gratificada no serviço público. A súmula também veda o nepotismo cruzado, que ocorre quando dois agentes públicos empregam familiares um do outro como troca de favor. Ficam de fora do alcance da súmula os cargos de caráter político, exercido por agentes políticos.
3. ASPECTOS POLÊMICOS DA SÚMULA VINCULANTE
3.1. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS Á SÚMULA VINCULANTE
3.1.1. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Considerando que as súmulas vinculantes são enunciados de um entendimento consolidado por parte do Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Lei Suprema – a Constituição Federal -, eventual desrespeito a tais enunciados configura inaceitável violação da própria ordem constitucional, com como bem alude Roger Stiefelmann Leal: “Contrariar a interpretação firmada por tais órgãos é, em última análise, descumprir a Constituição, pois a eles cabe, por indelegável atribuição constitucional, dar a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos demais atos dos poderes públicos em geral. Inverte a lógica constitucional pretender suportar interpretação diversa da conferida pelo intérprete máximo da Constituição.”[54]
Nesse particular, observa Rodolfo Camargo Mancuso:
“A jurisprudência assentada no Tribunal ad quem perderia sentido se não exercesse natural ascendência sobre a instância a quo, nada havendo, aí que deslustre a atuação desta última. (…) Pois justamente, o fato de os graus de jurisdição estarem organizados numa estrutura piramidal, tendo à base os órgão singulares, na faixa intermediária os colegiados locais e regionais e na cumeeira os Tribunais Superiores ou da Federação, é que torna viável a pré-fixação de enunciados obrigatórios por estes últimos, porque lhes compete dar a última palavra: Sobre matéria constitucional (STF) ou infraconstitucional, seja em direito federal comum (STJ) ou especial (TST, STM, TSE). De resto, no plano prático, considerando-se que os Tribunais Superiores operam como instância final, revisora ou de cassação, seria inútil à parte sucumbente sustentar junto a eles tese dissonante dos enunciados assentados, assim como, inutilmente, os Tribunais locais/regionais prolatariam acórdãos divergentes de tal jurisprudência sumulada nos órgãos de cúpula, já que tais recursos e tais decisões seriam, respectivamente rejeitados e reformadas. O que, aliás, bem se compreende, porque a instância judiciária ad quem é a maior interessada em prestigiar o seu próprio direito sumular. Todo esse contexto ficou exacerbado com a criação (rectius: ampliação), pela EC 45/2004, da Súmula vinculante, porque a decisão que não a aplicar, ou aplica-la indevidamente, ficará sujeita à reclamação dirigida ao STF que, acolhendo-a, cassará a decisão rebelde, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da Súmula, conforme o caso (§ 3º do art. 103-A).”[55]
Sobre o tema, Gilmar Ferreira Mendes ensina: “Ora, se ao Supremo Tribunal federal compete, privativamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a interpretação do texto constitucional por ele fixada deve ser acompanhada pelos demais tribunais, em decorrência do efeito vinculante outorgado à sua decisão. Não se pode diminuir a eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal com a manutenção das decisões divergentes. Contrariamente, a manutenção de soluções divergentes, em instâncias inferiores, sobre o mesmo tema, provocaria, além da desconsideração do próprio conteúdo da decisão desta corte, última intérprete do texto constitucional, a fragilização da força normativa da Constituição.”[56]
3.1.2. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA SEGURANÇA JURÍDICA
A súmula vinculante, além de prestigiar o princípio constitucional da isonomia – quando refuta inaceitável que se dê tratamento diferenciado, com base na mesma lei, a pessoas em situações jurídicas idênticas, evitando com isso o risco da contradição prática entre os julgados acerca de um mesmo assunto -, está, ao mesmo tempo, garantindo previsibilidade, segurança jurídica ao jurisdicionados, como bem explica André Ramos Tavares: “Há riscos, é claro. Mas igualmente não há como deixar de assumi-los, na busca de um sistema que se baseie menos na sorte (loteria de pensamentos jurídicos divergentes em relação a temas largamente debatidos) e mais na previsibilidade, própria da finalidade que se atribui ao e que justifica o Direito.[57]”
Em linha consonante, pondera José Maria Rosa Tesheiner: “É um escândalo que a vitória ou a sucumbência da parte se determine pela sorte, conforme a distribuição de seu processo se faça a esta ou àquela Câmara. Se todos são iguais perante a lei (CF, art. 5º), não se concebe que o Tribunal trate uns diferentemente dos outros, em identidade de circunstância.”[58]
No ponto, Alexandre de Moraes explica: “As súmulas vinculantes surgem a partir da necessidade de reforço à idéia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, de maneira a assegurar-se a segurança jurídica e o princípio da igualdade, pois os órgãos do Poder Judiciário não devem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, devendo, pois, utilizar-se de todos os mecanismos constitucionais no sentido de conceder às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária.”[59] Nesse mesma linha de pensamento, observa Pedro Lenza que a súmula vinculante irá estabelecer segurança jurídica, prestigiando o princípio da isonomia, já que a lei deve ter aplicação e interpretação uniforme”.[60]
3.1.3. DESCONGESTIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO
As súmulas vinculantes, segundo a Ministra Ellen Gracie Northfleet, acabariam com ações repetitivas, onde, embora diversas as partes e seus patronos, a lide jurídica é sempre a mesma. São causas que se contam aos milhares em todo o país e que dizem respeito a matérias exclusivamente discutidas e de há muito pacificadas pela jurisprudência[61]. Afirma ainda que: “é fato inconteste que a Administração, em suas diversas esferas (…) tantas vezes insiste em ignorar interpretação reiterada do Supremo Tribunal Federal, e com tal proceder obriga o cidadão a intentar mais uma das milhares de causas idênticas que congestionam os serviços forenses, retirando-lhes a agilidade necessária para o enfrentamento de questões novas e urgentes”.[62]
