Resumo: Trata-se de breve análise sobre a plausibilidade de indenização por danos morais oriundo do chamado abandono afetivo paterno, o principio da afetividade e suas implicações no ordenamento juridico brasileiro. Os avanços tecnológicos, culturais e biopsicossociais da humanidade, bem como as novas definições e formas de constituição das famílias possíveis, fizeram com que o afeto tomasse um novo prisma, ocupando um espaço cada vez mais significante nas possibilidades de efetivação do constitucional direito à convivência familiar. De inicio, faz-se uma análise da família e sua evolução histórica, explicitando sobre a evolução da tutela jurídica do afeto em nosso ordenamento constitucional e infraconstitucional. Em seguida, buscou-se discutir a paternidade e a chamada figura paterna, tentando enfatizar a diferença existente entre esses dois conceitos e a importância da figura paterna para o desenvolvimento do infante. Após, discorreu-se sobre alguns direitos e princípios aos quais fazem jus a criança e o adolescente, decorrentes dessa nova concepção jurídica após a constitucionalização do direito e sua positivação em nosso ordenamento pátrio. Na secção seguinte tratou-se exclusivamente da responsabilidade civil no direito de família, explicitando sobre todos os pressupostos para a sua caracterização. Com o intuito de melhor credibilidade ao estudo, organizou-se na quinta secção um breve estudo de caso. Por último, elaborou-se as considerações finais, em que constatou-se que, com a dinâmica na sociedade e nos costumes, nada é definitivo.
Palavras–Chaves: Indenização; abandono afetivo; dano moral; possibilidade
Abstract: This is a brief analysis of plausibbilidade of punitive damages arising from the so-called affective paternal abandonment. The principle of affectivity and their implications in the Brazilian legal system. Technological advances, cultural and biopsychosocial of humanity bono as new definitions and forms of possible formation of families, caused the affection took a new light, occupying a space increasingly significant in the possibilities of realization of the constitutional right to family. Initially, it is an analysis of the family and its historical evolution, explaining about the evolution of legal guardianship of affection in our constitutional and infra. Then we tried to discuss fatherhood and called father figure, trying to emphasize the difference between these two concepts, and the importance of father figure to the development of the infant. After, spoke up about some principles and rights to which they are entitled children and adolescents, resulting from this legal conception after the constitutionalization of law and order in our positivization his patriotism. In the following section dealt exclusively civil liability in family law, explaining about all the assumptions for its characterization. In order to better credibility to the study, was organized in the fifth section a brief case study. Finally, we prepared the final considerations, where it was found that with the dynamics in society and customs, nothing is final
Keywords: Alternating Guard, shared custody, child's interests
Sumário: Introdução; 1. O afeto e o direito das famílias: uma breve análise histórica; 1.1 O afeto e o princípio da afetividade; 2. Paternidade e a chamada figura paterna; 3. Da proteção à criança e ao adolescente; 3.1 O direito à igualdade; 3.2 O princípio da paternidade responsável; 3.3 O dever de convivência; 3.4 Principio do melhor interesse da criança e do adolescente; 3.4 A chamada doutrina da proteção integral; 4. A responsabilidade civil no direito de família; 4.1 A caracterização da responsabilidade civil; 4.2 Indenização por abandono afetivo; 5. Considerações finais; 6.Estudos de casos; Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O referido estudo trata-se de uma breve análise da plausibilidade da existência do fenômeno denominado abandono afetivo paterno[1] e a problemática da indenização de dano moral decorrente de sua configuração.
Apesar de, ainda, muitos refutarem a possibilidade da referida reparação pecuniária, o Superior Tribunal de Justiça inovou ao negar provimento ao Recurso Especial de nº1159242, mantendo a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que reconheceu o abandono afetivo praticado pelo genitor em detrimento de sua filha.
Tal decisão já serve de precedente para algumas demandas, como um recente julgado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro[2], em que o relator fundamentou sua decisão no recurso especial supra citado e no voto da relatora do processo, a ministra Nancy Andrioghi.
Carinho, zelo, atenção e solidariedade com os filhos são elementos que transcendem o Direito e que incorporam a dignidade da pessoa humana, direito de todos e tutelada na jurisdição brasileira. Atualmente, a ciência do direito entende como bens juridicamente tuteláveis outros elementos além do direito positivado, princípios e valores que habitam o universo antropológico, social e cultural.
