Resumo: O presente ensaio apresenta como objeto de pesquisa a análise das violações de direitos humanos no sistema prisional brasileiro com enfoque na perspectiva internacional sobre o tema. O propósito do trabalho é compreender a dissonância entre a tutela jurídica dos direitos e garantias dos presidiários e a realidade precária do sistema carcerário brasileiro. Analisando as particularidades sobre o tema, o artigo discorre acerca da decisão inédita da Corte Interamericana de Direito Humanos de juntar quatro casos de violação nos presídios brasileiros em um “supercaso”, sob a justificativa de se tratar de um “problema estrutural de âmbito nacional do sistema penitenciário”. Para o desenvolvimento deste artigo utilizamos como base teórica a análise da legislação nacional e internacional e doutrinas de autores como Sidney Guerra e Esdras Boccato. A vertente teórico–metodológica utilizada é a jurídico-sociológica que parte da premissa que o direito depende da sociedade e observa o fenômeno jurídico no contexto social. O paradigma orientador se alinha as pesquisas das Ciências Sociais, com caráter interpretativo e compreensivo.
Palavras-chave: Sistema prisional brasileiro. Direitos humanos dos presidiários. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Supercaso. Presídios.
Abstract: This paper presents an object of research the analysis of human rights violations in the Brazilian prison system, with a focus on the international perspective on the subject. The purpose of the work is to understand the dissonance between the legal protection of prisoners' rights and guarantees and the precarious reality of the Brazilian prison system. Analyzing the particularities on the subject, the article discusses the unpublished decision of the Inter-American Court of Human Rights to join four cases of rape in Brazilian prisons in a "super-case", on the grounds that it is a "national structural problem of penitentiary system". For the development of this article we use as theoretical basis the analysis of national and international legislation and doctrines of authors such as Sidney Guerra and Esdras Boccato. The theoretical-methodological aspect used is juridical-sociological that starts from the premise that the right depends on the society and observes the juridical phenomenon in the social context. The guiding paradigm aligns Social Sciences research with an interpretative and comprehensive character.
Keywords: Brazilian prison system. Human rights of prisoners. Inter-American Court of Human Rights. Super-case. Prisons
Sumário: Introdução; 1. A violação de direitos humanos no sistema prisional brasileiro; 2. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o “supercaso” dos presídios brasileiros na corte internacional de direitos humanos; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro dispõe de inúmeros diplomas que resguardam os direitos e garantias fundamentais dos presidiários de modo a proteger a dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal expressamente limitam o ius puniendi do Estado garantindo um tratamento punitivo que respeite a vida humana. No entanto, o Estado transgride tais disposições normativas negando o caráter de pessoa aos apenados.
Nesse sentido, o presente trabalho em sua primeira parte aborda a violação de direitos humanos no sistema prisional brasileiro, analisando de maneira crítica a ausência de efetividade das normas que protegem os presidiários brasileiros. E, em sua segunda parte, diante da gravidade dos fatos, analisa o “supercaso” da Corte Interamericana de Direitos Humanos que decidiu de maneira inédita, em 2017, compilar a análise de quatro medidas provisórias sobre fatos de violência carcerária e superlotação notória em instituições penitenciárias do Brasil.
O pano de fundo desse artigo é uma abordagem da coisificação do direito penal que despreza os direitos humanos e legitima as atrocidades do sistema. O “supercaso” em análise representa uma preocupação da comunidade internacional com a situação de caos generalizada que acomete os presídios brasileiros violando frontalmente a singularidade da pessoa humana.
O tema abordado é relevante para o universo jurídico porque reconhece a tutela de direitos humanos dos cidadãos que cumprem pena restritiva de liberdade e aponta para necessidade de enxergar esses indivíduos como sujeitos de direito e não como agentes despersonalizados que merecem tratamento desumano. Essa visão se coaduna com a realização do Estado Democrático de Direito que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.
1 A VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
O reflexo da falência do sistema penal brasileiro é a situação degradante da vida nos cárceres. Prova disso são os problemas de superlotação, consumo de drogas, maus tratos, violência sexual, doenças, motins, rebeliões e tantas outras afrontas aos direitos humanos. O que se observa são os fenômenos da invisibilidade pública e da humilhação social, que negam o reconhecimento da dignidade humana e excluem um grupo da sociedade.
Os poderes públicos são omissos e grande parte da população, muitas vezes influenciada pela mídia, reproduz o discurso de que presos não são sujeitos de direito. Essas manifestações legitimam a crueldade do sistema e ignoram direitos fundamentais de cidadãos que cumprem pena restritiva de liberdade.
