Resumo: O tema proposto é de fato de imensa relevância, apesar de não ser nenhuma figura jurídica nova, a teoria da imprevisão teve sua previsão legal, principalmente, na vigência do novo Código Civil de 2002, sem dispositivo correspondente no extinto Código Civil de 1916. Trata-se de uma das formas de extinção dos contratos devido a um evento superveniente à sua formação. Além de diferenciá-lo quanto ao instituto da resolução por onerosidade excessiva, pois os limites que o cercam são bastante atenuantes; e de sua aplicação no Código de Defesa do Consumidor. Contornaremos, também, as linhas da revisão contratual prevista no novo Código Civil.[1]
Palavras-chave: Teoria da imprevisão; Código Civil; Contratos; Princípios.
Abstract: The theme is in fact of immense significance, although it is not no new legal concept, the theory of legal provision had its unpredictability, especially under the new Civil Code of 2002, no corresponding provision in former Civil Code of 1916. This is a form of cancellation of a contract due to a supervening event to their training. In addition to distinguish it as a resolution by the Office of the excessive burden, since the boundaries that surround it are very mitigating, and its application in the Code of Consumer Protection. Hike around, also, the lines of contract under review new Civil Code.
Keywords: Theory of unpredictability, Civil Code; Contracts; Principles.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Noções relevantes sobre o contrato. 3. A Teoria da Imprevisão. 4. Conclusão. Referências.
1. Considerações iniciais.
Um dos institutos mais importantes do direito civil, o contrato, em suma é uma espécie de negócio jurídico, é o meio principal de circulação de riquezas de uma sociedade, desta forma, todos os princípios e fins que a propriedade deve obedecer, estarão postos de forma intrínseca na constituição dos contratos.
O tema proposto é de fato de imensa relevância, apesar de não ser nenhuma figura jurídica nova, a teoria da imprevisão teve sua previsão legal, principalmente, na vigência do novo Código Civil de 2002, sem dispositivo correspondente no extinto Código Civil de 1916. Trata-se de uma das formas de extinção dos contratos devido a um evento superveniente à sua formação. Pretende-se com este estudo demonstrar as implicações jurídicas de sua aplicação nos contratos, observando o cenário jurídico atual.
Doravante, analisá-lo considerando determinados institutos paralelos à teoria da imprevisão como rebus sic stantibus, e o indispensável princípio da pacta sunt servanda – este último muitas vezes utilizado como instrumento de opressão econômica – entre outras figuras jurídicas como a lesão, e o inadimplemento por caso fortuito. Além de diferenciá-lo quanto ao instituto da resolução por onerosidade excessiva, pois os limites que o cercam são bastante atenuantes; e de sua aplicação no Código de Defesa do Consumidor. Contornaremos, também, as linhas da revisão contratual prevista no novo Código Civil.
De fato, é conveniente estudar a teoria da imprevisão no código supracitado, pois esta figura jurídica foi previsto com o intuito de acabar com determinadas perspectivas equivocadas que perpetuam e maculam nosso ordenamento jurídico contemporâneo.
2. Noções relevantes sobre o contrato
O contrato é um instituto jurídico bastante peculiar, haja vista consegue adaptar-se aos diferentes modelos e estruturas sociais perpetuando ao longo da história. Ele reflete as características e ideologias da sociedade em que se celebrara, mormente na vigência do mundo capitalista, o contrato se tornou uma espécie de engrenagem do mundo moderno.
Nota-se durante o curso histórico dos contratos, que as desigualdades e as idéias individualistas atingiram um patamar absurdo, sendo os Estados obrigados a intervir na dimensão da autonomia privada, buscando equacionar a situação. Esse processo ficou conhecido como dirigismo contratual. O que se percebia, era uma grande disparidade entre os contratantes, no hipossuficiente ficava mais vulnerável. A partir de então, as legislações, inclusive as referentes ao Estado brasileiro, sofreram forte influência do dirigismo contratual, onde se procurou atender, ou melhor, proteger os economicamente mais fracos.