Há os que alegam que, pelo fato do amor e o afeto serem subjetivos, não podem ser quantificados ou indenizados[3]. Alegam ainda ser incongruente o reconhecimento da afetividade como algo a ser tutelado juridicamente. Outros, a veem apenas como algo relevante pra o chamado direito das famílias[4].
Fernando Gonçalves, ministro do Superior Tribunal de Justiça, é um dos que defende a impossibilidade da indenização pecuniária por abandono afetivo, tendo em vista que o ordenamento pátrio prevê, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 24[5], quanto no Código Civil em seu artigo 1638, inciso II[6], ser a perda do poder familiar a punição mais grave na esfera civil aplicada aos genitores que descumprem o dever de cuidado para com a sua prole[7].
O presente estudo foi dividido em quatro capítulos objetivando uma melhor discussão acerca da temática analisada. Primeiramente, faz-se um breve estudo sobre a evolução histórica da família brasileira até os dias contemporâneos e uma analise sobre a relevância do afeto no mundo jurídico atual bem como sobre a existência do principio da afetividade.
O capítulo seguinte é dedicado a paternidade e a filiação. Aborda-se os conceitos e diferenças entre paternidade e figura paterna, bem como o chamado posse de estado de filho. No terceiro, é feita uma abordagem sobre alguns direitos da criança e do adolescente tutelados no ordenamento pátrio.
O quarto é dedicado exclusivamente a responsabilização civil no direito de família, discorrendo sobre as correntes que falam sobre a plausibilidade ou não da indenização pecuniária decorrente de dano moral oriundo de abandono afetivo paterno.
Na sessão seguinte é apresentado um breve estudo de casos, desde a primeira ação ocorrida no Brasil até o ultimo posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal de Justiça, além do posicionamento adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Por fim, serão apresentadas na quinta sessão as considerações finais sobre o referido tema em discussão.
1.O AFETO E O DIREITO DAS FAMILIAS: UMA BREVE ANÁLISE HISTORICA
A entidade familiar no inicio do século passado era tutelada pelo Código Civil de 1916. O direito de família regulado pelo antigo código civil em vigor teve como função principal regular a transmissão dos bens e do patrimônio das famílias daqueles que se uniam por meio do casamento civil, atendendo assim a uma minoria privilegiada da população.
Somente a entidade familiar matrimonializada era reconhecida pelo referido código. Havia distinção entre os seus membros. A indissolubilidade do casamento era a regra e o único modo existente para solucionar um matrimônio que não havia dado certo era o desquite, que punha fim a comunhão de vida, mas não ao vinculo juridico. A discriminação a pessoas unidas sem os laços matrimoniais e aos filhos oriundos dessa união era positivada[8].
Cabia ao marido a chefia e a administração destas famílias. Os filhos e esposas tinham posição inferior a ele. A função da mulher era restrita a cuidar do lar, educar e criar os filhos. Era o esposo quem ocupava o espaço no mercado de trabalho.
Não havia preocupação com a subjetividade entre os seus componentes. Consequentemente, não se tratava da afetividade, tema este sequer ventilado no direito positivo de então.
Para Silvana Maria Carbonera[9], o affectio na família patriarcal positivada no código de Berviláqua:
“tinha sua existência presumida e condicionada à existência de uma situação juridicamente reconhecida. Desta forma, o casamento já trazia consigo a affectio maritalis, justificando previamente a necessidade de continuidade da relação. Não se questionava tal elemento, uma vez que ele fazia parte da estrutura do matrimonio. (…) O compromisso de manter a vida em comum não revela necessariamente a existência do afeto. A continuidade da relação podia ser motivada por outros elementos, como por exemplo, a impossibilidade da dissolução do vinculo: neste caso a affectio presumida se fazia resente. A noção de afeto representa uma forma de se dar visibilidade as relaões de família uma vez que é em sua função que elas se forma e se desfazem.”
Inúmeras transformações surgidas na passagem do século XIX ao século XX e deste ao XXI fizeram com que o Direito mudasse a sua epistemologia[10], direcionando paulatinamente o foco de sua preocupação do patrimônio à pessoa humana.
