Resumo: Objetivando aumentar a arrecadação tributária e fortalecer a economia local, os Entes Federativos constituintes da República Federativa do Brasil, há muito, buscam atrair investimentos privados para os seus respectivos territórios. Dentre as formas de alcançar tal objetivo, grande parte dos Estados concedem benefícios fiscais através da competência legislativa delegada pela Constituição Federal referente ao ICMS. A própria Constituição Federal determina a observância de certos limites à concessão de benefícios fiscais de ICMS, o que, atualmente, tem sido deliberado no âmbito do CONFAZ. Ocorre que, em muitos casos, os Entes Federativos extrapolam a sua competência legislativa e concedem benefícios fiscais mediante legislações internas que concedem créditos presumidos de ICMS, legislações estas devidamente introduzidas no sistema de direito positivo, entretanto, sem a prévia aprovação do CONFAZ. Os demais Entes Federativos, com o objetivo de retaliar os benefícios concedidos unilateralmente, têm praticado a glosa dos créditos de ICMS que foram devidamente destacados nos documentos fiscais em operações interestaduais com contribuintes remetentes de mercadorias estabelecidos nos Entes Federados que concedem tais benefícios fiscais. Ocorre que os contribuintes se valeram das legislações internas concessivas dos benefícios fiscais que são plenamente válidas no sistema de direito positivo, razão que enseja o respeito pelos demais Entes Federados.
Palavras chave: ICMS. Benefícios Fiscais. Guerra Fiscal.
Abstract: Aiming to increase tax revenues and strengthen the local economy, Federated loved the constituents of the Federative Republic of Brazil has long been seeking to attract private investments for their respective territories. Among the ways to achieve this goal, most states grant tax benefits through the legislative powers delegated by the Constitution of ICMS. The Federal Constitution determines compliance limits the granting of ICMS tax benefits, which currently has been resolved within the CONFAZ. It happens that, in many cases, loved Federated extrapolate its legislative competence and grant tax benefits through domestic laws that grant credits presumed ICMS, these laws duly made to the system of positive law, however, without the prior approval of CONFAZ. The remaining loved Federated, aiming to retaliate unilaterally granted the benefits, have practiced the disallowance of ICMS credits which were duly seconded tax documents on interstate transactions with taxpayers senders of goods established in Federated loved granting such tax benefits. Occurs taxpayers took advantage of the laws of internal concessive tax benefits that are fully valid in the system of positive law, reason entails respect for other Federated loved.
Keywords: ICMS. Tax Benefits. Tax War.
Sumário: Introdução. 1. Premissas epistemológicas. 1.1. Noção de sistema. 1.2. Noção de norma jurídica. 1.3. O sistema de direito positivo. 1.3.1. Ordenamento jurídico como sinônimo de sistema de direito positivo. 1.3.2. Direito positivo como sistema de normas jurídicas. 1.4. Fontes do direito positivo. 1.5. Validade e fundamento de validade das normas jurídicas. 1.6. A incidência das normas jurídicas. 2. Disposições constitucionais gerais acerca das normas concessivas de benefícios fiscais. 2.1. O pacto federativo. 2.2. A tripartição dos poderes. 2.3. Competência tributária e capacidade tributária ativa. 3. O ICMS e as disposições constitucionais específicas. 3.1. A natureza jurídica do ICMS. 3.2. Evolução histórica e legislativa. 3.3. Incidência tributária do ICMS. 3.4. A não cumulatividade do ICMS. 3.5. A competência do senado federal para a fixação de alíquotas interestaduais. 4. Benefícios fiscais. 4.1. Conceito de benefício fiscal. 4.2. Espécies exonerativas – benefícios fiscais. 4.2.1. Imunidade, isenção e não incidência. 4.2.2. Isenção parcial. 4.2.3. Reduções de base de cálculo e alíquota. 4.2.4. Alíquota zero. 4.2.5. Diferimento. 4.2.6. Remissão e anistia. 4.2.7. Subvenções e subsídios. 4.2.8. Crédito presumido e regimes especiais de tributação. 4.3. Limitações à concessão de benefícios fiscais de ICMS. 4.3.1. A validade das normas concessivas de benefícios fiscais de ICMS. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O direito, enquanto autêntico fenômeno comunicacional, representa um corpo de linguagem autopoiético voltado à regular as condutas intersubjetivas dos seres humanos. Assim sendo, as relações pessoais reguladas pelo direito ocorrem no âmbito social.
Deste modo, o direito é um sistema social, mais ainda, apesar de ser dotado de valores e princípios derivados de sua natureza cultural (que se consubstanciam em normas com alto grau axiológico), ostenta mecanismo lógico em sua aplicação e interpretação.
Pautando-se em um direito codificado como o brasileiro, as normas que regulam as condutas humanas são reunidas no que se denomina subsistema social de direito positivo, sendo este um complexo de normas que se caracterizam pela juridicidade, isto é, com o elemento da sancionatoriedade pelo seu descumprimento.
Referidas normas jurídicas são inseridas, retiradas ou modificadas no bojo do sistema de direito positivo pelas pessoas devidamente credenciadas pelo próprio sistema, mediante o procedimento adequado para tanto, sendo o procedimento e as pessoas credenciadas denominadas fontes do direito.
Dessa forma, fixa-se a premissa de que uma norma jurídica válida significa garantir que a mesma foi devidamente inserida no sistema de direito positivo por uma fonte do direito, ou seja, é um elemento do conjunto de normas jurídicas que forma o denominado sistema de direito positivo.
No que tange ao objetivo do presente estudo, analisa-se a validade das normas jurídicas concessivas de créditos presumidos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Intermunicipal e Interestadual e Comunicações – ICMS.
Para tanto, no segundo capítulo analisar-se-á a noção de sistema de direito positivo enquanto um conjunto de normas jurídicas que prescrevem condutas intersubjetivas, bem como as fontes do direito que são aptas a inserir tais normas no sistema e, ainda, o conceito de validade e incidência das normas jurídicas.
No terceiro capítulo serão analisadas as disposições gerais constitucionais acerca do ICMS, especificamente o Pacto Federativo, a Tripartição dos Poderes e o Sistema Constitucional Tributário, seguido pelo quarto capítulo com as disposições constitucionais específicas acerca do ICMS, tais como a sua natureza jurídica, a não cumulatividade do imposto, bem como a necessidade de Resolução do Senado Federal para a fixação das alíquotas para operações interestaduais.
Por fim, no quinto capítulo tratar-se-á da conceituação de benefícios fiscais, especificando as mais variadas espécies exonerativas, seguindo para uma análise da forma concessiva de tais benefícios, especificamente acerca da validade das legislações internas que concedem créditos presumidos de ICMS independentemente da anuência do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ.
Antes de se tratar especificamente acerca da validade das legislações que concedem benefícios fiscais de ICMS no cenário denominado Guerra Fiscal, convém dispor uma breve digressão sobre as premissas epistemológicas que serão utilizadas ao longo do presente estudo, para fins de possibilitar uma completa compreensão das conclusões obtidas.
Dessa forma, no presente capítulo serão sintetizadas as noções de sistema de direito positivo e suas fontes, bem como a validade e incidência das normas jurídicas em geral.
Preliminarmente, insta salientar que o vocábulo sistema detém alto grau de ambiguidade, como a grande maioria dos termos oriundos da linguagem ordinária, sendo necessário precisar qual o conceito que será utilizado no presente trabalho.