A propósito, o ex-Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, afirmou que "efetivamente, a melhor solução para a questão da sobrecarga de trabalho repetitivo nas Cortes Superiores parece residir na adoção de mecanismos de extensão de efeitos das decisões consolidadas do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, desde que se estabeleçam normas claras para revisão do entendimento eventualmente fixado. Ao contrário do que se afirma, o efeito vinculante pode se constituir em grande instrumento de democratização de Justiça à medida que permite a equalização de situações jurídicas independentemente da qualidade de defesa ou da situação peculiar de um outro litigante. Basta pensar na recente extensão dos 28% de reajuste a todo o funcionalismo federal, feita pelo Governo com base em decisão do Supremo Tribunal Federal. Quantos teriam que aguardar anos a fio para receber a vantagem, sujeitos a inúmeros percalços que poderiam inclusive comprometer o sucesso da demanda, e, com o efeito vinculante, já conseguem uma justiça pronta! Por isso, o Governo apóia a Proposta de Emenda Constitucional que está atualmente sendo apreciada pela Câmara dos Deputados, que atribui efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional.”[63]
Afirma o ministro Celso de Mello que as súmulas vinculantes irão reduzir o grande volume processual que afeta o movimento dos tribunais, especialmente o STF. Aliás, como bem ressalta: “O excessivo volume processual gera uma crise de funcionalidade, e uma crise de funcionalidade culmina por afetar a própria credibilidade das instituições da República”.[64]
Lênio Luiz Streck relata que “a enorme quantidade de processos versando sobre matéria idêntica no STF e nos Tribunais Superiores, conforme dados estatísticos, gera insatisfação e perda de legitimidade do Poder Judiciário. Diante de tal situação, é bastante razoável a criação da súmula com efeito vinculante (…).”[65]
Segundo Marcelo Dias Aguiar: “A principal tese dos defensores da súmula vinculante, e com muita robustez, é a da lentidão devido ao congestionamento do poder judiciário. Como se sabe, diariamente a justiça fica mais abarrotada de processos, tendo essa quantidade aumentada, a cada dia que passa, consideravelmente. Como denota-se, essa lentidão é um infortúnio na vida do cidadão que busca sua paz social através do judiciário. Muitas vezes, devido ao excesso de recursos nos nossos ordenamentos processuais, muitas vezes um processo dura uma eternidade, exemplo claro disso é um recente julgamento de uma ação popular contra o ex-prefeito Paulo Maluf, ação esta proposta ainda no início da década de 70, sendo que só transitou em julgado 36 (trinta e seis) anos depois, ou seja, em 03 de abril de 2006”.[66]
Aliás, sobre esse aspecto, observa Pedro Lenza que a súmula vinculante vai contribuir para, ao lado de tantas outras técnicas, concretizar a garantia constitucional da razoável duração do processo, insculpido no art. 5º, LXXVIII, da CF, que também foi introduzido pela Reforma do Poder Judiciário.[67]
Por fim, aduz Leonardo Vizeu Figueredo que o instituto da súmula vinculante é um instrumento de importante inovação que tem como finalidade garantir o respeito à segurança jurídica e a celeridade processual, e como corolário a missão de resgatar a credibilidade do poder Judiciário perante a sociedade.[68]
3.2. CRÍTICAS ÀS SÚMULAS VINCULANTES
3.2.1. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCIPIO DA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES
A súmula vinculante atritaria com o princípio da separação dos poderes insculpidos nos arts. 2º e 60, § 4º, da Constituição Federal, por possuir característica de norma geral e abstrata, o que configuraria verdadeira usurpação da função típica de legislar, própria do Poder Legislativo, gerando indevida concentração de poder na cúpula do Poder Judiciário, o que acarretaria uma verdadeira “ditadura judiciária”. Ademais, na medida em que a súmula aprovada é produto final de interpretação e aplicação a respeito de lei promulgada, se investiria de características de “superlei”, configurando uma verdadeira sobreposição de poderes, na qual o STF ostentaria posição superior até mesmo em relação ao Poder Legislativo.[69]
Pontualmente explica Mancuso: “Quando a jurisprudência assente nos Tribunais vem a operar como precedente genérico para a solução dos casos assemelhados, não há como negar que ela passa a atuar, na prática, como fonte criadora de direito ou como uma de suas formas de expressão, já que dotada dos quesitos de abstração, generalidade e impessoalidade, assim oponível aos jurisdicionados como ao próprio Estado.”[70]
Nesse sentido, a lição de Luiz Flávio Gomes:
“As súmulas vinculantes conflitam com o princípio da separação dos Poderes (art. 2º e art. 60, § 4º, inc. III), visto que o Judiciário não pode ditar regras gerais e abstratas, com validade universal (non exemplis sed legibus judicatum est), falta-lhe legitimação democrática para isso.”[71]
Sobre a matéria, afirma a Presidente da ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Maria Helena Mallmann Sulzbach, que o efeito vinculante "…significa alterar o princípio constitucional que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art. 5º, inc. II, da CF/88), cláusula pétrea não passível de alteração pelo poder constituinte derivado. Materializando a interpretação obrigatória que deve ser dada à lei, a súmula com efeito vinculante gera efeito que nem a lei provinda do Parlamento tem capacidade de produzir. Torna-se uma superlei, concentrando no Judiciário poderes jamais concedidos sequer ao poder constituinte originário, o qual não pode impor interpretação obrigatória às normas que disciplinam as relações sociais. A possibilidade de edição de súmula com efeito vinculante pelos tribunais de cúpula significa atribuir a esses competência de cassação e afirmação das normas, com evidente fragilização do Poder Legislativo e, acima de tudo, subtração de sua prerrogativa formal de legislar." (Matéria "Efeito vinculante: prós e contras", em especial sobre a Reforma do Judiciário na Revista Consulex nº 3 de 31/3/1997).[72]
Por fim, Incisivamente afirma Ricardo Carvalho Fraga: "A súmula vinculante aparece com novidades nunca antes vistas tais como: 'cassará a decisão judicial' e 'determinará que outra seja proferida'. Adiante prossegue: “Na verdade, revela-se com nitidez impecável que o objetivo é exatamente a concentração de poderes nas cúpulas do Poder Judiciário".[73]
3.2.2. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E SUA INDEPENDÊNCIA
