A tutela cautelar dos direitos fundamentais

Resumo: A tutela dos direitos e liberdades ante os tribunais ordinários e o amparo constitucional dependem da eficácia, que ofereçam ao cidadão, as técnicas de justiça cautelar que contenha a legislação processual. Neste sentido, é evidente que a garantia dos direitos fundamentais não se esgota com a sentença que resolve sobre a matéria da demanda de amparo ordinário. Neste trabalho se faz uma exposição sobre as aportações que o Direito Comparado tem a respeito das técnicas de justiça cautelar e as tímidas iniciativas tomadas pela nova legislação conteciosa-administrativa na Espanha.[1]


Sumário: 1) Considerações Gerais 2) O Direito Comparado e a Tutela Cautelar dos Direitos Fundamentais. 3) A Justiça Cautelar no Contencioso administrativo Espanhol: Depois de um Tímido Passo de Avanço e uma Provável regressão garantista. 4) A Tutela Cautelar Não Opera do Mesmo Modo no Amparo Ordinário e no Amparo Constitucional.    


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1) Considerações Gerais*1


A tutela dos direitos e liberdades ante os tribunais ordinários e o amparo constitucional dependem da eficácia, que ofereçam ao cidadão, as técnicas de justiça cautelar que contenha a legislação processual. Neste sentido, é evidente que a garantia dos direitos fundamentais não se esgota com a sentença que resolve sobre a matéria da demanda de amparo ordinário. Uma primeira fase processual desta garantia reside na decisiva importância que adquirem as medidas cautelares que decidam tomar o órgão judicial para preservar provisionalmente o exercício de um direito. A tutela cautelar constitui um elemento essencial  do direito a tutela judicial; sem a possibilidade processual de poder impedir a execução de um ato administrativo pendente de resolução judicial, as garantias jurisdicionais podem resultar ineficazes. Similar efeito é o que se deduz da impossibilidade de obrigar a Administração de atuar quando, estando impedida para fazei-lo, renuncia aos seus deveres. Assim mesmo, isto quer dizer que o regime jurídico da justiça cautelar não pode ser reduzido a somente a uma modalidade; assim, junto a tradicional medida de suspensão cautelar do ato impugnado é preciso incorporar outras formas de proteção que permitam afrontar através de ações positivas e de maneira mais eficaz, a inatividade dos poderes públicos.


Nos diversos capítulos deste trabalho  faz-se uma exposição sobre as aportações que o Direito Comparado tem a respeito e as tímidas iniciativas tomadas pela nova legislação conteciosa-administrativa*3 na Espanha. Por outra parte, a relevância e o alcance garantista da medida cautelar de suspensão no procedimento de amparo ordinário não é equiparável a que apresenta o amparo constitucional. O caráter subsidiário deste último habilita a atribuir maior importância  a tutela cautelar que se substancia ante os tribunais ordinários, entendidos como a sede natural de garantia jurisdicional dos direitos e liberdades. Sem embargo, as modificações introduzidas pela nova Lei Jurisdicional de 1998 tendem a equiparar o significado da tutela cautelar, outorgando uma ampla margem de decisão ao juiz ordinário sobre a conveniência  de adotar medidas desta natureza. Sem nenhum ânimo de prejulgar os critérios interpretativos dos juizes e tribunais ordinários, o transcurso do tempo permitirá comprovar se se cumprem o que objetivamente já constitui uma involução na garantia dos direitos fundamentais.


2) O Direito Comparado e a Tutela Cautelar dos Direitos Fundamentais


Com a exceção das medidas inominadas previstas no artigo 1428 da “Ley de Enjuizamento Civil” – LECv*4, a adoção ad cautelam da suspensão do ato ou disposição administrativa impugnada foi à única medida cautelar que tradicionalmente adotou o ordenamento espanhol.


Não é este o caso de outros ordenamentos jurídicos estrangeiros, onde se contemplam também outras medidas complementares. Este é o caso da França, onde se adotou, entre outras,  medidas cautelares como o réferé, o constat d’urgence e o surcis à éxécution. A primeira, tem por objetivo,  garantir bens jurídicos objeto de litígio frente à lentidão processual; a segunda, supõe para o órgão judicial, a prática de provas relativas a uma situação de fato, inclusive sem a prévia  interposição de um processo contencioso; a terceira, supõe a suspensão do ato impugnado como exceção à regra geral que proclama sua executividade.


Na Alemanha, junto à suspensão, se admitem outras medidas cautelares como as denominadas ordens provisórias para assegurar um direito  ou o regramento de uma situação de fato, para os supostos tanto de denegação da suspensão de fato, como para aqueles causados pela inatividade da Administração.


Na Itália, o ordenamento jurídico também contempla a aplicação de medidas cautelares próprias  do direito civil aplicáveis com finalidade similar, ainda que reduzidas em princípio, ao suposto da suspensão ad cautelum[2], mesmo que os critérios jurisprudenciais tenham permitido ampliar o espectro de modalidades de tutela cautelar. 


Convêm analisar com maior detalhe alguns modelos aportados pelo Direito Comparado.


a) O constat d’urgence, o réferé e o surcis à exécutions no direito francês.


A organização da tutela cautelar no direito francês tem uma ampla tradição na jurisdição civil através de três procedimentos específicos: os réferés, as ordenances sur requête e os procedurés d’injoction. O que resulta comum aos três é a sua condição de serem procedimentos muito breves que supõem uma ruptura com as normas processuais ordinárias a fim de assegurar ao recorrente uma decisão judicial rápida sobre um direito ou interesse legítimo. A configuração jurídica destes procedimentos se debate em manter um adequado equilíbrio entre a urgência com a que se toma uma decisão e o respeito aos direitos da parte demandada[3]. Pelo contrario, com a exceção feita ao constat d’urgence, a aparição de medidas cautelares no ordenamento contencioso-administrativo é muito mais recente e, por suposto, sua rentabilidade jurídica é hoje ainda relativa. Na França, a parte da suspensão do ato administrativo (surcis à execution), estão previstos dois procedimentos específicos de natureza cautelar postos à disposição do juiz administrativo. São os denominados constat d’urgence e do réferé, medidas de caráter provisional postas a disposição do juiz para fazer frente a situações de urgência. Ambas se diferenciam da suspensão posto que no contexto de um processo, esta última é um instrumento do Juiz para impedir a atuação unilateral da Administração; enquanto que as primeiras, são a conseqüência de sua competência para resolver de forma provisional mas peremptória, uma questão urgente até que não se produza uma solução definitiva[4].


