Resumo: O presente artigo tem por escopo a análise do dano caracterizado pela perda de uma chance. O artigo analisou que o dano advindo da perda de uma chance pode ser considerado uma construção relativamente recente dentro do Direito brasileiro e seu estudo é relevante, pois apresenta incidência constante. Ele é diverso do dano moral e do lucro cessante. Todavia, classifica-se como um dano emergente, uma vez que a chance, no momento em que ocorre sua injusta perda, é algo que já pertence ao indivíduo e, assim, é passível de possuir valor patrimonial, o que possibilita sua quantificação. Pretende-se, também, analisar a chance de alcance e mostrar que não se deve confundi-la com a perda de uma chance e o lucro cessante, vez que tal critério só se presta para que seja possível balizar a quantificação da perda da chance.
Palavras-chave: Perda de uma chance – dano emergente – indenização.
Abstract: The aim of this article is the analysis of damage characterized by loss of a chance. The article analyzed the damage arising from the loss of a chance can be considered a relatively recent construction within the Brazilian law and its study is relevant because it presents constant incidence. It is different from moral damages and lost profits damage. However, it is classified as a material damages, since the chance, at the time of his unjust loss occurs, it is something that already belongs to the person and thus is likely to have heritage value, which allows their quantification. The aim is also to analyze the likelihood of success and to show that it should not be confused with the loss of a chance and lost profits damage, as this criterion only lends itself to quantify the loss of a chance.
1 INTRODUÇÃO
A vivência e o contato com o Direito indicam que um dos assuntos mais abordados é o que se refere à responsabilidade civil, proveniente da caracterização ou da incidência de um dano.
O dano, por sua vez, apresenta-se sob o viés moral ou material, havendo, ainda, casos em que se configura o dano estético. Todavia, há outro tipo de dano, tão importante quanto estes e que cresce, no Brasil, qual seja: o dano proveniente da perda de uma chance.
Este tipo de dano é proveniente da privação injusta da possibilidade de se poder alcançar algo proveitoso. Ou seja, há uma qualidade de dano que surge toda vez que um indivíduo é impedido de aproveitar a chance de realizar algo que lhe traria vantagens.
Para inicialmente ilustrar tal ideia, apresenta-se o exemplo do jogador de tênis que, próximo à etapa final de um torneio, sofre um acidente e fratura uma perna ao cair num buraco indevidamente destapado que estava sob responsabilidade de uma empreiteira. Com a perna fraturada, o tenista não poderá disputar a partida final do campeonato e, assim, perderá a chance de tentar vencer o torneio. Há, nessa hipótese, um claro caso de perda de uma chance.
O estudo desse tipo de dano contribui para melhor compreensão da extensão dos danos, critério utilizado pelo Código Civil, bem como das suas espécies de aplicação e, ainda, porque amplia a margem de possibilidades de abrangência dos pedidos indenizatórios, aumentando, da mesma forma, a possibilidade de satisfazer uma pretensão de maneira mais completa ou, ainda, de minimizar danos.
Cabe relevar que a teoria da perda de uma chance teve seu foco de desenvolvimento inicial na França, na segunda metade do século XX. Nesse ponto, Savi (2006, p. 3) elucida que
“na França, o tema despertou acirradas discussões doutrinárias, influenciando a Corte de Cassação, que passou a conceder indenizações a este título e, consequentemente, a contribuir para a evolução da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.”
O dano pela perda de uma chance também foi objeto de amplos debates na Itália e, assim como na França, encontrou local de aperfeiçoamento. É com base nas ideias debatidas desses países que o presente artigo se desenvolverá.
Este artigo tem por objetivo analisar este novo tipo de prejuízo e, para tanto, foram observados julgados de Tribunais e foi realizada pesquisa e consulta à doutrina. Assim, partiu-se do seguinte pressuposto: o dano proveniente da perda de uma chance não só existe, como, também, apresenta-se viável no que tange a sua caracterização e a sua aplicação.
Para esta análise, num primeiro momento, o artigo tratará da natureza jurídica, abordando a diferença do dano pela perda de uma chance em relação ao dano moral e ao lucro cessante. Num segundo momento, serão analisados os pressupostos do dano, a partir da possibilidade de incidência da perda de uma chance como um viés indenizatório e, posteriormente, em próximo momento, se tratará da questão relativa à valoração desse tipo de dano.
As dificuldades aqui analisadas, no tocante à projeção dessa teoria em alguns casos concretos, não pretende inviabilizar a aplicação do dano pela perda de uma chance, pelo contrário, avalia-se apenas à necessidade da correta aplicação do instituto.