Alexandre Sormani e Nelson Luis Santander anotam, a respeito: “alguns entendem que a adoção da súmula vinculante atingiria um dos valores mais caros ao Estado Democrático de Direito: a independência dos juízes. Para eles, os limites do exercício da função jurisdicional deveriam ser, somente, a lei e a consciência jurídica da cada julgador, a qual é formada a partir da atividade interpretativa, que é de natureza irrenunciável. A súmula vinculante, neste contexto, pelo seu caráter de obrigatoriedade, tripudiaria sobre este valor.”[74]
Aduz Sílvio Nazareno Costa: “Amplos setores do Judiciário e da doutrina levantam-se contra a supressão da liberdade de entendimento do juiz, em face da necessária adesão ao enunciante vinculante. A independência é garantia constitucional de que o Magistrado não sofrerá ingerências, de qualquer origem e natureza, sobre sua atividade judicante. Vale dizer: é a garanta de que decidirá sozinho. Qualquer que seja sua origem ou natureza, a interferência sobre o livre convencimento não encontra amparo na Constituição. Não há imparcialidade sem independência e não pode se conceber um Judiciário hierarquizado como exército.”[75]
No ponto, pondera Urbano Ruiz que "….nos termos do artigo 10 das Declarações da ONU, uma nação é tida como democrática na medida em que tem juízes livres, independentes. Isso não mais ocorreria a partir das súmulas, porque o magistrado não mais teria a liberdade de decidir. Os tribunais superiores já teriam feito isso por ele. Estaria suprimido, ainda, o duplo grau de jurisdição, porque as decisões se concentrariam nas cúpulas, que com antecedência tenham definido a solução do conflito."[76]
3.2.3. POSSVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ
As súmulas vinculantes violariam o princípio do livre convencimento do juiz, na medida em que lhes impõem sujeição as suas diretrizes, ferindo a norma que lhes garante a livre formação do seu convencimento, devendo, apenas, obediência à lei e à observância dos ditames de sua consciência e convicção, pois, do contrário, restaria suprimida garantia do livre convencimento do juiz.[77]
Nesse sentido, observa Zuenir de Oliveira Neves: “Notória a insubordinação da Súmula de efeito vinculante a tal princípio, haja vista a possibilidade de se chegar a uma decisão sem análise adequada das provas, vez que cabível a simples indicação de súmula de determinado Tribunal no sentido da decisão recorrida, ou um mero despacho indeferindo a inicial. Essa possibilidade de escassa fundamentação, ao violar o princípio em comento, fere, em verdade, norma constitucional originária, pois entra em conflito com a garantia do Devido Processo Legal.[78]
Pertinente também o argumento de Enéas Castilho Chiarini Júnior: “Nota-se, facilmente, que a garantia ao livre convencimento do juiz é impraticável em face ao efeito vinculante, uma vez que, caso seja adotado este efeito vinculativo das súmulas dos tribunais, o juiz mesmo que convencido do contrário, deverá decidir a lide da forma que foi previamente estabelecido pelos Tribunais Superiores, estando vinculado à decisão sumulada.”[79]
3.2.4. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Parcela da doutrina, considerando a previsão na Constituição Federal em vigor, no rol dos direitos e garantias fundamentais, de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, inciso II), cláusula pétrea não passível de alteração pelo poder constituinte derivado, aliado à adoção do sistema jurídico civil law pelo ordenamento pátrio, que concebe ser a lei a única fonte de direito, atribuindo a jurisprudência um papel secundário, entende que as súmulas vinculantes violam o princípio da legalidade insculpido no art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988, na medida em que os juízes apenas têm o dever de obediência à lei, não podendo se submeter às diretrizes oriundas do comando contido na súmula vinculante.”[80]
A Associação dos Magistrados Brasileiros em apoio ao “Ato Público contra a súmula vinculante”, realizado em São Paulo, enviou nota expondo que a partir do momento em que se exige a obediência às súmulas vinculante, estas teriam caráter de lei e, por via de conseqüência, a sociedade passaria a ser regida não somente pelas leis, mas também pela jurisprudência sumulada, ferindo diretamente o princípio insculpido no art. 5º da Constituição Federal segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”[81]
3.2.5. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Considerando que o duplo grau de jurisdição consiste num princípio que garante à parte integrante do processo o direito de revisão do julgado que lhe foi desfavorável, sendo efetivo instrumento de controle da justiça e da legalidade da decisão a quo, é evidente a desarmonia entre a súmula vinculante e o princípio do duplo grau de jurisdição, já que, estando o juiz de primeiro grau vinculado a enunciado vinculante, a sentença estará, obrigatoriamente, de acordo com a decisão do tribunal superior, implicando verdadeira supressão do primeiro grau de jurisdição e, por via de conseqüência, inviabilizando às partes o direito de revisão por órgão jurisdicional superior.[82]
No entendimento de Evandro Lins e Silva: “A segunda garantia institucional afrontada pelas súmulas vinculantes é a liberdade-poder de todos os magistrados de decidir os litígios segundo a lei, conforme o seu convencimento pessoal. Essa independência da magistratura não pode ser suprimida nem mesmo reduzida, não só, como é óbvio, pelos demais Poderes, mas também pelos tribunais superiores ou órgãos dirigentes do Poder Judiciário. Os tribunais inferiores e os juízes de primeira instância ficariam proibidos de julgar livremente os casos abrangidos pelo pronunciamento prévio dos tribunais superiores, com a supressão do princípio do duplo grau de jurisdição.”[83]
3.2.6. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO SISTEMA JURÍDICO “CIVIL LAW”
Parcela da doutrina concebe a súmula vinculante como uma importação da doutrina stare decisis, implicando transposição de uma categoria típica do sistema commow law, para um modelo que segue a tradição do sistema romano-germânico (civil law), como é o caso do Brasil, isto é, as súmulas vinculantes trariam como conseqüência a perda da centralidade da lei em nosso ordenamento jurídico. Sobre o assunto, Glauco Salomão Leite observa: “alguns têm encarado as súmulas vinculantes como um mecanismo, através do qual se introduziu, no Brasil, a doutrina do stare decisis do Direito norte-americano, cujas raízes, diferentemente das nossas, se encontram na commow law. Portanto, considerando uma oposição quase que radical entre o sistema da commow law e o de civil law, as súmulas vinculantes seria inadequadas ao nosso país”.[84]