O constat d’urgence é um procedimento simples e limitado iniciado por razões de urgência, cuja finalidade é impedir que pelo transcurso do tempo, uma parte possa ver-se desfavorecida com respeito à outra. Não é um procedimento contraditório, e seu objeto é a prática de provas ou de adoção de medidas por parte do juiz administrativo para a comprovação de uns fatos mediante um procedimento de caráter sumário. O requisito prévio é a existência de uma situação de urgência; não se trata portanto, de um processo contencioso-administrativo previamente iniciado que permita a sua aplicação. A urgência deve estar legitimada por uma situação de risco que de persistir, torne irreparáveis os efeitos sobre os interesses em jogo.


Tanto os poderes do juiz no constat d’urgence como os do réferé, respondem a dois princípios:


1) que estes não dispõem de mais poderes  do que os que possuem o juiz principal;


2) eles somente podem tomar medidas de caráter provisional, desprovidas de efeitos de coisa julgada.


Para levar-se a cabo uma medida cautelar deste tipo de demanda é necessário  precisar os fatos sobre os quais se solicita a tutela judicial; ao mesmo tempo, deve-se apontar as circunstâncias específicas que justificam a urgência de constatar os fatos sinalizados; finalmente, a constatação não poderá ser prescrita unicamente no caso que se determine sua utilidade. Se estes requisitos não se cumprem a conseqüência será a sua inadmissão.


O réferé é um instrumento mais complexo cujo objeto centra-se na salvaguarda de bens jurídicos, ante uma situação que por suas características pode produzir efeitos irreparáveis. A aparência de “bom direito” que  pode derivar de uma situação de fato concreta, permite iniciar um processo que em geral, é autônomo e independente do principal (não é um incidente), que permitirá exercer a tutela judicial em breve lapso de tempo. As condições de exercício são distintas segundo a modalidade de réferé adotada. Assim, tratando-se de um réferé expertise, o juiz poderá acordar qualquer medida útil de estimação pericial o de instrução; enquanto que se o objeto da intervenção judicial é um réferé geral, a medida a adotar será a de conservar os direitos ou interesses legítimos já existentes e consistirá em ordenar qualquer medida útil, que não prejulgue e não obstaculize a execução de nenhuma decisão administrativa[5]. Como no caso do constat d’urgence, o procedimento somente poderá ser ativado por razões de urgência a fim de evitar que o transcurso do tempo opere em prejuízo de uma das partes. A esta primeira condição acrescenta-se um segundo requisito: a existência de uma prévia situação litigiosa entre as partes ainda quando não se há formalizado em um processo. Dado que os requisitos do réferé são, por um lado, a aparência de um “bom direito” na pretensão que se invoca e, de outro, o caráter provisional da decisão que toma o juiz, ele obriga logicamente a este “a uma apreciação prima facie de mérito, algo mais que o controle mecânico da mera presença de alguns determinados documentos formais”[6].  A competência jurisdicional para o réferé corresponde ao mesmo tribunal administrativo a que interessa o mérito da situação. As medidas de instrução ou de conservação que o juiz tome devem ser proporcionais a urgência do pressuposto concreto; e, em nenhum caso podem prejudicar o mérito da situação, o que resulta coerente com a natureza deste instrumento cautelar, caracterizado por uma provisionalidade que impede abordar as questões que são próprias do processo principal. Não obstante, como ocorre na medida cautelar de suspensão do ato administrativo impugnado (surcis d’exécutions), nem sempre é fácil determinar a linha divisória existente entre uma solução provisional e o prejuízo que possa produzir sobre o litígio[7]. A sentença do réferé pode ser revisada em um processo declarativo posterior e a carga da prova corresponderá ao condenado na decisão do réferé, significando que a decisão não produz efeitos de coisa julgada. Mesmo assim, a sentença costuma ser apelada em um único efeito[8]. O balance que oferece a aplicação do réferé no âmbito da jurisdição administrativa é notadamente menos satisfatório que o aplicado na jurisdição civil. Como afirma Chinchilla Marín[9], esta medida cautelar converteu-se em um meio de execução forçosa – agora judicialmente prevista- dos atos administrativos; ele se favoreceu pelo critério mantido pelo Conselho de Estado Francês, que admitiu a substituição do requisito da proibição de julgar o mérito da questão, pelo da “ausência de uma contestação séria” por parte da Administração demandada, que perdeu a adoção de medidas provisionais encaminhadas à execução forçosa dos atos da administração. Mas a regra geral é aquela que determina a incompetência do juiz para dar instruções a autoridade administrativa, pelo que suas atribuições neste contexto estão circunscritas às decisões de instrução (especialmente a designação de expertos). Com isto, frustram-se algumas perspectivas que no momento da aplicação do réferé no âmbito contencioso-adminsitrativo  se suscitou. O surcis à exécution constitui a medida cautelar clássica que opera como exceção ao princípio de executividade dos atos administrativos; ou seja, a suspensão cautelar que será decidida livremente pelo juiz[10], quando da execução do ato em questão derivam-se prejuízos de difícil ou impossível reparação (periculum in mora) para os direitos ou interesse do recorrente, e sempre que possa ser identificada uma aparência de “bom direito” em suas pretensões (fumus bonis iuris).


b) Os pressupostos das decisões provisórias judiciais na Alemanha


O direito alemão instrumentaliza a tutela cautelar sobre direitos e interesses legítimos através da suspensão dos atos administrativos e também mediante as chamadas “decisões provisórias de garantias de direitos” e da “regulamentação de uma situação provisória contida em uma relação jurídica”[11]. Esta última modalidade de medidas cautelares, é um procedimento de proteção a disposição do recorrente ante a inatividade administrativa e também frente a decisões que deneguem determinadas petições do cidadão. O seu regramento jurídico atual, data da Lei de 17 de dezembro de 1990 (BGBI) que modificou por quarta vez o texto original da Lei alemã de Jurisdição Contenciosa-adminsitrativa de 21 de janeiro de 1960 (Verwaltungsgerichtsordnung – WWGO).[12]


O Tribunal Constitucional Federal estabeleceu em inúmeras sentenças[13] que a adoção de medidas cautelares é uma manifestação específica do direito à tutela judicial; mais concretamente, afirma que a tutela dos direitos públicos subjetivos só será efetiva se se põe à disposição dos seus titulares meios que possibilitem evitar que depois do procedimento judicial consumem-se fatos que , comprovados a posteriori a ilegalidade da atuação administrativa que os originou, dêem lugar a uma situação de danos irreversíveis de impossível ou difícil reparação.