O vocábulo sistema tem derivação etimológica grega proveniente de syn-istemi, que nos termos do vernáculo ora adotado, remete-nos à noção de composto, construído, conforme dispõe Tércio Sampaio Ferraz Júnior ao tratar do assunto: “[…] na sua significação mais extensa, o conceito aludia, de modo geral, à idéia de uma totalidade construída, composta de várias partes. Conservando a conotação originária de conglomerado, a ela agregou-se o sentido específico de ordem, de organização. Aliada à idéia de cosmos, conceito fundamental da filosófica grega, ela aparece por exemplo entre os estóicos para descrever e esclarecer a idéia de ‘totalidade bem ordenada’. Os estóicos atribuíram-lhe, além disso, uma conotação ainda mais marcante, ao ligá-la ao conceito de techne, por eles definida como sistema de conceitos, configurando-se como suma.” (FERRAZ JÚNIOR, 1976, p. 09).
Assim, para os fins propostos no presente trabalho, fixa-se a premissa de que sistema significa um conjunto de elementos que se interligam, se relacionam, interagem entre si e, ainda, convergem para um referencial comum a todos, nos exatos termos também trabalhados por Paulo de Barros Carvalho: “[…] o sistema aparece como o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema.” (CARVALHO, 2009, p. 46-47).
Nesse sentido, o sistema ostenta denotação mais estrita do que o conceito atinente aos conjuntos ou classes lato sensu, ao passo que seus elementos além de convergirem, invariavelmente, para um referencial comum, mantêm relações de coordenação e subordinação, fazendo com que a classe dos sistemas apresente uma estruturação interna que não é predicativa das classes e conjuntos gerais (que representam meras aglutinações não sistematizadas).
Conclusão análoga foi suscitada por Aurora Tomazini de Carvalho ao dispor: “Para termos um sistema é preciso que os elementos de uma classe apresentem-se sobre certa estrutura, que se relacionem entre si em razão de um referencial comum.” (CARVALHO, 2009, p. 115).
Portanto, sendo o sistema um aglomerado de elementos que convergem para um referencial comum e organizados internamente por meio da coordenação e subordinação, é possível vislumbrar a realidade social como um complexo sistema composto por inúmeros subsistemas sociais, sendo um deles o direito positivo, como será oportunamente analisado em tópico próprio.
A expressão norma jurídica tem sido utilizada em inúmeros escritos científicos sem a devida atenção quanto à sua pluralidade semântica, sendo ora utilizada como sinônimo de enunciados prescritivos, ora como conteúdo de significação de tais enunciados, ora como mensagem com sentido deôntico jurídico, dentre outras possibilidades de significado, o que, em verdade, gera inconsistências no discurso e, ainda, induz a conclusões incoerentes com as premissas inicialmente adotadas.
Destarte, no presente trabalho não se buscará firmar um novo conceito para a expressão norma jurídica e, tampouco, analisar profundamente os conceitos já existentes, buscando apenas dentre as inúmeras acepções possíveis de significado, escolher a mais adequada à análise do objeto proposto.
Separando a expressão norma jurídica, tem-se norma com origem no latim, significando “aquilo que se estabelece como base ou medida para a realização ou a avaliação de alguma coisa” (AURÉLIO, 2004), ou seja, princípio, regra, lei. Por outro lado, jurídica deriva etimologicamente da matriz também latina juridicu, isto é, pertencente ao direito.
Dessa forma, quando o intérprete tem contato com a expressão normas jurídicas é possível elaborar as seguintes conjunções como significado regras do direito, leis do direito, princípios do direito, enunciados do direito, dentre outras possíveis, gerando certa insegurança quando se busca uma coerência interna do discurso, conforme elucida Paulo de Barros Carvalho: “[…] a ambiguidade da expressão ‘normas jurídicas’ para nominar indiscriminadamente as unidades do conjunto, não demora a provocar dúvidas semânticas que o texto discursivo não consegue suplantar nos seus primeiros desdobramentos.” (CARVALHO, 2009, p. 128).
Com intuito de reduzir ao máximo tais dúvidas, utilizar-se-á a expressão norma jurídica no presente trabalho como o enunciado prescritivo, leia-se lei, que ostenta as características necessárias para ser elemento do sistema de direito positivo, isto é, ser norma devidamente inserida no sistema pela fonte adequada e apta a desencadear os seus respectivos efeitos, conforme será analisado nos tópicos subsequentes.
1.3. O Sistema de Direito Positivo
1.3.1. Ordenamento jurídico como sinônimo de sistema de direito positivo
Preliminarmente, convém ressaltar que a doutrina atual diverge quanto ao conceito de ordenamento jurídico e sistema de direito positivo, portanto, faz-se necessário fixar o conteúdo semântico que será atribuído a tais expressões no presente trabalho.
Tárek Moyses Moussalem, no uso da teoria formulada por Alchourrón e Bulygin, entende que o sistema de direito positivo representa o conjunto de normas jurídicas analisadas estaticamente e o ordenamento jurídico, por sua vez, representa a forma dinâmica deste sistema, o que se evidencia por sua constante modificação (MOUSSALEM, 2005).
Já Gregório Robles entende que o conjunto de textos prescritivos representa o ordenamento jurídico, sendo que quando analisamos tais textos por uma ótica científica, o que, no caso, se dá por meio da ciência do direito com sua linguagem descritiva, tem-se o sistema de direito positivo (ROBLES).
No presente trabalho, as expressões ordenamento jurídico e sistema de direito positivo serão utilizadas como sinônimas, representando um complexo sistema de normas jurídicas que se relacionam entre si, balizadas pela coordenação e subordinação emanadas de um elemento fundamentalmente unificador que é a Constituição, conforme dispõe Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, 2009, p. 212-216).
1.3.2 Direito positivo como sistema de normas jurídicas
Como citado no tópico 2.1, a realidade social será tratada no presente trabalho como um complexo sistema composto por inúmeros subsistemas sociais, sendo um deles o direito positivo.
Assim sendo, a realidade social representa um grande sistema que contém certos elementos que são juridicizados pelos seus usuários, assim, a tais elementos é atribuída à característica da juridicidade.
Nesse contexto, forma-se o subsistema social do direito positivo que ostenta predicação eminentemente prescritiva (composto de enunciados prescritivos de condutas intersubjetivas como acima exposto).
O direito positivo detém em sua composição um complexo amaranhado de normas jurídicas que se relacionam entre si, balizadas pela coordenação e subordinação emanadas de um elemento fundamentalmente unificador (comum) para todas, no caso do sistema atualmente posto, a Constituição Federal de 1988 que tem por fundamento a norma hipotética fundamental de Hans Kelsen, como leciona Paulo de Barros Carvalho: “Kelsen sempre chamou atenção para a circunstância de que todas as normas do sistema convergem para um único ponto, axiomaticamente concebido para dar fundamento de validade à constituição positiva. Esse aspecto confere, decisivamente, caráter unitário ao conjunto, e a multiplicidade de normas, como entidades da mesma índole, outorga-lhe o timbre de homogeneidade.” (CARVALHO, 2009, p. 136).
As relações de subordinação são caracterizadas na vertical, representando a hierarquia existente entre as diferentes manifestações normativas, assim, normas de hierarquia inferior sempre buscam o seu fundamento de validade na norma de hierarquia superior, sendo que todas buscam o fundamento na Constituição que é a norma suprema e, por fim, esta busca sua validade no axioma determinado pela norma hipotética fundamental, nos termos acima demonstrado.
Já as relações de coordenação, por sua vez, representam a forma horizontal de interação das normas, isto é, demonstram como se darão as relações de ordem semântica e pragmática existente entre as normas, sendo que uma complementa a outra para a harmonia do sistema.
Portanto, as normas jurídicas constituem um sistema, uma vez que são um aglomerado de elementos que convergem para um referencial comum, no caso a Constituição Federal, ostentando uma organização interna por meio da coordenação e subordinação, sendo a inserção, modificação e retirada de normas do referido sistema ponto analisado no tópico seguinte.
1.4. Fontes do Direito Positivo
Preliminarmente, antes de se analisar as fontes do direito positivo, cumpre realizar uma análise detida da carga semântica da expressão fontes do direito, com fins meramente didáticos.
