A superveniência da invalidade nos atos administrativos e a segurança jurídica no Direito Português


Resumo: Esse artigo se propõe a estudar a interação jurídica entre a segurança da atuação administrativa e o tempo, a superveniência de novos fatos, eminentemente à superveniência da invalidade dos atos administrativos. Para tanto, analisou-se o ordenamento jurídico português, referente ao Direito Administrativo. Como objetivo, estruturou-se essa pequena contribuição pela trajetória da invalidade superveniente, buscando atingir as suas consequências na esfera jurídico-administrativa e os limites que a Administração Pública tem de observar ao invalidar um ato de forma superveniente, ou seja, quais são as fronteiras permitidas ou alcançáveis pelo administrador para que não afronte desastrosamente a ordem jurídica válida, a juridicidade administrativa.


Sumário: Introdução 1. Da Superveniência Constitucional 2. Da Superveniência Legislativa 3. Da Superveniência Regulamentar 4. Do Binômio fato-regra 4.1. Invalidade provocada pela alteração de circunstâncias sociais que preenchiam os pressupostos de fato 5. Invalidade provocada pela resolução 6. Paradigma doutrinário quanto aos efeitos da invalidade 6.1. Plasticidades possíveis 6.1.1. Nulidade 6.1.2. Anulabilidade 6.2. Plasticidade adequada perante à função administrativa 7. Considerações finais.


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Introdução

O estudo que se segue diz respeito à invalidade superveniente (ou sucessiva) de atos administrativos. Ao se propor na delimitação do tema, desde já, ressalta-se a tentativa de colaborar para a problemática desta figura jurídica na seara do Direito Administrativo, sem a pretensão de esgotamento ou preenchimento total da lacuna que existe na doutrina contemporânea. Busca-se com maior vigor os questionamentos, preterindo-se às respostas em dogmas.


O cenário de aplicação do atual instituto jurídico é o ato administrativo, estrito, eivado de vícios de legalidade, maculado de forma superveniente à sua edição, ou seja, no decorrer de seu ciclo de vigência. Porém, nem todos os atos da Administração são considerados atos administrativo. É sabido que a Administração pode praticar muitos atos não regulados pelo Direito Administrativo e que se subordinam ao direito comum da generalidade das pessoas, exercendo direitos e deveres envolvidos da gestão privada.[1] Outro exemplo são os atos emanados da Administração cujo conteúdo apresenta um carácter de normatividade, esses são chamados de regulamentos.[2]


Assim sendo, a categoria de ato administrativo, focada nesta investigação, é uma espécie de ato jurídico que não abrange todos os atos da Administração.[3] Portanto, o ato administrativo[4] é a expressão, material e formal, de uma conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para a prossecução de interesses postos pela lei e pelo direito a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto[5]. E mais, buscou-se nas próximas linhas apresentar a complexidade e as peculiaridades da invalidade sucessiva dos atos administrativos em virtude de uma ilegalidade restrita à atuação administrativa.


Oportuna julga ser essa investigação pois não se conhece da existência de uma preocupação doutrinária específica sobre o tema da teoria da invalidade dos atos administrativos, em especial da invalidade superveniente. Com ressalva na doutrina italiana, destaca-se a clássica obra de Santi Romano, que já em 1937 denunciava a escassa atenção dada pelos tratadistas da teoria dos atos administrativos haviam prestado ao fenômeno da invalidade superveniente[6] e com a devida exceção na doutrina portuguesa, a obra de Rogério Ehrhardt Soares, a invalidade superveniente não tem sido trabalhada sob a órbita contemporânea de suas vicissitudes.


Importante se faz enfatizar que o ato administrativo, ora em apreciação, corresponde ao exercício da função administrativa, excluindo por conseguinte, os produzidos na função jurisdicional.[7] Pressupondo para tanto, que o ato administrativo seja aquele que produz efeitos jurídicos no caso concreto. Entretanto, a produção de efeitos jurídicos depende da existência de norma que atribua essa eficácia à conduta, que seja, o seu padrão de conformidade adotado (a legalidade).


Como objetivo precípuo, estruturou-se essa pequena contribuição pela trajetória da invalidade superveniente, buscando atingir as suas consequências na esfera jurídico-administrativa e os limites que a Administração tem de observar ao invalidar um ato de forma superveniente, ou seja, quais são os liames extremos permitidos ou alcançáveis pelo administrador para que não afronte desastrosamente a ordem jurídica válida, a juridicidade administrativa.


Como diversidade ou tipologia, refere-se à individualização de certos padrões de atos idênticos em lei ou em doutrina que apresentam características predominantes.[8] A invalidade superveniente já conceituada e enquadrada no estudo do Direito Administrativo, uma vez que a ilegitimidade (ou ilegalidade, nesse contexto) se traduz num confronto entre o ato e uma norma, dá-se em virtude de quatro principais eventos invalidantes.


Os eventos invalidantes são alterações, que mostrar-se-ão de várias formas, no ordenamento jurídico fonte de legalidade do ato administrativo. E, estes vão se dar após o nascimento e durante a vigência do ato.


O primeiro que se pensa é o da superveniência de uma nova norma constitucional, seja pelo processo constituinte originário ou derivado. O segundo caso adotado de evento invalidante, é a superveniência de um novo direito, mais especificamente, de uma nova lei. Também traz-se à liça a invalidade superveniente gerada pela emissão de um novo regulamento, de autoria da própria Administração. E por fim, o tipo de invalidade superveniente a propor chama-se a proveniente de um binômio fato-regra, que pode ser (a) pela alteração de circunstâncias sociais que preenchiam os pressupostos de fato, ou (b) provocada por resolução.[9]


Perceptível é a compreensão de que o ato administrativo pode incidir em mais de uma fonte ou causa de legalidade, em outros termos, o ato pode ter como fonte de legalidade não somente uma norma, mas várias. Sua fonte de padrão de legalidade pode decorrer de um bloco de legalidade. Consequentemente, se a superveniência afetar uma dessas causas, pode ainda o ato permanecer válido, perante a causa que não foi afetada. Contudo, também se sujeita à pluralidade de superveniências, fazendo por surgir a figura da invalidade superveniente concorrente.[10]


1. Da Superveniência Constitucional


Antes mesmo de começar a discorrer sobre a superveniência de norma constitucional e suas consequências jurídicas, sucede levantar a questão da quebra do mito da onipotência da lei diante da Administração, em específico o fenômeno da substituição da lei pela Constituição. Pois, neste momento, anseia como fonte de legalidade da atividade administrativa a norma constitucional, direta e imediata, sujeita a uma superveniência invalidante.


Nos últimos anos, tem-se contestado a configuração clássica do princípio da precedência da lei ou reserva vertical de lei[11] perante à Administração Pública, reconhecendo-se existir regulamentos independentes, legitimados diretamente pela Constituição[12] e concretizando-se um princípio constitucional de tipicidade da exigência da reserva legal[13]. Salvo os casos expressos em Constituição de reserva de lei, a Administração Pública poderá ter como norma habilitadora direta do exercício de sua atividade a própria Constituição. Constata-se, portanto, um processo de autodeterminação constitucional, onde a Administração, sem dependência de intervenção legislativa, vincula-se direta e imediatamente ao texto constitucional.[14]


Assim sendo, configurando-se a Constituição como norma habilitadora direta e imediata da atuação da Administração Pública, a sua superveniência será de enorme interesse jurídico para esta investigação, pois seus efeitos atingirão de forma imediata e direta também os atos administrativos gerados sob o alicerce ora estudado.


Os efeitos da superveniência de normas constitucionais, na sua generalidade, recortam-se em diversos modos no que tange a uma nova Constituição ou modificação constitucional. Pode-se afirmar uma indeclinável complexidade, consequente do status que ocupa a Constituição no sistema e de suas vicissitudes.


Os possíveis fenômenos jurídicos decorrentes da superveniência constitucional podem ser agrupados em: (i) revogação global ou caducidade, quando incide no ordenamento jurídico uma nova Constituição, (ii) revogação, quando agem novas normas constitucionais sobre normas constitucionais anteriores, (iii) novação, quando uma nova Constituição incide sobre normas ordinárias anteriores não desconformes com ela, (iv) caducidade por inconstitucionalidade superveniente, ação de novas normas constitucionais sobre normas ordinárias anteriores desconformes, (v) recepção material, que é a subsistência de normas constitucionais anteriores, (vi) constitucionalização e recepção material, ocorre quando uma norma dantes ordinária contrária às novas normas constitucionais permanece no sistema sob o grau de norma constitucional e (vii) desconstitucionalização, quando subsistem normas constitucionais anteriores, mas com força de normas de direito ordinário.[15]


Nesta seara, destacam-se as causas, ora vislumbradas, da invalidade superveniente de um ato administrativo cuja fonte de ilegalidade tenha sido a edição de uma nova norma constitucional, seja. (a) pelo processo de revisão constitucional, ou (b) por uma Constituição nova que modifica o status de conformidade deste ato sob o seu plano da validade.[16] [17]


Como proposta de delimitação do tema objeto e temerário perante a possibilidade de esbarrar na figura da invalidade originária (consequente ou derivada), restringe-se essa espécie ao caso da invalidade sucessiva a uma modificação constitucional que servia de apoio legal ao ato, excluindo de toda a análise a inconstitucionalidade ou ilegalidade consequente, numa terminologia adequada ao trabalho, a invalidade consequente de atos administrativos cuja fonte de ilegalidade esteja diante do controle e revisão constitucionais.[18]


(a) Numa democracia moderna, essencialmente representativa, a revisão constitucional é primordialmente atuação concentrada no Poder Legislativo, do Poder de maior expressão da vontade popular, que também pode ser submetida ao referendo, fazendo-se assim avultar mais um elemento de democracia, característico da semidireta[19].