O sistema cautelar se articula através de dois tipos de medidas: 1) a suspensão do ato administrativo impugnado e, 2) a decisão provisória de caráter prestacional. Esta última, apresenta duas modalidades; a primeira está dirigida a condenar a administração a ditar um ato administrativo favorável (é a chamada pretensão obrigacional); enquanto que a segunda, tem por objeto, instar a Administração a realizar ou a omitir uma atuação material.


A suspensão cautelar pode produzir-se tanto no procedimento administrativo como no contencioso sempre que  se pretenda a anulação de um ato administrativo de gravame; sem prejuízo de que dito ato seja constitutivo, declarativo ou, os denominados de duplo efeito. Ressalta-se que este regime de suspensão não é geral, o artigo 80.2 e seguinte da VWGO prevêem algumas exceções. Tais excepções controlam os recursos que afetam as seguintes matérias:


1) atos de liquidação tributária ou de imposição de custas administrativas;


2) atos de polícia de execução que admitem dilação, quando a autoridade que ditou o ato, ou a que é competente para resolver o recurso administrativo ordenou de forma motivada a execução imediata  do ato de interesse público ou no interesse preponderante de uma das partes, ou quando seja estabelecido por lei federal.


Decisões Provisórias


Merecem especial atenção duas modalidades de decisões provisórias que estabelece o artigo 123 da VWGO. Estas são medidas cautelares subsidiárias que podem ser aplicadas em todos aqueles casos em que não procede no processo principal a anulação do ato. Portanto, trata-se de litígios cujo objeto não é um ato administrativo de gravame. Em relação à suspensão cautelar, as decisões provisórias apresentam os seguintes elementos diferenciadores: 1) a carga da prova corresponde ao solicitante, pois logicamente é a ele a quem incumbe demonstrar que o seu direito está em perigo, ou que é necessário o restabelecimento de uma situação jurídica; 2) no caso de ser vencido no processo principal, o solicitante de uma decisão provisional suporta um maior risco, que não é outro que a restituição das prestações recebidas durante o período de vigência da medida; 3) a margem de apreciação que dispõe o juiz é mais reduzida, já que deve valorar se concorrem  os pressupostos estimados de natureza provisória estabelecidos pela norma; 4) são diversas as possibilidades de recurso contra uma decisão denegatória; 5) em todo o caso,  a aplicação da suspensão cautelar é considerada como uma solução preferível.


A competência jurisdicional corresponde ao Tribunal que decidiu no procedimento principal.


A decisão provisória pretende assegurar os direitos em perigo, seu objeto, é a conservação do status quo do peticionário, quem deve justificar a titularidade do direito cuja proteção solicita. O auto judicial pode ser de conteúdo denegatório ou denegatório preventivo, ou seja, pode condenar a Administração a omitir uma atuação material de limitação ou bem, condená-la a não emanar um ato administrativo de gravame.


Esta tem como objeto os direitos subjetivos. A situação de perigo para a integridade do direito suscetível de tutela cautelar deve ser objetiva e real; não submetida portanto, unicamente ao critério subjetivo do solicitante, já que em algumas ocasiões poderia resultar unilateral. Seus efeitos consistirão na efetiva modificação de uma situação anterior que impedia o exercício do direito.


A decisão consiste na regulamentação de uma situação provisória que tem por objeto a ampliação dos direitos  e do âmbito de atuação do recorrente. A Administração é impelida a realizar uma atividade de prestação que pode consistir: 1) ditar um ato administrativo favorável; 2) executar um ato material favorável que inclua o restabelecimento de uma situação jurídica que anteriormente esteve alterada de forma lesiva para os direitos do recorrente como conseqüência de um ato ilegal de um órgão da Administração.


Entre as possíveis medidas a serem tomadas destacam-se: 1) a imposição ou proibição de uma conduta; 2) a fixação de um prazo para que o peticionário formalize a ação principal; 3) ou a estipulação de uma quantidade que sirva como garantia, etc. Não obstante, nunca se poderão tomar medidas legalmente proibidas. E, por suposto, que seu conteúdo não prejudique a ação principal[14]. Parece claro pois, que as decisões provisórias na Alemanha não somente apresentam um conteúdo prestacional, mas também, podem ser limitativas, quando o que se trata é de impedir que com uma atuação omissa (aquela que explicitamente não é de gravame) a Administração possa também lesionar direitos do recorrente.


Em outro caso, não cabe dúvida que as decisões com este teor provisório, dão ao órgão jurisdicional competente uma ampla capacidade de decisão. Como ressalta Bacigalupo[15], tanto o fumus boni iuris como a inevitável ponderação dos direitos e interesses em questão são critérios interpretativos empregados com assiduidade pelos tribunais germânicos para justificar medidas tão singulares como as que comentamos, que obrigam a Administração a atuar em uma direção determinada. A diferença da medida cautelar de suspensão, na que sua decisão é discricionária mas seu conteúdo é regulado -a suspensão propriamente dita- nas decisões provisórias  a decisão esta prevista de forma expressa pelo ordenamento mas o conteúdo é discricionário. É neste ativismo judicial que o legislador alemão estabeleceu a tutela dos direitos e liberdades frente à ação omissa da Administração.


Certamente este é um  ativismo controlado, pois, salvo limitadas exceções, esta vedado ao Tribunal antecipar o resultado do processo principal. Entre estas exceções cabe incluir aquela cuja antecipação por meio de uma decisão provisória é procedente “quando o objeto do litígio se resolve pelo transcurso do tempo com anterioridade a resolução do processo principal”.[16]


c) As medidas cautelares na Itália


A tutela cautelar é também um dos aspectos mais insatisfatórios da justiça administrativa neste país e ao qual a lei não soube dar resposta. De fato a existência de medidas cautelares é uma criação jurisprudencial que permitiu ao juiz tomar todo o tipo de medidas, ampliando os seus poderes, inclusive para aqueles casos em que a autoridade judicial pode chegar a substituir a Administração[17].