2 CLASSIFICAÇÃO DO DANO PELA PERDA DE UMA CHANCE
2.1 DIFERENÇA EM RELAÇÃO AO DANO MORAL
O dano moral é todo aquele que incide sobre a personalidade do indivíduo sem preocupação com danos patrimoniais. Ele atua em caráter subjetivo, causando à vítima grave e profunda perturbação e incide de maneira a causar um desconforto tão intenso que acaba por gerar um dano ao indivíduo, diferente daquele de natureza patrimonial.
Neste sentido, o dano moral também pode incidir sobre a imagem do indivíduo, mas, de qualquer maneira, sempre atuará causando um dano emocional à vitima. Conforme se extrai do entendimento de Matielo (1997, p. 47), os danos morais “podem ser caracterizados tanto pela depreciação, angústia, constrangimento e sentimento de humilhação causados na vítima, como também podem se dar por meio de taxações negativas à imagem e ao prestígio do ofendido”.
Para Gagliano e Filho (2009, p. 290) o dano moral é ”[…] aquele representativo de uma lesão a bens e interesses jurídicos imateriais, pecuniariamente inestimáveis, a exemplo da honra, da imagem, da saúde, da integridade psicológica etc.”
Numa outra e próxima perspectiva, seria até possível se falar em abalo emocional gerado pela perda de uma chance. Todavia, este dano se difere do moral no sentindo em que incide e se possibilita sua aferição (atua) de maneira mais objetiva e, ainda, pelo fato de que uma chance não pode ser caracterizada como um atributo moral nem psíquico, por sua própria natureza.
Isso porque a chance se caracteriza por ser um bem pertencente à esfera patrimonial do indivíduo. Ela é possibilidade real de que algo venha a ocorrer, a se tornar concreto. É uma expectativa de acontecimento futuro, de maior ou menor possibilidade, a qual não guarda relação com o abalo psicológico, senão em relação exclusiva ao fato da insatisfação do indivíduo quando da frustração da chance – mas, somente isto.
Assim, a chance se projeta numa esfera substantiva, ainda que abstrata, mas que pode gerar prejuízo ao indivíduo, pois reflete-se na perda da própria possibilidade de se buscar atingir um objetivo, muitas vezes ganhos que seriam percebidos a partir da concretização da expectativa embutida na chance. A chance seria a ponte para se concretizar a expectativa.
Neste sentido, cabe observar a colocação de Silva (2009, p. 209):
“Com efeito, alguns julgados brasileiros parecem estar confundindo as hipóteses em que a perda de uma chance deve ser considerada como integrante da categoria de danos extrapatrimoniais com as hipóteses em que a chance perdida é um dano com evidente valor de mercado e, portanto, de natureza patrimonial.”
Quanto à segunda hipótese, tema abordado no trabalho, torna-se importante observar a característica patrimonial da perda de uma chance, bem como utilizar essa característica patrimonial para corretamente classificar e distinguir a perda de uma chance do dano moral.
Tal entendimento, todavia, não se apresenta tão consolidado ou sofre alterações no momento da caracterização daquele dano proveniente da perda de uma chance, o que se percebe nos julgados a seguir:
“A responsabilidade do advogado é contratual e decorre especificamente do mandato. Erros crassos como perda de prazo para contestar, recorrer, fazer preparo do recurso ou pleitear alguma diligência importante são evidenciáveis objetivamente. […] É certo que o fato de ter o advogado perdido a oportunidade de recorrer em consequência da perda de prazo caracteriza a negligência profissional. […] Houve para a Apelada a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. Estabelecida a certeza de que houve negligência do mandatário, o nexo de causalidade e estabelecido o resultado prejudicial demonstrado está o dano moral.”[1]
Neste caso, o advogado perde prazo para interpor recurso contra sentença incompatível com os interesses de seu cliente. O Tribunal, ao confirmar a negligência do profissional e a consequente perda da chance de sua ex-cliente, entende que tal fato gerou dano à sua contratante e, dessa maneira, condena o advogado ao pagamento de indenização a titulo de danos morais.
Tem-se, ainda, outro exemplo:
“A produção da prova testemunhal pleiteada pelo Estado não contribuiria para o deslinde da questão, nem afastaria sua responsabilidade. Vítima de crime de furto que é indiciada como autora do fato; erro reconhecido pela autoridade policial competente e não corrigido como determinado. Responsabilidade civil objetiva do Estado (CR/88, art. 37, §6º). Dano material não comprovado. Aplicação da teoria da “perda de uma chance”: o erro grosseiro originado do inquérito policial obstou a busca de avanço profissional da autora, que se bacharelou em direito, mas não se pode submeter a exame da OAB, nem a concursos públicos durante dez anos, com forte abalo à autoestima. Majoração da verba reparatória de dano moral.”[2] [grifo do autor].