Nesse sentido, pondera Zuenir de Oliveira Neves: “introjetar num sistema jurídico de “civil law”, a súmula de efeito vinculante, por sua vez característica do sistema de “commow law”, atropelando os princípios processuais e constitucionais do Estado, é trair o ideal de justiça do Estado Democrático de Direito”.[85]
Dayse Coelho de Almeida obsreva: “O direito judicial induzido pela adoção da súmula vinculante é incompatível com o direito processual próprio do sistema romano. No sistema romano ou civil law o juiz julga conforme as leis, orientado pelo brocardo secundum leges non de legibus, ou seja, julga-se cada caso de acordo com as leis vigentes e não de acordo com os precedentes, isto fica ainda mais claro na observância do segundo brocardo non exemplis sed legibus iudicandum sit, a norma no sistema romano é sempre anterior ao decisum e não o inverso. Subverter esta ordem é misturar os dois sistemas, cujas conseqüências, ainda desconhecidas, podem nos conduzir a um descrédito no Judiciário ainda maior por parte da população.”[86]
3.3. ENGESSAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO
A adoção da súmula vinculante provocaria um verdadeiro engessamento do pensamento jurídico e nacional, na medida em que obstaria a capacidade natural de formação do direito por meio da jurisprudência, ou seja, a jurisprudência assentada em uma súmula, e por ela representada, restará estagnada e se tornará obsoleta com o tempo, deixando assim, de acompanhar as transformações que frequentemente ocorrem no corpo social.
A doutrina nacional constantemente sustenta pontos desfavoráveis à adoção da súmula vinculante, todos fundamentados na necessidade de se respeitar os princípios constitucionais ao se promover qualquer inovação na sistemática processual. Neste sentido são os válidos ensinamentos de Zuenir de Oliveira Neves: “Tem-se, assim, que não há como se construir ou se promover qualquer inovação na sistemática processual que não se paute no respeito aos Princípios Constitucionais, haja vista ser a Constituição a expressão máxima do Paradigma do Estado Democrático de Direito. Muito embora, in concreto, ou por ocasião da lide, seja possível a superveniência de Princípios conflitantes entre si, por vezes, um predominando sobre o outro – porém não se eliminando – este Paradigma pugna pela conveniência de todos os Princípios nela previstos, a qual, in abstracto (fora da lide), deve ser harmônica.”[87]
3.3.1. DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Ensina Alexandre de Moraes: “O art. 5º, II, da Constituição Federal, preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei. Conforme salientam Celso Bastos e Ives Gandra Martins, no fundo, portanto, o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei, pois como já afirmava Aristóteles, “a paixão perverte os Magistrados e os melhores homens, a inteligência sem paixão – eis a lei”.[88]
3.3.2. DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Discorrendo sobre o tema, Gilmar Ferreira Mendes ensina: “Na Constituição do Brasil, esse princípio, que está estampado no seu art. 2º, onde se declara que são Poderes as União – independentes e harmônicos – o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, é de tamanha importância que possui o status de cláusula pétrea, imune, portanto, a emendas, reformas ou revisões que tente aboli-lo da Lei fundamental”. Todavia, adverte: “O princípio da separação dos poderes, nos dias atuais, para ser compreendido de modo constitucionalmente adequado, exige temperamentos e ajustes à luz das diferentes realidades constitucionais, num círculo hermenêutico em que a teoria da constituição e a experiência constitucional mutuamente se completam, se esclarecem e se fecundam.”[89]
Sobre a origem do postulado, explica José Afonso da Silva que a separação de poderes, definida e divulgada por Montesquieu, consiste em confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes – com especialização funcional e independência orgânica -, evitando com isso a indesejável concentração de poderes.[90] Conforme observa Lenza: “tal teoria surge em contraposição ao absolutismo, servindo de base estrutural para o desenvolvimento de diversos movimentos como as revoluções americana e francesa, consagrando-se na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 16.”[91]
3.3.3. DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
Ensina Fredie Didier Jr. que: “Uma das principais garantias decorrentes da cláusula do devido processo legal é a do direito fundamental ao juiz natural”. Cita Luigi Ferrajoli: “Trata-se de garantia fundamental não prevista expressamente, mas que resulta da conjugação de dois dispositivos constitucionais: o que proíbe juízo ou tribunal de exceção e o que determina que ninguém será processado senão pela autoridade competente (incisos XXXVII e LIII do art. 5º da CF/88). Trata-se essa garantia de uma conquista moderna”. Adiante prossegue: “Juiz natural é o juiz devido. À semelhança do que acontece com o devido processo legal e o contraditório, o exame do direito fundamental ao juiz natural tem um aspecto objetivo, formal, e um aspecto substantivo, material. Formalmente, juiz natural é o juiz competente de acordo com as regras gerais e abstratas previamente estabelecidas. Não é possível a determinação de um juiz post facto ou ad personam. A determinação do juízo competente para a causa deve ser feita por critérios impessoais, objetivos e pré-estabelecido. Tribunal de exceção é aquele designado ou criado, por deliberação legislativa ou não, para julgar determinado caso. Os juízes de exceção são juízes ad hoc e estão vedados. Substancialmente, a garantia do juiz natural consiste na exigência da imparcialidade e da independência dos magistrados. Não basta o juiz competente, objetivamente capaz, é necessário que seja imparcial, subjetivamente capaz.”[92]
3.3.4. DO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA JUDICIAL
Segundo Rui Portanova, o princípio da legalidade significa que “a jurisdição não pode sofrer interferência de fatores externos a ela, nem mesmo de outros órgãos superiores do próprio Poder Judiciário”. Adiante prossegue: “O Judiciário como um todo e cada juiz em particular é independente não só em relação aos outros poderes, como diante do próprio poder e da opinião pública. É direito do cidadão que a jurisdição seja isenta de pressões externas, e como tal a parte deve exigir do julgador que exerça esta independência.” Por fim, esclarece: o princípio da independência da jurisdição se impõe também sobre as decisões anteriormente proferidas e conhecidas sob a forma de jurisprudência (mesmo dominante) e de súmulas[93].