O processo de revisão na Constituição da República portuguesa, a título de clarificação da sua aplicação, está disposto no Título II, dos arts. 284º a 289º. Sua verificação pode se dar de forma ordinária, ocorrida cinco anos após a data da publicação desta Constituição, e a qualquer momento, assumindo um carácter extraordinário, por maioria de quatro quintos dos Deputados em efetiva função, da Assembléia da República.


Entretanto, independente de limite temporal, esse processo tem de observar alguns limites do tipo material e circunstancial. As leis de revisão terão de respeitar a independência nacional e a unidade Estadual, a forma de governo, o Estado laico, os direitos e garantias individuais e sociais dos cidadãos, a coexistência do setor público, privado e cooperativo e social, planos de economia mista, os direitos políticos e sua essencialidade, o controle de constitucionalidade, a independência dos poderes e a autonomia das Autarquias locais.[20] E mais, durante o Estado de sítio e de emergência, não poderá ser praticado qualquer ato de revisão.


Delimitada a sua abrangência, a lei de revisão, atendendo seus limites expressos, pode legitimar uma situação superveniente a um ato administrativo, já em vigor e válido, modificando o seu estado de conformidade com o padrão por ele adotado de legalidade, ou seja, a própria norma constitucional. Logo, o evento invalidante modificador no caso em tela é a superveniência de uma norma constitucional provinda de um processo revisional, observadas suas formalidades.


(b) A segunda hipótese de evento invalidante por alteração de normativa constitucional seria o processo exercido pelo poder constituinte de decretação de uma nova Constituição, primeiramente material, acompanhada da formal. O Poder Constituinte material precede o formal, pois o valor emana da norma e há sempre dois momentos no processo constituinte, a idéia e a sua formalização.[21]


O Poder Constituinte material envolve o Poder Constituinte formal, porque através deste se declara e afirma a legitimidade que se assenta a ordem constitucional. Por sua vez, o formal confere estabilidade e garantia de permanência e de supremacia hierárquica inerente à Constituição.


Diante desse novo paradigma constitucional, uma normatização superveniente pode acarretar na invalidade de um ato administrativo que apresentava como fundamento e padrão de conformidade aquela ordem agora superada. Pergunta-se como viabilizar a existência, a validade e a eficácia desse ato. Caracteriza-se mais um exemplo de invalidade superveniente de ato administrativo.


Julga-se, contudo, como tentativa de solução jurídica a sugestão de uma menção expressa do regime e das consequências da possibilidade de verificação da invalidade superveniente sobre atos administrativos já firmados. Em outros termos, a nova lei constitucional deveria trazer em suas linhas o procedimento de invalidade e de suas consequências sobre os atos por ela afetados, protegendo a intocabilidade da validade material dos atos administrativos (pelo menos, os atos de execução instantânea) praticados no domínio da norma constitucional anterior de acordo com o respectivo Direito ordinário.[22]


2. Da Superveniência Legislativa


Modalidade que ostenta maior espaço na escassa doutrina existente acerca do assunto, a invalidade de um ato administrativo gerada pela edição e publicação de uma nova lei com carácter retroativo, superveniente ao ato, a qual retira dele ou modifica seu requisito de validade é defendida por alguns autores como a única espécie de invalidade superveniente, pois é normativa e concreta.[23]


A espécie examinada se caracteriza pela superveniência da uma legislação que ora vigente confronta-se com a aplicação da atividade administrativa que não lhe permite mais a conformidade consentida diante do novo padrão de legalidade exigido para a produção de seus efeitos.[24]


Face a essa espécie, o simples argumento de que estaria por se relacionar somente com o problema da aplicação da lei no tempo é improcedente. Porque a solução do problema da aplicação da lei no tempo não é mais do que o pressuposto da própria invalidade sucessiva. Portanto, para se falar nesta figura é preciso que à nova lei seja possibilitado estender sua vigência ao ciclo de existência do ato, posto que anterior. Ou seja, há uma determinação no âmbito temporal da lei e uma qualificação do resultado do confronto entre ato preexistente e a nova lei vigente.


Destarte, à luz dos pressupostos trazidos, parece se excluir a admissão como espécies de invalidade superveniente a mudança de orientação interpretativa como, por exemplo, a modificação de opinião jurisprudencial, que em si não introduza nenhum elemento objetivo juridicamente relevante, atendendo somente à atuação do legislador.


A superveniência decorre, para algumas doutrinas, somente da lei ou remetidos são os eventos pelo legislador a uma autoridade competente, chamada a verificar caso-a-caso se e quando a sustentabilidade dos atos for incompatível com a nova norma jurídica e o momento de entrada em vigor na maior ou menor medida da respectiva retroatividade[25]. Não se exclui que o legislador possa inibir a ulterior eficácia dos procedimentos incompatíveis com a nova lei, mas para tanto, deve este expressar em texto legal sua vontade e compreensão.


3. Da Superveniência Regulamentar


Espécie que segue a mesma lógica e sequência das invalidades supervenientes já referidas, julga-se ser de algum relevo trazer a menção tangencial das vicissitudes do regulamento administrativo e o seu poder de invalidar atos até o momento válidos.


Corresponde o regulamento administrativo ao exercício de uma atividade normativa administrativa. São normas jurídicas emanadas de uma autoridade da Administração Pública, no desempenho de sua função. É dotado de essencialidade material genérica e abstrata, ou seja, não se esgota numa aplicação, pelo contrário, é aplicado sempre que incidir as situações nele previstas.[26] Também é norma jurídica, cuja violação leva, normalmente, à aplicação de sanções, sejam elas de natureza penal, administrativa ou disciplinar. Entretanto, é tido como norma secundária pois encontra seu fundamento na lei.[27]


Ante o exposto, o regulamento como fonte de validade, de legalidade de um ato administrativo, se editado de forma superveniente pode vir a modificar o padrão de conformidade do ato aliado, gerando por sua vez sua invalidade, assim como os outros exemplo já mencionados.


4. Do binômio fato-regra


Esta categoria de invalidade sucessiva será representada por duas classes de situações em que, no binómio fato-regra[28], da relação entre as circunstâncias de fato e as disposições jurídico-dogmáticas, a superveniência incide, basicamente, sobre o complexo elementar, sejam os pressupostos de direito – base legal -, sejam os pressupostos de fato – realidades existentes que são tomadas como fundamento direto para emanação do ato.


4.1. Invalidade provocada pela alteração de circunstâncias sociais que preenchiam os pressupostos de fato


Para que esses pressupostos de fato sejam válidos alguns requisitos têm de estar presentes. Ou seja, os fatos devem existir, devem ser exatos e devem ser comprovados, juridicamente qualificados a fim de se conhecer ou não o preenchimento da previsão legal.


Ocorre a partir do momento em que a realidade deixa de apresentar as necessidades típicas de que o legislador fez depender a subsistência de um interesse público real e concreto, deixa assim de persistir a utilidade pública do ato.[29] Decai a razão de ser do ato. Portanto, o confronto do ato com a norma que visa proteger o interesse público há de se tornar comprometido, pois a condição prévia desse confronto que é o interesse público tem de ser atual.[30]


Nos casos que o ato tem por objeto a satisfação do interesse público, compreende-se que a ordem jurídica venha a impor uma adequação constante do esquema constituído pelo ato aos preceitos que institue para a proteção desse interesse. Contudo, o interesse público, um dos pressupostos do ato, está geralmente sujeito a variar, quer quando se modificam os elementos de fato que originam a necessidade que lhe emprestam uma dada fisionomia, quer quando substituídos os preceitos por mecanismos de certos interesses não abrigados na vida social.[31]


Se a lei concede à Administração o poder de prover excepcionais atos no caso de alteração de ordem pública, calamidade, epidemias, esta atuação habilitada no exercício de tais permissões só valerá até o momento que perdurar a situação de exceção, de alteração da ordem pública. Portanto, daí em diante, desaparecendo a razão legal de um interesse elevado a interesse público, desaparece também uma das condições de validade do ato.[32]


Exemplo dessa situação é o chamado Estado de exceção constitucional, onde uma vez decretado, habilita a Administração no gozo e prática de algumas tarefas, cujos conteúdos de seus atos em circunstâncias normais seriam tidos como ilegais.[33] Permitem aos órgãos administrativos o exercício de competências que não possuiriam em conformidade formal e procedimental. A declaração desse estado comporta uma habilitação de atuação administrativa contra lei durante a sua vigência.[34]


Entretanto, não existindo mais o preceito legal do interesse público, desaparece também uma das condições de validade do ato. Conjecturando-se a possibilidade de mais uma oportunidade da invalidade ocorrer sucessiva a alteração de circunstâncias sociais que preenchiam pressupostos de validade do ato.