Como já devidamente abordado em tópicos anteriores, a linguagem ordinária ou natural, diferentemente da linguagem formalizada, apresenta, em seu bojo, inúmeras deficiências que interferem no processo comunicacional, tais como a vagueza e a ambiguidade.
A vagueza manifesta-se como a imprecisão aferida no signo (entre o elo da significação com o suporte físico e o significado). Nesse sentido, praticamente todos os vocábulos são vagos em algum aspecto. Já a ambiguidade, por sua vez, é representada pelo signo que detém mais de um significado, isto é, o signo polissêmico.
Deste modo, o vocábulo fontes, polissêmico que é, detém inúmeros significados, tais como nascente, manancial, origem, procedência, dentre outros, sendo, no caso proposto, utilizado no sentido de origem do direito.
Não diferente, o vocábulo direito ostenta, também, grande ambiguidade em sua interpretação, haja vista a polissemia semântica de sua utilização. Assim sendo, como já anteriormente fixado, analisar-se-á o direito enquanto um complexo sistema de normas regradoras das condutas humanas, criado pela sociedade para sua própria manutenção enquanto tal.
Portanto, a expressão fontes do direito positivo será conceituada, no presente trabalho, como a origem das normas jurídicas. Desta feita, as fontes do direito são os órgãos licenciados pelo sistema para criarem normas. Mais ainda, o próprio processo para criação de tais normas também se caracteriza como fonte do direito.
Em resenha, assevera Paulo de Barros Carvalho:
“[…] as fontes do direito serão os acontecimentos do mundo social, juridicizados por regras do sistema e credenciados para produzir normas jurídicas que introduzam no ordenamento outras normas, gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas ou individuais e concretas” (CARVALHO, 2009, p. 48).
Assim, o estudo das fontes do direito mostra-se como um território fecundo ao crescimento intelectual do jurista, especialmente em seara tributária, haja vista o princípio basilar da estrita legalidade atinente aos feitos tributários.
Logo, se o jurista conhece as fontes do direito tributário, ou seja, quais os entes habilitados para criar, modificar ou extinguir normas, bem como os respectivos procedimentos, o mesmo estará apto a cotejar tais conhecimentos para, ao fim, descobrir se o produto normativo é válido, ou não, no sistema tributário posto, conforme o conceito de validade que será abordado no tópico subsequente.
1.5. Validade e Fundamento de Validade das Normas Jurídicas
Antes de ser fixado o conceito de validade que será desenvolvido no presente trabalho, convém ressaltar o caráter lógico formal da norma jurídica.
Em análise semiótica, as normas jurídicas representam verdadeiras proposições prescritivas construídas pelo ser cognoscente em seu intelecto, ou seja, é a ideia ou significação decorrente da interpretação do signo enquanto relação entre o suporte físico, no caso, o enunciado prescritivo, e o seu significado, nos termos da nomenclatura utilizada por Edmund Husserl.
Em seara lógica, as normas jurídicas são balizadas pela lógica deôntica, deste modo, com valências diferenciadas com relação à lógica alética, sendo as proposições prescritivas, leiam-se, normas jurídicas, válidas ou não válidas, enquanto as proposições abrangidas pela lógica formal são verdadeiras ou falsas.
Desta forma, as normas jurídicas serão sempre válidas ou não válidas no que tange a um determinado sistema, no caso, o sistema de direito positivo posto. É como assevera Paulo de Barros Carvalho:
“A validade não é, portanto, atributo que qualifica a norma jurídica, tendo status de relação: é o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa e o sistema de direito posto, de tal sorte que ao dizermos que u’a norma ‘N’ é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema ‘S’.” (CARVALHO, 2009, p. 442)
Afirmar que uma norma jurídica é válida significa, então, garantir que a mesma é um elemento do conjunto das normas jurídicas, isto é, que ostenta a relação de pertinência com o conjunto de normas jurídicas que forma o denominado sistema de direito positivo tratado no tópico 2.3.2 retrotranscrito, relacionando-se por meio da subordinação e coordenação.
Como já analisado, as relações de subordinação são caracterizadas na vertical, representando a hierarquia existente entre as diferentes manifestações normativas.
Assim, as normas de hierarquia inferior sempre buscam o seu fundamento de validade na norma de hierarquia superior, sendo que todas buscam o fundamento na Constituição que é a norma suprema no sistema de direito positivo posto.
Portanto, uma norma jurídica válida no sistema de direito positivo, isto é, que pertence a este, deverá convergir para o seu fundamento de validade nas normas de hierarquia superior, sendo que, pensar de maneira inversa representa uma incoerência interna do sistema.
Entretanto, impende ressaltar que o sistema de direito positivo detém certas características próprias que possibilita a manutenção de normas jurídicas completamente opostas em seu bojo, sendo ambas válidas enquanto inseridas no sistema, cabendo ao Poder Judiciário o dever de analisar e repelir as incoerências criadas e sistematizadas pelas referidas normas.
1.6. A Incidência das Normas Jurídicas
O direito, aqui entendido como um complexo de normas jurídicas que se caracterizam como enunciados que prescrevem as condutas intersubjetivas, de fato, não tem aplicação automática, haja vista que, em virtude das características ínsitas ao próprio sistema, tais normas são veiculadas na forma geral e abstrata.
Assim sendo, em momento algum tais normas jurídicas têm o condão de relacionar concretamente sujeitos de direito de forma individualizada sem que ocorra o fenômeno jurídico da incidência, ou seja, a aplicação das normas jurídicas.
Então, eis que ocorrido o fato jurídico previsto na hipótese normativa, tem-se desencadeada a sistemática relacional prevista no consequente normativo na forma abstrata.
Todavia, como o direito é um fenômeno comunicacional, necessita da linguagem competente para, assim, materializar-se na forma concreta, desencadeando os efeitos realmente ínsitos no mundo fenomênico.
Logo, não havendo a linguagem competente para sua materialização (que só é realizada pela autoridade competente), não haverá a incidência da norma jurídica.
A incidência do direito, leia-se, normas jurídicas, somente dar-se-á com a aplicação do mesmo por um agente competente, em outros termos, ocorrido o fato jurídico descrito no antecedente normativo, ter-se-á a subsunção do fato à norma geral e abstrata que será materializado pelo agente competente por meio da linguagem adequada para, assim, criar a norma individual e concreta, norma esta que desencadeará na criação do vínculo relacional entre os sujeitos.
Destarte, o fenômeno da incidência consiste justamente na operação lógica realizada pelo agente competente que se resume em: ao ocorrer o evento no mundo fenomênico, o agente competente realiza a aplicação da norma geral e abstrata, com a subsunção do fato jurídico da classe que compõe a hipótese normativa para instaurar a relação jurídica disposta na classe que compõe o consequente normativo, o que resulta na norma individual e concreta por meio da linguagem competente.
Nesse sentido, com hialina clareza Paulo de Barros Carvalho resume o fenômeno da incidência das normas jurídicas:
“Percebe-se que a chamada “incidência jurídica” se reduz, pelo prisma lógico, a duas operações formais: a primeira, de subsunção ou de inclusão de classes, em que se reconhece que uma ocorrência concreta, localizada num determinado ponto do espaço social e numa específica unidade de tempo, inclui-se na classe dos fatos previstos no suposto da norma geral e abstrata; outra, a segunda, de implicação, porquanto a fórmula normativa prescreve que o antecedente implica a tese, vale dizer, o fato concreto, ocorrido hit et nunc, faz surgir uma relação jurídica também determinada, entre dois ou mais sujeitos de direito. Formalizando a linguagem, representaríamos assim: (F ϵ Hn)àRj, podendo interpretar-se como: “se o fato F pertence ao conjunto da hipótese normativa (Hn), então, deve ser a consequência prevista na norma (Rj).”(CARVALHO, 2009, p. 11)
Portanto, para que um fato faça parte da classe dos fatos jurídicos, o mesmo deverá preencher as características atinentes a tais elementos, isto é, deverá atender às condições de pertinencialidade.