Traçado alguns fatos históricos, é mister conceituarmos a figura jurídica a que o instituto da teoria da imprevisão coaduna. Doravante, o contrato é:
“[…] um negócio jurídico bilateral, por meio do qual as partes, visando a atingir determinados interesses patrimoniais, convergem as suas vontades, criando um dever jurídico principal (de dar, fazer ou não fazer), e,bem assim, deveres jurídicos anexos,decorrentes da boa fé objetiva e do superior princípio da função social”.(GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010 p. 50)
Há de intrínseco neste conceito alguns princípios constitucionais referentes à matéria, observando-se, também, conceitos de caráter ético e social, sob os quais o contrato não pode deixar de ser considerado.
Conforme explicitado, torna-se óbvio que, por ser uma espécie de negócio jurídico, para a celebração de um contrato será necessário um consentimento ou consenso de ambas as partes declarantes. Não obstante, o instituto em estudo deverá atender à determinados requisitos para que ele possa existir, seja válido e que produza efeitos, isto é, que atenda, respectivamente, aos pressupostos de existência, eficácia e validade.
Há um verdadeiro processo na formação dos contratos. Ousamos descrever, resumidamente, este iter: inicialmente se tem a fase de puntuação – seria a fase de negociações preliminares, antecedendo à formação do contrato – posteriormente teríamos a fase que se chega a uma proposta definitiva, e por último a fase de aceitação.
Ademais, cumpre esclarecer algumas noções básicas referente aos contratos, inclinando-se sobre o mar principiológico que o cerca.
Os princípios contemporaneamente são entendidos como ditames de instância superior, que orientam, direcionam o ordenamento jurídico, e que inclusive, muitas vezes, se revestem de caráter normativo.
“Segundo Pablo Stolze (2010), concernente aos contratos os princípios são:
– Autonomia da vontade;
– Força obrigatória do contrato;
– Relatividade subjetiva dos efeitos do contrato;
– Função social do contrato;
– Boa-fé objetiva;
– Equivalência material.”
E sob todos estes princípios acima enumerados, numa perspectiva constitucional, está o princípio da dignidade humana que traz ao rol dos contratos um âmbito social, tanto quanto jurídico. Doravante, no plano infraconstitucional remete-se, o princípio da dignidade humana, a afetiva proteção aos direitos da personalidade previstos pelo CC-02. Toda a aplicação principiológica é relevante, contudo destacaremos algumas que se interligam mais diretamente à teoria da imprevisão.
É bom gizarmos que todo contrato, por ser meio de circulação de propriedade, deve atender a uma função social, isto é, não pode ser previsto no contrato, a exemplo, cláusula que cause dano ao meio ambiente. Com previsão legal no art.421 do Código Civil, neste dispositivo é evidente a limitação que se impõe à liberdade de contratar. E com base na boa-fé objetiva, os contratantes devem agir reciprocamente com respeito e lealdade, além de observarem os deveres jurídicos anexos ou de proteção que derivam deste princípio.
A teoria da imprevisão busca resguardar a equivalência material nos contratos. Tal princípio, digamos,decorre da função social e da boa-fé objetiva.
3. A Teoria da Imprevisão.
Após trilharmos um longo caminho sobre os contratos, trataremos da questão chave deste artigo, diz respeito à teoria da imprevisão. A previsão desta figura jurídica significou uma grande evolução do Direito. Intimamente relacionada ao pacta sunt servanda, ou melhor, ao princípio da força obrigatória, a teoria da imprevisão, já era grosseiramente grafada em pedra a partir do Código de Hammurabi, em sua Lei 48, segundo preleciona Donoso (2004). O princípio da força obrigatória, não querendo cair em redundância, é indispensável ao estudo proposto. De fato, este princípio traz a concepção de que o acordo firmado entre as partes deve ser revestido de determinada obrigatoriedade, que tem como fundamento:
“[…] a necessidade de segurança dos negócios, que deixaria de existir se os contratantes pudessem não cumprir com a palavra empenhada […], a intangibilidade ou imutabilidade do contrato, decorrente da convicção de que o acordo de vontades faz lei entre as partes […]” (GONÇALVES, 2009. p. 28).