Neste segundo acórdão, verifica-se o caso de um indivíduo que, por erro de inquérito policial, perdeu a chance de conseguir ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil e, ainda, ficou impossibilitado de participar de concursos públicos por longo período. O Tribunal considerou a incidência da perda de uma chance e, por tal motivo, condenou o réu ao pagamento de indenização por danos morais.
Em ambos os casos, o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou a perda da chance como caracterizadora de dano moral. Vale destacar que está correta a maneira pela qual a perda de uma chance foi verificada pelo Tribunal. O equívoco, coincidente nos dois julgados, consiste unicamente no fato de o mesmo ter considerado a perda da chance como dano moral.
Pode-se utilizar como exemplo o segundo julgado. A vítima do erro do inquérito policial desejava participar do exame da Ordem dos Advogados e de concursos públicos diversos. Para poder participar de tais provas, somente seria necessário que o indivíduo estivesse concluído seu curso superior, e este requisito já estava preenchido pela vítima neste caso.
Cabe a reflexão que, de fato, a vítima do erro policial sofreu um dano, tendo em vista que o registro equivocado de seu nome no inquérito policial foi o fator que determinou a perda injusta da oportunidade de participar dos exames e, além disto, foi longo o período em que a vítima do erro ficou impedida de participar da prova da Ordem e de processos seletivos para cargos públicos.
Constata-se, então, que o dano sofrido pela vítima foi proveniente da perda da chance de poder se inscrever nos exames, o que não se pode confundir com o dano moral, pois, embora seja cabível no caso em apreciação, não pode ser misturado com o dano pela perda de uma chance uma vez que este deve, sempre, ser quantificado e qualificado de maneira independente do dano moral.
Outro interessante julgado[3], desta vez o proveniente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, demonstra a confusão que se faz entre perda de uma chance de dano moral. Vejamos:
“Quanto aos danos materiais, tenho que estes incorreram. Embora seja evidente o prejuízo sofrido pelo autor em razão das informações prestadas quanto a sua pessoa, tenho que não se pode presumir que este conseguiria o emprego nas empresas mencionadas, e, muito menos, lá permaneceria trabalhando por muito tempo. Tenho que o maior prejuízo sofrido pelo autor foi a perda da chance de obter o emprego, ou seja, a possibilidade de concorrer com os demais candidatos em patamar de igualdade, com a mesma possibilidade de obter a vaga. No meu entender, tal prejuízo encontra-se na esfera dos danos morais, devendo ser levado em conta quando do arbitramento destes.” [grifo nosso].
Assim, percebe-se a dificuldade na caracterização da teoria, de modo que, para não deixar de aplicar o dano proveniente dessa perda, em diversos casos os magistrados o tem caracterizado como dano moral. Isso, também, por conta da dificuldade de quantificação desse dano e da ausência de focos para essa devida quantificação, obstáculos ainda não ultrapassados quando da aplicação desse dano na prática.
Cabe, portanto, outra reflexão: estar-se-ia, com base na posição acima defendida, também diante de um caso de lucros cessantes? A resposta para tal indagação é não. Embora possa parecer confuso, aqui vai o principal ponto de esclarecimento: o que se pretende não é defender o dever de indenizar devido à perda dos benefícios que se perceberiam após a conquista do cargo público ou da aprovação no exame da Ordem, fato que não se pode presumir, pois sequer a vítima havia iniciado as provas.
Na verdade, o que se busca é a compreensão de que o erro no inquérito fez com que o indivíduo perdesse a chance, a oportunidade de participar do exame da Ordem, tendo em vista que a vítima já possuía preenchidos os requisitos necessários para a participação num exame.
É plausível, pelo que já foi exposto, considerar que a chance de participar das provas era algo que já pertencia a vítima e, se assim o é, parece ser possível afirmar que se está perante um caso de dano patrimonial por dano emergente. Mas, certamente, não diante de um dano moral.
Cabe, todavia, explicitar uma última observação: caso, por exemplo, no qual o advogado não recorreu de uma Sentença desfavorável acerca da guarda dos filhos de seu cliente, senão há como discordar que se trata, tão somente, de um dano de ordem extrapatrimonial, vez que o objeto da demanda não guarda relação de ordem econômica e sim afetiva (SILVA, 2009, p. 215).