De acordo com a legislação atual, a regra geral em matéria de suspensão cautelar esta prevista no artigo 39 da Lei do Conselho de Estado de 26 de junho de 1924, que estabelece o princípio de executoriedade dos atos administrativos; a sua suspensão somente poderá ser concedida de forma motivada se concorrem graves razões solicitadas pelo recorrente.  A reticência do legislador italiano as medidas cautelares (incluída a suspensão), se manifestou mais recentemente, por exemplo, na Lei de 22 de novembro de 1971, que limitou a possibilidade de suspender os atos administrativos em matéria de expropriação nos casos  de erro grave e evidente na determinação dos imóveis ou dos proprietários. Tal entendimento levou a Corte Constitucional a declarar  inconstitucional  uma sentença de 27 de dezembro de 1974, na qual foi declarada que a execução ou limitação do âmbito de exercício da tutela cautelar “contrasta com o princípio de igualdade consagrado no artigo 3 da Constituição, salvo que exista uma razoável justificação para dar este tratamento diverso”.[18] Ou seja, para a Justiça Constitucional italiana não parece haver dúvidas que na relação jurídico administrativa, os entes públicos ocupam uma incontestável posição de preeminência, sem embargo, parece necessário que o equilíbrio entre as partes se restabeleça, ao menos, no que concerne às armas de defesa processual e ao efetivo exercício do direito a tutela judicial; exercício que se veria reduzido pela carência de instrumentos sumários para conservar os direitos ou interesses legítimos ante a ameaça de efeitos irreversíveis que, em alguns casos poderia deduzir-se da executoriedade do ato administrativo. Um critério semelhante é o que adotaria anos depois, a Corte Constitucional, na importante sentença de 14 de fevereiro de 1982. Nesta, o Tribunal declarou inconstitucional, a proibição de apelar da decisão cautelar de primeira instância. Em 28 de junho de 1985, em uma nova sentença, a Corte admite a execução forçosa da medida cautelar nos recursos sobre emprego público. O Conselho de Estado, em uma sentença editada em de 25 de maio de 1987, também admite a execução forçosa através da técnica de nomear um comissário ad acta.[19]


3. A Justiça Cautelar no Contencioso-Administrativo Espanhol: Depois de um Tímido Passo de Avanço e uma Provável Regressão Garantista.


A regulamentação da tutela cautelar constitui um dos capítulos da reforma introduzida pela nova Lei 29 de 13 de julho de 1998, que regulamenta a Jurisdição Contenciosa-Administrativa (LJCA), que merece particular atenção por duas razões: 1) pela pluralidade de medidas que a Lei permite ao órgão judicial de tomar dando uma pequena possibilidade de adotar medidas cautelares positivas (artigo 129.1.); 2) porque alterou substancialmente, o critério de agir do juiz ou do Tribunal para decidir sobre a medida a adotar, refutando a regra anterior que mantinha como norma geral à suspensão do ato ou disposição impugnada e como exceção a sua executividade.


A pluralidade da medida cautelar


A medida cautelar prevista na LJCA se aplica em forma comum, seja pelo procedimento contencioso-administrativo (Titulo IV) seja pelo procedimento especial para a proteção dos direitos fundamentais da pessoa (Título V). Trata-se de uma medida de diversa natureza porque assim reconhece mais ou menos explicitamente a Lei que atribui ao interessado a potestade  de “solicitar em qualquer estado do processo a adoção de todas as medidas que asseguram a efetividade da sentença”.


Parece evidente que o preceito legal é concebido para conceder uma ampla flexibilidade à parte recorrente para solicitar ao órgão judicial a adoção de medidas de conteúdo diverso que, em função do periculum in mora e do fumus boni iuris, que possam incidir sobre um direito fundamental eventualmente lesado, permitam a efetividade futura da sentença. A suspensão cautelar sobre o ato ou disposição impugnada não é portanto, o único meio processual a disposição do recorrente para salvaguardar a integridade dos seus direitos ou interesses legítimos[20], visto que o legislador decidiu abrir a porta – certamente, com características muito genéricas- para adotar medidas cautelares de fazer e não fazer, alinhadas com as propostas doutrinárias e jurisprudenciais realizadas nos últimos anos[21] e mais ou menos concorde com a trajetória do Direito Comparado sobre esta matéria, como vimos nos parágrafos anteriores.


A medida cautelar de fazer esta fundamentada sobre o artigo 136 em relação com o artigo 29 da LJCA. Substancialmente consiste no seguinte: “quando a Administração, em virtude de uma disposição geral não precisa de atos de aplicação ou em virtude de um ato, contrato, ou ato administrativo, seja obrigada a realizar uma prestação concreta em favor de uma ou mais pessoas determinadas, aquelas que tem o direito podem  reclamar da Administração o cumprimento da citada obrigação”.[22]


A partir daqui e no caso de que a Administração não houvesse dado cumprimento as suas obrigações, a Lei estabelece um lapso de três meses  a partir da reclamação, para interpor o correspondente recurso contencioso-administrativo contra a inatividade da Administração.


O artigo 29, estabelece que “quando a Administração não executar seus atos os interessados podem solicitar a execução e, se esta não advém ao tempo de um mês do requerimento, os recorrentes podem formular recurso contencioso-administrativo…”, que terá o procedimento abreviado previsto no artigo 78 da referida Lei.


Nos casos em que a Administração devendo agir não o faz, o artigo 136 estabelece que se adotará a medida cautelar conseqüente mas o mesmo não especifica em que esta possa consistir, salvo que: a) seja evidente que não encontremos na situação prevista nos casos descritos; b) a medida provoque um grave dano para os interesses gerais ou de terceiros. Nestes casos o juiz ou o Tribunal considerará em forma circunstancial os interesses em conflito.


Não obstante tudo – e aqui que aparece mais substancialmente a tímida aportação da nova LJCA – as medidas cautelares que o órgão judicial decida adotar “podem ainda ser solicitadas primeiro que a proposição de recurso contencioso-administrativo”.


Nos casos em que estiverem presentes circunstâncias particularmente urgentes, o órgão judicial adotará a medida cautelar pertinente “sem escutar a parte contrária”, sem que o ato de decisão dê lugar a algum recurso. Sobre este ponto, no dito ato, o órgão judicial competente convocará a parte para uma comparação que deverá ser realizada nos três dias sucessivos, em que se decidirá sobre a revogação ou modificação da medida adotada. Uma vez  feita  à comparação, o juiz ou o Tribunal imitirá um ato a resguardo, ao qual se poderá interpor recurso conforme a regra geral contida na LJCA, artigo 135.