3.3.5. DO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO JUDICIAL
Segundo Rui Portanova, o princípio do livre significa que “o juiz forma o seu convencimento livremente”. Adiante prossegue: “O mesmo sistema jurídico que dá ao juiz o poder de livremente convencer-se, dando às normas a interpretação que entender mais adequada, atribuindo valor às provas dos autos, enfim, concedendo direito e impondo deveres conforme seu sentimento, o mesmo sistema, repetimos, impõe ao juiz o dever de motivar sua convicção, justificando as razões que determinaram o julgamento”[94]
3.3.6. DO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Guilherme Marinoni nos ensina que: “a idéia que subjaz à noção de duplo grau de jurisdição impõe que qualquer decisão judicial, da qual possa resultar algum prejuízo jurídico para alguém, admita revisão judicial por outro órgão pertencente também ao poder Judiciário (não necessariamente por órgão de maior hierarquia em relação àquele que proferiu, inicialmente, a decisão). Obviamente, esse princípio se presta como cláusula genérica, da qual, porém derivam inúmeras exceções, especificamente disciplinadas pela lei processual.”[95]
3.4. SÚMULA VINCULANTE E O PODER JUDICIÁRIO
A partir da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, o Brasil passou a prever a possibilidade de adoção da chamada súmula vinculante, e, desde então, instaurou-se grande polêmica na comunidade jurídica nacional, carreando discussões e questionamentos no que diz respeito a inserção destas na vida prática dos magistrados e jurisdicionados. Porém, a principal crítica contra a adoção da súmula vinculante reside no efeito que ela provocaria: o engessamento do Direito. Por tais razões, importante se faz a análise dos argumentos para uma posteriori conclusão.
Respeitáveis integrantes do Poder Judiciário têm apresentado severas críticas à proposta das súmulas com efeito vinculante, especialmente os membros da Associação dos Magistrados Brasileiros. A propósito, o Presidente Associação dos Magistrados Brasileiros, CLÁUDIO BALDINO MACIEL, em defesa ao “Ato Público contra a súmula vinculante” realizado em São Paulo, no dia 11 de agosto de 2004, refere em nota: “A instituição da súmula com efeito vinculante constitui-se em mecanismo de controle ideológico e de engessamento do processo criador do direito, que afronta os princípios e regramentos constitucionais”.[96]
Em linha consonante, afirma o desembargador Arnaldo Boson Paes em seu artigo “SÚMULA VINCULANTE, O CAMINHO DO ENGESSAMENTO DO DIREITO”: “A adoção da súmula vinculante, com julgamentos padronizados, robotizados, como numa linha de montagem, impede que o juiz atue eficazmente para aperfeiçoar e atualizar o direito, levando a um sistema jurídico rígido, inflexível, imutável, que termina oprimindo a sociedade. Sem a súmula vinculante, na medida em que se assegura a evolução criadora da jurisprudência, muito mais a lei estará próxima do direito vivo, fluente, flexível, que não se cristaliza e não se aparta da autêntica vida jurídica. O ato de julgar é sempre um ato criativo e para que a criativa judicial possa ser exercida deve-se recusar o juiz que se limita a reproduzir os caprichos da lei ou as decisões preconcebidas pelas cúpulas dos tribunais. Como faz a reforma do Judiciário, instituindo força vinculante às decisões do STF, torna-se o juiz um autômato, mecânico, sujeito coercitivamente à observância estrita de certa interpretação do texto da lei, elaborada por órgão de instância superior, além do que essa solução faz tábula rasa da independência judicial, aniquila a criatividade dos juízes, produzindo o engessamento do sistema jurídico, podando a capacidade natural de formação do direito através da jurisprudência. Além de centralizar a produção na cúpula dos tribunais, provoca "o estancamento da atividade judicial, sua robotização, seu garroteamento, sua esterilização, fossilização ou coisa que o valha".[97]
Discorrendo sobre o tema, explica Félix Soibelman, que ”Nos parece, portanto, correta a afirmação de que a súmula vinculante viabiliza o engessamento da justiça, uma mumificação dos entendimentos, uma avalização da ausência de esforço intelectual dos julgadores. Não se concebe a petrificação jurisprudencial; isto equivaleria a negar ao direito a sua forja nas circunstâncias incessantemente renovadas que a mutação social oferece. Além de tudo, quantas vezes não sucede que um grande advogado venha, por força de seus dotes e maior visão, demolir um entendimento faz muito sedimentado? Receamos que a limitação da legitimidade para provocar a sua revisão ou cancelamento (os mesmos que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade) represente na verdade um gargalo político para o amadurecimento jurisprudencial”[98].