2.2 DIFERENÇA EM RELAÇÃO AO LUCRO CESSANTE
O lucro cessante, espécie de dano material, surge toda vez que alguém, em virtude de uma ação ou omissão de outrem, deixa de auferir lucro ou vantagem, os quais, futuramente, estariam disponíveis à vítima. Ele é “[…] a frustração da expectativa de lucro. É a perda de um ganho esperado.” (GONÇALVES, 2007, p. 375).
É necessário, nesse ponto, atentar-se para o fato de que é possível haver confusão entre o lucro cessante e o dano pela perda de uma chance, tendo em vista que, numa primeira e superficial análise, seria muito fácil um indivíduo desavisado perceber entre os dois tipos tanta semelhança que acabaria por considerar que ambos são a mesma coisa. Contudo, já se deixa aqui a primeira a grande diferença entre os dois tipos de dano.
Ao contrário do lucro cessante, a perda de uma chance não necessita de prova concreta para ser configurada. Isso porque, como se sabe, o lucro cessante incide sobre tudo aquilo que o indivíduo razoavelmente deixou de ganhar e necessita, assim, que haja uma comprovação que indique, ao menos parcialmente, o que seria esse “tudo”, qual seria o montante, de onde ele seria proveniente, etc. Já no caso da perda de uma chance, como não se pretende indenizar a perda do resultado e sim da oportunidade, não há necessidade de provar se a vítima seria ou não agraciada com o resultado último por ela cobiçado.
A perda da chance, de outro modo, pode configurar sua prova na simples existência do fato que gerou a perda da possibilidade de tentar, bastando a prova do nexo causal.
Como exemplo, tem-se o caso de uma garota que ainda não trabalhava e, após passar muito bem colocada nas primeiras etapas das provas para admissão em concurso público, encontra-se em excelente posição, dentro do quadro de vagas, restando apenas uma última etapa. Tal concurso lhe traria a chance de conseguir um importante cargo que lhe garantiria um salário significativo e outros benefícios. Ocorre que, durante um passeio pela sua cidade, acabou sendo atingida por um pedaço de concreto mal acomodado no segundo andar de uma construção, que não apresentava qualquer aviso ou proteção contra aproximação de pedestres ou contra objetos que pudessem se soltar. Após ser atingida, a concorrente ao cargo público foi internada em um hospital, no qual permaneceu por 45 dias e, assim, acabou perdendo a última etapa do concurso, que seria dois dias após a data do acidente.
Além dos danos materiais com a internação e os danos morais sofridos com o abalo proveniente da hospitalização e do acontecimento, a garota perdeu, injustamente, uma chance que se apresentava altamente provável. Seria equivocado dizer que ela poderia requerer lucros cessantes, pois ela não estava trabalhando em outro emprego na época do acidente, tampouco estava absolutamente admitida no cargo ao qual concorria. O que houve, nesse caso, foi a perda injusta da chance real de conseguir o almejado emprego.
Importante lembrar o ensinamento de Cavalieri Filho (2008, p. 72), ao asseverar que
“o lucro cessante […] pode decorrer não só da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima, como, por exemplo, a cessação de rendimentos que alguém já vinha obtendo da sua profissão, como, também, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado.” [grifo nosso].
Outro motivo pelo qual não se pode considerar a perda de uma chance como lucro cessante é devido ao fato de que a responsabilidade civil pela perda da chance não tem como objetivo indenizar o valor daquilo que não foi alcançado, mas sim indenizar a perda da oportunidade de se poder conquistar algo. Acerca desse ponto, importa asseverar que a vitória nunca é certa, mas há sempre uma possibilidade de vitória. Esta, por sua vez, é anterior ao fato que gera a perda da chance, o que demonstra que não se está diante de um caracterizado lucro cessante.
Versando acerca da diferença entre o lucro cessante e a perda de uma chance, Savi (2006, p. 15) leciona que
“é possível estabelecer algumas diferenças entre os dois conceitos. A primeira delas seria quanto à natureza dos interesses violados. A perda de uma chance decorre de uma violação a um mero interesse de fato, enquanto o lucro cessante deriva de uma lesão a um direito subjetivo.” [grifos do autor]
Valendo-se da conclusão de Bocchiola (apud SAVI, 2006, p. 17) deve-se levar em consideração que o dano por lucro cessante e aquele proveniente da perda de uma chance são distintos na medida em que, no primeiro, o indivíduo perde algo que representava uma certeza de pertença futura, enquanto que no segundo, o sujeito não pode atribuir certeza de que irá alcançar do resultado final, mas pode garantir a pertença do direito de possibilidade, do direito de poder utilizar-se da chance para alcançar o fim pretendido.