A industrialização ocorrida no Brasil, bem como o ingresso da mulher no mercado de trabalho, além do aumento de sua esfera de atuação social, política e jurídica na primeira metade do século passado foram grandes contribuidores para a evolução das relações familiares.
Outro fator merecedor de destaque foi a chamada revolução feminina, ou seja, a independência da mulher ante o marido, que foi conquistada com a igualdade de direitos e deveres( tanto perante o vínculo matrimonial, como na educação dos filhos, bem como o seu desenvolvimento e crescimento no mercado de trabalho).
Luciana Faísca Nahas[11] afirma que:
“a independência feminina refletiu diretamente na transformação. As mulheres saíram do seio domestico para o trabalho externo, propulsionaram também alteração na questão da subordinação ao marido e da educação dos filhos. Alias o número de filhos do casal também foi afetado pela mudança na divisão de tarefas do casal, sendo imperativa sua redução.”
Com o fim da Segunda Guerra, observou-se de forma mais nítida alterações na estrutura da família brasileira: há o crescimento da família nuclear e consequente aproximação entre seus integrantes, começando assim a abrir espaço para o aumento do aspecto subjetivo das relações. Inicia-se uma valorização afetiva nos relacionamentos, tanto entre os cônjuges como entre pais e filhos.
Face a essas mudanças, foram aprovadas algumas disposições legais com o intuito de atenuar o rigor do Código Civil de 1916, tais como: o Estatuto da Mulher Casada[12]; a Lei do Divórcio; o Estatuto da Criança e do Adolescente e as leis que admitiam o reconhecimento da união estável. Porém ainda havia uma distancia considerável entre a realidade da sociedade brasileira da época e o Código Civil vigente.
Nas três ultimas décadas ocorreram grandes transformações nos costumes e na redefinição da entidade familiar. A proclamação da Carta Magna de 1988 positivou inúmeras delas. Um exemplo disso foi o reconhecimento de outras entidades familiares além da matrimonializada.
Paralelo a isso, reconhece-se também que as relações familiares podem se configurar com diversos liames e não apenas com base em um ou outro modelo: laços biológicos, afetivos, registrais, jurídicos e matrimoniais. A afetividade torna-se assim, elemento presente em diversas relações familiares contemporâneas, sendo cada vez mais percebida tanto pelo direito como pelas outras ciências humanas. Mesmo sem regulação expressa, a sociedade adotou o vínculo afetivo como relevante no trato relativo aos relacionamentos familiares.
1.1. O afeto e o princípio da afetividade
A palavra afeto vem do latim affectus. Consiste num estado, em uma disposição de alma produzida por influência exterior, sentimento, amizade, paixão e simpatia. Para Nicola Abagnamo[13] o termo afeto deve ser entendido como “emoções positivas a que se refere o caráter das pessoas e que não tem o caráter dominante e totalitário da paixão. (…) Constituem classe restrita de emoções que acompanham algumas relações interpessoais(entre pais e filhos, entre amigos, entre parentes) (…).”
Jean Piaget, epistemólogo suíço, afirma que “é incontestável que o afeto desempenha papel essencial no desenvolvimento e funcionamento da inteligência. Sem ele, não haveria necessidade, interesse, motivação. A afetividade é uma condição necessária na constituição da inteligência.”[14]
O constitucionalismo contemporâneo dá à afetividade as vestes de principio norteador do direito das famílias, passando a chamar-se princípio da afetividade. A repersonalização deste ramo do direito dar-se ia a partir da adoção do referido princípio.
Tal princípio não tem previsão expressa em nosso ordenamento jurídico. Entretanto, pode ser visualizado implicitamente em inúmeras disposições já positivadas em nossa Constituição Federal: na igualdade de filhos, independente de origem ( artigo 227§6º), na adoção; não reconhecimento da união estável( artigo 226§3º), na família homoafetiva ( artigo 2º da lei 11340/2006), na liberdade de decisão sobre o planejamento familiar(artigo 226§7º), dentre outros.