Entretanto, após a I Guerra Mundial, com as idéias construídas pelo dirigismo contratual, este princípio sofre certa relativização. Esta suavização não significa, necessariamente, o desaparecimento da pacta sunt servanda. Alguns milênios depois, na França, esta teoria seria conjecturada juntamente ao reaparecimento da cláusula rebus sic stantibus.
A” teoria da imprevisão prevista nos arts. 478, 479, e 480 do Código Civil de 2002 constituem o reconhecimento de que na ocorrência de eventos não previstos e muito menos imputáveis às partes, pode-se permitir a resolução ou mesmo a revisão do contrato, buscando-se adaptá-lo aos fatos supervenientes”, segundo Stolze (2010), “Assim, esta situação nova e extraordinária muda o contexto em que se celebrou a avença e faz crer, com certeza, que uma das partes não teria aceito o negócio se soubesse da possibilidade da ocorrência daquela situação” (DONOSO, 2004).
A teoria em estudo, somente tem aplicação nos contratos sinalagmático, onerosos, de execução continuada ou execução diferida. Ademais, podemos destrinchar a aplicabilidade da teoria em alguns elementos de extrema relevância. Sendo estes: acontecimento extraordinário superveniente e imprevisível – necessário que o acontecimento que desequilibrou a relação contratual não possa ser previsto pelas partes contratantes; alteração da base econômica objetiva do contrato – é imprescindível que tal acontecimento tenha alterado a equivalência econômica da relação contratual, e por fim a onerosidade excessiva – em conseqüência das outras duas, algumas das partes ou ambas sofram determinados prejuízos econômicos da prestação a que esta obrigada. Salientamos que não necessariamente haja enriquecimento de uma parte em detrimento da outra.
Cabe-nos distinguir a teoria em análise e a cláusula rebus sic stantibus e da resolução por onerosidade excessiva. “Esta última que nada mais é que a extinção contratual decorrente de um descumprimento por parte de um dos contratantes” (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010).
“A rebus sic stantibus preceitua que sempre haverá cláusula não expressa em que a obrigatoriedade do contrato pressupõe inalterabilidade da situação de fato” (GONÇALVES, 2009, p.29), ou seja, se as coisas não permanecerem da mesma forma que no momento em que foi celebrado o contrato, e que cause onerosidade excessiva a uma das partes, esta poderá pleitear em juízo que o isente da obrigação de forma parcial ou até mesmo total, extinguindo o contrato. Este instituto só possui aplicabilidade nos contratos comutativos, de prestações sucessivas. Diferentemente da teoria da imprevisão que, como já supracitado, é a possibilidade de se rediscutir os preceitos contidos na relação contratual devido a um acontecimento imprevisível e não imputáveis às partes.
Cumpre diferenciar a teoria da imprevisão em relação a outro vício, a lesão, prevista no art. 157 do CC-02.
“Art.157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.”
D”a leitura do art. 157, extraímos o que seria, de fato, a lesão, mais claramente, quando alguém obtém lucro manifestamente desproporcional ao valor real do objeto do negócio”, segundo Latif Abdul (2007), aproveitando-se da inexperiência ou da premente necessidade do outro contratante. Segundo o mesmo autor, este defeito pode ser destrinchado em dois elementos. Um de caráter objetivo que seria a própria desproporção entre o valor do negócio celebrado e à contraprestação; o elemento subjetivo que concerne a premente necessidade, não necessariamente estado de risco, ou inexperiência do lesado, embora a este se acrescente a figura do dolo, o dispositivo que trata sobre este vício não o menciona. Ainda, não se pode confundir o não cumprimento da obrigação devido a caso fortuito (inadimplemento fortuito art.393 CC-02) com a teoria da imprevisão.
No CDC, segundo art.6, V, a teoria em estudo é denominada de teoria da onerosidade excessiva, pois não se exigiu a imprevisão do fato superveniente que cause desequilíbrio entre as partes contratantes, daí decorre a sua denominação peculiar.