No momento que o aplicador do direito realiza a subsunção do fato à norma jurídica, o mesmo realiza um exame da relação de pertinencialidade do fato, ou seja, o agente competente analisa se o evento vertido em linguagem competente pertence aos fatos descritos como jurídicos, ou seja, passíveis de ocupar a classe da hipótese normativa.
Assim, a subsunção é justamente o ato de inteligência do agente competente que verifica as condições de pertinencialidade do evento vertido em linguagem competente para a classe dos fatos descritos na hipótese normativa.
2. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS GERAIS ACERCA DAS NORMAS CONCESSIVAS DE BENEFÍCIOS FISCAIS
No presente tópico, inicia-se a análise da validade das normas concessivas de benefícios fiscais de ICMS no contexto da Guerra Fiscal.
Para tanto, faz-se uma breve digressão com relação aos princípios do Pacto Federativo, Tripartição dos Poderes, a Competência Tributária e a Capacidade Tributária Ativa, aplicáveis ao contexto da Guerra Fiscal do ICMS.
A constituição de um Estado é definida por José Afonso da Silva como sendo a organização dos elementos essenciais à formação do Estado, ou seja:
“[…] um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organizam os elementos constitutivos do Estado.” (SILVA, 2007, p. 37-38)
Dessa forma, a Constituição Federal em seu artigo 18 dispõe acerca da organização político administrativa da República Federativa do Brasil, fixando que a sua composição será a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos entre si.
Em continuidade, o artigo 24 delega a competência aos Entes Federados para legislarem concorrentemente sobre direito tributário, frisando que a legislação de um Ente Federado não deve desconsiderar a legislação de outro ente sob pena de patente violação à autonomia especificada no referido artigo 18 da Constituição Federal.
Nesse sentido, cumpre salientar que a harmonia entre os Entes Federados, principalmente com relação às suas legislações, é o pilar principal da formação da República Federativa, ao passo que a quebra dessa harmonia fulmina diretamente o Pacto Federativo, o que, em casos extremos, possibilita a intervenção federal para garantir a manutenção dos preceitos constitucionais originários, conforme preceitua o artigo 34, inciso VII, alínea “a”, da Carta Magna.
Assim sendo, quando um Ente Federado desconsidera a validade de determinada norma jurídica editada por outro Ente Federado, tem-se um abalo na harmonia do sistema, ainda mais quando, no exercício das próprias razões, os Entes Federados usurpam a competência de algum dos poderes insculpidos no artigo 2.º da Constituição Federal.
2.2. A Tripartição dos Poderes
A tripartição dos poderes que compõe determinado Estado é um postulado idealizado por Aristóteles na antiguidade e largamente difundido nas obras de John Locke e Montesquieu.
No caso do Estado Brasileiro, utilizando-se do referido postulado, a Constituição Federal fixou a repartição dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, frisando todos serem independentes e harmônicos entre si, conforme se depreende do artigo 2.º da Carta Política.
Por óbvio, nesse contexto, cabe ao Poder Judiciário à análise da harmonia de determinada norma jurídica com o sistema de direito positivo posto, conforme tratado em tópico anterior.
Assim, qualquer ato emanado dos Poderes Legislativo e Executivo de um Ente Federado que tenha por objetivo atacar a norma jurídica devidamente inserida no ordenamento jurídico por outro Ente Federado caracteriza-se como nítida violação à tripartição dos poderes.
Tanto é assim que caso um Ente se sinta lesado pela norma jurídica criada pelo outro Ente, deverá socorrer-se da autoridade competente para dirimir tal conflito, através das vias legais passíveis de utilização.
Conforme salientado anteriormente, apenas o Poder Judiciário detém legítima competência para analisar a compatibilidade de determinada norma jurídica com o sistema de direito positivo posto, conforme preceituam os artigos 97 e 102 da Constituição Federal, ao delegar a competência ao Supremo Tribunal Federal para análise da (in)constitucionalidade das leis ou atos praticados pelos Entes Federados.
No caso da Guerra Fiscal do ICMS, se um Ente Federado não concorda com a legislação de outro Ente que concede benefícios fiscais aos Contribuintes sediados em seu território, caberá à impugnação da referida legislação por meio de ação direta de inconstitucionalidade – ADIn proposta perante o órgão competente, ou seja, o Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, enquanto uma norma jurídica não for considerada inválida por ato do órgão competente, no caso o Supremo Tribunal Federal, não restará alternativa jurídica e moral aos demais Estados, senão reconhecer a validade, vigência e eficácia da mesma, respeitando-a e cumprindo-a.
2.3. Competência Tributária e Capacidade Tributária Ativa
Com notório fim de resguardar a autonomia administrativa, financeira e legislativa dos Entes Federados que compõem o Estado Brasileiro, o sistema de direito positivo enquanto verdadeiro subsistema social, composto eminentemente de enunciados prescritivos de condutas intersubjetivas, garante, no bojo da Constituição Federal, a competência tributária para instituição dos respectivos tributos, bem como os limites ao poder de tributar.
Dessa forma, no bojo do subsistema maior que é o direito positivo, entende-se pela existência de outro subsistema que contém as normas eminentemente relacionadas com a atuação tributária, uma vez que a classificação é infindável enquanto existir diferenças específicas capazes de dar origem a novas divisões, sendo que este novo subsistema é denominado sistema constitucional tributário, que ostenta tais normas contidas no bojo da Constituição.
A sua função primordial, por estar no bojo do texto máximo do direito positivo, é servir como fundamento de validade para as demais legislações do subsistema das normas tributárias, bem como operar suas funções de coordenação e subordinação.
Nesse contexto, a Competência tributária é a prerrogativa constitucional de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos.
Já a capacidade tributária ativa, por sua vez, é a autorização para integrar uma relação jurídica tributária na posição de credor (sujeito ativo).
Ambas se diferenciam no sentido de que o Ente que detém capacidade tributária ativa não detém, necessariamente, a competência tributária, mas quem detém a competência tributária pode deter, também, a capacidade tributária ativa. Ou seja, a competência não pode ser transferida, já a capacidade tributária ativa, sim.
A competência tributária contém três características, a saber: 1) indelegabilidade, haja vista que uma pessoa política não pode delegar sua competência à outra, pois contrariaria a Constituição Federal; 2) irrenunciabilidade, pois a pessoa política não pode renunciar a sua competência, pode não exercê-la, mas jamais renunciá-la; e 3) incaducabilidade, tendo em vista não deixar de existir em razão do tempo.
No caso da Guerra Fiscal do ICMS, os Estados exercem, de fato, a sua respectiva competência tributária, editando legislações que instituem sistemáticas diferenciadas de tributação do referido imposto, com a outorga de benefícios fiscais aos Contribuintes signatários sediados em seus respectivos territórios.
Ocorre que, não concordando com as legislações concessivas de sistemáticas diferenciadas de tributação, os demais Estados editam legislações internas restringindo os valores referentes à concessão a de benefícios fiscais pelos outros Entes, cobrando, em verdade, tributo que não lhe pertence (não detêm capacidade tributária ativa), em patente violação ao Pacto Federativo e a Competência Tributária dos demais Entes Federados, ao passo que desconsideram a legislação devidamente válida dos mesmos, conforme será analisado no tópico próprio.
3. O ICMS E AS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ESPECÍFICAS
O ICMS tem como característica incidir indiretamente sobre as operações, de modo que, por sua natureza, representa umas das maiores fontes de custeio Estatal.