Poder-se-ia argumentar que a alteração das circunstâncias, que deram motivo a produção do ato, encontram-se nessa mesma tipologia, com a ressalva de algumas peculiaridades. Pois o motivo do ato funciona como pressuposto para a sua atuação discricionária, considerando que as valorações sucedidas a partir de então, quanto à adequação dos meios aos fins – que constituirão aquilo que se denomina causa do ato[35] – com base nos critérios da conveniência e oportunidade, serão influenciadas pelo referido motivo. É a superveniência de situações que modificam, alteram o motivo que alguns autores julgam estar diante da mais uma fisionomia da invalidade sucessiva.


5. Invalidade provocada pela resolução


Essa figura de invalidação, discutida a sua pertinência na atividade da Administração, é emprestada pela técnica da equidade em relação ao instituto da resolução contratual no direito privado.


Segundo a doutrina que a defende[36], a figura da resolução deveria se substituir à de invalidade sucessiva quando perante um caso particular, extraordinário e imprevisível de superveniência rompido é o equilíbrio das prestações.[37]


Essa figura é melhor visualizada no contexto dos contratos administrativos, quando das suas alterações ou resoluções. Onde a própria lei assume que em certos momentos e acontecimentos sociais, econômicos ou naturais, pode a Administração alterar unilateralmente ou rescindir o ato administrativo por razões de interesse público, ou seja, por motivações relativas à sua concepção administrativa[38]


Contudo, há controvérsias na doutrina em adequar essa figura em mais um caso de invalidade sucessiva. Há quem defenda que essa superveniência se encaixa perfeitamente no tipo sucessivo a uma alteração por mérito, ou seja, nos pressupostos do ato. Pois, para tanto, deve-se atender aos critérios de oportunidade ou conveniência com os quais o ato deve manter-se de acordo durante sua vigência[39].


Desta forma, não é a falta de eqüidade, dada de forma superveniente, que atinge a invalidade do ato e sim a sua desconformidade com os elementos de mérito, diante dos critérios exigidos à Administração do seu atendimento.


Ora questiona-se a condenação da resolução em não configurar como mais um tipo de invalidade sucessiva autonomamente, pois as hipóteses que a ilustraram ou se enquadram nas demais figuras já reveladas ou assumem importância quando de uma eventual projeção nas deficiências de mérito.[40]


Considerando que num tal contexto dos atos administrativos, nascidos de um procedimento, formados pela idéia da realidade desenhada em função dos elementos em si reunidos, vão aqueles projetar os seus efeitos para fora desse procedimento, sobre o quadro real dos interesses substantivos da ordem jurídica[41].


Considerando as opções que o Direito positivo português corrobora como sanções aos vícios de legalidade do ato administrativo, indaga-se como plastificar ou adequar as consequências de ordem real do comportamento da Administração frente aos casos de invalidade sucessiva.


Motivado pela tentativa de inovação diante da discussão doutrinária, este capítulo alude, primeiramente, apresentar o entendimento clássico quanto à consequência jurídica no tempo da conduta da Administração meramente declarativa da invalidade que atingiu o ato de patologia superveniente. Sendo este um paradigma, num segundo momento passará ao debate da flexibilização desse entendimento afim de sugerir-se um novo modelo de atendimento aos efeitos dessa invalidade.


Portanto, nesse capítulo pressupõe um comportamento da Administração posterior ao evento invalidante que considera o fato superveniente de forma a agir no sentido de sua extinção ou desfazimento de seus efeitos. Para tanto, aventa-se uma análise processual administrativa definida em dois momentos: (1) o estático, que é a constatação se o vício que afeta o ato em questão é sancionado sob o regime da nulidade ou da anulabilidade, e depois, (2) segue-se ao plano dinâmico, na intenção de se verificar ou valorar a extensão da declaração, com base no sistema administrativo, como complexo de normas e princípios.


6. Paradigma doutrinário quanto aos efeitos da invalidade


Conforme o entendimento pacífico no sistema administrativo, o ato inválido pode produzir efeitos, alerta-se quanto mais o ato válido que só se tornou inválido por um motivo externo aos seus elementos. E indubitável para uma parte da doutrina, é que verificada a sua invalidade prossecutora de efeitos, a declaração da invalidade deve retroagir até a incidência eventual modificadora de validade do ato.[42]


Não se sustenta a possibilidade de haver uma invalidade sem eficácia ex tunc da sua declaração, significando somente que os efeitos dessa invalidação retroagem ao momento invalidante, descartando, assim o argumento de efeitos ex nunc, que decai, e a retroatividade estendida até o início do ato também não se assume.[43] Assim sendo, o ato só é inválido desde o momento que se verifica o fato invalidante, jamais significando a retroatividade da invalidação para “detrás” do evento que macula a legalidade do ato[44].


Em síntese, o paradigma trazido à liça defende que a declaração de invalidade fulmina de forma retroativa todos os efeitos já produzidos a partir da superveniência que afeta o ato administrativo.


Cabe expressar em conformidade com este entendimento, no intuito de florear a disposição dessa temática, a distinção entre as circunstâncias que importam somente uma validade suspensa e não invalidade superveniente. Sendo que, naquele caso, por efeito do fato resolutivo da pendência, o ato se torna definitivamente inválido. Já não se deve falar numa invalidade superveniente ou sucessiva, pois nessa atenta-se para os atos que eram perfeitamente válidos no momento em que se verifica o evento. Estando o ato com a validade pendente desde sua formação, desde o seu início, não se fala em invalidade superveniente, mas se sugere a presença de uma ineficácia pendente[45].


Uma parte da desprovida doutrina que discute as fronteiras da invalidade, dita que esta se verifica na falta de determinados requisitos de validade[46] ou da invalidade suspensa quando a incerteza depende também da suspensão da eficácia[47], ou seja, até o momento da verificação das condições, pode o objeto tornar-se possível e, desse modo, até então, a validade ficaria suspensa.


Entretanto, no Direito Administrativo, a admissibilidade da validade suspensa é duvidosa. A consideração fundamental do interesse público faz com que os requisitos de validade devam subsistir desde o momento da emanação do ato, pois a lei traz como indispensável a manifestação do poder do agente condicionada ao procedimento instituído como garantia de realização do interesse público e que perdure durante sua existência jurídica.[48]


Outro tópico a destacar é o tratamento dado ao assunto pela doutrina mais antiga, que entende restringir o campo de aplicação da invalidade sucessiva aos atos com eficácia suspensa, entretanto essa é uma grande confusão que se faz entre invalidade e ineficácia.[49] Neste caso, a invalidade superveniente, apesar de só produzir os seus efeitos a partir do momento que se verifica o fato invalidante, equiparando-se à invalidade derivada, através da concomitância com a ineficácia tornada definitiva.[50] Nesta, o ato não produz qualquer efeito desde o seu início, devendo ser esta a principal fonte de confusão daquela doutrina, que exige erroneamente um ato de eficácia suspensa como pressuposto de verificação da invalidade superveniente.[51]


Presente ao ato sua eficácia plena ou não, a invalidade só produz seus efeitos para frente, não apresentando qualquer influência direta sobre a eficácia, salvo a que se desenvolveria em momentos posteriores, como a eficácia diferida ou sujeita a condição suspensiva.[52]


Entretanto, quando a eficácia do ato está condicionada de forma resolutiva, urge-se estabelecer uma ressalva quando esta se verificar, a medio tempore, depois do evento invalidante, mas antes da declaração da invalidade superveniente. Isso ocorre principalmente nos casos em que a invalidade carece de expressa declaração. Como a pronúncia da invalidade retroage até o momento da invalidação, pode se perguntar se vem lesar o funcionamento da condição resolutiva, que ditava a ineficácia desde o ato inicial, e assim, acaba por tornar o ato novamente eficaz até o momento invalidante.


Com a declaração de invalidade, retroativa ao evento invalidante, a Administração tem o poder de destruir os efeitos do ato, que interfere na condição a qual está sujeito. O que pode acarretar é a destruição dos efeitos produzidos pela condição só até a invalidade ser constatada, para detrás dela a condição continua operante.[53]


Toda essa argumentação para se questionar o requisito de existência da invalidade sucessiva somente em casos de eficácia suspensa, idéia essa resultante da falsa confusão em dizer que a invalidade só existe quando o ato, desde sua origem, se encontra privado de produzir efeitos.[54]


Em suma, a invalidação vai se estender no tempo, de forma a desconsiderar totalmente os efeitos produzidos pelo ato vítima da superveniência, desde a ocorrência da invalidade até a sua declaração pela Administração. A ressalva feita por esta tese apresentada é a vinculação errônea que se faz entre a possibilidade da aplicação da invalidade sucessiva aos elementos que uma vez previstos compõem a eficácia do ato – condição suspensiva e resolutiva.


Portanto, a discussão acerca dos institutos da invalidade superveniente e sua aparente colisão com a validade suspensa e as condições de eficácia persistem na análise das consequências dos seus efeitos no tempo com o valor de seu contributo elucidativo de uma discussão que tangencia a teorização da invalidade superveniente.