Eros Grau[15] é um renomado autor brasileiro defensor da existência dos princípios implícitos. Em sua concepção, “a ordem axiológica ou teleológica que o direito é, compreende os princípios implícitos e explícitos. (…) Os implícitos são descobertos em textos normativos do direito posto ou no direito pressuposto de uma determinada sociedade.”
Paulo Luiz Netto Lôbo[16] esclarece que é o principio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida. Na concepção do autor, o principio teve como impulso os valores consagrados na constituição brasileira atual, esclarecendo ainda que o mesmo especializa, no âmbito familiar, os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.
2. PATERNIDADE E A CHAMADA FIGURA PATERNA:
Conceituada como qualidade ou condição de pai, ou ainda como a relação de parentesco que vincula o pai a seus filhos, a palavra paternidade tem a sua origem gramatica no latim paternitate. Uma vez reconhecida, gera responsabilidade ao genitor, que passará a assumir todos os encargos inerentes atribuídos ao exercício da paternidade, tais como: prestar alimentos aos filhos, o dever de educação, dentre outros.
Até poucos tempos atrás, ser pai era considerado algo da ordem natural, tendo em vista que a finalidade da família era justamente a procriação, logo, era consequência natural e logica para aqueles que constituíam família através dos enlaces matrimoniais.
Na família patriarcal, a figura paterna estava ligada à autoridade, poder, sendo taxativamente separadas as funções desempenhadas pelo homem e pela mulher em relação ao filho, cabendo ao pai, às relativas ao provento das necessidades materiais.
Jaques Lacan[17], tendo como base pesquisas e estudos realizados, evidencia que “tanto o pai como a mãe biológicas poderem vir a ter dificuldades ou até mesmo não ocuparem o lugar de pai ou mãe, exercendo dessa forma as chamadas figuras paterna e materna, tão necessárias a estruturação psíquicas e formação dos seres humanos.” Entretanto, a função paterna necessariamente precisa ser ministrada, seja pelo pai biológico ou não, pois qualquer um pode ser o chamado pai: o genitor, o marido da mãe, o tio, o avô, aquele que cria, enfim, aquele que exerce a função de pai.
Inês Hennifen[18] esclarece que “a paternidade é uma experiência humana profundamente implicada com propósitos sociais e institucionais que a legítima, ou seja, uma construção que deve ser compreendia face ao contexto sócio-cultural de um tempo.”
A compreensão da paternidade passa a ser além do vínculo jurídico, ou seja, sob o viés biológico e sociológico. Para a psicanálise, o pai representa função e, neste sentido, poderá ser compreendido como pai qualquer membro da família, ou seja, está desvinculado da função biológica.
3. DA PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE:
3.1 O direito à dignidade
Os legisladores brasileiros consagraram como princípio constitucional a dignidade da pessoa humana. Por esse principio entende-se que todas as normas que conformam o ordenamento jurídico brasileiro, a despeito de seus traços distintivos, deverão estar em plena consonância com a dignidade da pessoa humana, sob pena inclusive de inconstitucionalidade.
3.2 O princípio da paternidade responsável
Com previsão no artigo 226§7º da Constituição Federal do Brasil, o principio pressupõe o cumprimento das obrigações materiais e morais para com os filhos, tendo como finalidade proporcionar-lhes o seu desenvolvimento.
Nas palavras de Thiago José Pereira Pires[19], o referido principio significa responsabilidade e esta começa na concepção e se estende até que seja necessário e justificável o acompanhamento dos filhos pelos pais.
Outra faceta deste princípio está relacionada ao planejamento familiar, no que diz respeito à autonomia do indivíduo para escolher quanto, não só ao aumento, mas também a diminuição ou constituição da prole.
3.3 O dever de convivência
O direito a convivência familiar está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 4º, caput, e artigo 19, bem como no artigo 227 da Constituição Federal.
Para Paulo Lobo,[20] “a convivência familiar é a duração diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compõe o grupo familiar, em virtude de laçs de parentesco o não, no ambiente comum.”
Tal convivência não se restringe ao seio familiar. Assegura-se também o direito a convivência comunitária, aquela ligada a todos aqueles que não fazem parte do convívio familiar. Tal direito objetiva proporcionar ao infante uma melhor adaptação social no futuro.