Para o Ministro Marco Aurélio Melo, "a súmula vinculante apresenta mais aspectos negativos do que positivos. Cada processo é um processo e, ao apreciar o conflito de interesses nele estampado, o detentor do ofício judicante há de atuar com a maior independência possível. O homem tende à acomodação; o homem tende à generalização, especialmente quando se defronta com volume de trabalho invencível. Receio que a súmula vinculante acabe por engessar o próprio Direito…" (Em entrevista à Revista Consulex nº 10 de 13/10/1997).[99]
Frisa-se que dentre os maiores opositores da súmula vinculante estão: o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o presidente do Conselho Federal da OAB, Roberto Busato, o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D'Urso. Sustentam que a implantação da súmula vinculante no ordenamento jurídico irá engessar a Justiça, pois “os juizes serão estimulados a não pensar e podem ser transformados em uma coletividade burocrática, homogênea e acrítica".[100]
Segundo o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato a adoção da súmula vinculante causará completo engessamento no julgamento e nas decisões dos juízes de primeiro grau já que estes ficarão obrigados a julgar conforme decisões cristalizadas (ou sumuladas) pelo Supremo Tribunal Federal. Na sua opinião, o Direito brasileiro é moderno e deve continuar podendo ser modificado a qualquer tempo. Por tais razões é contrário ao instrumento da súmula vinculante e a favor da adoção da súmula impeditiva de recursos. Com ela, segundo Busato, o juiz natural (de primeira instância) poderá continuar a decidir livremente.[101]
Nessa mesma linha, o presidente da OAB SP, Luiz Flávio Borges D´Urso, e o presidente da Comissão de Reforma do Judiciário da Seccional, Ricardo Tosto, no dia 18.03.2004, em nota oficial, criticaram a adoção da súmula vinculante por se um instrumento que não permite mudanças ou modernização na jurisprudência e no Direito, constituindo verdadeiro instrumento petrificador da interpretação do Direito, como in verbis:
“As súmulas decorrem da reiteração de julgamentos de situações similares, no mesmo sentido, realizados pelos tribunais. Os entendimentos das cortes, consignados nas súmulas, são alterados com o decorrer do tempo, quer pelo fato de as partes apresentarem novos argumentos, quer pelo próprio desenvolvimento doutrinário do Direito, como ainda pelas mudanças sociais ou pela alteração da composição dos tribunais. É fácil, portanto, perceber o caráter dinâmico do Direto e da jurisprudência. A pressão pela modificação das súmulas se faz sentir, principalmente, a partir das decisões dos juízes de primeiro grau de jurisdição, que são aqueles que apreendem a realidade jurídica de maneira imediata, dado seu contato direto com as partes. Assim, essas decisões vão como que pressionando, minando, o entendimento esposado nas súmulas, até que o Tribunal resolva alterá-la, ou simplesmente cancelá-la. Pretender que as súmulas se tornem vinculantes para os juízes é querer engessar o que era fluído e dinâmico. É querer fechar as portas dos tribunais aos anseios de modernidade e das mudanças exigidos pela sociedade. Os juízes apreendem a realidade diuturnamente. O cidadão comum, o despossuído, a eles se dirige, clamando por justiça e mudanças e isto em todos os cantos deste imenso país. Assim, mais do que engessar, a súmula vinculante fossiliza a interpretação do Direito.
Não se deve esquecer, ainda, que em épocas de crise, como a contemporânea, onde os fatos superam as pautas normativas e, inclusive, todos os prognósticos e previsões, o desenvolvimento judicial do Direito é que responde aos anseios da justiça e modernidade da sociedade. Dado o engessamento próprio da lei para responder a esses anseios, que Portalis ressaltava que as disposições da lei deveriam ser consideradas, sobretudo, como princípios e máximas; feconds en conséquences, para desenvolverem-se e serem aplicados por parte do juiz e dos demais juristas. Ora, a súmula vinculante vai na contra-mão desse entendimento, engessando a interpretação do Direito e, com ela, o juiz e o Judiciário.