Nesse sentido, o ICMS representa um tributo estadual com vocação eminentemente nacional, motivo que justifica a maior atenção lhe foi dada pela Constituição Federal, conforme será analisado no presente tópico por meio de uma análise sucinta acerca de suas principais características.
3.1. A Natureza Jurídica do ICMS
A Constituição Federal, em seu artigo 155, inciso II, atribuiu aos Estados a competência para instituir e arrecadar o ICMS, ainda que as operações de circulação de mercadorias se iniciem no exterior.
Referido tributo era denominado ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) antes do Texto Constitucional de 1988, que incluiu em seu âmbito de incidência os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e o de comunicações, daí o acréscimo da letra “S” em sua sigla.
O ICMS tem como finalidade precípua a arrecadação fiscal, mesmo tendo a Carta Magna facultando aos entes tributantes a possibilidade de instituição de alíquotas seletivas, conforme a essencialidade dos produtos, nos termos do artigo 155, § 2.º, inciso III, da Constituição Federal.
Devido à natureza das operações passíveis de incidência do ICMS, tem-se que o referido tributo é o que remonta uma das maiores arrecadações fazendárias, conjuntamente com as Contribuições Sociais, razão que ensejou uma grande quantidade de regramentos constitucionais acerca do mesmo, como exemplo, a não cumulatividade em sua cobrança, nos termos abaixo dispostos.
3.2. Evolução Histórica e Legislativa
Como mencionado nos tópicos anteriores, o ICMS foi criado por meio da Constituição Federal de 1988, decorrente de uma evolução legislativa de 06 (seis) impostos indiretos constantes da Carta Política de 1967.
A união dos 06 (seis) impostos, a saber, delimitados, formam o atual ICMS: 1) imposto sobre comunicações; 2) imposto sobre transportes; 3) imposto único sobre energia elétrica; 4) imposto único sobre combustíveis líquidos e gasosos; 5) imposto único sobre minerais e 6) imposto sobre circulação de mercadorias.
A Constituição Federal de 1988, nesse sentido, unificou a tributação indireta sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte e comunicação, bem como fixou os parâmetros básicos da incidência tributária do ICMS, tais como, a competência legislativa tributária, a base de cálculo, as alíquotas, as matérias a serem tratadas por lei complementar, o princípio não cumulativo, as isenções e não incidências, dentre outros, sendo alguns deles tratados nos tópicos subsequentes.
3.3. Incidência Tributária do ICMS
Utilizando-se dos preceitos sintetizados no tópico 2.6, a incidência tributária do ICMS somente se dará com a ocorrência do fato jurídico tributário descrito na hipótese normativa e, dessa forma, ter-se-á a subsunção do fato à norma geral e abstrata que será materializado pelo agente competente por meio da linguagem adequada para, assim, criar a norma individual e concreta que desencadeará na criação do vínculo relacional entre os sujeitos.
Destarte, para uma análise adequada acerca da incidência tributária do ICMS, importante realizar uma breve síntese dos aspectos de sua regra matriz, ou seja, os aspectos material, pessoal, espacial, temporal e quantitativo, constantes do Texto Constitucional, bem como da Lei Complementar n.º 87/1996.
Note-se que, no caso do ICMS, é possível subsumir da Constituição Federal 03 (três) regras matrizes com os seguintes antecedentes normativos passíveis de incidência, conforme leciona Paulo de Barros Carvalho:
“a) realizar operações relativas à circulação de mercadorias;
b) prestar serviços de comunicação, mesmo que se iniciem no exterior, prestações essas que deverão concluir-se ou ter início dentro dos limites territoriais dos Estados ou do Distrito Federal, identificadas as prestações no instante da execução, da geração ou da utilização dos serviços correspondentes;
c) prestar serviços de transportes interestadual ou intermunicipal.” (CARVALHO, 2009, p. 727)
Como o propósito do presente trabalho cinge-se a evidenciar a validade das normas jurídicas que concedem benefícios fiscais de ICMS no contexto da Guerra Fiscal travada entre os Entes Federados, convém fixamos a análise acerca da incidência do ICMS nas operações de circulação de mercadorias, mais especificamente nas operações interestaduais.
Nesse sentido, temos os seguintes aspectos:
Hipótese normativa:
Material: realizar operações relativas à circulação de mercadorias.
Temporal: momento da circulação das mercadorias.
Espacial: âmbito territorial do Estado-membro que ocorreu a circulação.
Consequente normativo:
Pessoal: como sujeito ativo o Estado membro no qual ocorreu a circulação e sujeito passivo qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadorias.
Quantitativo: A base de cálculo é o valor relativo à circulação de mercadoria com a respectiva alíquota incidente.
Importante frisar que, conforme preleciona o artigo 155, § 2.º, inciso IV, da Constituição Federal, Resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações interestaduais.
Portanto, para que ocorra a incidência do ICMS sobre as operações de circulação de mercadorias interestaduais, impende à ocorrência cumulativa da materialidade da regra matriz, ou seja: “(i) realização de operações (negócios jurídicos pertinentes à transmissão de propriedade ou posse das mercadorias); (ii) circulação jurídica (mutação patrimonial) e (iii) a existência de mercadoria (bem compreendido no efetivo ato mercantil).” (VOGAS, 2011, p. 12), com a posterior fixação dos demais aspectos constantes do consequente normativo.
3.4. A Não Cumulatividade do ICMS
Ao dispor sobre a tributação, a Constituição Federal previu alguns limites aos órgãos integrantes do Poder Público Federal, Estadual e Municipal.
Tais limites foram criados com o objetivo de impedir aos entes públicos que, ao instituírem e exigirem tributos, não acabem por violar direitos e garantias individuais dos Contribuintes, afastando qualquer atuação discricionária dos administradores.
No caso do ICMS, por se tratar de um imposto indireto, que incide sobre a cadeia de consumo relativa à circulação de mercadorias, a Constituição foi além e buscou assegurar aos Contribuintes uma tributação justa, não cumulativa, de tal modo que dispõe em seu artigo 155, § 2.º, inciso I:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:[…]
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;[…]
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;”
Dessa forma, nas operações de circulação de mercadorias, deverá ser compensado o tributo devido com o valor cobrado na operação anterior pelo mesmo ou por outro Estado, até a chegada da mercadoria ao Contribuinte final.
A sistemática não cumulativa do ICMS também foi fielmente seguida pela Lei Complementar n.º 87/1996, também conhecida como Lei Kandir, que trás em seu bojo as normas gerais acerca do referido imposto:
“Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.
Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.”
A não cumulatividade do ICMS não representa apenas uma sistemática de apuração do imposto, mas sim, verdadeiro princípio constitucional explicitamente disposto na Carta Magna, ao passo que sua aplicabilidade é objetiva e obrigatória, com as únicas exceções à sua aplicação dispostas no próprio texto constitucional, isenção e não incidência, conforme disposto no artigo 155, § 2.º, inciso II:
“II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;”
Portanto, é possível aferir que não cabe à Lei Complementar limitar a aplicação de tal postulado constitucional, uma vez que a própria Constituição Federal já delimitou o tema da não cumulatividade do imposto.
Nesse sentido Roque Antonio Carrazza é claro ao dispor:
“Logo, a lei complementar não pode, sem reservas nem restrições, ir estabelecendo limites ou requisitos para que os contribuintes usufruam das vantagens que o princípio da não-cumulatividade lhes dá. Muito ao invés, deve dispor de forma a assegurar-lhes o pleno exercício do direito de compensação que ele encerra.
Contudo, o modo ou a oportunidade a partir da qual tal compensação ocorrerá está fora da alçada do legislador complementar, a quem compete, apenas fixar os procedimentos escriturais que tornarão mais fácil a aplicação do princípio da não-cumulatividade.” (CARRAZZA, 2009, p. 411)
Assim sendo, a não cumulatividade do ICMS é um direito dos Contribuintes, assegurado pela Constituição Federal, sendo que, qualquer disposição infraconstitucional que vá de encontro a tal sistemática é manifestamente inconstitucional.