3.4 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
Segundo tal princípio, devem-se preservar ao máximo, aqueles que se encontrem em posição de fragilidade. A criança e o adolescente encontram-se em tal posição por estarem em processo de amadurecimento e formação da personalidade. Eles tem assim o direito fundamental de chagar à condição adulta sob as melhores garantias morais e materiais, conforme o preceituado no artigo 227 da Carta Magna brasileira.
Tal princípio atinge todo o sistema jurídico nacional, tornando-se o vetor axiológico a ser seguido quando postos em causa os interesses dos infantes. Sendo assim, devem ter a sua proteção jurídica maximizada.
3.5. A chamada doutrina da proteção integral
A referida doutrina tem essa denominação por propor que a família, a sociedade e o Estado são obrigados a propiciar a criança e ao adolescente o respeito a todos os seus direitos fundamentais de cidadão e de pessoas em desenvolvimento.
Parafraseando Antonio Carlos Gomes Costa[21], verifica-se que a referida doutrina afirma o valor intrínseco da criança como ser humano; a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da juventude, como portadora da continuidade do seu povo e da espécie e o reconhecimento da sua vulnerabilidade, o que torna as crianças e adolescentes merecedores da proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá atuar através de políticas específicas pra a promoção e defesa de seus direitos.
4. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA:
4.1 A caracterização da responsabilidade civil
Define-se abandono afetivo como a privação dos filhos da convivência com seus genitores, seja pela imposição de um dos genitores que denigre a imagem do outro, seja pela vontade do pai que deixa de cumpri com o princípio da paternidade responsável ao deixar de conviver diariamente com o seu filho e fornecer todo o afeto necessário para uma sadia formação psicológica da prole, violando o principio da dignidade da pessoa humana. Essa última forma ensejará a compensação por dano moral.
Na visão de Nehemias Domingos de Melo[22], “o dano ocorre quando os pais faltam com o dever de assistência moral aos seus filhos, na medida em que se fazem ausentes, e, por via de consequência, não prestam a devida assistência afetiva e amorosa durante o desenvolvimento da criança.”
É fato que a família atual objetiva o livre desenvolvimento da personalidade de cada um de seus membros, sendo um ente funcionalizado, onde todos almejam promover o desenvolvimento dos demais membros, ou seja, tornou-se o centro de desenvolvimento de seus componentes ao incluir no rol dos direitos da criança e adolescente o direito a convivência familiar.
Desta forma, a conduta do genitor que abandona a sua prole revela-se violadora dos seus direitos, uma vez que o artigo 227 da Constituição Federal do Brasil inclui no rol dos direitos dos infantes a convivência familiar. Logo, o pai que deixa de prestar assistência afetiva e psicológica a sua prole, viola seus deveres paternos praticando assim uma conduta ilícita ensejadora de reparação no campo moral.
Não há restrições legais quanto à aplicação das regras convenientes à responsabilidade civil e consequente dever de indenizar no direito de família. O chamado abandono moral segue as regras da responsabilidade civil subjetiva que pressupõe: violação de um dever jurídico mediante conduta omissiva voluntária; dolo ou a culpa do agente; o ano a vítima e a relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano causado a vítima.
Para Rui Stocco[23] o elemento primário de todo o ilícito é uma conduta humana e voluntária no mundo exterior. A ilicitude está condicionada à existência de uma ação ou omissão que constitui a base do ato lesivo. Não há obrigação de reparar sem determinado comportamento humano contrario a ordem jurídica. A ação ou omissão constitui o primeiro momento da responsabilidade civil.
Caso o pai demandando judicialmente tenha se omitido dos seus deveres de criar, cuidar, visitar e acompanhar a vida do filho, deveres estes presentes na constituição federal e legislação infraconstitucional, incorre num dos primeiros requisitos para sua responsabilização civil: pratica de conduta omissiva em desfavor da prole.
Silvio Rodrigues[24] entende que “atua culposamente quem causa prejuízo a terceiro em virtude de sua imprudência, imperícia ou negligência.” A imprudência é a falta de cuidado por conduta comissiva por ação. Negligência é a falta de cuidado por conduta omissiva. Imprudência decorre da falta de habilidade no exercício da atividade técnica.