Percebe-se que, mesmo utilizando tal critério, há uma proximidade entre ambos, o que pode gerar certa obscuridade no que tange à possibilidade de aplicar tal critério. Todavia, quando houver um caso em que se configura o lucro cessante, não é necessário que seja realizada prova do lucro cessante por si só considerado. O que necessita haver é a prova dos pressupostos e dos requisitos indispensáveis para que este lucro seja constatado.
O que se pode perceber, destarte, é que, embora possa existir certa dificuldade na diferenciação entre lucros cessantes e perda de uma chance, certo é que se deve atentar para os critérios acima descritos, os quais serão capazes de sanar o correto uso da aplicação ou não da teoria no caso concreto.
2.3 O DANO PELA PERDA DE UMA CHANCE COMO DANO EMERGENTE
O dano emergente é uma espécie de dano patrimonial e define-se, primordialmente, por ser a perda imediata, visível, quantificável. É aquilo que efetivamente se perdeu. “Dano emergente é o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela vítima.” (GONÇALVES, 2007, p. 347).
Realizada tal definição, pode-se, agora, adentrar na relação entre este tipo de dano e o dano advindo da perda de uma chance. Aliás, já é pertinente explicitar que, nesse tópico, será defendida a ideia de que o dano pela perda de uma chance é uma subespécie do dano emergente.
Pode inicialmente parecer estranho, tendo em vista que, como já fora suscitado, a perda de uma chance faz referência a uma oportunidade da qual se deixou de aproveitar e, dessa maneira poderia, para um indivíduo despreparado, gerar confusão em relação ao lucro cessante.
Todavia, deve-se entender que, por si só, o fato de fazer alguém perder uma chance não tem o condão de definir o dano daí proveniente como um lucro cessante. Isto porque a perda de uma chance não pretende indenizar a perda do resultado final desejado. Ao contrário, tem por objetivo indenizar a vítima que injustamente foi privada da possibilidade de tentar alcançar tal resultado, que teve uma chance obstaculizada de maneira indevida e, assim, ao perder a chance, individualmente considerada, perdeu algo que já lhe fazia jus.
Para melhor entender essa ideia, necessita-se partir da percepção de que, ao se falar ter perdido uma grande chance, está se afirmado que essa chance que se perdeu era algo que já se possuía, algo com o que já se contava e que está dissociada do resultado final que essa mesma chance, como um bem já adquirido, poderia proporcionar, poderia servir de instrumento. Isso porque a chance já existia como elemento autônomo.
Reforçando a ideia de que a chance perdida não pode ser quantificada como lucros cessantes e, sim, como dano emergente, há de se observar que “[…] nas hipóteses de perda de uma chance, a conduta do réu não é condição necessária para o aparecimento do dano final, mas apenas para a perda da chance de auferir a vantagem esperada.” (SILVA, 2009, p. 220).
Verifica-se, assim, que a ideia de chance já é naturalmente concebida como algo que já pertencia ao indivíduo no momento de sua perda. Aliás, é obvio que só é possível aferir a perda imediata de algo quando este logicamente já pertence a um indivíduo, e é esta compreensão de que a chance é uma propriedade pertencente ao indivíduo que possibilita entender a chance a partir do panorama adequado, como algo singular, com titularidade definida em relação a um determinado indivíduo e, também, com a possibilidade de ser objeto de prejuízo no que tange a sua perda.
Se a premissa é a de que só se pode indenizar o dano estético, o dano moral ou a perda patrimonial, percebe-se que a indenização pela perda de uma chance está contida nessa premissa, uma vez que, por ser algo real, ela já faz parte do patrimônio do indivíduo e, ao se perder, reduz seu patrimônio. Ou seja, há uma certeza do dano e, assim, ele se molda de maneira a ser considerado um dano emergente, encaixando-se perfeitamente no critério de perda patrimonial.
Acerca da perda de uma chance de uma hipotética vitória, De Cupis (apud SAVI, 2006, p. 11) aduz que
“a vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe […] no momento em que se verifica o fato me função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não de uma lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada.”
Ora, analisar a perda de uma chance como um dano emergente contribui para facilitar sua compreensão. Aliás, é possível até considerar que a resistência em relação à existência do dano pela perda de uma chance era proveniente da equivocada classificação desse dano, o que gerava obscuridade quanto à sua incidência, aplicação, quantificação etc.
Cabe, entretanto, deixar claro o seguinte: o dano pela perda de uma chance será, em regras gerais, quantificado de maneira inferior ao valor ou à vantagem que a vítima esperava alcançar.