3.5. A Competência do Senado Federal para a Fixação de Alíquotas Interestaduais
Para os fins propostos no presente estudo, a análise do ICMS será limitada apenas à sua incidência sobre as operações de circulações de mercadorias, especificamente com origem em estabelecimentos remetentes situados em um dado Ente Federado com destino a estabelecimento sediado em outro Ente Federado, ou seja, operações interestaduais.
Como já citado no item 4.3, Resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações interestaduais, conforme preleciona o artigo 155, § 2.º, inciso IV, da Constituição Federal:
“IV – resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;”
Em atendimento ao ditame constitucional, foi editada a Resolução n.º 22/1989 do Senado Federal, que estabeleceu como regra a alíquota de 12% (doze por cento) para as operações interestaduais, e a alíquota de 7% (sete por cento) como exceção para as operações interestaduais realizadas nas regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo:
“Art. 1º A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais, será de doze por cento.
Parágrafo único. Nas operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, as alíquotas serão:
I – em 1989, oito por cento;
II – a partir de 1990, sete por cento.
Art. 2º A alíquota do imposto de que trata o art. 1º, nas operações de exportação para o exterior, será de treze por cento.”
Desse modo, é nítida a busca pela redução das desigualdades regionais, ao passo que os Entes Federados consumidores receberão as mercadorias com uma alíquota inferior aplicada nos Estados remetentes, o que acarretará um crédito menor a ser abatido nas operações internas, com um consequente aumento na arrecadação, como assevera Rosíris Paula Cerizze Vogas:
“Com esse mecanismo, os estados destinatários tidos por estados consumidores recebem a mercadoria com menor tributação e, consequentemente, com menor crédito a ser abatido nas operações posteriores a se realizarem no seu interior. Pretende-se, com tal mecanismo, a redução das desigualdades regionais, de modo a ampliar a arrecadação dos estados de regiões menos providas.” (VOGAS, 2011, p. 95)
Portanto, as alíquotas incidentes nas operações interestaduais deverão ser devidamente destacadas nos documentos fiscais no percentual de 12% ou 7%, conforme acima disposto, garantindo-se ao estabelecimento destinatário o creditamento de tal percentual em decorrência da sistemática não cumulativa do imposto.
No presente tópico, será realizada uma breve digressão acerca do conceito de benefício fiscal, bem como suas diferentes espécies, com ênfase na validade das legislações estaduais que concedem créditos presumidos de ICMS.
4.1.Conceito de Benefício Fiscal
A expressão benefícios fiscais, como todas as expressões veiculadas por meio da linguagem ordinária, contém um alto grau de polissemia, ao passo que o próprio legislador, em sua linguagem técnica, emprega a expressão benefícios fiscais como sinônima de incentivos fiscais, estímulos fiscais, privilégios, auxílios, dentre outras expressões.
Cumpre salientar que a imprecisão na utilização dos citados termos pode causar sérios problemas hermenêuticos, uma vez que possibilita a confusão entre os ditos benefícios fiscais e os institutos da isenção e não incidência, assinalados no tópico anterior.
Como visto anteriormente, a isenção e a não incidência são as únicas hipóteses de restrição à aplicação do princípio da não cumulatividade no caso do ICMS, nos termos do artigo 155, § 2.º, inciso II, da Constituição Federal.
Após tais considerações, passa-se ao conceito que será atribuído a expressão benefício fiscal no presente estudo.
Em verdade, analisando semanticamente os termos da expressão benefício fiscal no contexto jurídico, temos benefício como favor, vantagem, ganho, proveito.
Portanto, ao se tratar de benefício fiscal, temos uma vantagem relacionada aos tributos, um ganho tributário para o contribuinte, um favor do fisco para o contribuinte, mais ainda, uma desoneração tributária concedida pelo Ente Político almejando atingir determinado interesse público.
Assim, Rosíris Paula Cerizze Vogas assevera que os benefícios fiscais podem ser vistos como: “instrumentos de desoneração tributária, aprovados pelo próprio ente político, autorizando à instituição do tributo, por meio de veículo legislativo específico, com o propósito de estimular o surgimento de relações jurídicas de cunho econômico.”. (VOGAS, 2011, p. 55)
Os Entes Políticos, dessa forma, concedem os benefícios fiscais para os contribuintes sediados em seus territórios por meio de normas desonerativas tributárias que visam alcançar determinados interesses públicos, tais como investimentos externos, instalação de estabelecimentos em seus territórios, dentre outros.
É nesse sentido que leciona novamente Rosíris Paula Cerizze Vogas:
“São basicamente três os principais objetivos que os entes políticos buscam alcançar quando concedem incentivos: (i) um modelo de desenvolvimento nacional, visando ao fortalecimento da economia; (ii) um modelo de desenvolvimento regional, com propósitos de integração nacional e recuperação econômica regional e (iii) um política de desenvolvimento setorial, face às particularidade que justificam tratamentos especiais para determinados setores da economia.” (VOGAS, 2011, p. 55)
Portanto, no presente trabalho a expressão benefício fiscal será utilizada como sinônima de norma desonerativa tributária, devidamente inserida no sistema de direito positivo por fonte credenciada, que tem por objetivo alcançar determinado interesse público do Ente Político concedente. Passemos a uma rápida análise das espécies de exonerações fiscais para, após, tecer considerações acerca da validade das normas que concedem os referidos benefícios fiscais.
4.2.Espécies exonerativas – Benefícios Fiscais
No atual sistema de direito positivo, podemos enumerar as seguintes espécies de espécies exonerativas: (i) imunidade, isenção e não incidência; (ii) isenção parcial; (iii) reduções de base de cálculo e alíquota; (iv) alíquota zero; (v) diferimento; (vi) remissão e anistia; (vii) subvenções e subsídios e (viii) crédito presumido e regimes especiais de tributação, conforme será analisado nos tópicos subsequentes.
4.2.1. Imunidade, isenção e não incidência
As imunidades emanam diretamente do texto constitucional. Representam verdadeiros limites ao poder de tributar decorrente da competência tributária. São determinadas situações que o texto constitucional prescreve a não incidência tributária de forma permanente, ou seja, o legislador não pode criar, posteriormente, tributos que tenham como hipótese de incidência tributária situações descritas como imunes.
Já quanto às isenções, consoante os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, as normas jurídicas subdividem-se em normas de comportamento (com o consequente diretamente incidente sobre condutas humanas) a e normas de estrutura (com o consequente diretamente incidente sobre outras normas), portanto, a isenção tributária é uma norma de estrutura, de tal modo, a mesma “investe contra um ou mais critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente.” (CARVALHO, 2009, p. 528).
A não incidência caracteriza-se por situações que ocorrem no dia a dia e não são alcançadas pela tributação, uma vez que não constituem fato jurídico tributário de nenhum tributo. Pode supervenientemente ser instituída norma tributária que descreva tais situações como fato jurídico tributário de determinado tributo, assim, convolando-se em hipótese de incidência tributária.
A isenção parcial é tratada, equivocadamente, por parte da doutrina, dos legisladores e por membros do judiciário como espécie do gênero isenção, no caso, isenção total, como tratada no tópico anterior.
Ocorre que, em verdade, entende-se que a isenção é um instituto que pode ser equiparado a não incidência, ou seja, é uma norma de estrutura que incide sobre a regra matriz de incidência tributária, fazendo com que a mesma não incida.
Dessa forma, não há que se falar em isenção parcial, apenas total. Ou temos uma isenção total, que obsta a incidência tributária, ou não temos isenção.