Para a configuração do abandono afetivo, na visão de Gisela Hinoraka[25], “torna-se necessário a comprovação da culpa do genitor não guardião, que deve ter se ocultado da convivência com o filho e, se negado de maneira deliberada a participar do desenvolvimento de sua personalidade.”
Qualificam-se como morais, os danos em razão da esfera da subjetividade ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repertute o fato violador havendo-se, como tais, aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana ou da própria valoração da pessoa no meio em que vive.
Sergio Cavalieri Filho[26] entende ser “a dignidade da pessoa humana a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos.” Nas palavras dele, o referido dano envolve a violação dos direitos a personalidade, bem como dos chamados novos direitos da personalidade, quais sejam a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, e, direitos autorais.
Para que haja a sua caracterização e consequente dever de repará-lo é importante a presença dos requisitos da responsabilidade civil. Sabe-se que a dor é imensurável, entretanto, a reparação do dano deve conferir certa compensação pela lesão sofrida pelo lesado e uma punição ao ofensor, de modo a inibir este de cometer novas condutas dolosas.
Chama-se nexo causal o liame que une a conduta e o dano. Nosso ordenamento jurídico adota a teoria da causa adequada e direta, uma vez que para que haja responsabilidade civil é necessário que a conduta seja causa direta do dano. Porém, há casos em que ocorre a quebra desse nexo de causalidade. São as chamadas excludentes de ilicitude. Citam-se como exemplos: culpa exclusiva da vitima, força maior, legitima defesa, caso fortuito, dentre outras.
4.2 Indenização por abandono afetivo
Não há consenso entre juristas e doutrinadores no que tange a aceitação da indenização pecuniária decorrente de dano moral originário do chamado abandono afetivo.. Questiona-se a tutela jurisdicional poderá obrigar o cumprimento de um dever moral, através da condenação pecuniária com base no abandono afetivo. Tal divergência se subdivide em três correntes.
A primeira delas entende ser a afetividade um princípio do direito de família brasileiro implícito em suas normas, inclusive na constituição federal. Tal fato reflete sua centralidade nas relações familiares e deve ser observado. O seu descumprimento geraria ato ilícito e, portanto, a indenização, tendo como base o artigo 927, do Código Civil atual..
Flávio Tartuci e José Fernando Simão[27], partidários da corrente supra, afirma que “o afeto talvez seja apontado, atualmente como o principal fundamento das relações familiares [,,] a afetividade é um dos principais regramentos do novo direito de família que desponta.”
Cita-se como exemplo, recente apelação julgada pelo Tribunal de Justiça do Paraná[28], condenando o réu a pagar uma indenização decorrente de abandono afetivo paterno no valor de R$5 000, tendo como um dos fundamentos o fato de que o desprezo do pai po ruma filha, desde a sua tenra idade, fere claramente o principio da dignidade da pessoa humana.”
A segunda corrente descarta qualquer tipo de indenização por abandono moral ou afetivo. Repele explicitamente a perspectiva principiológica no trato da afetividade, argumentando ainda que o afeto não deve se objeto do Direito. Seus defensores entendem que os deveres da paternidade não podem invadir o campo subjetivo do afeto.
Francisco Alejandro Horne[29], partidário desta segunda corrente, afirma que “não se pode quantificar o desejo e o amor, muito menos exigir que se goste ou não.” Segundo ele, “por mais que se configure a rejeição moral, o princípio da liberdade afetiva se sobrepõe a qualquer outro principio para a realização da dignidade, visto que não se pode exigir afeto.”
Existe ainda uma corrente intermediária, que classifica o afeto como um valor relevante a ser observado no direito de família. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[30] destacam a importância do afeto na família do novo milênio, considerando-o um valor jurídico tutelável, esclarecendo que a família do novo milênio “ é igualitária, democrática e plural, protegido todo e qualquer modelo de vivência afetiva e compreendida como estrutura socioafetiva, forjada em laços de solidariedade.” Não descartam a indenização, mas pedem cautela ao analisá-la.