Por todas essas razões, somos de entendimento contrário à adoção da súmula vinculante.”[102]
Em sentido oposto, um dos maiores defensores da súmula vinculante, o ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Vantuil Abdala, considera uma falácia afirmar-se que a adoção da súmula vinculante nos tribunais superiores provocaria o engessamento do Poder Judiciário ou perda da autonomia de juízes de primeira instância, considerando que o Supremo Tribunal Federal somente editará súmula vinculante em questões excepcionais, que implicam grande número de processos repetidos e de grande repercussão nacional. Aliás, defende a adoção do instrumento da súmula vinculante para os tribunais superiores. Refere ainda, a adoção pela Justiça do Trabalho por 20 anos do instituto do pré-julgado que se mostrou um instrumentos de grande valia para a Justiça do Trabalho e nenhum juiz reclamava de engessamento.[103]
No ponto, esclarecem Alexandre Sormani e Nelson Luis Satander: “A preocupação quanto ao risco de estagnação da jurisprudência pátria, a princípio, não merece guarida. O legislador constituinte reformador teve a preocupação de deixar uma válvula de escape a fim de evitar-se a petrificação da jurisprudência, no próprio art. 103-A, que estabelece a possibilidade da revisão ou cancelamento da súmula, pelo Supremo Tribunal Federal, na forma em que dispuser a lei.”[104]
Conclui Pedro Lenza que: “a súmula vinculante introduzida pela Reforma do Poder Judiciário mostra-se totalmente constitucional. Não há falar em engessamento do judiciário, na medida em que está prevista a revisão dos enunciados editados”. Prossegue afirmando que “no choque entre dois grandes valores fundamentais de igual hierarquia (“colisão de direitos fundamentais”), parece ser mais condizente, diante da realidade forense pátria, a garantia da segurança jurídica e do princípio da igualdade substancial ou material, em vez da liberdade irrestrita do magistrado nas causas já decididas e pacificadas no STF, “desafogando”, por conseqüência, o Poder Judiciário das milhares de causas repetidas. Conforme apontado no relatório da CCJ do SF, “parece-nos que a súmula vinculante tende a promover os princípios da igualdade e da segurança jurídica, pois padronizará a interpretação das normas, evitando-se as situações propiciadas pelo sistema vigente, em que pessoas em situações fáticas e jurídicas absolutamente idênticas se submetem a decisões judiciais diametralmente opostas, o que prejudica em maior medida aqueles que não têm recursos financeiros para arcar com as despesas processuais de fazer o processo chegar ao Supremo Tribunal Federal, onde a tese que lhe beneficiaria fatalmente seria acolhida”.[105]
Em posição consonante, observa André Ramos Tavares: “o certo é que a suposta “amarração” que uma súmula editada pelo STF provocará é, como qualquer outra vinculação, vertida em comando escrito, limitada, na medida em que a própria súmula será passível de interpretação e, assim, não irá escapar de uma leitura “subjetiva” ou diversificada (Reynold, 1967:28).”[106]
Aliás, sobre o risco de haver estagnação da jurisprudência, Sergio Bermudes explica: “De certo, a reiteração de pronunciamentos judiciais e recursos contrários a determinado entendimento pode levar à modificação dele. A história da jurisprudência brasileira mostra isso, como no caso em que os constantes desafios – liderados pelo trabalho insistente do processualista e advogado Galeno Lacerda – à súmula 267 do STF, impeditiva de mandado de segurança contra ato judicial, terminaram por alterar o entendimento daquela Corte. Sempre existem meios de alcançar a revogação da súmula, como demonstram as mutações da jurisprudência de tribunais de países de precedente obrigatório (a Corte Suprema dos estados Unidos mostra isso de modo muito significativo).”
Em seu livro “Curso de Direito Constitucional”, Gilmar Ferreira Mendes expôs seu posicionamento relativamente ao suposto efeito da súmula vinculante – engessamento do Direito: “À evidência, não procede ao argumento de que a súmula vinculante impede mudanças que ocorrem por demanda da sociedade e do próprio sistema jurídico, uma vez que há previsão constitucional da revisão e revogação dos seus enunciados. Ademais, a revisão da súmula propicia ao eventual requerente maiores oportunidades de superação do entendimento consolidado do que o sistema de recursos em massa, que são respondidos, também, pelas fórmulas massificadas existentes hoje nos tribunais.” Cita o autor o pronunciamento do Ministro Sepúlveda Pertence perante a Câmara de Deputados: ‘É muito mais fácil prestar atenção a um argumento novo, num mecanismo de revisão de súmula, do que num dos 5 ou 6 mil processos a respeito que subam num determinado ano ao Supremo Tribunal Federal, até porque a sentença que contém o argumento novo tem de ser sorteada, porque não dá para conferir mais do que por amostragem.”[107] E em nota, argumentou que “as súmulas vinculante não causarão ‘engessamento’ do Poder Judiciário”. Corroborando tal entendimento, lembrou da experiência da Corte com as súmulas do STF não vinculantes, que não levaram a esse engessamento. Prosseguiu: “O Tribunal soube fazer as distinções quando elas foram necessárias, os juízes suscitaram problemas quando eles existiam, de modo que acredito que esse é um modelo bastante dinâmico”.[108]
Por fim, na defesa das súmulas vinculantes, afirma Alexandre de Moraes: “Não concordamos com esse posicionamento, nem tampouco nos parece que a edição de súmulas vinculantes poderá acarretar o engessamento e conseqüente paralisia na evolução e interpretação do Direito. A própria história do stare decisis afasta essas alegações, pois entre todos os tribunais, nenhum se notabilizou tanto pela defesa intransigente, polêmica, construtiva e evolutiva dos direitos fundamentais como a Suprema Corte americana, mesmo adotando o mecanismo de vinculação, não podendo, porém, ser acusada de imutabilidade interpretativa.” Prossegue o autor: “Reforçando a possibilidade de mutação e evolução interpretativa do direito sumular, a Lei 11.417/06 estabeleceu que, revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso. Além disso, é importante ressaltar que competirá a cada um dos magistrados, ao analisar o caso concreto, a conclusão pela aplicação de determinada súmula ou não, ou mesmo a possibilidade de apontar novos pontos característicos que não se encontram analisados na Súmula, ou ainda, a necessidade de alteração da súmula em virtude da evolução do Direito, de maneira semelhante ao que ocorre no direito-norte-americano, quando o juiz utiliza-se do mecanismo processual do distinguishing (distinção entre o caso concreto e o precedente judicial) para demonstrar que não é o caso de aplicação de determinado precedente a hipótese em julgamento.”[109]
CONCLUSÃO
A emenda constitucional número 45/2004 trouxe para o ordenamento jurídico a súmula vinculante, que tem a função primordial de evitar conflitos repetitivos levados ao Judiciário que, de outra forma, não poderá dar vazão à enorme demanda, e conferir unidade à interpretação jurídico-constitucional, evitando pronunciamentos distintos para uma mesma questão constitucional (“jurisprudência lotérica”). Nessa linha, as súmulas vinculantes servem à aplicação isonômica do Direito, fixando uma diretriz hermenêutica a ser seguida pelas demais instâncias, em situações análogas.