O Supremo Tribunal Federal, indo de encontro ao próprio conceito de isenção, tem admitido reiteradamente a existência da isenção parcial, equiparando-a a uma forma de redução de base de cálculo, bem como tratando a isenção parcial como se total fosse, ao passo que manifesta o entendimento pela possibilidade de estorno dos créditos de ICMS pelos estados nos casos de isenção parcial, nos termos do artigo 155, § 2.º, inciso II, “b” da Constituição Federal (vide AI 669557 AgRg, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ 07.05.2010).
Entretanto, tal entendimento não deve prevalecer, uma vez que justificar a existência de um instituto denominado isenção parcial e ao mesmo tempo equipara-lo à redução de base de cálculo ou alíquota é subverter o próprio instituto da isenção, que representa uma norma de estrutura que obsta a incidência tributária.
4.2.3. Reduções de base de cálculo e alíquota
Como já visto no item 5.2.1, as imunidades e as isenções são espécies exonerativas que operam na hipótese de incidência das normas tributárias, fazendo com que as mesmas deixem de incidir ou sequer existam.
Por outro vértice, podemos enumerar espécies exonerativas que atuam no consequente normativo, isto é, acontecido o fato jurídico tributário e ocorrida a subsunção, a norma irá incidir criando a relação jurídica prescrita no consequente normativo, todavia, nos casos de redução de base de cálculo e alíquota, a prestação objeto da obrigação tributária será reduzida.
Nesse contexto, não há que se falar em semelhança entre o instituto das isenções e imunidades com a redução de base de cálculo e alíquotas, uma vez que são espécies exonerativas distintas que operam sobre a norma jurídica tributária.
Com relação a tal ponto, importante frisar as considerações realizadas por Rosíris Paula Cerizze Vogas ao dispor acerca da questão:
“Ademais, cumpre observar que, com a extinção do sistema de alíquotas fixas do antigo ICMS e a consagração do princípio da seletividade, em função da essencialidade das mercadorias pela Constituição Federal (art. 155, § 2.º, III), a redução de base de cálculo não pode simplesmente ser considerada uma desoneração semelhante à isenção, vez que configura uma forma indireta de se estabelecerem alíquotas seletivas para determinadas mercadorias.” (VOGAS, 2011, p. 70)
Entretanto, em que pese à profunda diferença existente entre tais institutos, o Supremo Tribunal Federal além de inovar no ordenamento jurídico ao criar a isenção parcial, equiparou-a a redução de base de cálculo, contrariando toda a sistemática de interpretação disposta no artigo 111 do Código Tributário Nacional.
Em uma análise inicial, parte da doutrina entende que a alíquota zero é uma espécie exonerativa que se assemelha à isenção. Nesse sentido são os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho. (CARVALHO, 2009)
Entretanto, como já analisado em tópicos anteriores, a alíquota zero, por operar no consequente da norma tributária, em nada assemelha ao instituto da isenção, que opera na própria incidência tributária.
Tal posicionamento é fortemente defendido por Sacha Calmon Navarro Coêlho:
“Por outro lado, ontologicamente, isenção e “alíquota zero” são mesmo profundamente diversas. A isenção exclui da condição de “jurígeno” fato ou fatos. A alíquota zero é elemento de determinação quantitativa do dever tributário. Se é zero, não há o que pagar. […] A isenção, é de ver, distingue-se da alíquota zero pelo fato de a previsão isencional relacionar-se com a hipótese de incidência da norma (construção jurídica do fato gerador) e a alíquota zero liga-se à descrição do dever tributário, atribuindo-lhe conteúdo de gratuidade.” (COELHO, 2010, p. 146-147)
Portanto, a alíquota zero é uma espécie exonerativa autônoma largamente utilizada no desenvolvimento de políticas governamentais decorrentes da extrafiscalidade, aplicando-se, normalmente, a tributos que ostentam uma maior maleabilidade de manipulação pelo Poder Executivo, por exemplo, Imposto de Importação e Imposto sobre Produtos Industrializados, ao passo que a isenção é instituto que obedece à estrita legalidade tributária, devidamente fixada no artigo 176 do Código Tributário Nacional.
O diferimento em sua essência não deve ser visto como um benefício fiscal, uma vez que, em verdade, não haverá redução da arrecadação tributária, mas sim, um prazo maior para o recolhimento do tributo. Nesse sentido, entende-se prudente assemelhar os efeitos práticos do diferimento como se uma espécie de moratória fosse.
Seja como for, o instituto do diferimento é extremamente alegórico, uma vez que não ostenta previsão legal no texto Constitucional, nem em Leis Complementares e Ordinárias. Importante frisar as palavras de Rosíris Paula Cerizze Vogas acerca da questão:
“O diferimento utilizado em seu conceito juridicamente correto e com o necessário rigor técnico, isto é, quando mero alongamento do prazo para pagamento do imposto, em que o recolhimento se dá por aquele que realiza o fato gerador, apesar de ser uma vantagem fiscal, não pode configurar uma espécie de benefícios fiscal, não se constituindo tipo exonerativo, vez que não há redução de carga tributária. Nessa hipótese, sequer se trata de norma de cumprimento obrigatório pelo contribuinte.” (VOGAS, 2011, p. 81)
A remissão e a anistia são espécies exonerativas do crédito tributário que encontram expressa autorização no sistema de direito positivo.
A remissão, conforme disposto no artigo 156, inciso IV, do Código Tributário Nacional, é causa extintiva do crédito tributário, consistindo no perdão dos débitos tributários pelo sujeito ativo da obrigação tributária.
Já a anistia, por sua vez, consiste no perdão das penalidades pecuniárias e é tratada como espécie de excludente do crédito tributário, nos termos do artigo 180 do Código Tributário Nacional.
Com relação a tais institutos, convém dispor que ambos necessitam de lei autorizativa de aplicação, uma vez que o crédito tributário é, em regra, indisponível pelo sujeito ativo da obrigação tributária.
Por fim, convém dispor que o legislador, ao tratar a anistia como uma forma de excludente do crédito tributário, incorreu em uma grande atecnia legislativa, uma vez que não há qualquer exclusão do crédito tributário, mas sim, uma verdadeira extinção como no caso da remissão.
As subvenções manifestam-se como uma espécie de doação realizada pela pessoa jurídica de direito público concedente aos contribuintes, tendo por objetivo alcançar algum interesse público específico. Como assevera Rosíris Paula Cerizze Vogas:
“A subvenção pode ser definida como uma doação modal cuja destinação é especificada pela pessoa jurídica de direito público concedente, segundo a sua própria conveniência política. Podem ser concedidas como forma de custeio, isto é, verdadeira doação condicionada à realização de certa contrapartida pelo beneficiário ou, ainda, como forma de investimento, ou seja, típico aporte de capitais para transferência de recursos públicos ao ente privado, visando alcançar a finalidade determinada pelo concedente.” (VOGAS, 2011, p. 82)
Já o subsídio, ao seu tempo, representa qualquer ajuda oficial realizada pelo governo visando estimular a produtividade e o crescimento em um dado setor econômico.
Nesse contexto, independente da controvérsia doutrinária, há o entendimento de que os benéficos fiscais em geral podem ser enquadrados na classe das subvenções, o que, de fato, pode ensejar ainda mais benefícios, como a redução da base de cálculo do Imposto de Renda para os contribuintes já beneficiários de tais benefícios fiscais.
4.2.8. Crédito presumido e regimes especiais de tributação
O crédito presumido consiste em um crédito fictício outorgado ao contribuinte pelo sujeito ativo da exação, pressupondo o pagamento integral do tributo referenciado no crédito outorgado quando, em verdade, o tributo não foi recolhido integralmente.
É uma espécie exonerativa indireta que atualmente é a mais utilizada para a concessão de benefícios fiscais de ICMS.