Essa solução foi por muito atendida como a mais adequada de afetação da invalidade superveniente e como a fórmula mais justa, dentre os desvalores jurídicos que podem emaranhar o ato administrativo quando da verificação de um evento invalidante, o qual era fonte de legalidade desse ato.


6.1. Plasticidades possíveis


A plasticidade da retroatividade dos efeitos da declaração supramencionada apresenta algumas lacunas que vão propor previamente uma distinção entre as peculiaridades dos regimes de invalidade. Para tanto, importa percorrer os planos já referidos de análise que o administrador deve efetuar, quanto à gravidade da desconformidade no tocante à legalidade – plano estático ou da constatação – e quanto à sua extensão no tempo – plano dinâmico ou da declaração –, para mencionar o regime de retroatividade da invalidação até o evento invalidante.


Dito isto, diante da subsunção da tipicidade da ilegalidade ao caso de superveniência, a Administração passa a valorar seu poder de invalidar considerando ou não alguns dos efeitos já exalados pelo ato, sujeito passivo da invalidação. Ou até, sendo esta uma gravidade intolerável, por assim dizer, a Administração pode vir a confirmar a desconsideração total e por completo de qualquer afetação dos efeitos desse ato na ordem jurídica desde a sua invalidade constatada.


Considerando que a invalidade superveniente de um ato se dá por evento posterior à sua formação, aparece para o ato um estado de carência de um pressuposto de legalidade, susceptível de ser adequado ao regime da nulidade ou da anulabilidade[55] [56] [57].


A ordem jurídica, então, cria graus ou níveis diferentes de desvalores jurídicos para a violação da legalidade. Revela uma gradação de sanção face ao tipo ou gravidade de desconformidade dentro do contexto jurídico. São elas: (1) gravidades que geram desconformidades quanto à legalidade toleráveis, reconhecendo a produção de seus efeitos como provenientes de atos válidos, salvo quando de sua revogação ou anulação judicial, ou o simples decurso do prazo, precluindo o momento de indagação da validade, tornando-se um ato inatacável; (2) desconformidades cuja ilegalidade gerada é intolerável perante o sistema jurídico, negando qualquer produção de efeitos desse ato, podendo sob regime de exceção fundamentada serem reconhecidos alguns efeitos jurídicos a algumas situações; (3) e, ainda, existem desconformidades, cuja gravidade da ilegalidade é tão gravosa que a ordem jurídica se recusa a aceitar ou a identificar qualquer recepção jurídica mínima a esses atos e seus efeitos, sendo estes banidos na totalidade do ordenamento.[58]


Segundo essa valoração dos graus de desconformidade e suas respectivas sanções perante a ordem jurídica, reconhecem-se efeitos aos atos anuláveis tais como atos válidos, desvalor-regra, ou forma de invalidade típica de uma atuação administrativa violadora da legalidade. Por sua vez, se as situações de desconformidade forem reprimidas com a nulidade ou com a inexistência, diz-se, então, estar diante de casos de vinculação administrativa de grau mais intenso, de maior preocupação do legislador ao assegurar valores e interesses públicos.


Desta forma, passa-se ao estudo dos regimes de invalidade deste direito positivo administrativo, para numa etapa seguinte sugerir a plasticidade adequada às consequências temporais da invalidade superveniente ao ato administrativo.


6.1.1. Nulidade


Sabendo-se que o regime-regra do desvalor jurídico dada a invalidade de um ato é o da anulabilidade, propõe-se uma inversão de sistematização, ao ponto de sugerir que ao falar da exceção, trazida em lei, pode-se presumir os demais casos como enquadrados na regra.[59]


Desta forma, a sanção ao desrespeito da norma denominada de nulidade exterioriza a preocupação do legislador em preservar os valores, bens e interesses subjacentes à legalidade, dada a gravidade da sua desconformidade legal.


A excepcionalidade desse regime tem também um significado especial pois além de revelar a existência de níveis diferentes de vinculação da legalidade administrativa, expressa um regime em que a violação da legalidade pela conduta administrativa está mais direcionada aos interesses e benefícios da Administração do que aos valores presentes na garantia dos efeitos dos atos administrativos ilegais.[60]


A norma administrativa, no Código do Procedimento Administrativo[61], ao mencionar as formas de invalidade do ato administrativo elenca quais são os atos sujeitos ao regime de nulidade. São eles: os atos carentes de qualquer elemento essencial[62] ou que a lei comine englobado por essa forma de invalidade; e, designadamente, os atos viciados de usurpação de poder, estranhos às atribuições dos atores administrativos dispostos em lei, aqueles cujo objeto seja impossível, ininteligível ou constitua crime, cujo conteúdo ofenda um direito fundamental, aquele praticado sob coação, carente de forma expressa em lei, cujas deliberações tenham sido tomadas tulmutuosamente ou com inobservância do devido processo legal, que ofendam casos julgados e atos consequentes a outros atos que já tenham sido anulados ou revogados, salvo disposição em lei[63].


Face a essas incidências, a Administração designa o regime do ato nulo e passa para o segundo plano do processo de declaração da invalidade – o dinâmico -, sendo a valoração e a verificação da produção de seus efeitos, onde verificará a aplicação no tempo da invalidação.


A expressão “nulo e de nenhum efeito”, tradicionalmente utilizada pelo legislador, mostra a essência do regime jurídico da nulidade, isto é, ato nulo não produz efeitos de direito, nem é apto a constituir, modificar ou extinguir relações jurídicas[64].


Essa radicalidade, contudo, de desconsideração da produção de qualquer efeito por parte dos atos nulos se mostra amenizada não só pela doutrina[65], mas também, pelo entendimento jurisprudencial[66] e legal[67] da normatividade administrativa, admitindo-se a possibilidade de, por força do decurso do tempo e do atendimento aos princípios gerais de direito e da Administração Pública, aceitar certas afetações jurídicas a situações geradas pelos atos nulos.


A ressalva a ser feita é que não se deve esquecer que a fonte ou o título legitimador desse reconhecimento parcial ou total dos efeitos jurídicos do ato maculado pela invalidade superveniente se encontra na decisão judicial ou administrativa, verificando o art. 134, nº 3 do CPA ou um correspondente princípio de Direito já dantes mencionado.[68]


Entretanto, diante do objeto dessa investigação, que restringe-se a invalidade superveniente dos atos enquanto atuação administrativa, guia-se esta no desvalor jurídico da nulidade face à competência da autoridade administrativa, ou seja, não se considera a atividade jurisdicional quanto à impugnação de ato administrativo por nulidade.


6.1.2. Anulabilidade


É a forma típica de invalidade que a Administração Pública se submete. A anulabilidade, desvalor-regra quando de um ato desconforme com a legalidade, permite que os seus efeitos prevaleçam como se emanados de atos válidos. A estabilidade e a segurança jurídica das decisões, presumidas de legalidade, devem predominar na tutela da validade desses atos administrativos. Sempre que a lei não cominar outra sanção, a regra é a de que o ato viciado é simplesmente anulável.


De uma forma geral, característica da anulabilidade é a permissão legal do ato, apesar de inválido, poder produzir seus efeitos no ordenamento jurídico.[69] Sua impugnação tem de ser efetuada dentro do prazo legal e está sujeita a sanação por ratificação ou confirmação. A anulabilidade se opera retroativamente até o início da invalidade.[70][71]


Nessa ocasião, presente se faz a tolerância por atividades administrativas desconformes com a legalidade, sujeitas a um regime de invalidade identificado como anulabilidade. Não podendo deixar de ressaltar o poder reconhecido pelo legislador à Administração na prossecução do interesse público quando aceita a existência e a produção dos efeitos de atos contrários à lei como se válidos fossem. Também se reconhece a possibilidade desses atos se sujeitarem à sanação de suas ilegalidades, consolidando-se por decorrências no ordenamento jurídico, seja pelo decurso do tempo para impugnação, seja pela convalidação administrativa, salvo se forem retirados.[72]


A justificativa desse regime configurar como desvalor-regra se dá porque o legislador entende que os valores e interesses inerentes às normas violadas pela Administração Pública não têm tamanha gravidade, não justificando uma sanção mais severa – como da nulidade. Tanto é a regra, que a lei vai elencar os casos de exceção, taxados sobre o regime de nulidade, renovando o seu grau maior de preocupação quando da sua ocorrência.[73]


Assim, a lei permite ao administrador que, por razões de interesse público, a sua atuação contrária ao padrão normativo de conduta legal prevaleça no ordenamento jurídico, sem a privação de seus efeitos, salvo se susceptíveis de serem anulados ou revogados com fundamento na respectiva causa de ilegalidade.[74]


Assim uma peculiaridade desse desvalor-regra é a possibilidade de seus atos taxados de inválidos anuláveis serem sanados. Essa atenção em especial do legislador está sustentada na certeza e segurança da ordem jurídica e no aproveitamento dos seus atos.[75]


A sanação do ato administrativo anulável pode se dar de duas formas, ou pelo decurso do prazo para sua impugnação ou por efeito do princípio do aproveitamento dos atos jurídicos, expurgando o vício de ilegalidade do ato mas o preservando no ordenamento, com um ato saneador.