O ordenamento jurídico brasileiro tutela os direitos e as garantias dos presidiários de modo a resguardar a dignidade humana. No que tange à dignidade, é interessante anotar a reflexão de Rocha:
“Em condições normais, ninguém deseja abrir mão da sua própria dignidade. No entanto, o indivíduo pode não saber o que está fazendo, por não ter discernimento ou conhecimento suficiente para compreender as consequências do ato, ou simplesmente estar fragilizado pelas circunstâncias ou por uma condição pessoal desfavorável. Esse seria o caso dos menores, dos deficientes, dos detentos e dos doentes terminais”. [grifo nosso][1]
Nesse sentido, quando se restringe demasiadamente os diretos individuais, como no tratamento dado aos presidiários, o próprio Estado retira a capacidade desses indivíduos ao passo que ignora os direitos subjetivos da pessoa humana, violando os direitos da personalidade, que são direitos humanos e fundamentais. Vale ressaltar o entendimento de Diniz acerca do direito a personalidade:
“[…] direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária); e a sua integridade moral (honra, recato, segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social)”[2].
O art. 5̊, inciso XLIX da Constituição Federal[3] dispõe de maneira paradigmática que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Dessa forma, a carta magna expressamente limita o ius puniendi do Estado garantindo um tratamento punitivo que respeite as condições da pessoa humana.
Quanto à integridade física, Carlos Roberto Gonçalves declara:
“O direito à integridade física compreende a proteção jurídica à vida, ao próprio corpo vivo ou morto, quer na sua totalidade, quer em relação a tecidos, órgãos e partes suscetíveis de separação e individualização, quer ainda ao direito de alguém submeter-se ou não a exame e tratamento médico”[4].
Nessa perspectiva, o direito a integridade física é inalienável e indisponível porque resulta da dignidade humana, sendo assim, é inadmissível qualquer ato que reduza o indivíduo a miséria ou condições degradantes.
O direito à integridade moral representa um gênero que abarca inúmeras espécies como o direito ao nome, à intimidade, à privacidade, à honra, à imagem, e as demais liberdade morais. Além da previsão constitucional, outros diplomas nacionais e internacionais trazem uma série de direitos relativos à integridade moral.
No que tange ao direito do preso, o Código Penal[5] dispõe:
“Art. 38 – O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.”
Na mesma linha, a Lei de Execução Penal[6] que tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do apenado prevê:
“Art. 40 – Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”.
Ademais, a Lei de Execuções Penais descreve inúmeros direitos dos presos tais como: alimentação suficiente e vestuário; proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas; assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos; chamamento nominal; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação e etc.
Isto posto, é notório que o ordenamento jurídico pátrio consagra inúmeros direitos fundamentais dos presos, todavia, não se observa efetividade ao passo que não há cumprimento das disposições normativas para garantir qualidade ao sistema prisional.
Na concepção de Zaffaroni, a essência do tratamento diferenciado que o Estado atribui ao presidiário demonstra a intenção em fragilizá-lo de modo a negar sua condição de pessoa. Nessa linha, aduz o autor:
“Na medida em que se trata um ser humano como algo meramente perigoso e, por conseguinte, necessitado de pura contenção, dele é retirado ou negado o seu caráter de pessoa, ainda que certos direitos (por exemplo, fazer testamento, contrair matrimônio, reconhecer filhos etc.) lhe sejam reconhecidos. Não é quantidade de direitos de quem alguém é privado que lhe anula a sua condição de pessoa, mas sim a própria razão em que essa privação de direitos de baseia.”[7]
Desse modo, ao negar o caráter de pessoa é subtraída a essência do ser humano e tudo que o caracteriza como indivíduo racional. A preservação da integridade física e psíquica do preso garante sua autodeterminação e possibilita a construção de sua própria moralidade.
É preciso compreender que o sistema punitivo não soluciona problemas sociais, pelo contrário, o pressuposto para essa condição de ignorância é a desigualdade social. Nesse sentido, Antônio Batista Gonçalves esclarece que
“[…] as pessoas cometem os delitos por prazer ou por necessidade […] um jovem que vê seus irmãos e parentes passando fome, aliado a não ter uma educação e até mesmo uma formação como cidadão, contribui para este tentar a sorte nas ruas”[8].