Nos casos de particular urgência e uma vez que o recorrente interponha o recurso contencioso-administrativo sucessivo, o mesmo deverá incluir as demandas na medida cautelar precedentemente adotada. Obviamente, não interpondo dito recurso, perdem-se os efeitos da medida adotada, e o solicitante deverá indenizar os danos e os prejuízos causados, conforme o artigo 136.2 da LJCA.


A medidas cautelares de não fazer estão previstas no artigo 30 da LJCA, nos seguintes termos: de acordo com o estabelecido neste preceito nos pressupostos “de via de fato, o interessado poderá formular requerimento a Administração competente, intimando a sua cassação”.[23]


Se isto não ocorre, é porque o requerimento não foi formulado, ou porque a Administração não o examinou nos 10 dias sucessivos a sua apresentação, podendo-se assim, interpor recurso contencioso-administrativo.


Neste ponto, como no caso precedente, e de acordo com os mesmos requisitos processuais previstos nos artigos 135 e 136 da LJCA, nos casos de particular urgência, a medida cautelar de não fazer pode ser requerida antes da proposição do recurso contencioso-administrativo.


Esta diversificação das formas de tutela cautelar dos direitos fundamentais constitui sem dúvida, um avanço a respeito do postulado pela doutrina e pela jurisprudência nestes últimos anos. Este passo adiante é apregoado com o escopo de consolidar o conceito de tutela cautelar como expressão indiscutível do conteúdo essencial do direito versado na tutela judicial. Neste sentido, convém recordar o significado conceitual do instituto processual da medida cautelar, como decisão jurisdicional de caráter urgente e provisório, dotada de finalidade instrumental, em cuja valoração dos bens em conflito pelo órgão judicial, tem por finalidade a efetiva tutela dos direitos fundamentais, quando possam derivar-se efeitos irreversíveis da execução, ou não, de um determinado ato administrativo.


Não obstante, o passo adiante de característica garantista, experimenta, na legislação administrativa dos últimos anos, uma evidente assimetria entre as partes nas relações jurídicas nas quais a Administração age investida de sua potestade de imperium. De fato, esta é uma característica inata ao poder público[24]. Neste sentido, a promulgação da Lei n. 62, de 26 de dezembro de 1978, sobre a Proteção dos Direitos Fundamentais da Pessoa, pretendeu introduzir uma mudança relevante nesta posição hegemônica dos órgãos públicos em um âmbito muito amplo de atuação material. Da inovação processual que a citada Lei de 1978 apresentava, a medida cautelar consistia na suspensão do ato ou disposição impugnada, como regra geral, salvo exceções fundadas no interesse público. Sem dúvida, esta Lei, é extremamente relevante em comparação com as prescrições da LJCA de 1956, sobretudo, pela equiparação processual que se dá ao autor em uma matéria de proteção dos direitos fundamentais da pessoa. A posição do indivíduo no confronto com os poderes públicos não pode ser presidida por uma subordinação permanente, a proteção dos direitos e das liberdades em um Estado democrático requer concessões muito mais ativas aos indivíduos considerados como sujeitos imputáveis. Neste sentido, uma configuração mais simétrica da lei processual é um pressuposto necessário para uma tutela mais integral do status de liberdade do indivíduo.


A suspensão do ato administrativo segundo o modelo da LJCA é traduzida em uma técnica cautelar insuficiente para uma Administração sempre mais expansionista, que responde a um modelo jurídico-político que, por conservar a tradicional forma de tutela cautelar, exige nova modalidade de instrumentos que garantam os direitos e os interesses legítimos do indivíduo e dos grupos que concorrem com os órgãos públicos nos diversos âmbitos da intervenção Administrativa. Hoje, a Administração Pública coloca a disposição um contingente de serviços individualizados (exercidos por ela mesma ou, algumas vezes, em colaboração com entes privados) que exige que o ordenamento jurídico-administrativo seja dotado de mecanismos que equiparem de uma forma aceitável o Poder Público e os particulares. Da perspectiva do sujeito receptor da atividade administrativa, vale dizer essencialmente, que do âmbito do direito da pessoa, o princípio da eficácia da administração não pode estar em contra aquele e, por este motivo, deverá conceder as garantias processuais postas em discussão[25].


As medidas cautelares pretendem conseguir a tutela judicial sobre interesses legítimos cuja salvaguarda advém durante o desenvolvimento do processo e anteriormente a uma sentença passada em juízo. Apresentam uma clara dimensão de garantia sobre o conteúdo dos bens jurídicos com o fim de evitar que a execução do ato administrativo, não obstante a eventualidade, seja declarado sucessivamente nulo e  produza efeitos irreversíveis.


Não se pode esquecer que a teoria geral do ato administrativo fundamenta-se atualmente, sobre uma dupla condição: a presunção de validade e executividade do seu conteúdo. Como expressou Chinchilla Marín[26], não deve ver-se neste uma arma afiada que a Administração utiliza contra a pessoa, mais bem, a forma habitual que utiliza a Administração Pública para o cumprimento dos fins que constitucionalmente lhe são atribuídos conforme o artigo 103.1 da Constituição Espanhola, e mais genericamente, para a defesa dos interesses públicos. Sem dúvida, o princípio de executoriedade dos atos administrativos não pode conceber-se em termos absolutos, mas como um elemento institucional do Estado de Direito que efetiva o exercício dos direitos fundamentais através da tutela jurisdicional dos juizes e Tribunais. Neste sentido, e como se sabe, servirá pouco uma sentença valorativa de uma pretensão sobre um direito fundamental se a executoriedade do ato que dispõe a impugnação a retardado ou anulado sua hipotética efetividade benéfica. As medidas cautelares são em si mesmas um instrumento que deve evitar que a justiça perca em razão da demora e portanto, devem articular-se formas jurídicas diferentes que concretizem a lógica garantista. O objeto não deve ser outro que a tutela provisória dos bens, direitos ou situações jurídicas dos mais heterogêneos conteúdos.