A Súmula vinculante seria o enunciado sufragado pelos Tribunais que teria o condão de obrigar e submeter as instâncias inferiores, em questões que versarem matéria análoga à constante do enunciado, ou seja, a súmula com efeito vinculante diz respeito à aceitação obrigatória, pelos juízos inferiores, de uma interpretação da norma jurídica dada por uma instância superior.
Sem sombra de dúvidas, a súmula vinculante trará aos jurisdicionados a segurança jurídica, priorizando os princípios da isonomia e da razoável duração do processo. Ademais, a súmula vinculante dará mais força ao judiciário que se imporá como órgão natural e pacificador de conflitos sociais ao emitir suas decisões de forma justa e célere, entregando, consequentemente, a devida e integral prestação jurisdicional com segurança jurídica.
O quadro lastimável em que se encontra o sistema judiciário, sobretudo pelo grande número de ações repetitivas, maior responsável pela morosidade na prestação efetiva da tutela jurisdicional, resulta em prejuízos de ordem material, moral, além de gerar descrença na eficácia da lei e do aparelho judicial.
Diante da situação da justiça brasileira, a necessidade de uma reforma processual eficaz se fazia necessária, pois o Poder Judiciário não vinha cumprindo com eficiência sua função de efetiva prestação jurisdicional. O mal maior do judiciário brasileiro é a morosidade, a lentidão, e a insegurança jurídica face às decisões díspares em ações idênticas, que causam a ineficácia da prestação jurisdicional e ineficiência da própria Justiça.
Nesse contexto, a Súmula Vinculante desponta como remédio alternativo, viável e eficaz, para a minimização do problema do abarrotamento das causas repetitivas nos tribunais, de forma a conferir celeridade ao Judiciário, e a assegurar coerência das deliberações, evitando o sucateamento do Supremo Tribunal Federal com demandas repetidas e procrastinatórias.
Contudo, juntamente com a súmula vinculante, muitas discussões acerca do tema surgiram. Posições favoráveis e contrárias a seu respeito foram defendidas. Os que a defendem, frisam, principalmente, o fato de a súmula ser capaz de reduzir o número de processos em tramitação, agilizando o trabalho da Justiça, dando a ela maior celeridade e, conseqüentemente, tornando-a mais eficaz, capaz de cumprir com a sua função jurídica e social, bem como evitar que se dê tratamento diferenciado, com base na mesma lei, a pessoas em situações jurídicas idênticas, evitando com isso o risco da contradição prática entre os julgados acerca de um mesmo assunto. Já aqueles que repudiam a idéia da adoção da súmula vinculante defendem que esta é incompatível com o sistema processual brasileiro, em que a Lei é a fonte primária do Direito. Além disso, acreditam que a súmula engessaria os magistrados, retirando-lhes a liberdade de julgar conforme o seu próprio entendimento e orientação.
Se, por um lado, alguns juristas enxergam o instituto da Súmula Vinculante com certa reserva, por outro, constitui uma esperança plausível de solução (ou pelo menos minimização), do principal entrave dos tribunais, qual seja, o amontoado de causas repetitivas congestionando o sistema. Pode-se dizer que as vantagens do mecanismo constitucional em questão superam suas possíveis deficiências. Ademais, não há que se falar em engessamento do Poder Judiciário quando a própria lei que regulamenta a súmula vinculante – Lei 11.417/06 – prevê a possibilidade de sua revisão e cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal com ampla legitimação ativa, bem como prevê a possibilidade do juiz não aplicar a súmula vinculante ao caso concreto quando entender que a situação fática é diversa do enunciado da súmula vinculante.
Enfim, diante da delonga irracional dos processos, além de outros motivos, a Súmula Vinculante sobressai como mecanismo hábil para tornar mais célere a solução das ações, bem como para conter o fluxo aberrante de julgados pelas cortes de cúpula, contribuindo assim, para que seja solucionada a chamada crise que se instalou junto ao Poder Judiciário.
Analisando ambas as posições acerca do tema verifica-se que o melhor para a Justiça brasileira é a adoção dos efeitos vinculantes à súmula. Como já dito por vezes, o principal problema da Justiça é a morosidade, causada pelo excesso de processos existentes (muitos desses processos tratam de causas e fatos repetidos). Muitos desses processos repetidos, muitas vezes têm decisões proferidas em discordância uma com as outras, tornando, assim, a Justiça, além de lenta, insegura. O único instrumento, a princípio, capaz de minimizar esse problema, é a súmula vinculante. Os muitos processos que tratam da mesma questão jurídica devem produzir efeitos iguais para todas as pessoas. Trata-se da concretização do princípio da isonomia, visto que, é no mínimo razoável que um juiz julgue uma mesma questão jurídica, presente uma mesma situação fática, da mesma forma que outro juiz e ou outro tribunal superior já a julgou. Com isso acabaria o grande número de ações infundadas e, em conseqüência, muitos recursos procrastinatórios também acabariam. Injustiças poderiam ocorrer, é claro, mas, com certeza seriam menores que as que hoje acontecem reiteradamente no sistema judiciário brasileiro em razão da demora, da insegurança jurídica e da baixa qualidade dos julgamentos.
Por todos esses motivos, a adoção da súmula vinculante é a melhor solução para um dos maiores problemas da Justiça brasileira, o congestionamento que causa lentidão e contradição entre julgados em ações com situação fática idêntica. A existência de julgamentos uniformes irá melhorar a rapidez e a qualidade dos julgamentos, reduzindo, em conseqüência, as inúmeras injustiças que vem ocorrendo atualmente. Frise-se, contudo, que para a súmula vinculante ter esses efeitos, os magistrados de primeira instância e os agentes públicos deverão cumprir rigorosamente as orientações acerca da súmula vinculante, caso contrário, o Poder Judiciário ficará cada vez mais lento e a Justiça continuará não cumprindo sua função.
Advogada em Porto Alegre. Especialista em Direito Público pela ESMAFE
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