Por conseguinte, o fato é que onde há desigualdade social a violência impera e o grande erro é combatê-la com o recrudescimento do direito penal. Preconiza-se, assim, uma abordagem de coisificação do direito penal que se apresenta como uma irracionalidade necessária para manutenção da ordem. Atrás desse discurso se observa a destruição dos direitos da personalidade de um grupo socialmente excluído e a eliminação da singularidade da pessoa humana.
Diante da total incapacidade do poder púbico de garantir um patamar mínimo de direitos aos apenados, o caminho é enxergar esses indivíduos como sujeitos de direito que merecem tratamento humanizado. É fundamental que se compreenda que o direito penal não deve ser um mero aplicador de sanções, mas um garantidor de liberdades.
Tal perspectiva confronta o pensamento retrógrado de que preso não possui direitos, desmistificando assim, informações pejorativas e fomentadoras do ódio e vingança social contra esses indivíduos.
Pelo exposto, diante da realidade caótica que acomete o sistema carcerário brasileiro e o descaso das autoridades públicas é imprescindível um posicionamento de censura da comunidade internacional. É preciso repensar o sistema prisional ao passo que a ausência estatal legitima a despersonalização do preso e corrobora para o robustecimento da violência.
2 O SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E O “SUPERCASO” DOS PRESÍDIOS BRASILEIROS NA CORTE INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948, é considerada um marco histórico internacional que suscitou à proteção dos direitos humanos como interesse compartilhado por toda humanidade[9].
A Declaração enunciou direitos fundamentais para todas as pessoas independentemente de sexo, cor, raça, idioma, religião, opinião e vinculou a universalidade desses direitos padronizando a conduta dos Estados que integram a sociedade internacional de modo a consagrar o respeito à dignidade da pessoa humana[10].
Esse documento influenciou a criação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em 1969, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. Considerada a espinha dorsal do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a referida Convenção criou a Corte Interamericana de Direitos Humanos para atuar como órgão judicial internacional.
Composta por sete juízes nacionais dos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), a Corte internacional tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos que lhe são submetidos, desde que os Estados-Partes tenham reconhecido sua competência[11].
Dessa forma, conforme suscitado por Mazzuoli
“A Corte detém uma competência consultiva (relativa à interpretação das disposições da Convenção, bem como das disposições de tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estadas Americanos) e um competência contenciosa, de caráter jurisdicional, própria para o julgamento de casos concretos, quando se alega que um dos Estados-partes na Convenção Americana violou algum de seus preceitos.”[12] (grifo do autor)
Nesse diapasão, os Estados assumem grande importância na estrutura do Sistema Interamericano, haja vista que além de serem responsáveis pela criação da Comissão e da Corte, devem adotar as decisões e diretrizes da OEA[13]. Nesse contexto, vale ressaltar a entendimento de Boccato:
“[…] a efetiva proteção dos direitos fundamentais previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos ainda depende da existência de instrumentos de execução interna das decisões proferidas pela Corte Interamericana, pois inexistem institutos jurídicos que viabilizem a substitutividade da vontade do Estado violador pela vontade de Cortes Internacionais, mesmo nos casos dos Estados que reconhecem sua jurisdição obrigatória”[14].
É interessante notar que apesar de obrigatória a decisão internacional tem apenas o objetivo de impor ao Estado o dever de reparar os danos causados pela violação aos direitos humanos.
Assim, é competência do transgressor optar pelos meios que entenda mais adequados para adimplir a obrigação de resultado, seja editando leis orçamentárias autorizando a destinação de recursos de indenização, ou através da punição judicial dos agentes causadores do dano ou, ainda, através da revogação de atos públicos etc.[15].
Dessa forma, observa-se inúmeros desafios para que haja efetividade nos julgamentos da Corte, todavia, o não cumprimento de uma decisão traz não apenas a indicação da violação no relatório submetido pela CIDH à Assembleia Geral da Organização, como também diversas possibilidades de consequências que poderão ser visualizadas somente no futuro[16].
Ademais, no caso de descumprimento das obrigações impostas ao Estado pela Corte, além do Estado deixar de observar a disposição do art. 68 da Convenção Americana[17], ele incorre em nova violação da Convenção fazendo operar no Sistema Interamericano a possibilidade de novo procedimento contencioso contra ele[18].
