Recentemente, o legislador ordinário
editou a Lei 10.455, de 10.05.2002, que alterou o parágrafo único, do art. 69,
da Lei 9.099/95, incluindo um inédito caso de medida cautelar no âmbito
processual penal, dispondo o seguinte: “Em
caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela,
seu afastamento (do agressor) do
lar, domicílio ou local de convivência com a vítima”. (grifo nosso). Diante
disso, pode-se questionar: será que tal providência alcançará seu objetivo de
amenizar o sofrimento do agredido? será que, nestes
casos, a impunidade diminuirá? será que a vítima terá
sua vida protegida? Sem pretensão de esgotar a matéria, tentaremos aqui, ao
menos, entendê-la.
Inicialmente, cabe uma definição do que seja violência doméstica para os efeitos
desta Lei, qual seja: “é o emprego de
força material cometida contra o cônjuge, companheiro (a) ou filhos, no âmbito
caseiro, íntimo, resultando ou não lesões corporais na vítima”. Desta
forma, foi criada uma medida cautelar, até então, própria do direito processual
civil: o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal, prevista
no art. 888, inciso VI do Código de Processo Civil.
Situação que, em primeiro lugar, quando aplicada no processo penal, pode
acarretar algumas situações juridicamente intransponíveis ou, pelo menos, de
difícil elucidação.
Verificamos que a separação de
corpos, cível, em princípio, não prevê a retirada coercitiva do autor do fato
de seu próprio lar. O que se objetiva é apenas uma separação jurídica do casal, independentemente de haver ou não a
verdadeira separação física de ambos. Esta medida é excepcional, violenta e
provoca grande restrição aos direitos do agente, pois limita seu direito de
propriedade, de ir e vir, de convivência, dentre outros.
No caso da nova Lei, a nossa visão é
de que o poder geral de cautela do juiz encontra limites, sendo impossível a concessão de medida cautelar de ofício pelo magistrado,
sem qualquer provocação da jurisdição pelo interessado. Assim, é possível
questionar: será que, de posse de uma simples peça informativa, denominada termo circunstânciado
de ocorrência, o julgador poderia determinar que o agressor deixasse seu
domicílio? Entendo que não, pois não existe ainda um processo iniciado, bem
como uma devida provocação da tutela jurisdicional.
Considerando
a natureza jurídica da separação de corpos, não há compatibilidade com o processo penal, principalmente porque
não há sanção penal, tampouco existe efeito secundário da sentença penal
condenatória que corresponda aos efeitos acasionados
pelas ações cíveis correlatas. As causas de família possuem cunho
personalíssimo, sendo direito potestativo da vítima,
sendo que esta pode entender não ser o caso de afastamento do suposto autor do
fato do lar conjugal, inobstante a violência
perpetrada. Se sua justificativa for fundada no art. 62 da Lei 9.099/95, no
sentido de que a lei tutela o interesse da vítima, visto que este é limitado à
reparação dos danos sofridos, por expressa previsão legal, quando a inovação
legislativa trata de interesse não-patrimonial, será imprescindível a provocação da vítima, não podendo o juiz determinar a
medida de ofício.
Ademais, parece-nos que a inovação
legal foi criada para a aplicação nos casos de infrações de menor potencial ofensivo, que são de competência dos
Juizados Especiais Criminais, porém, na hipótese de uma lesão corporal não ser de natureza leve, mas grave.
Seu julgamento seria do Juízo Comum e, por conseqüência, a medida cautelar não
poderá ser aplicada, principalmente porque uma lei penal não pode ser aplicada para pior, ou seja, nos casos de atos de
violência doméstica mais grave, esta Lei não poderá ser suscitada por falta de
previsão legal.
Sob o aspecto jurídico, conclui-se que a separação de corpos, na esfera
penal, não possui a eficácia querida pela inovação legislativa. Não é possível
a sua aplicação no processo penal de forma totalmente independente, sendo
imprescindível o ajuizamento da ação cível principal, sob pena de se ter uma
medida cautelar com eficácia ad infinitum,
caso aquela não seja ajuizada pela vítima, a única com legitimidade para
fazê-lo.
Do ponto
de vista prático, tanto social como
penal, vislumbramos que a medida é tímida, pois, ao invés de se prever a
separação de corpos, deveria ser prevista a
prisão para o agressor, a qual continua sendo vedada pelo parágrafo único,
do art. 69, da Lei 9.099/95. De nada adianta ser o agressor apenas afastado do
lar, pois, querendo, basta ali voltar e agredir com mais intensidade ou até
mesmo assassinar o agredido, como é visto, com freqüência, acontecer com as
nossas mulheres. Portanto, devemos continuar a exigir dos legisladores a prisão
do agressor, nos casos da violência doméstica, pois, só assim, os mais fracos
terão oportunidade de escapar dela ou, até mesmo, de sobreviver.
Professor de Direito da UNIP e FASAM
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