Com o decurso do prazo para impugnação do vício de ilegalidade tolerável, consolida-se a situação do ato anulável permanecendo no sistema jurídico como inválido. Desde então intocável, este ato passa a gozar da aplicabilidade jurídica de ato válido e, diante disso, toda a eficácia que já possuía passa a ter firmeza no ordenamento. Possuem assim uma permissão perante a lei para em concomitância com os ato válidos coexistam em harmonia.[76]


Como segunda forma de sanação para o ato anulável, o princípio de aproveitamento dos atos jurídicos se concretiza por muito nas figuras da ratificação, reforma ou conversão[77], que buscam “limpar” o ato de sua ilegalidade retroativamente.


Estes mecanismos intentam reconfigurar os efeitos da violação à legalidade, procurando que tudo se passe como se o ato anulável tivesse nascido válido, legalizando seus efeitos. Entretanto essa sanação jamais poderá reescrever o conteúdo ou o que foi praticado pelo ato.


Em jeito de conclusão, a Administração ao verificar que a ilegalidade que atinge o ato passivo de invalidade não pertence ao regime de nulidade, designa, por conseguinte, suas características de anulabilidade.


Destarte, o pedido de anulação contenciosa do ato, interposto em prazo legal, só pode ser dirigido ao Tribunal Administrativo, sendo restrito à sua competência o seu reconhecimento – por sentença de anulação[78]


6.2. Plasticidade adequada perante à função administrativa


Antes de sugerir uma sanção adequada ao regime da invalidade superveniente, urge ressaltar a figura da revogação dos atos administrativos, suscitada a sua possibilidade de aplicação na seara desta investigação. A questão atual é conhecer se o regime da revogação poderia ser enquadrado no rol das plasticidades aos efeitos da declaração de invalidade pela Administração. Para tanto, é conveniente uma prévia análise de seu conceito e elementos.


A revogação se dá pela emissão de um ato revogatório ulterior que busca a destruição ou cessação dos efeitos de um ato anterior praticado pelo mesmo órgão ou por um delegado ou subalterno, de mesmo conteúdo, fundamentada ou na ilegalidade – eliminação retroativa dos efeitos do ato revogado – ou na inconveniência do ato a revogar- eliminação parcial dos efeitos do ato, respeitam-se os ocorridos até o momento.[79]


A revogação pressupõe que o ato administrativo, cujos efeitos serão extirpados, exista juridicamente. Portanto, o ato inexistente não pode ser objecto desse mecanismo de valoração negativa que seja a revogação, mas pode apenas se sujeitar a declaração de inexistência.[80] [81] Não pode haver lugar para a revogação, possibilidade jurídica, sem o ato anterior ter produzido qualquer efeito.[82] E mais, por percorrer a destruição ou a cessão dos efeitos do ato, trata-se de um ato constitutivo ou inovador que altera, por força própria, a situação do outro ato.[83]


Dito isto, ao transpor o regime da revogação na tentativa de sua plasticidade diante da invalidade superveniente não se constata uma devida adequação. Na invalidade superveniente, a declaração provinda da Administração não se apresenta como um ato de natureza constitutiva, nem inovadora. Não se trata de um ato que provoca alterações na órbita jurídica daquele ato maculado pela ilegalidade superveniente. Na verdade, essa limita-se a declarar uma situação que já foi por força de uma norma sugerida.


Outro fator que poderia ser levantado na justificativa da impossibilidade de utilizar essa figura como regime da invalidação superveniente é o fato do ato revogatório ter de obedecer a regra de ser emanado pelo mesmo ator administrativo que produziu o ato revogando. E na invalidade superveniente, recapitulando a sua trajetória, são dois os momentos do seu ciclo, primeiro o seu nascimento como ato válido, depois o evento que o altera como inválido. Para assim, surgir o terceiro momento, ulterior, que é a declaração de invalidade pela Administração, não necessariamente será emitida pelo mesmo órgão que criou o ato afetado.


Nestes termos, não parece procedente a utilização do regime da revogação para a demonstração dos efeitos da declaração da invalidade dada de forma superveniente ao ato emanado no passado.


Outro ponto a destacar mais uma vez, é a delimitação do tema como mecanismo estratégico de defesa do próprio objeto investigado. Conforme já mencionada, a análise quanto ao regime de invalidade sobre os efeitos de sua declaração obedece somente à esfera de atuação da função administrativa estrita, preservando-se ao máximo o preceito da separação dos poderes. Assim sendo, de pronto, já se exclui do conjunto de possibilidades de plasticidade aos efeitos da declaração o regime de anulabilidade que depende a sua confirmação de uma prestação jurisdicional, já que só pode ser discutida pelo contencioso.


Igualmente por essa via, o regime de nulidade que se submete a apreciação, mesmo que incidentemente, do Tribunal, também não será considerado como hipótese na ocasião.


Ou seja, o único regime de invalidade cabível, dentro das perspectivas e propostas dessa investigação é o da nulidade. Diante disso, o administrador ao verificar, durante a análise sob o plano estático, as vicissitudes das nulidades no ato condenado pela invalidade superveniente, decifra-o com suas peculiaridades quanto aos efeitos que sua declaração deverá produzir no tempo, passando à análise do plano dinâmico.


Surge para a Administração, conforme já exposto, duas situações diante do regime da nulidade e seus efeitos. A norma ordena que diante de um ato nulo, é dever da Administração destruir qualquer efeito por este produzido em território jurídico[84]. Contudo, ao se verificar e constatar o evento invalidante na linha do tempo, ocorrido superveniente à emanação do ato que nasceu válido, ou seja, em atendimento com o seu padrão de conformidade, ao administrador se permite uma relativização da retroatividade da destruição da eficácia desse ato. Ao retroagir até o evento invalidante, e não mais, a Administração Pública terá de atentar para os princípios gerais de Direito, apelando por muito para uma idéia aquisitiva das situações provenientes do ato maculado.


A idéia de relativização da aplicação do regime de nulidade ao ato administrativo invalidado superveniente fundamenta-se, especialmente, no corolário da tutela da segurança e da justiça, aliada à defesa de interesses públicos de excepcional relevo e ao fator da estabilidade e da confiança ao Direito no decurso do tempo.[85]


Em síntese, a Administração, diante da ordem jurídica que lhe afeta, pondera certos valores e ao subsumir o ato ao regime de nulidade assume que, durante o lapso temporal entre o evento de invalidade e a declaração, o ato tenha gozado de uma aparente validade e produzido seus efeitos. Preservam-se aqui alguns de seus efeitos, suscitando o abrandamento da regra da destruição total.


Por detrás das regras e normas jurídicas existem valores que se sucedem, traduzem-se em parâmetros aos atos administrativos que deverão ser “julgados” pela Administração. Neste contexto, expressa-se uma atuação de tutela maior pelos valores da segurança, da estabilidade e da confiança em razão do decurso do tempo no Direito, sem implicar naturalmente qualquer convalidação ou legalização do ato em questão.[86]


Eis a matéria proposta como discussão do próximo capítulo que à luz da relativização dos efeitos da declaração de nulidade pela Administração, inferem-se alguns valores que a esta deve atender nesse processo de qualificação.




7. Considerações finais


O tema discutido foi a invalidade superveniente de atos administrativos. Para tanto, deveu-se especificar com precisão o tema, no intuito de delimitar suas fronteiras. Ressalta-se que a escassez da doutrina administrativa sobre o fenômeno da invalidade superveniente proporcionou a esta investigação certa dificuldade por um lado, por outro permitiu um espaço de criação e inovação.


O cenário de aplicação do atual objeto foi o ato administrativo, eivado de vícios de ilegalidade, maculado de forma superveniente à sua edição, ou seja, no decorrer de seu ciclo de vigência. É o sujeito passivo do fenômeno estudado.


Desta forma, adotou-se como conceito de o ato administrativo, sob a expressão material e formal, como uma conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício do seu poder público e para a prossecução de interesses legais e dispostos pelo direito a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto. Entretanto, a produção de efeitos jurídicos depende da existência prévia de uma normatividade que lhe atribua eficácia e, principalmente, validade, comportando-se como o padrão de conformidade, neste caso a legalidade.


Conforme visto, a invalidade superveniente se dá com o surgimento de uma nova situação, que torna inválido o ato dantes era válido, sublinhou-se a possibilidade de ocorrer a invalidade superveniente sobre um ato já inválido, que seria chamada de invalidade concorrente. Em virtude de uma alteração constitucional, legal, fática ou regulamentar, modifica-se a subsunção do ato afetado e a sua situação de legalidade. Entendeu-se esta como um fenômeno composto, complexo como um processamento.


Também se indagou como plastificar ou adequar as consequências de ordem real do comportamento da Administração frente aos eventos de invalidade sucessiva. Partiu-se de um paradigma doutrinário, em apreço às lições do professor Rogério Ehrhardt Soares para o debate da flexibilização desse entendimento afim de se sugerir um novo modelo de atendimento aos efeitos dessa invalidade. Portanto, pressupunha-se um comportamento da Administração posterior ao evento invalidante que considerasse o fato superveniente de forma a provocar a extinção ou desfazimento de seus efeitos, por meio de sua atuação.