Por esta razão, é muito importante a incorporação feita pela nova LJCA  mesmo que de modo embrionário, da forma de tutela de caráter positivo. Tal previsão era uma exigência palpável, mesmo que o legislador não tenha concretizado todo o conteúdo almejado para este tipo de medida cautelar. Fundamentalmente, porque não necessitava descartar hipóteses nas quais os órgãos judiciais competentes pudessem eximir-se de colocar em prática o segundo dos casos; a Lei não especifica em que coisa possa consistir uma medida jurisdicional que, provisoriamente, é destinada a substituir a Administração. A importância do caso é inegável visto que de nenhum modo, constitui uma exceção a separação dos poderes como princípio do Estado de Direito. Neste sentido, se o legislador houvesse especificado algumas formas de cautela positiva, facilitaria a sua aplicabilidade, visto que o sistema atual pode oferecer algumas dificuldades em sua aplicação pois esta  fundamentado em uma certa cultura jurídica mais vinculada ao sentido literal da lei.


A fim de refletir sobre esta particularidade, pode ser conveniente ver novamente a oportunidade que pode oferecer o referente alemão sobre a sentença provisória: uma modalidade de medida cautelar subsidiária que pode ser aplicada em todos aqueles casos em que não existe no processo principal, anulação do ato, vale dizer, nos contenciosos em que o objeto não é um ato administrativo de gravame.


A mudança de critério sobre a adoção da medida cautelar.


É notória a modificação introduzida sobre este aspecto pela LJCA. Como se sabe, a promulgação da Lei n. 62 de 1978, estabeleceu uma importante ruptura com o critério tradicional fixado pela Lei Jurisdicional de 1956, fundada sobre o princípio da executoriedade do ato administrativo. De acordo com o mesmo, a suspensão do ato administrativo objeto de um recurso era uma exação, enquanto a regra, era a presunção de legalidade que  o habilitava para a sua execução. A Lei n. 62 de 1978, inverte este critério e em matéria de ordem pública, estabelece com efeito automático e direto a suspensão do ato. Posteriormente este automatismo foi suprimido pela Lei Orgânica n. 1 de 21 de fevereiro de 1992, sobre a Proteção da Seguridade Cidadã. A nova LJCA, prescinde de estabelecer qual é a regra vigente atualmente que possa vincular o juiz estipulando que este deve avaliar os interesses em conflito e determinar a oportunidade de executar o ato, ou aplicar a medida cautelar. O artigo 130 determina:


“1. Prévia avaliação circunstancial de todos os interesses em conflito, a medida cautelar poderá ser concedida unicamente quando a execução do ato ou aplicação da disposição podem tomar a sua finalidade legítima ao recurso.


2. A medida cautelar poderá ser negada quando desta pode seguir-se grave dano aos interesses gerais ou de terceiros que o Juiz ou o Tribunal examinará de forma “circunstancial”.


Provavelmente, esta importante mudança incorporada a LJCA pode ter sido causada pelo abuso ocorrido, a seu tempo, de determinado uso da regra favorável a suspensão, na medida em que, especialmente no primeiro ano de vigência da Lei n. 62 de 1978, constituiu um certo reclamo  para os recorrentes que estavam mais preocupados em obter do processo a medida de suspensão do ato que desejosos de argumentar de modo factível a oportunidade da medida cautelar solicitada.


Contra esta tendência, manifestou-se o Tribunal Superior de Justiça das Comunidades Autônomas e também, a jurisprudência do Tribunal Supremo estabelecendo alguns razoáveis critérios de admissão de recursos, procurando evitar os excessos dos recorrentes. Essencialmente, entre outros requisitos, este critério obrigava a uma exposição razoável dos motivos do recurso, bem como, um elenco dos direitos fundamentais lesionados, não somente na demanda mas também na proposição do recurso. Deste modo, tentava-se impedir o uso instrumental de um  recurso especial, tramitando uma simples invocação literal de preceitos constitucionais, carentes de qualquer fundamento[27]. O conseqüente resultado supunha uma racionalização do procedimento sobre este aspecto em concreto.


Entretanto, sejam estas ou outras as razões invocadas,  certo é que a solução adotada, consiste unicamente em remeter a ponderação judicial à decisão final sobre a oportunidade da medida cautelar que é conveniente aplicar, mas esta não é uma boa solução. Não o é porque o que se justifica neste procedimento é a  tutela os direitos fundamentais da pessoa através de uma via preferencial e sumária, concebida como uma garantia jurisdicional que se projeta sobre o que constitui o estatuto da liberdade individual. Isto significa que o contencioso-administrativo para o recorrente é um poder público, estabelecido principalmente para que o órgão judicial  valide o princípio in dubio pro libertatis que mantém o equilíbrio de todo o repertório jurídico, especialmente quando uma das partes é a Administração Pública.


Não se trata portanto, de invocar a necessidade da suspensão do ato impugnado nem de uma indiscriminada aplicação da antiga regra prevista na Lei n. 62 de 1978. Mas sim, estabelecer um adequado equilíbrio entre as partes na aplicação do ônus da prova da respectiva demanda, estabelecendo um maior grau de exigência para a Administração Pública na sua condição de depositária dos interesses gerais. Neste contexto, naturalmente, o órgão judicial deverá ainda exercer o necessário trabalho de ponderação dos interesses em conflito, interesses que deveram ser argumentados com a devida diligência pelas partes, e não somente por parte da Administração, mas com uma variante fundamental: se o interesse público não permanecer intacto, a solução mais garantista deve ser a aplicação da medida cautelar que melhor se amolda à tutela cautelar dos direitos.


Em sentido contrário, pode-se argumentar que o conteúdo do artigo 130 da nova LJCA não impede uma postura como aquela que foi determinada primeiramente. Sem dúvida, a opção da Lei n. 29 de 1998 é de conceder ao juiz ou ao Tribunal competente o máximo grau de decisão sobre a oportunidade da medida cautelar, carente portanto, de qualquer critério predeterminado que permita impedir a execução do ato impugnado. Neste sentido, a manutenção da regra estabelecida pela Lei n. 62 de 1978, combinada com uma adequada e conjunta aplicação  dependendo do caso, da regra do fumus boni iuris, do periculum in mora e do interesse público inferido da situação, será uma solução igualmente razoável com respeito àquela adotada, mas sem dúvida mais garantista e sensível a tutela dos direitos fundamentais.