No tocante ao Brasil, o país não permaneceu alheio ao contexto de proteção dos direitos humanos haja vista que aderiu diversos tratados internacionais sobre o tema. Durante a década de 1990, através do Decreto 678/1992, houve a incorporação da Convenção Americana de Direitos ao sistema jurídico brasileiro e, após a publicação do Decreto Legislativo 89/1998, o Estado brasileiro passou a reconhecer a jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A primeira condenação internacional do Brasil na Corte ocorreu em 2004, no caso Damião Ximenes Lopes. Na ocasião, o Tribunal determinou entre outras medidas, a obrigação do país de investigar os responsáveis pela morte da vítima, realizar programas de capacitação profissional para atendimento psiquiátrico e indenizar por danos materiais e morais à família da vítima[19]. Após esse episódio o Brasil sofreu inúmeras denúncias e algumas condenações.
No que concerne a problemática abordada no presente trabalho, merece destaque a decisão inédita da Corte Interamericana de Direitos Humanos que compilou em um único caso a análise de quatro demandas sobre as precárias situações dos Complexos Penitenciários de Curado, em Pernambuco, e Pedrinhas, no Maranhão; do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Rio de Janeiro; e da Unidade de Internação Socioeducativa (UNIS), no Espírito Santo.
Na resolução da Corte Interamericana de Direito Humanos de 13 de fevereiro de 2017, o tribunal decidiu sobre a realização de uma audiência pública conjunta sobre quatro medidas provisórias relacionadas a “fatos de violência carcerária e superlotação notória em instituições penitenciárias do Brasil, de diferentes Estados e regiões”. Nos termos da resolução:
“Segundo a informação recebida durante a supervisão das referidas medidas provisórias, essas circunstâncias não apenas tornariam impraticáveis os padrões mínimos indicados pela comunidade internacional para o tratamento de pessoas privadas de liberdade, mas configurariam possíveis penas cruéis, desumanas e degradantes, violatórias da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Também estariam ocorrendo várias mortes violentas nas prisões e outras não violentas, mas que de todo modo superariam a taxa média de mortalidade da população na faixa etária dos presos”[20].
Como se observa, em atenção a gravidade dos fatos que comprometem o direito à vida e a dignidade dos presos, a Corte solicitou ao Brasil dados específicos acerca do sistema penitenciário em geral, para tanto, formulou 52 quesitos a serem respondidos pelo Estado e solicitou o encaminhamento de 11 medidas concretas já adotadas pelo país.
Na audiência pública[21], realizada em 19 de maio de 2017, o governo brasileiro criticou a resolução por ter convocado uma audiência conjunta para análise dos casos, alegando violação ao princípio da inércia e a incompetência da Corte para discutir de forma ampla o sistema prisional nacional.
Ademais, o governo se defendeu das alegações ratificando o compromisso do Brasil com a promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente e a construção de políticas públicas específicas no setor. Ainda, esclareceu que até o final de 2017 o Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional irá disponibilizar dados sobre o crescimento da população carcerária das 1.400 unidades penais.
Além disso, o Estado garantiu que tem investido no monitoramento eletrônico dos presos, em audiências de custódia e na aplicação de penas alternativas à restrição da liberdade e, ainda, enfatizou a criação de novas unidades prisionais e o investimento de milhões de reais em políticas públicas de saúde do sistema prisional.
Em contrapartida, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos argumentou que o Estado além de não ter esclarecido as informações solicitadas pela Corte, não implementou medidas concretas para solucionar o problema.
Por fim, um dos juízes finalizou a audiência garantindo que a Corte não está violando normas do direito internacional e nem está extrapolando sua competência, para tanto, avalia que não está julgando a situação penitenciária do Brasil, mas que há indícios de uma situação alarmante do sistema penal brasileiro.
É mister destacar que a análise desse “supercaso” ainda está em andamento na Corte, entretanto, há grandes expectativas que o Brasil seja condenado. Nesse ponto, o país seria reincidente em mais um caso de violação de direitos humanos em penitenciárias brasileiras, com repercussão internacional.