Deste modo, “[…] a chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização. Além disso, nem todos os casos de perda de chance são indenizáveis.” (SAVI, 2006, p. 11). Isso já contribui para afastar qualquer alegação no sentido de que a caracterização da perda de uma chance como lucro cessante encontra óbice ao se deparar com a necessidade da valoração pecuniária da chance perdida. Aliás, o fato de admitir ser a chance um verdadeiro patrimônio, já é um início para a superação dessa possível dificuldade.
Sobre essa última afirmação, cabe ressaltar que ela se refere aos casos em que somente há uma esperança distante, aleatória, por mais que o indivíduo sempre tente alcançar o mesmo objetivo. É o caso da pessoa que constantemente joga na loteria e, por um fato ao qual não deu causa, fica permanentemente impossibilitada de continuar a apostar. Não há qualquer possibilidade do reconhecimento, neste caso, da perda a da chance, haja vista que havia somente uma simples uma esperança remota, a qual, apesar de poder ser levada em consideração, não é suficiente para a configuração da perda de uma chance.
3 PRESSUPOSTOS PARA A INCIDÊNCIA DO DANO
3.1 NEXO CAUSAL
Para que incida a responsabilidade e o consequente dever de indenizar pela perda de uma chance, é necessário, assim como ocorre em todas as espécies de dano, que esteja claramente configurado o nexo de causalidade. Visando melhor esclarecimento acerca do nexo da causalidade, recorremos às palavras de Cavalieri Filho (2008, p. 46), o qual nos diz que
“A relação causal estabelece um vínculo entre o determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não a causa do dano. Determina se o resultado surge como consequência natural da voluntária conduta do agente. […] Pode-se ainda afirmar que o nexo de causalidade é elemento indispensável em qualquer espécie de responsabilidade civil. Pode haver responsabilidade sem culpa, […] mas não pode haver responsabilidade sem nexo causal.”
Como exemplo, retoma-se em parte a primeira hipótese, utilizada na introdução deste artigo: caso o jogador de tênis, por descuido e falta de atenção, caísse no mesmo buraco e este, desta vez, estivesse adequadamente protegido e sinalizado, não seria possível se falar em dano pela perda de uma chance, pois não haveria nexo de causalidade entre o dano sofrido e a conduta da empreiteira, haja vista que esta não agiu com culpa nem deixou de observar o dever de cuidado inerente a sua atividade. Não seria possível nem mesmo se falar em responsabilidade da empreiteira por danos materiais ou morais.
Não é suficiente, pois, que o indivíduo tenha sofrido um dano para que se caracterize a responsabilidade civil, tampouco que seja comprovada culpa daquele que supostamente lesou. É imprescindível a incidência do elemento de conexão entre estes dois pontos – ou seja, entre o dano e a culpa – e tal elemento tão importante é o nexo causal.
Não obstante tais aspectos deve-se, no momento da valoração, levar em consideração outra importante questão: se a vítima, antes de ser submetida ao fato danoso, agiu com precaução para evitar sua ocorrência. Não se trata de um fato impeditivo ou excludente de responsabilidade, mas de uma peculiaridade capaz de ser considerada para fins de minoração do valor final da indenização pela perda da chance.
Este fato decorre da necessidade de que também a vítima tenha agido com o mínimo de cuidado. A diligência é fundamental para qualquer indivíduo capaz de exercê-la e não deve somente ser cobrada daquele que causa um dano após agir de modo não diligente. Pode-se exemplificar este ponto ao propor a seguinte hipótese: uma pessoa que estava de carona em uma moto sofre danos na cabeça após um acidente causado por um motorista que desrespeitou uma placa de parada obrigatória e em virtude das consequências da lesão sofrida, acabou perdendo uma determinada chance, que já possuía e, assim, foi considerada suficiente para caracterizar a indenização pela perda de uma chance.
Supondo que este indivíduo não estivesse usando capacete no momento do acidente, deverá o julgador atentar-se para este fato e utilizá-lo para minorar a indenização pela perda da chance. Isso porque a utilização do capacete pelo carona provavelmente faria com que a lesão fosse menor ou até mesmo não ocorresse, contribuindo para que a própria vítima não perdesse a chance e não buscasse uma tutela indenizatória.
Assim, se ficar caracterizado que a vítima concorreu, seja por omissão ou comissão, para a ocorrência ou agravamento do evento danoso, deverá o julgador utilizar-se de tal ocorrência para minorar a indenização, pois o dever de cuidado, por exemplo, é algo que necessita ser observado de maneira objetiva por quaisquer indivíduos.