Resumidamente, a concepção clássica expôs que diante do evento invalidante, o ato só é inválido a partir do momento que se verifica o fato invalidante, jamais significando a retroatividade da invalidação para trás deste evento que contamina a legalidade do ato. Ou seja, enfatiza a retroatividade da nulidade até o momento que o ato tornou-se inválido, e nada mais. Defende, sem distinguir qual a sanção adequada à invalidade, que a declaração de invalidade fulmina de forma ex tunc todos os efeitos já produzidos a partir da superveniência que afeta a validade do ato administrativo.


Diante dessa plasticidade clássica aos efeitos da invalidade superveniente, sugere-se a necessidade de algumas adaptações, principalmente no que cerne às peculiaridades dos regimes de invalidade.


Ao subsumir a tipicidade ao caso de superveniência, a Administração passa a valorar seu poder de invalidar, sopesando ou não alguns dos efeitos já externados pelo ato, sujeito passivo da invalidação. Ou até, sendo esta uma gravidade intolerável, por assim dizer, a Administração pode vir a confirmar a desconsideração total e por completo de qualquer afetação dos efeitos desse ato na ordem jurídica desde sua invalidade constatada.


Para tanto, aventa-se uma análise processual administrativa definida em dois momentos: (1) o estático, que é a constatação se o vício que afeta o ato em questão é sancionado sob o regime da nulidade ou da anulabilidade, e depois, (2) parte ao plano dinâmico, na intenção de se verificar ou valorar a extensão da declaração, com base no sistema administrativo, como complexo de normativas e princípios.


Mais uma vez, antes de sugerir uma sanção adequada ao regime da invalidade superveniente, ressaltou-se a figura da revogação dos atos administrativos, suscitada sua possibilidade de aplicação na seara desta investigação. Ao transpor o regime da revogação na tentativa de sua plasticidade diante da invalidade superveniente não se constata uma devida adequação. Na invalidade superveniente, a declaração provinda da Administração não se apresenta como um ato de natureza constitutiva, nem inovadora. Não se trata de um ato que provoca alterações na órbita jurídica daquele ato maculado pela ilegalidade superveniente. Na verdade, essa limita-se a declarar uma situação que já foi, por força de uma norma, sugerida. Sem deixar de mencionar que o ato revogatório tem de, obrigatoriamente, ser emanado pelo mesmo ator administrativo que produziu o ato revogando. E na invalidade superveniente, recapitulando a sua trajetória, são dois os momentos do seu ciclo, primeiro o seu nascimento como ato válido, depois o evento que o altera como inválido. Para assim, surgir o terceiro momento, ulterior, que é a declaração de invalidade pela Administração, que não necessariamente será emitida pelo mesmo órgão que criou o ato afetado.


Sobre o regime de invalidade, ao adequar os efeitos da sua declaração, obedece-se somente à esfera de atuação da função administrativa. Assim sendo, de pronto, já se exclui do conjunto de possibilidades de plasticidade aos efeitos da declaração o regime de anulabilidade que depende a sua confirmação de uma prestação jurisdicional, restando-lhe a discussão contenciosa.


Igualmente por essa via, o regime de nulidade que se submete a apreciação, mesmo que incidentalmente do Tribunal, também não será considerado como hipótese na ocasião. Destarte, o único regime de invalidade possível, dentro das perspectivas e propostas dessa investigação é o da nulidade. Diante disso, o administrador ao verificar, durante o exame sob o plano estático, as vicissitudes das nulidades no ato condenado pela invalidade superveniente, decifra-o com suas peculiaridades quanto aos efeitos que sua declaração deverá produzir no tempo, passando à análise do plano dinâmico.


Contudo, ao verificar e constatar o evento invalidante na linha do tempo, ocorrido superveniente à emanação do ato que nasceu válido, ou seja, em atendimento com o seu padrão de conformidade, ao administrador permite-se uma relativização da retroatividade da destruição da eficácia desse ato. Ao retroagir até o evento invalidante, e não mais, a Administração Pública terá de atentar para os princípios gerais de Direito, apelando por muito para uma idéia aquisitiva das situações provenientes do ato maculado.


A idéia de relativização da aplicação do regime de nulidade ao ato administrativo invalidado superveniente fundamenta-se, especialmente, no corolário da tutela da segurança e da justiça, aliada à defesa de interesses públicos de excepcional relevo e ao fator da estabilidade e da confiança ao Direito no decurso do tempo, propciando a chamada modulação de efeitos.


Em síntese, a Administração, diante da ordem jurídica que lhe afeta, já no plano dinâmico do processamento, pondera certos valores e ao subsumir o ato ao regime de nulidade assume que, durante o lapso temporal entre o evento de invalidade e a declaração, o ato tenha gozado de uma aparente validade e produzido seus efeitos. Preservam-se aqui alguns de seus efeitos, suscitando o abrandamento da regra da destruição total. A ressalva a ser feita é que a fonte ou o título legitimador desse reconhecimento parcial ou total dos efeitos jurídicos do ato maculado pela invalidade superveniente se encontra na decisão judicial ou administrativa, verificado pelo art.º 134º, nº 3 do CPA.


A concepção dogmática elucidada pelo Código do Procedimento Administrativo, no artigo mencionado, ao instaurar as vicissitudes do regime de nulidade dispõe que este não prejudicará a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de fato decorrentes desse ato nulo, por força do simples decurso do tempo, em harmonia com os princípios gerais de direito.


Nos aspectos que interessam a essa investigação, portanto, a Administração encontra diante da invalidade superveniente, após a constatação e tipificação da nulidade, um dever de resgatar a estabilidade do padrão de conformidade daquele ato perante o ordenamento jurídico que o fundamenta. Para tanto, deve ela atender um equilíbrio entre o regime de nulidade, ou seja, os seus preceitos trazidos em lei, e a estabilidade das relações que foram provocadas face ao ato maculado pelo decurso do tempo.


Sobremaneira, permite o sistema jurídico a relativização da aplicação dos efeitos do revestimento da nulidade ao ato administrativo eivado de ilegalidade. Conferindo a devida importância de suscitar, em especial, quais são alguns dos possíveis valores que devem ser atendidos pela Administração na sua função.


Primeiramente, como pressuposto de verificação da relativização do regime de nulidade, precípua é a identificação da existência de situações de fato, relações jurídicas, provocadas pelo decurso da vigência do ato nulo. Ou seja, necessário se faz comprovar a clarividência de relações jurídicas provocadas no decurso da vigência do ato inválido. Poder-se-ia determinar esta característica como o primeiro requisito de admissibilidade da conduta administrativa relativizada e como segundo requisito é que deve ser latente a produção de efeitos do ato invalidade na esfera jurídica.


A partir de então, a Administração Pública passa à análise da unificação, integração e harmonização do ordenamento pelos princípios gerais de Direito Administrativo, os quais sugerem-se o princípio da segurança jurídica – que engloda a discussão da proteção ao caso julgado, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito -, ao princípio das razões de equidade e prossecução do interesse público, os princípios da igualdade e da proporcionalidade – no tocante à estimação dos efeitos da conduta da Administração quando colidir com os direitos subjetivos ou interesses particulares protegidos -, o princípio da conservação ou manutenção dos atos administrativos e por fim, a desaplicação administrativa da lei, sendo esta o evento invalidante superveniente.


Conclui-se que a invalidade superveniente se apresenta no Direito Administrativo português como um fenômeno jurídico compreendido por um processo complexo que se estende durante a vigência do ato passivo da superveniência. O qual promoverá a mutação no valor jurídico deste ato, verificado, nas proporções desta investigação, pelo regime da nulidade. Posteriormente, a Administração, ao declarar a invalidade, qualificará diante das situações de fato e dos princípios gerais do Direito Administrativo a extensão desta sanção.


Por meio da constitucionalização do Direito Administração sugere-se um desapego equilibrado e limitado ao estrito positivismo jurídico-legal, ao qual se vincula o administrador, diante do regime de nulidade para a invalidade superveniente dos atos administrativos, sob os preceitos fundamentais da segurança jurídica e da juridicidade administrativa.


 


Notas:

[1]  CAETANO, Marcelo. Princípios fundamentais do direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p.108.

[2]  A Administração Pública imbuída de seus poderes, ora faz uso de decisão unilateral de gestão pública com conteúdo normativo – poder regulamentar – ora faz uso de um poder de decisão unilateral de conteúdo não normativo – poder de emanar atos administrativos (SOUSA, Marcelo Rebelo de. Lições de direito administrativo. Vol. 1. Lisboa, 1995. p.93.). Em apertada síntese, o regulamento seria “toda norma escrita ditada pela Administração”, ao passo que o ato administrativo seria “a declaração de vontade, de juízo, de conhecimento ou de desejo realizada pela Administração em exercício de um poder administrativo distinto do poder regulamentar”.(ENTERRÍA, Eduardo Garcia de e FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo I. 10 ed.Madrid, 2002. pp.178 e 540, respectivamente). Para uma melhor compreensão dos instrumentos mencionados, enumeram-se algumas peculiaridades: (a) enquanto os regulamentos fazem parte do ordenamento jurídico, inovando-o, ao criarem normas novas ou revogarem normas anteriores (sem se confundirem com leis), os atos administrativos se limitam em aplicar o ordenamento a uma hipótese específica no ordenamento jurídico; (b) os regulamentos não aparecem direcionados a um destinatário concreto, de essência genérica e abstrata, os atos, por sua vez, na maioria das vezes, são dirigidos a um destinatário concreto, são individualizados, e mesmo quando os atos são dirigidos a uma coletividade (determinada, determinável ou mesmo indeterminável), apresentando uma característica de generalidade, não se confundem com os regulamentos, pois não integram o ordenamento jurídico, mas promovem a sua aplicação; (c) a aplicação de um regulamento não implica na sua extinção, consumação, mas sim na sua afirmação, ao passo que o cumprimento do ato ostenta como consequência o seu esgotamento, a sua consumação (ENTERRÍA, Eduardo Garcia de e FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso…pp. 183-186).