Vale lembrar, o caso “urso branco”, apreciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2002, que analisou as violações à vida e à integridade física dos presos da Casa de Detenção José Mário Alves, em Rondônia. Na ocasião, a Corte publicou a Resolução de 21 de setembro de 2005, que determinou:
“Requerer ao Estado que:
a) adote de forma imediata todas as medidas que sejam necessárias para proteger eficazmente a vida e integridade pessoal de todas as pessoas detidas na Penitenciária Urso Branco, assim como as de todas as pessoas que ingressem nesta, entre elas os visitantes e os agentes de segurança que prestam seus serviços na mesma;
b) adeque as condições da mencionada penitenciária às normas internacionais de proteção dos direitos humanos aplicáveis à matéria
c) remeta à Corte uma lista atualizada de todas as pessoas que se encontram detidas na penitenciária e, ademais, indique com precisão:
1) as pessoas que sejam colocadas em liberdade; 2) as pessoas que ingressem no referido centro penal; 3) o número e nome dos reclusos que se encontram cumprindo condenação; 4) o número e nome dos reclusos sem sentença condenatória; e 5) se os reclusos condenados e os não condenados se encontram localizados em diferentes seções;
d) investigue os acontecimentos que motivam a adoção das medidas provisórias com o fim de identificar os responsáveis e impor-lhes as sanções correspondentes, incluindo a investigação dos acontecimentos graves ocorridos na penitenciária depois da Corte ter emitido a Resolução de 18 de junho de 2002.
e) no máximo em 6 de novembro de 2005, apresente à Corte o décimo primeiro relatório sobre o cumprimento das medidas indicadas nos anteriores incisos deste ponto resolutivo e nos pontos resolutivos segundo e terceiro, particularmente sobre as medidas que adote de forma imediata para que não se produzam privações de vida nem atos que atentem contra a integridade das pessoas detidas na penitenciária e das que por qualquer motivo ingressem na mesma.”[22] (grifo nosso)
Ademais, o tribunal requereu que o Estado realizasse a gestão das medidas de proteção e mantivesse a Corte informada sobre o avanço de sua execução. Todavia, é preciso esclarecer que o Brasil não cumpriu as determinações emitidas pela Corte e não realizou quaisquer providências para garantir a segurança no presídio[23].
Por fim, diante do exposto, é possível concluir que o frustrante desfecho deste e de outros casos de condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos demonstram o desprezo do pais em conferir eficácia jurídica as decisões da Corte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho foram suscitadas inúmeras violações aos direitos humanos dos cidadãos que cumprem pena restritiva de liberdade no Brasil. Quando se observa as agressões à vida e à integridade física dos presos nos complexos penitenciários brasileiros é possível compreender que o sistema penal foi estruturado para ser ineficiente.
A começar por um direito penal seletivo que pune o indivíduo e não o fato, abarrotando os cárceres de cidadãos pobres e negros. A constatação desse cenário vem em forma de estatística, divulgada pelo Infopen, que demonstra que a população penitenciária brasileira é a quarta maior do mundo, chegando a 622.202 pessoas em dezembro de 2014, sendo 55% dos detentos dos entre 18 e 29 anos, 61,6% são negros e 75,08% tem até o ensino fundamental completo[24].
Esse panorama demonstra o fracasso não apenas das políticas públicas sociais, que continuam falhando em reduzir a desigualdade social e permitir o acesso à saúde, segurança e educação de qualidades à população. Ademais, vale ressaltar, que o crescimento da população carcerária não reduz os indícios de violência o que nos leva a crer que as prisões têm sido utilizadas como instituições públicas que fomentam a criminalidade.
A falta de eficácia normativa dos diplomas jurídicos que asseguram a dignidade dos presos é reflexo do descaso em solucionar o problema. Tanto a legislação nacional, quanto a internacional garantem proteção ao apenado, como exemplo o art. 5̊, XLIX da Constituição Federal e o art. 5°, 2 do Pacto São José da Costa Rica[25].
Não obstante o respaldo jurídico para tratar de maneira digna os detentos, as cadeias brasileiras têm sido palco de inúmeras violações aos direitos humanos afrontando diretamente um dos objetivos da República Federativa, previsto no art. 4°, II da Constituição Federal.[26]
A comunidade internacional tem se preocupado com a situação caótica que acomete de maneira estrutural e generalizada o sistema prisional brasileiro. O presente trabalho buscou demonstrar como o sistema internacional tutela os direitos humanos e a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos nos casos de grave violação aos diretos humanos nos presídios brasileiros. Para tanto, analisou a decisão inédita do Tribunal de compilar o julgamento de quatro medidas provisórias num caso único a ser decidido pela Corte. Diante da pendência do processo, a sociedade aguarda por uma punição exemplar do Brasil para que casos como esses não se tornem recorrentes.
Acadêmica de Direito. Faculdade de Direito de Vitória
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, especialista em política internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Mestre em direito Internacional e comunitário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Doutor em direitos e garantias fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Coordenador Acadêmico do curso de especialização em direito marítimo e portuário da Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Professor de direito internacional e direito marítimo e portuário nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória – FDV.
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