A escassa experiência na aplicação da nova Lei Jurisdicional não permite oportunizar dados seguros. Analisando-se alguns Atos do TS deduz-se que os critérios consolidados sobre a aplicação de medidas cautelares continuam sendo levados em consideração. Assim, o recente ATS de 23 de abril de 1999, sobre R.D. 5 de fevereiro de 1999, n. 214 que aprova o Regulamento do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física. Este regulamento insiste que: adotar medidas provisórias que permitam assegurar o resultado de um processo não deve ser contemplado como uma exceção, mas sim, como uma faculdade que o órgão judicial pode exercitar sempre que necessário para fundamentar a sua decisão  qualquer que seja a sua natureza; desde que, a execução do ato, ou  a aplicação da disposição,  atendam a finalidade do recurso, mas sempre sobre a base de uma ponderação suficientemente motivada de todos os interesses em conflito. Neste sentido, a única finalidade deve ser aquela de assegurar a efetividade da sentença. Por este motivo, é necessária uma avaliação rigorosa da preeminência dos interesses em conflito[28].


4. A Tutela Cautelar Não Opera do Mesmo Modo no Amparo Ordinário e no Amparo Constitucional


A suspensão de um ato ou de uma resolução como medida cautelar é prevista pela Lei n. 2, de 3 de outubro de 1979, sobre o Tribunal Constitucional. O artigo 56. 1 estabelece que a sala que conheceu o recurso de amparo suspenderá de ofício, ou a pedido do recorrente, a execução do ato dos poderes públicos em razão daquele que reclama o amparo constitucional quando a execução possa causar um dano tal que faça perder a defesa de sua finalidade. Sem dúvida, poderá negar-se a suspensão quando desta derivar-se um dano grave aos interesses, aos direitos fundamentais, ou a liberdade pública de um terceiro.


A partir daqui, a jurisprudência do TC estabelece alguns critérios de diferenciação da suspensão como medida cautelar, a segunda que opera no âmbito da jurisdição ordinária em sede constitucional. Assim, na jurisprudência ordinária, depois da nova LJCA, a suspensão do ato impugnado é adota como um critério de aplicação geral, salvo que se justifique um dano grave ao interesse coletivo. É por isto que a medida cautelar estabelece a regra geral e não a exceção, assim como entendia a antiga Lei Jurisdicional. Depois da nova Lei n. 29 de 1998, este critério é modificado em sentido objetivamente menos garantista. Atualmente é o juiz ordinário que dispõe de uma margem de decisão mais ampla sobre a matéria, isto é, com uma certa equiparação omitida na aplicação da medida cautelar de suspensão, conforme a posição dos tribunais ordinários e do Tribunal Constitucional.


No procedimento de amparo constitucional, a fim de que a suspensão seja obrigatória, é necessário que o adimplemento do ato impugnado tenha como efeito que o amparo perca a sua finalidade.


A notória diferença dos critérios existentes depois da entrada em vigor da nova LJCA era assim explicada pelo TC “(…) o ato recorrido no amparo deve ser normalmente reexaminado e confirmado pelo Tribunal de Justiça porque goza da presunção de legalidade e constitucionalidade própria das resoluções judiciais, coisa que não existe quando o ato objeto do debate seja inicialmente sujeito a jurisdição daquele Tribunal”[29].


É importante destacar que o TC estabelece este critério em função de diferentes momentos processuais. Quando o objeto da litis é a defesa dos direitos fundamentais em via processual ordinária, é lógico que somente a cláusula dos interesses gerais possa operar como exceção à suspensão do ato ou disposição administrativa objeto do recurso. Trata-se de oportunizar tutela jurídica ao recorrente de modo que a sua pretensão, ao final, seja resolvida por um procedimento judicial e não através da simples e taxativa execução do ato administrativo. A finalidade da medida cautelar é aquela de preservar a integridade do direito lesado e procurar atenuar os efeitos do ato ou disposição administrativos mediante a sua suspensão; e se realmente um direito fundamente foi lesado, a solução judicial não pode ser outra que a nulidade de sua eficácia.


Ao contrário, quando o conflito se estabelece em sede constitucional, a suspensão tem por objeto evitar que eventuais valorações do recurso de amparo resultem mais ou menos em vão. Por exemplo, no  caso do jornalista condenado a uma pena de privação da liberdade com sentença irrevogável, que apresentou recurso de amparo em defesa do seu direito à liberdade de expressão e ao direito a informação[30], tanto que o Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre a pretensão do autor, sobre o conteúdo deste pedido, “a sala que conheceu o recurso de amparo, suspenderá a execução dos atos dos poderes públicos em razão de que se demanda um amparo constitucional, quando a execução pode causar um dano – um período mais ou menos prolongado de privação da liberdade- que fará o amparo perder a sua finalidade”. Em outro caso, a suspensão poderá ser negada quando desta “possa derivar um grave dano aos interesses gerais, aos direitos fundamentais, ou a liberdade pública de um terceiro”, artigo 56. 1 da LOTC[31]. Portanto, o elemento diferenciador do procedimento de amparo ordinário é, para o TC, a sua obrigatoriedade salvo a exceção de que os motivos de interesse geral possam gerar.


Estes razoáveis argumentos da jurisdição constitucional foram diluídos na nova LJCA. Hoje, os juizes e os tribunais ordinários dispõem de uma margem mais abrangente de decisão para aplicar a justiça cautelar. A experiência da tutela dos direitos fundamentais por parte dos tribunais ordinários na Espanha suscitou, sem dúvida, requisitos infundados para a aplicação da suspensão cautelar, mas as respostas das jurisdições ordinárias, vêm consolidando alguns critérios razoáveis sobre a adequada utilização desta medida que no futuro não deverá ser ignorada.


 


Notas:

[1] Traduzido por Sheila Stolz da Silveira

*1 Artigo original publicado em italiano na Rivista di Diritto Costituzionale,  G. Giappichelli Editore, Torino, 2000, pp. 168 – 189. Tradução de Sheila Stolz.

*3 Nota do tradutor: a Espanha possui uma legislação específica para o processo judicial administrativo.

*4 Nota do tradutor: aLey de Enjuizamento Civil” espanhola  é bastante similar ao Código de Processo Civil Brasileiro.

[2] DIAZ, José Delgado e ESCUIN, Vicente Palop. “La suspensión de los actos administrativos recurridos en le proceso especial de la Ley de protección Jurisdiccional de los derechos fundamentales”. RAP n. 117, Madrid, 1988, pp. 198-99.