[3]  Cfr. CAETANO, Marcelo. Princípios….p. 109.

[4]  Conforme o dispositivo do Código do Procedimento Administrativo português, art. 120º: “Para os efeitos da presente lei, consideram-se atos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.(grifo nosso)

[5]  CAETANO, Marcelo. Princípios…p. 121. AMARAL, Diogo Freitas. Direito Administrativo. Vol. III. Lisboa, 1984, pp.38 e ss.

[6]  Apud CANO CAMPOS, Tomás. La invalidez de los atos administrativos. Madrid: Civitas, 2004. p. 47 e ss.

[7]  Já que se entende que a Administração Pública não se limita a função materialmente administrativa, é frequente ainda mais no direito português, que um órgão administrativo possua atribuições de julgar, ou proferir decisões, como se sustentam os Tribunais Administrativos.

[8]  CAETANO, Marcelo. Manual…p. 441.

[9]  Essencial se faz justificar a utilização de tipologia proposta pelo professor Rogério Ehrhardt Soares, adotada nesta pesquisa, pois dentre as principais obras de Direito Administrativo português consultadas, esta foi a que melhor se adequou em termos de sistematização das idéias.

[10]  É nesse momento que se questiona a possibilidade de se verificar uma invalidade superveniente sobre um ato já inválido, que se torna outra vez inválido por outra causa sucessiva. Ressalva-se que esta conclusão nada modifica a conceituação tracejada e estruturada nesta investigação acerca do fenômeno da invalidade superveniente, mas reconhece-se uma sedimentação da sua compreensão, sugerindo uma idéia inovadora e possível de se encontrar na realidade administrativa.

[11]  CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito…p. 833.

[12]  Ver art.º 199º, alínea g), da CRP. Este dispositivo constitucional não se limita à autorização ao Governo de enamar seus regulamentos baseados diretamente na Constituição, nem ao exercício de atividade administrativa de execução apoiada num decreto regulamentar e não em lei, sendo também legítima a permissão de prática administrativa, atos, contratos e operações materiais que, por motivos de necessidade, tornam-se prioridades, passando a encontrar na Constituição a respectiva norma de competência governamental (OTERO, Paulo. Legalidade…p.737).

[13]  OTERO, Paulo. Legalidade…p.734; IDEM, O Poder de substituição…II. pp. 569 e ss; IDEM. Direito Administrativo – Relatório…p.259.

[14]   Tomando-se a Constituição como parâmetro de decisão administrativa, a substituição da lei por esta ocorre quando: (i) a Administração se configura como destinatária de tarefas constitucionais, de solidificação do bem-estar, envolvendo seu elemento teleológico na otimização constitucional da eficiência; (ii) diante de normas sobre os direitos fundamentais (Título II, Parte I da CRP), expressando a vinculação direta à Constituição nes seguintes padrões: (ii.1) na falta ou ausência de lei, permitidos estão os órgãos administrativos a implementar e aplicar tais normas, (ii.2) apesar da existência de lei, as normas constitucionais em tela se configuram como critérios de interpretação, integração e aplicação de atos infraconstitucionais pela Administração, especialmente nos atos de competência discricionária, na concretização de conceitos indeterminados ou adequação de cláusulas gerais, (ii.3) a possibilidade da desaplicação da lei pela Administração, quando esta viola ostensivamente direitos fundamentais, preferindo a Constituição à lei, e (ii.4) o desvalor jurídico dos atos administrativos quando violadores do conteúdo essencial de um direito fundamental, acarretando sempre a sua nulidade.(iii) Quando da vinculação direta administrativa às normas constitucionais sobre os princípios gerais da atividade administrativa, dispostos no art.º 266º da CRP. (iv) Quando de antinomias jurídicas, onde se prevalecem os preceitos constitucionais dotados de aplicabilidade imediata. Em resumo, a verificação da substituição da lei pela Constituição reforça a tendência geral para a desmistificação da predominância da lei face à atividade da Administração Pública (OTERO, Paulo. Legalidade…pp.740-743).

[15]  Conforme os ensinamentos de MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo II. 3 ed. Coimbra: Coimbra, 1996. pp.271-272.

[16]  Isenta-se propositadamente da jurisdição constitucional, em virtude da focalização do tema e por julgar ser este melhor relacionado com a invalidade originária.

[17]  Ainda sob a discussão da superveniência constitucional, não poderia deixar-se de mencionar do debate do pluralismo normativo constitucional, que atualmente envolve para além de uma normatividade oficial, uma não oficial, quebrando mais um paradigma jurídico, do mito da onipotência do Direito escrito relacionada com o grau de efetividade da norma.[17]

Sabendo-se que o sistema jurídico deve se apresentar pulverizado pelos fatos e pela informalidade encontrados na sociedade, a normatividade oficial possui sua aplicabilidade concorrida com uma normatividade não oficial, cujas funções são de integrar ou complementar o Direito escrito, fazendo emergir uma normatividade praeter legem e de subverter ou desaplicar o próprio Direito escrito, determinando também o surgimento de uma normatividade contra legem. As normas consuetudinárias ocupam a maior parte do núcleo da normatividade não oficial. A existência de um abismo entre aquilo que as normas escritas prescrevem e a realidade resultante da sua aplicação, mostra o quanto as mesmas carecem de efetividade. E diante desse emergente universo normativo, depara-se com a superveniência de norma não oficial que modifique ou afete o parâmetro anterior de legalidade, alicerce do ato administrativo (OTERO, Paulo. Legalidade…pp. 433-440). Configurando-se mais um exemplo de tipicidade da invalidade superveniente no grupo constitucional. Apesar da sua relevância jurídica, pouco se tem produzido cientificamente acerca desse tema em específico. Desta forma, adotou-se por mencionar tangencialmente este fenômeno, indicando-o como um campo jurídico científico no Direito Administrativo ainda por descobrir e estudar com profundidade.

[18]  Podemos definir inconstitucionalidade de um ato jurídico-público como a desconformidade deste com o parâmetro constitucional que se encontra submetido. Trata-se da modalidade de relação de desvalor dotada de maior relevância, pois a regra ofendida é a Constituição. A ilegalidade constitui uma outra relação de desvalor que atinge atos legislativos quando estes colidem com leis cujo respeito estão submetidas. (MORAIS, Carlos Blanco. Justiça constitucional. Tomo I. Lisboa: Ed. Coimbra, 2002, p.131).

[19]  MIRANDA, Jorge. Manual...pp.164 e ss.

[20]  Art. 288, da CRP.

[21]  MORAIS, Carlos Blanco. Justiça…p.181.

[22]  MIRANDA, Jorge. MANUAL..p.291.

[23]  PAGLIARI, Giorgio. Contributo…p.86.

[24]  A respeito ver SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p.399, PAGLIARI, Giorgio. Contributo…p.87, ROMANO, Santi. Osservazioni…p.345.

[25]  PAGLIARI, Giorgio. Contributo…p.88.

[26]  AMARAL, Diogo Freitas. Direito…p.13.

[27]  AMARAL, Diogo Freitas. Direito..pp.15-16.

[28]  Terminologia emprestada da obra do professor Rogério Ehrhardt Soares.

[29]  SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p. 400.

[30]  SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p. 401.

[31]  SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p. 395.

[32]. SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p. 401. Cfr. Também OTERO, Paulo. Legalidade…pp.992-994.

[33]  OTERO, Paulo. Legalidade...p.993.

[34]  OTERO, Paulo. Legalidade…p.993.

[35]  Nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Melo, a causa é o vínculo de ligamento entre o motivo e o conteúdo do ato, e a causa é a relação ente o motivo e o conteúdo do ato com vista na finalidade que a lei lhe definiu como própria. (MELO, Celso Antônio Bandeira. Curso…pp. 473-474) Também leciona Eduardo Gárcia de Enterría e Tomás-Ramón Fernandéz que a “adequação ou congruência efetiva aos fins próprios do poder que se exercita é a causa para os atos administrativos”. (ENTERRÍA, Eduardo Gárcia de e FERNANDÉZ, Tomás-Ramón Curso…p. 548).

[36]  FRAGOLA, Umberto. Gli Atti amministrativi. 2 ed. Napoli, 1964. pp.137-138.

[37]  SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p. 406.

[38]  No direito brasileiro, essas hipóteses são dispostas na lei n. 8.666/93, de 21 de junho, instituindo normas para as licitações e contratos da Administração Publica. Da alteração dos contratos são encontradas no art. 65, I, e quanto à resolução contratual encontra-se amparo legal no art. 78, XII.

[39]  SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p. 407.

[40]  SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p. 407.