5. ESTUDOS DE CASOS:
A primeira ação pleiteando abandono afetivo ocorreu no Rio Grande do Sul, em que um pai foi condenado a pagar uma indenização por danos morais decorrentes de abandono moral e afetivo, correspondentes duzentos salários mínimo a sua filha, a época com nove anos de idade. Esse processo já transitou em julgado e se encontra em fase de execução. O magistrado fundamentou sua decisão no dever dos pais de sustento, guarda e educação dos filhos, e que a ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém -nascido, ou em desenvolvimento, violam a sua honra e imagem.[31]
O tema chegou ao Superior Tribunal de Justiça em decorrência da decisão proferida pelo tribunal de Alçada de Minas Gerais[32], reformando a sentença em primeiro grau, concedendo a um filho uma quantia em decorrência do dano moral sofrido por abandono afetivo, tendo como principal fundamento o fato de que ser pai não é só dar dinheiro para as despesas de ordem material, mas também suprir todas as necessidades do filho, uma vez que ele tem o dever de possibilitar o desenvolvimento humano da prole, com base no princípio da dignidade da pessoa humana. O STJ, entretanto, reformou a decisão, afastando qualquer possibilidade da indenização.[33]
Entretanto o ultimo posicionamento da corte é realmente inovador. Com a frase : “Amar é faculdade, cuidar é dever.”, a ministra Nancy Andrighi demonstrou ser possível exigir indenização por dano oral decorrente de abandono afetivo pelos pais. Ao dar provimento ao Resp nº 1.159.242-SP[34], reconheceu o abandono afetivo sofrido por uma mulher por parte de seu genitor fixando a indenização por danos morais no valor de quatrocentos e quinze mil reais.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também se manifestou recentemente sobre o tema. Em apelação[35] interposta por um pai, objetivando a reforma de sentença em primeiro grau condenando a pagamento de indenização pecuniária a sua prole por danos morais decorrentes de abandono afetivo, o mesmo teve seu pedido negado pelo desembargador relator, que manteve a decisão de primeira instancia, e fundamentou sua voto com base no voto da ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, relatora do Resp nº1,159.142-SP. O mesmo genitor interpôs embargos de declaração com fins de pré questionamento[36], sendo os mesmos rejeitados
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
É notória a divergência entre doutrinadores e magistrados acerca do cabimento ou não da indenização decorrente de nado moral ocasionado por abandono afetivo por parte do genitor. Questiona-se, inclusive, a tutela do afeto como valor jurídico, alegando tratar-se de um elemento subjetivo, impossível de ser tutelado pela ciência jurídica, utilizando-se da premissa de que não se pode amar ninguém.
Entretanto o que se discute nas demandas judiciais é a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico e corolário das pessoas que gerarem ou adotarem filhos. O atual estágio do Direito consagra como bem juridicamente tutelável certos elementos que vão além da lei, do direito positivado; princípios e valores que não precisam ser escritos, mas que habitam o universo jurídico, social, antropológico e cultural.
O cuidado, a atenção e a solidariedade com a prole são valores que transcendem o direito inserindo-se como elementos da dignidade da pessoa humana, do qual todos são credores.
Destaca-se ainda a visão eudemonista da família consagrada pela atual constituição federal, e o fato de ser assegurado a criança e ao adolescente o direito a convivência familiar, demonstrando uma mudança de paradigma, em que se deixa de tutelar exclusivamente os interesses patrimoniais para se priorizar a busca da afetividade nas relações familiares.
Outrossim, há os que acham inviável o dano moral decorrente do abandono afetivo. Para eles, a acepção de indenização por dano moral considera-se abusiva e por demais arbitrária, uma vez que o afeto é subjetivo e não pode ser valorado, além do fato de não ser possível obrigar a alguém sentir afeição pro outrem.
Qualquer que seja o posicionamento adotado pelo julgador, o mesmo deve sempre ater-se ao caso concreto, objetivando o melhor interesse da criança e do adolescente. E se de fato, tal dano for demonstrado e exsurgir das omissões do genitor no exercício do seu dever de cuidado em relação a prole e de outras ações que possam contribuir para o agravamento dos prejuízos psíquicos sofridos pela prole em decorrência do abandono, caracteriza-se o dano in re ipse, sendo possível assim a compensação.
Bacharel em Direito na Universidade Veiga de Almeida/RJ, Advogada
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