Sobre as referencias as legislações estrangeiras ver: CHAPUS, R. “Droit du contentieux administratif”. Ed. Montchrestien, Paris, 1982; OERTZEN, H. J. von. “Le contrôle jurisdictionnel de l’Administration”, em L’Administration Publique en Republique Fédérale d’Allemagne, Económica, Paris, 1983; FOLLIERI, E. “Giudizio cautelare amministrativo e interessi tutelati”, Giuffrè, Milán, 1981.

[3] Para o estudo destes processos rápidos veja-se: ESTOUP, P. “La practique des procédures rapides. Référes, ordonnances sur requête, procédures d’infonction”, Litec, Paris, 1990.

[4] PAREJO. L. “Estado Social y Administración Pública”. Civitas, Madrid, 1983, p. 296.

[5] CHINCHILLA MARÍN, C.  “La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa”. Civitas, Madrid, 1991, p. 87.

[6] GARCÍA DE ENTERRÍA, E. “La batalla por las medidas cautelares. Derecho Comunitario europeo y proceso contencioso-administrativo español”. Civitas, Madrid, 1992, p. 271.

[7] Ibidem, p. 299.

[8] Ibidem, pp. 269-270

[9] Op. cit., p. 94.

[10] É importante destacar que na sua Décision de 23 de janeiro de 1987, o Conselho Constitucional Francês interveio nesta “liberdade” do órgão judicial competente, ao considerar que a suspensão cautelar é um direito em sua condição de fator de garantia dos direitos de defesa.

[11] Para o caso alemão, veja-se, também, PAREJO, op. cit., pp. 300-310.

[12] Para um completo estudo sobre o contencioso-administrativo alemão, veja-se: GONZÁLVEZ-VARAS IBAÑEZ, S. J. “La jurisdicción contencioso-administrativa en Alemania”. Civitas, Madrid, 1993.

[13] BACIGALUPO, M. “El sistema de tutela cautelar en el contencioso-administrativo alemán tras la reforma de 1991”. RAP n. 128, Madrid, 1992, pp. 416.

[14] Ibidem, pp.309-310.

[15] Op. cit., p. 446.

[16] Op. cit., p. 450.

[17] CHINCHILLA MARÍN, op. cit., p 103. Também, QUINTANA, T. Lopes. “Las medidas cautelares en el proceso administrativo italiano”. REDA n. 64, Madrid, 1989.

[18] Ibidem, p. 107.

[19] Ibidem, p. 109.

[20] Neste caso, não se deve omitir que a possibilidade de adotar outro tipo de medida cautelar no procedimento contencioso-administrativo no passado não era absolutamente descartada dado que era prevista a aplicação substitutiva do artigo 1428 da Lei Civil de medidas cautelares inominadas. Estas influenciaram, em parte, na configuração da medida de fazer e não fazer prevista nos artigos 29 e 30 da nova LJCA. A entrada em vigor da nova Lei n. 1, em 7 de janeiro de 2000, sobre Processo Civil, permitirá ainda, a aplicação supletiva de uma ampla gama de medidas cautelares especificamente contempladas no artigo 727.

[21] Recomenda-se o trabalho do professor Garcia de Enterria, citado anteriormente. No que diz respeito ao referencia jurisprudencial, consultar a sentença de 19 de junho de 1990 da Corte de Justiça das Comunidades Autônomas e a influência que exerceu sobre algumas decisões dos órgãos judiciais espanhóis nos últimos anos.

[22] A LJCA estabelece no artigo 31.2  que o requerente “poderá pretender o reconhecimento de uma situação individualizada e adotar uma medida adequada para o pleno emprego da mesma, bem como o ressarcimento dos danos….”. Isto permite, ou pode permitir, que no confronto com a Administração, as medidas cautelares sejam de fazer ou de qualquer outro tipo.

[23] O artigo 32.1 refere-se, por outra parte, aos casos de inatividade administrativa; nesta hipótese, “o requerente poderá pretender do órgão judicial que condene a Administração ao cumprimento da suas obrigações nos termos concretos estabelecidos”.

O artigo 32. 2 estabelece como corolário desta medida cautelar que: “se o recurso que tem por objeto um ato material constitutivo de via de fato, o requerente poderá pretender que seja declarada contrária ao Direito que se ordene à cessação de dito ato e que se adote as medidas previstas anteriormente pelo artigo 31. 1”.

[24] GOMEZ, R. Ferrer. “Derecho a tutela judicial y posición jurídica peculiar dos poderes públicos”. REDA, n. 33, Madrid, 1982, p. 185.

[25] Veja-se STS 17 de julho de 1982.

[26] CHINCHILLA MARÍN, C. Op. cit., p. 28.

[27] Sobre a problemática da admissibilidade do recurso, veja-se: CARRILLO, Marc. “La tutela de los derechos fundamentales por los tribunales ordinarios”. CEC, Madrid, 1995, p. 146.

[28] É o caso de citar o Ato de 27 de abril de 1999 do Tribunal Autônomo de Vizcaya, emanado em um procedimento incidental sobre a proteção da liberdade intelectual e, com anterioridade, a sentença do TSJ da Catalunha de 16 de janeiro de 1998 em procedimento administrativo iniciado pelo recorrente com o intuito de proteger o seu direito à presunção de inocência.

[29] ATC n. 529 de 1983, de 8/XI.FJ 1.

[30] STC, n. 20 de 15 de fevereiro de 1990.

[31] Mais recentemente, na sua ATC n. 110 de 1996, FJ 2, o TC sustenta que “quando o recurso é direto contra a decisão judicial, que o interesse geral consiste precisamente na sua execução, é necessário que se verifique um dano irreparável (…). Tratando-se de decisões com efeitos meramente econômicos, a doutrina geral deste Tribunal infere que a execução dos mesmos não provoca dano irreparável. Nos casos, em que a plena e definitiva atuação é a transferência definitiva de um bem determinado (neste caso, através de auto), declarou o Tribunal que os fins do recurso estariam comprometidos: por exceção deveriam ser tomadas aquelas medidas cautelares que evitassem tais conseqüências”.

Informações Sobre o Autor

Marc Carrillo

Professor Catedrático de Direito Constitucional na Universidtat Pompeu Fabra de Barcelona, Espanha


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Equipe Âmbito Jurídico

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