[41]  ALMEIDA, Mário Aroso. Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes. Coimbra: Almedina,2002.pp. 137-138.

[42]  SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p.391.

[43]  SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p.391.

[44]  Ponto este sem questionamento, imune de dúvida e de posição contrária na doutrina e na prática administrativa.

[45]  Cfr. SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p.381 e OTERO, Paulo. Legalidade…p. 981.

[46] Por exemplo no direito civil a venda sem determinação do preço, ou a doação em favor de nascituros.

[47] Exemplo dessa figura é o contrato com objeto impossível dependente de uma condição suspensiva.

[48] O ato deve cumprir-se totalmente na altura em que o administrador, individualizando o interesse público em concreto, julga oportuno e necessária a sua prática.

[49] Infere-se que essa confusão se dá ainda com os casos de invalidade nas hipóteses de ineficácia pendente tornada definitiva, pela certeza da impossibilidade de verificação do evento que extingue a pendência à produção de efeitos. O que deve ter levado a doutrina exigir erradamente um eficácia suspensa, para que se pudesse aceitar a invalidade sucessiva. (Ver  SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…pp. 386-387 e CANO CAMPOS, Tomás. La Invalidez…pp. 136 e ss).

[50]. SOARES, Rogério Ehrhardt.. Interesse….p. 387.

[51]  Vale a pena reproduzir as palavras do professor Rogério Ehrhardt. Soares, de forma a clarear melhor o entendimento: a invalidade só pode contar, nesse caso, desde o momento em que tem lugar o evento invalidante. “Se pode falar-se aqui de invalidade superveniente, hão de na vida do ato ficar a contar-se dois períodos sucessivos.” Um de simples ineficácia e outro de invalidade. Ou seja, somente se confunde esses momentos quando não se tem consciência da distinção entre validade e eficácia, supondo que a suspensão da eficácia pode desempenhar qualquer papel decisivo na invalidade superveniente. (Ler SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p. 387).

[52]  No caso da suspensão da eficácia ou eficácia de condição suspensiva, o evento invalidante vai criar a impossibilidade de verificação desta condição, gerando assim, indiretamente, sua ineficácia desde a sua origem. Por sua vez, na invalidade sucessiva, de ato de eficácia atual, os seus efeitos são verificados até a ocorrência do fato ou ato invalidante, deixando de se reconhecer os efeitos adiante. (SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p. 388).

[53]  SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p. 390.

[54]  E mais, a privação dos efeitos não vem da invalidade e sim da ineficácia, portanto, a invalidade continuará a valer para frente, do evento que invalida. Mas há também os casos em que a eficácia do ato não é diferida, mas está sujeita a uma condição resolutiva que se verifica entre o momento invalidante e a fixação da invalidade, operando a perda dos seus efeitos desde o início. E mesmo nos casos de eficácia suspensa pode o ato, apesar da invalidade superveniente ocorrer, produzir seus efeitos de sua origem até a constatação da invalidade, caso de verificação da condição suspensiva entre a invalidade e a sua declaração. (SOARES, Rogério Ehrhardt. Interesse…p.389).

[55]  Por regime jurídico entende-se o complexo normativo por meio do qual a lei condiciona a validade do ato e a respectiva eficácia, organizando os termos de relevância do ato no mundo jurídico.

[56]  PAGLIARI, Giorgio. Contributo…p.47

[57]  Cabe nesta ocasião chamar a atenção para um fato prático que seja o ato incorrer ao mesmo tempo em mais de uma forma de invalidade. Quando, por exemplo, o ato está ferido de dois ou mais vícios, de duas ou mais ilegalidades. Ou quando o administrativo incidir em vício de vontade e em ilegalidade também (AMARAL, Diogo Freitas. Direito…p.230). Para se definir o seu regime, deve-se questionar primeiramente se as fontes de ilegalidade são geradoras de anulabilidade, portanto será o ato anulável. Ou se todas as fontes de invalidade forem geradoras de nulidade, será o ato nulo. Enfim, se uma ou mais fontes de invalidade gerarem anulabilidade e determinarem outras a nulidade, então prevalece o regime sancionatório mais forte: o ato será nulo. Entretanto, cabe observar que somente as causas de nulidade poderão ser invocadas a qualquer tempo face a Administração ou a qualquer tribunal. E mais, se o recurso contencioso não for interposto no prazo legal disposto, ocorrendo o decurso do prazo para impugnação das anulabilidades, já não poderão ser alegadas, sendo o ato sanado quanto à sua afetação.

[58]  Nesse sentido cfr. OTERO, Paulo. Legalidade…p. 963 e BELADIEZ ROJO, Margatita. Validez…p.12.

[59]  Como excepcionalmente os atos administrativos serão nulos, na realidade, o que se tem de apurar em face a um ato suposto de ilegalidade é se ele é ou não nulo. Pois, se for inválido e não for nulo, será anulável, caindo na regra geral (AMARAL, Diogo Freitas. Direito.. p. 225).

[60]  Para melhor compreensão v. OTERO, Paulo. Legalidade…pp. 1030-1031.

[61]  Aprovado pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de janeiro

[62]  Leciona Marcelo Caetano que os elementos essenciais do ato administrativo na sua concepção são: (a) conduta de um órgão da Administração, (b) voluntariedade dessa conduta, (c) produção de efeitos em um caso concreto e (e) prossecução de interesses postos por lei. (CAETANO, Marcelo. Manual…pp.427-440).

[63]  Ver. art. 133, do CPA.

[64]  MEDEIROS, Rui. Valores …p. 492.

[65]  Cfr. CAETANO, Marcelo. Manual…p.409, OTERO, Paulo. Legalidade…p.1031

[66]  Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 27112, citado na obra do professor Paulo Otero, op. cit.p. 1031, nota nº784.

[67]  Art. 134, nº 3, do. CPA.

[68]  OTERO, Paulo. Legalidade…pp. 1032-1033.

[69]  MEDEIROS, Rui. Valores …p. 493.

[70]  MEDEIROS, Rui. Valores …p. 493.

[71]  É cabível neste momento comentar acerca da nulidade radical dos regulamentos ilegais. Esses possuem um regime peculiar no domínio dos valores jurídicos negativos. Em Portugal, a sanção da nulidade radical caracteriza-se por dois traços principais: pode ser alegada a todo tempo e produz efeitos ex nunc. Ou seja, produz efeitos até o momento de sua anulação, devendo ser acatado enquanto não for anulado. (MEDEIROS, Rui. Valores …pp. 494-495).

[72]  OTERO, Paulo. Legalidade…p. 1025.

[73]  OTERO, Paulo. Legalidade…p. 1025.

[74]  OTERO, Paulo. Legalidade…pp. 1024-1025.

[75] Conforme ensina o professor Paulo Otero, “os princípios da certeza e da segurança fundamentam o reconhecimento de que o simples decurso do tempo, sem que o ato tenha sido impugnado contenciosamente ou revogado, consolida a situação jurídica, tornando-se o mesmo insusceptível de ser anulado ou revogado com o fundamento no vício gerador da anulabilidade; o princípio do aproveitamento, por seu lado, habilita os designados “atos saneadores” que, visando expurgar o vício do ato anulável, o “repescam” para o hemisfério da legalidade”: (OTERO, Pulo.. Legalidade…p. 1026)

[76]  OTERO, Paulo. Legalidade…p. 1027.

[77]  Ver art.137, do CPA.

[78]  AMARAL, Diogo Freitas. Direito…p.224.

[79]  Defende José Robin de Andrade, que só é legítimo falar em revogação quando o seu fundamento deriva do mesmo poder de praticar o ato, do poder de o emanar (ANDRADE, José Robin. A Revogação. p. 16)

[80]  ANDRADE, José Robin. A Revogação dos atos administrativos. Coimbra: Atlântida, 1969. p. 21.

[81]  Ao regime da inexistência relaciona-se o da nulidade absoluta, ou seja, não se considera capaz o ato de produzir efeitos. E ainda precisa-se atentar de que a revogação não destrói o ato, mas sim os efeitos deles então produzidos

[82]  ANDRADE, José Robin. A Revogação dos atos administrativos. Coimbra, 1969.p. 27.

[83] ANDRADE, José Robin. A revogação…p. 42.

[84]   O fundamento do ato invalidador pela Administração é o seu dever de obediência à legalidade, implicando na sua obrigação de restaurá-la quando violada. (MELO, Celso Antônio Bandeira. Curso…p.422). Ver também Súmula 473 STF.

[85] Infere-se também a possibilidade de associação dessa atitude da Administração aos princípios da segurança jurídica, das razões de equidade e prossecução do interesse público, da igualdade e da proporcionalidade e do aproveitamento doa atos administrativos.

[86]  Nas palavras do professor Paulo Otero, involve “uma juridificação legitimadora de alguns efeitos geradores pelas situações factuais criadas à sua sombra.” Entretanto, continua o ato ser nulo, passivel a qualquer momento de ser declarada a respectiva nulidade. (OTERO, Paulo. Legalidade… p.1032)

Informações Sobre o Autor

Juliana Gomes Miranda

Professora de Direito e assessora jurídica. Mestre em Direito, pela Faculdade de Direito de Lisboa e bacharel em Ciência Política


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Equipe Âmbito Jurídico

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