Observa-se a aplicação da referida teoria na respectiva jurisprudência:
“EXCESSO DE ONEROSIDADE. CONSÓRCIO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. – TEORIA DA IMPREVISÃO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO PELO SISTEMA COMUM, COM ASSUNÇÃO DE PRESTAÇÕES CONSORTIS DE OBJETO DIVERSO. ADQUIRIDO PELO VENDEDOR. Verificada a excessiva onerosidade do comprador e enriquecimento indevido do vendedor, que apresentou o negócio como vantajoso para o comprador, justifica-se a dissolução do contrato nos moldes ajustados, transferindo-o para o campo dos contratos comuns de financiamento, com recálculo dos respectivos débitos e créditos, e evitando-se o enriquecimento indevido de uma das partes em detrimento.” (TARS – APC 196.066.880 – 2ª CCiv. – Rel. Juiz Marco Aurélio Dos Santos Caminha – J. 01.08.1996)
Em sua aplicabilidade no CC-02, o art.478 enseja que o fato que deu causa a teoria em análise seja, não somente, superveniente, mas que some a este o caráter extraordinário, ou seja, que não seja algo habitual do curso da vida. Mesmo este artigo implica que haja enriquecimento de um das partes e empobrecimento da outra, já fizemos critica quanto esta previsão não necessária para a aplicação da teoria da imprevisão.
No que diz respeito à revisão do contrato, há determinada possibilidade de ser evitado, sendo facultado ao demandado. O que assevera uma perspectiva errônea do legislador, “[…] é uma simples faculdade do demandado, o que se nos afigura um escancarado absurdo!” (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010, p.320). Pois, ainda como minuncia o renomado autor Gagliano:
“A negativa dessa via-deferida exatamente à parte que, em geral, goza de maio poder econômico – pode significar, na prática, que ao autor da ação (devedor onerado pelo evento imprevisível) caiba, apenas, pleitear a resolução do contrato, ou seja, a dissolução do negócio, o que poderá não lhe interessar, ou, até mesmo, ser-lhe ainda mais prejudicial”. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2010, p.321)
Doravante, se exigirá do juiz, por claro sem pretender a substituir a vontade das partes, que defira uma sentença de revisão contratual, mesmo que contra a vontade do credor. Esta conclusão esta amparada e respaldada no art. 317 do CC-02, que diz respeito a uma aplicação específica da teoria em pauta. Trata-se da relação ao pagamento da prestação devida por força da relação jurídica obrigacional, basicamente repete a mesma idéia prevista no art. 478 do CC-02.
“Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”
Sobre a teoria da imprevisão o art.480 do CC-02, trata de sua aplicação aos contratos unilaterais, ocorrendo evento extraordinário posterior à celebração do contrato e que torne a relação contratual excessivamente onerosa para uma das partes, poderá a parte prejudicada solicitar redução da prestação ou até mesmo alteração no modo de executá-la.
De mais a mais, cabe-nos frisar que qualquer cláusula contratual que proíba a aplicação da teoria da imprevisão seria estapafúrdia, pois confronta determinados preceitos constitucionais, inclusive o da função social do contrato, somando-se a equivalência material, não sendo possível, desde logo, a previsão de qualquer cerceamento à aplicação da teoria.
4. Conclusão.
De certo que o legislador ao conceber a teoria da imprevisão em nosso ordenamento jurídico trouxe um grande marco evolutivo no direito brasileiro, estando em consonância com os preceitos constitucionais, ressaltando, inclusive, a função social dos contratos. Tal teoria tenta equacionar as disparidades existentes em nosso sistema econômico capitalista, refletidas no âmbito contratual.
Não se pode simplesmente ser conivente com o desequilíbrio contratual existente, ora, é óbvio que na maioria dos contratos celebrados atualmente, em um dos pólos, há sempre uma parte economicamente mais fraca, um hipossuficiente, que se não amparado por nosso ordenamento jurídico acaba por ser oprimido, coibido. Além de que no curso da vida há sempre situações que não prevemos, porquanto não podemos nos dar ao luxo de desconsiderá-los na seara contratual.
A teoria da imprevisão, de certo, é um dos institutos presentes em nosso direito, que de forma coerente aborda as considerações feitas acima, socializando e equacionando o equilíbrio contratual que, por ora foi afetado por evento imprevisível ao momento da celebração do contrato.
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