O conjunto-imagem (trade-dress) de uma empresa, produto ou serviço engloba diversos elementos que dão identidade à mesma, desde cores, frases, símbolos, embalagens, formatos, decoração interna ou externa, elementos olfativos e auditivos, vestimentas dos empregados, dentre outros que possam causar confusão nos consumidores.
Logo, a noção de trade dress está inevitavelmente associada à de um complexo de elementos, que, quando combinados, formam um todo distintivo capaz de gerar apresentação apta a permitir que o consumidor identifique determinada empresa, produto ou serviço.
Mostra-se crescente a exploração dos elementos imateriais das empresas para captação dos consumidores e ampliação do mercado, fato que muitas vezes pode redundar em problemas envolvendo a concorrência.
Evidente que a livre iniciativa de concorrência, protegida pela Constituição Federal, é uma consequência indiscutível no exercício da atividade empresarial, todavia, a mesma deve ser leal, transparente e baseada na boa fé. O indivíduo tem a liberdade para exercer qualquer atividade, salvo nos casos em que a lei não permitir, sendo a concorrência a prática irrefutável no exercício da atividade empresarial.
Em precedente sobre o assunto, no REsp 1591294/PR, DJe 13/03/2018, o relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, observando as sutilezas que podem separar a concorrência desleal da legítima prática competitiva, fez a seguinte observação no seu voto condutor:
“ (…) para se caracterizar uma atitude anticompetitiva e desleal é imprescindível que a situação concreta demonstre um comportamento imprevisível aos olhos do mercado, o que não se pode reconhecer quando se utiliza elementos comuns, partilhados por uma multiplicidade de concorrentes no mesmo nicho do mercado. Daí esta Terceira Turma ter sublinhado que, nos casos de alegação de concorrência desleal pela utilização de conjunto-imagem assemelhado apta, em tese, a causar confusão nos consumidores, é imprescindível uma análise técnica que tome em consideração o mercado existente, o grau de distintividade entre os produtos concorrentes no meio em que seu consumo é habitual e ainda o grau de atenção do consumidor comum.”
Disso podemos considerar que a ausência de boa-fé nas relações empresariais dá origem à concorrência desleal, que se configura quando é empregado meios ilegais para auferir vantagem em detrimento de outras empresas já consolidadas do mesmo ramo, com a reprodução de algum de seus elementos identificadores, gerando apelo de consumo.
Assim, para que seja caracterizada a concorrência desleal, faz-se necessário o agrupamento dos atos considerados como indevidos, que turbam o livre funcionamento do mercado, configurando-se quando geram confusão entre produtos ou estabelecimentos, causando incerteza e instabilidade no mercado e junto aos próprios consumidores.
Na lição da doutrina de João da Gama Cerqueira[1]:
“sob a denominação genérica de concorrência desleal, costumam os autores reunir uma grande variedade de atos contrários às boas normas da concorrência comercial, praticados, geralmente, com o intuito de desviar, de modo direto ou indireto, em proveito do agente, a clientela de um ou mais concorrentes, e suscetíveis de causar-lhes prejuízos”.
Portanto, para que seja considerada a prática como antijurídica é necessário que seja evidenciada conduta imprevisível do consumidor, fato que demanda uma análise técnica que avalie o mercado existente, o grau de distintividade entre os produtos concorrentes no meio em que seu consumo é habitual e ainda o grau de atenção do consumidor comum.
Nas discussões judiciais envolvendo o tema, a prova pericial se mostra imperiosa, e, muitas vezes, conclusiva para o apontamento da conduta reprovável.
Em que pese no Brasil não existir legislação específica sobre o instituto do “trade-dress”, é certo que a jurisprudência vem tratando do tema, que atualmente vem ganhando contornos relevantes, proliferando-se no judiciário inúmeros casos sobre o assunto.
Inobstante a ausência de legislação especial acerca do trade-dress, a proteção vem estampada no artigo no artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal.
Há, ainda, previsão contra a concorrência desleal na Lei n.º 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial), cuja prática constitui o ilícito previsto no art. 195, sujeitando o infrator à indenização também tutelada pela redação do artigo 209. Vejamos:
“Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
(…)
III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
Pena: detenção de três meses e multa.”
“Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.”
O STJ vem utilizando as diretrizes da Lei de Propriedade Industrial acima citada para dirimir os casos envolvendo a violação ao trade-dress, como se observa da ementa abaixo citada:
“PROPRIEDADE INDUSTRIAL. RECURSO ESPECIAL. CONJUNTO-IMAGEM (TRADE DRESS). COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTO AFIM. EMBALAGENS ASSEMELHADAS. CONCORRÊNCIA DESLEAL. ART. 209 DA LEI N. 9.279/1996 (LPI). PERÍCIA TÉCNICA REQUERIDA. DISPENSA INJUSTIFICADA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. O conjunto-imagem (trade dress) é a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no mercado consumidor. 2. Não se confunde com a patente, o desenho industrial ou a marca, apesar de poder ser constituído por elementos passíveis de registro, a exemplo da composição de embalagens por marca e desenho industrial. 3. Embora não disciplinado na Lei n. 9.279/1996, o conjunto-imagem de bens e produtos é passível de proteção judicial quando a utilização de conjunto similar resulte em ato de concorrência desleal, em razão de confusão ou associação com bens e produtos concorrentes (art. 209 da LPI). 4. No entanto, por não ser sujeito a registro – ato atributivo do direito de exploração exclusiva – sua proteção não pode servir para ampliar direito que seria devido mediante registro, de modo que não será suficiente o confronto de marca a marca para caracterizar a similaridade notória e presumir o risco de confusão. 5. A confusão que caracteriza concorrência desleal é questão fática, sujeita a exame técnico, a fim de averiguar o mercado em que inserido o bem e serviço e o resultado da entrada de novo produto na competição, de modo a se alcançar a imprevisibilidade da conduta anticompetitiva aos olhos do mercado. 6. O indeferimento de prova técnica, para utilizar-se de máximas da experiência como substitutivo de prova, é conduta que cerceia o direito de ampla defesa das partes. Documento: 1683762 – Inteiro Teor do Acórdão – Site certificado – DJe: 13/03/2018 Página 5 de 4 Superior Tribunal de Justiça 7. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp n. 1.353.451/MG, desta relatoria, Terceira Turma, DJe 28/9/2017).
Inobstante as demandas estarem sendo resolvidas pela jurisprudência, é certo que a matéria exige regulamentação específica, e em breve deverá ser alvo da competente sistematização legislativa, como esperam os operadores do direito.
Artigo escrito pela advogada Daniele Caroline Vieira Lemos de Souza, integrante do escritório Pazzoto, Pisciotta & Belo Sociedade de Advogados.
[1] Tratado de Propriedade Industrial, 2a Ed., São Paulo, RT, 1982, p. 1266
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