Nesse contexto, os fiscos estaduais têm realizado verdadeiras confusões entre a concessão de créditos presumidos e regimes especiais de tributação.
Como exemplo, podemos citar o Estado de Goiás que celebra os denominados Termos de Acordo de Regime Especial – TARE a pretexto de conceder um regime especial de tributação aos contribuintes signatários quando, de fato, está concedendo créditos presumidos.
Os regimes especiais de tributação não representam forma exonerativa de tributos, mas sim, uma sistemática diferenciada de apuração tributária que tem por objetivo evitar o acúmulo de créditos de tributos não cumulativos. Nesse sentido são os ensinamentos de Rosíris Paula Cerizze Vogas:
“Na realidade esses regimes especiais não podem sequer ser equiparados a nenhuma das modalidades de benefícios fiscais existentes. Em regra, essa é uma fórmula encontrada por alguns fiscos para evitar o acúmulo de crédito de ICMS, decorrente da incidência de alíquotas interestaduais diferenciadas e o consequente endividamento dos estados. Obviamente sem a contrapartida de uma solução ágil e eficaz para pagamento de seus contribuintes, severamente penalizados pelo total menosprezo, por parte dos entes políticos, a esse grave problema do Sistema Tributário no Brasil.
Tais regimes permitem uma moralização sistêmica, na medida em que garantem o direito à recuperação de créditos de ICMS ou estanca o seu acúmulo, de forma compensatória e não incentivatória.” (VOGAS, 2011, p. 75)
Portanto, os créditos presumidos representam uma verdadeira ficção criada pelos entes tributantes visando atrair investimentos privados para os seus respectivos territórios. Em regra, reduzem a carga tributária e em nada se assemelham aos regimes especiais de tributação, que representam um legítimo instrumento do Poder Executivo para oferecer opções de sistemáticas de tributação que evitam o acúmulo de créditos.
No caso dos benefícios fiscais de ICMS por meio de créditos presumidos, a concessão se dá, na maioria das vezes, por leis ou decretos estaduais que concedem a opção ao contribuinte de ser signatário de TARE que estipulam os créditos que serão concedidos, bem como os ônus assumidos pelo contribuinte para a fruição do acordo (como estorno de créditos referentes as entrada, contribuições a fundos específicos, dentre outros).
4.3.Limitações à Concessão de Benefícios Fiscais de ICMS
Como já referenciado em tópico anterior, tendo em vista o ICMS representar uma das maiores fontes de arrecadação dos estados, a Constituição Federal deu um tratamento privilegiado ao mesmo, dispondo exaustivamente as linhas gerais de sua incidência, arrecadação e fiscalização.
O texto constitucional foi firme ao dispor acerca das limitações à concessão de benefícios fiscais de ICMS, reduzindo a autonomia dos Estados, conforme a disposição do artigo 155, § 2.º, inciso XII, “g”, cabendo à Lei Complementar regulamentar a forma de concessão, exigindo que qualquer concessão de benefícios fiscais de ICMS deva ser precedida de deliberação conjunta dos Estados e do Distrito Federal.
Atualmente, a deliberação conjunta é realizada por meio de convênios no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ.
O CONFAZ é órgão estruturado pelo Ministério da Fazenda, com a participação dos Secretários Estaduais da Fazenda de todos os Entes Federativos, conforme regulamentação dada pela Lei Complementar n.º 24/1975.
Entretanto, em que pese a referida limitação imposta pela Constituição Federal e regulamentada pela Lei Complementar n.º 24/1975, alguns Estados, visando atrair os investimentos decorrentes do capital externo, concedem os mais variados benefícios fiscais para os contribuintes sediados em seus respectivos territórios mediante leis ou atos governamentais internos sem a aprovação do CONFAZ.
Note-se que, os Estados detêm autonomia legislativa para conceder os referidos benefícios fiscais, todavia, quando concedidos à revelia do CONFAZ, afrontam diretamente o comando constitucional regulamentado pela Lei Complementar n.º 24/1975, sendo passível de questionamento constitucional em controle difuso por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN.
Entretanto, alguns Estados, visando retaliar a concessão dos benefícios fiscais sem aprovação do CONFAZ, utilizam-se de vias inadequadas, criando legislações restritivas ao crédito de ICMS que foi devidamente destacado em documentos fiscais idôneos e que é oriundo de operações interestaduais com remetentes de mercadorias que estão sediados em Entes Federativos que detêm os referidos benefícios fiscais com base em legislações plenamente válida dos Entes Federativos concedentes.
4.3.1. A validade das normas concessivas de Benefícios Fiscais de ICMS
Como visto no tópico 2.5 do presente estudo, afirmar que uma norma jurídica é válida significa garantir que a mesma é um elemento do conjunto das normas jurídicas, isto é, que ostenta a relação de pertinência com o conjunto de normas jurídicas que forma o denominado sistema de direito positivo, portanto, norma válida é norma que existe no sistema.
Dessa forma, quando os Estados concedem mediante legislação própria benefícios fiscais de ICMS sem a devida aprovação do CONFAZ, os mesmos estão violando os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais acima dispostos, todavia, não deixam de inserir a norma jurídica no sistema de direito positivo, logo, passível de produzir os seus respectivos efeitos em face dos demais Entes Federativos, bem como dos administrados.
Pensar de outra forma seria uma afronta direta ao princípio da autonomia legislativa dos Estados, pilar da estrutura organizacional do Estado Brasileiro.
Assim, as normas concessivas de benefícios fiscais de ICMS sem aprovação do CONFAZ, mesmo que eivadas de inconstitucionalidades, foram inseridas no sistema de direito positivo por meio de órgão competente e mediante o procedimento adequado, razão que, por si só, enseja o respeito pelos demais Entes Federados e a possibilidade de irradiação de seus efeitos sobre os contribuintes.
Caso um Ente Federado se sinta lesado pela referida legislação, deverá questioná-la pela via adequada da ADIN e não restringir os créditos dos contribuintes como inúmeros estados têm realizado, uma vez que a legislação que concede os referidos créditos presumidos é válida no sistema de direito positivo posto.
No curso do presente trabalho vislumbrou-se, mesmo que sinteticamente, o sistema de direito positivo como um complexo conjunto de normas jurídicas que visam regrar as condutas intersubjetivas, sendo tais normas inseridas ou retiradas do sistema por meio das fontes do direito, isto é, as autoridades credenciadas pelo próprio sistema, por meio dos procedimentos adequados para tanto.
Nesse ponto, conceituou-se a validade da norma jurídica como a existência da mesma no sistema de direito positivo, isto é, quando a norma ostenta a relação de pertinência com o conjunto de normas jurídicas que forma o sistema, estando apta a desencadear todos os seus efeitos.
Em continuidade, passou-se ao estudo acerca dos aspectos gerais e específicos do ICMS no bojo do texto constitucional, com objetivo de enfatizar a sistemática de concessão de benefícios fiscais pelos Entes Federativos, especificamente com relação às normas jurídicas concessivas de créditos presumidos de ICMS que necessitam da prévia aprovação do CONFAZ.
Nesse espeque, os Entes Federativos em muitos casos extrapolam a sua competência legislativa e concedem benefícios fiscais mediante legislações internas sem a prévia aprovação do CONFAZ, ensejando a retaliação pelos demais Entes Federativos com a comumente denominada Guerra Fiscal realizada por meio da glosa dos créditos.
Ocorre que, os contribuintes se valeram das legislações internas concessivas de benefícios fiscais que são plenamente válidas no sistema de direito positivo, razão que, no mínimo, enseja o respeito da legislação concessiva dos referidos benefícios pelos demais Entes Federados, uma vez que, se um Ente Federado se sinta lesado pela referida legislação, deverá questioná-la pela via adequada da ADIN e não restringir os créditos dos contribuintes como inúmeros estados têm feito.
Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET/SP. Advogado
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