Aliás, agindo de tal maneira, haverá total respeito ao que dispõe o artigo 945 do Código Civil de 2002: Se a vítima tiver concorrido culposamente par ao evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor.
3.2 CHANCE REAL E SIGNIFICATIVA
Além do nexo de causalidade, necessário se faz a existência de uma outra característica: que a chance perdida seja, de fato, real, significativa e altamente considerável. É preciso, pois, que subsista uma boa chance ou uma importante possibilidade de êxito.
Isto implica dizer que os casos nos quais se percebe apenas uma mera pretensão, que se apresentava distante, remota ou improvável, não ensejarão indenização. Isto tem por objetivo evitar a banalização da possibilidade de indenização por este tipo de dano e, também, impedir que seja gerada perigosa insegurança e instabilidade nas relações entre os indivíduos, o que poderia levar à responsabilização por decorrência de qualquer fato, por mais simples que seja.
Para melhor explicar, retomemos o exemplo da garota candidata ao cargo público, a qual sofreu um acidente que a impossibilitou de conseguir disputar a última etapa do concurso, no qual ela se encontrava tão bem colocada que as possibilidades de admissão eram grandes. Suponhamos que, ao contrário disso, tal garota estivesse apenas se inscrito em tal concurso, ou, ainda, que ela estivesse passado apenas na primeira etapa e, mesmo assim, em uma colocação mediana. Nesse caso, não seria plausível se falar em perda da chance, tendo em vista que esta ainda só existia num plano remoto, sem prejuízo, contudo, das outras indenizações cabíveis.
É nessa perspectiva que surge a dúvida em relação à maneira correta de quantificar a probabilidade de sucesso que seja suficiente para configurar a perda de uma chance. Existindo essa obscuridade, pois, cabe socorrer-se de bons direcionamentos doutrinários, como o de Silva (2009, p. 210) que, ao comentar um caso, dá-nos a seguinte contribuição:
“Aquele que busca um emprego se encontra em um processo aleatório, cuja probabilidade de êxito varia conforme a capacitação do candidato e a oferta de vagas existentes no mercado de trabalho. Esse critérios deveriam ter sido utilizados para medir a quantidade de chances perdidas pelas vítimas, podendo até levar à conclusão de que as chances eram por demais hipotéticas, carecendo de seriedade mínima para gerar a reparação.”
No que tange a tal ponto, Bocchiola (apud SAVI, 2006, p. 21) afirma que
‘[…] não há como se colocar nenhuma objeção ao recurso à estatística e à probabilidade, tendo em vista que tais recursos são os mesmo utilizados para determinar a existência e o conteúdo do lucro cessante. Assim, deverá ser demonstrado que a probabilidade de se conseguir o objetivo almejado era de aproximadamente 50%, devendo valores abaixo desse patamar serem desconsiderados para fins de caracterização da perda de uma chance. Savi (2006, p. 60) confirma tal entendimento ao definir que […] apenas naqueles casos em que a chance for considerada séria e real […] é que se poderá falar em reparação da perda da chance como dano material emergente.’
Tal critério é adotado na Itália, um dos principais polos de discussão e desenvolvimento da teoria da perda de uma chance e, até então, não demonstra grandes empecilhos nem há outro critério mais plausível para a fixação do patamar mínimo de probabilidade. Não vemos, assim, qualquer obstáculo para que tal critério seja, ao menos inicialmente, adotado em nosso país.
4 VALORAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE
Demonstrados os pressupostos, os exemplos e a admissibilidade do dano pela perda de uma chance, deve-se realizar uma breve análise acerca da valoração desse tipo de dano. Para tanto, tomando por base o pensamento de Savi (2006, p. 63), vale elucidar que a chance tem inconcusso valor patrimonial e sua perda implica a perda de um bem, que nesse caso é um patrimônio que possui valor econômico e que gera o dever de indenizar.
Já fora demonstrado que a chance de êxito deverá corresponder a pelo menos 50% no caso concreto para seja possível configurar a perda de uma chance. Percebe-se que tal critério já mostra sinais quanto à valoração inicial do dano, uma vez que um índice de tal dimensão é algo que deve ser levando em consideração no momento de atribuir valor pecuniário à perda da chance.
Tal critério é defendido neste artigo pois há determinados bens que, por sua natureza, geram dificuldades em sua valoração e a perda de uma chance é passível demonstrar tal obstáculo. Assim, consideramos que tão importante quanto reconhecer a existência desse tipo de dano é a sua valoração, que deve partir de um indicativo mínimo para que sejam respeitados os princípios da necessidade e proporcionalidade.
Indicar exemplos é a melhor via para explicar as condições para a valoração da perda de uma chance. Na hipótese já utilizada do jogador de tênis, se de fato ele possuía significativa chance de ganhar o torneio, por exemplo, 62% de possibilidade, o julgador deverá fazer incidir tal percentual sobre o montante do valor do prêmio reservado ao vencedor da competição. Outro exemplo é o do advogado que deixa de interpor recurso contra decisão insatisfatória para seu cliente. Se o julgador concluir que se o recurso fosse interposto o recorrente teria aproximadamente 80% de chance de ganhar o processo, deverá tal porcentagem incidir sobre o valor total da causa para que se chegue ao montante indenizatório pela perda da chance.
Constata-se, destarte, que o percentual tem dupla importância: no momento de averiguar se a chance era significativa e no período de realização do cálculo da indenização pela perda de uma chance.
Há outro caso hipotético que deve ser utilizado devido à complexidade de seus aspectos. Uma pessoa que, com alta pontuação, boa colocação e considerável probabilidade, injustamente perde a chance de disputar as últimas etapas de admissão em um mestrado em uma universidade pública.
Neste caso, como deverá ser calculado o quantum indenizatório? A resposta requer certo amadurecimento antes de ser proferida. Todavia, após refletir, pode-se chegar à conclusão de que poderia ser adequado o magistrado verificar o tempo médio que uma pessoa necessita de estudo para passar naquele exame e condenar o autor dos danos a pagar o equivalente a estes meses de estudo em uma instituição particular. Ou seja, se a pessoa demora em média 15 meses de estudo, o réu pagaria 15 mensalidades para a vítima em uma instituição particular que ofereça, com qualidade similar, o mestrado desejado.
A quantificação da perda de uma chance é uma etapa de extrema importância, por ser a última, aquela que dirá, em linguagem pecuniária, qual o valor da chance perdida. Não é possível nem pertinente esgotar, neste artigo, todas as possibilidades curiosas de quantificação da perda de uma chance. Decorre de tal fato a percepção de que as chances sempre oscilarão de acordo com o caso e, consequentemente, seu parâmetro de quantificação e sua valoração poderão apresentar mudanças de perspectivas, para as quais o magistrado deverá estar sempre sensível.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo analisou a perda de uma chance como um dano relevante, que se caracteriza como dano emergente e deve ser avaliado em relação à sua ocorrência, após a constatação de um evento de caráter prejudicial a um indivíduo.
No que tange à sua reparação, constatou-se que, apesar de não ser de simples quantificação, é imperioso reservar atenção para tal aspecto, sempre visando reparar o dano dentro dos limites da possibilidade e da maneira mais razoável, com o objetivo de indenizar a vítima, a partir da ideia da condenação devidamente construída e fundamentada (moldada na equidade).
O estudo propôs uma distinção técnica entre o dano proveniente da perda de uma chance, o dano moral e o lucro cessante, a fim de estabelecer critérios para a aplicação da teoria e, sobretudo, para a sua percepção e a sua quantificação.
Assim, o estudo optou por caracterizar o dano pela perda de uma chance como um dano emergente, vez que tratou a chance como algo que torna viável a busca e a possibilidade de alcance de um objetivo, de modo que a sua perda impossibilita o prejudicado buscar a vantagem desejada.
Dessa forma, propõe-se, neste artigo, que perder a chance é perde algo que já o titular de um direito já possuía, logo, há um dano emergente. No que diz respeito ao quantum, importa relembrar que, em regra, o dano pela perda de uma chance só será caracterizado caso a chance perdida apresente um potencial de no mínimo cinquenta por cento de possibilidade de concretização do resultado final, da vitória ou do acontecimento desejado.
Resta expor, por fim, que os critérios de fixação e avaliação aqui demonstrados, podem sofrer variações na jurisprudência a partir da análise do caso concreto. Não se deve esquecer, todavia, que o magistrado necessita de acuidade, perspicácia e sensibilidade para atender todas as necessidades advindas da possibilidade da aplicação do dano pela perda de uma chance e, assim, contribuir para sua evolução e disseminar sua compreensão e aceitação.
Doutora e Mestre do programa de pós-graduação stricto sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Especialista em Direito Empresarial (FDV). Professora de Direito Civil da graduação e pós-graduação lato sensu da FDV. Advogada e sócia fundadora do escritório Lyra Duque Advogados
Discente do curso de Direito da Faculdade de Direito de Vitória (FDV)
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