SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Conceito Jurídico de Meio Ambiente. 3 Tutela Ambiental. 4 O Meio Ambiente e os Direitos Fundamentais. 5 Ação Civil Pública em Matéria Ambiental. 6 Litisconsórcio, Assistência e Atuação do Ministério Público. 7 Provimentos Jurisdicionais na Ação Civil Pública. 8 Inquérito Civil. 9 Considerações Finais. 10 Referências.
O presente trabalho versa sobre a ação civil pública em matéria ambiental. O estudo do tema, enfrentado a partir do exame doutrinário, legal e jurisprudencial, procura fornecer elementos para a discussão acerca das ações coletivas e públicas. Foi estudado o conceito jurídico de meio ambiente e a sua configuração dentro do ordenamento jurídico em face dos direitos fundamentais. Analisaram-se as normas referentes à matéria, buscando conciliar a Lei da Ação Civil Pública aos demais diplomas pertinentes. Conclui-se que a tutela ambiental constitui garantia constitucional. O Código de Defesa do Consumidor também deve ser aplicado em sede de ação civil pública. O Ministério Público é de notável importância para a defesa dos interesses transindividuais, especialmente por ser o único legitimado para instaurar o inquérito civil.
1 Introdução
O presente trabalho procura abordar os principais tópicos relacionados ao tema, notadamente no que se refere à atuação do Ministério Público e demais pessoas legitimadas nesse importante instrumento de defesa dos interesses transindividuais.
O meio ambiente, bem difuso e, desta forma, importante para toda a sociedade, deve ser resguardado da ação degradante da humanidade, com vistas a possibilitar vida sadia ao próprio homem.
Desse modo, devem ser fornecidos aos cidadãos, quer isoladamente, quer por meio de associações, instrumentos eficientes para realizar a tutela do ecossistema, pois a sobrevivência da raça humana no planeta depende desta proteção.
Seguindo esse pensamento, assim como acompanhando os anseios da sociedade civil organizada, o legislador, em 1985, editou a Lei da Ação Civil Pública, buscando tutelar os interesses transindividuais ou metaindividuais.
Com efeito, o Código de Processo Civil, apesar de alguns problemas, atende satisfatoriamente a demanda por processos individuais.
No entanto, carecíamos de um diploma regulador das ações intentadas coletivamente, a mais nova face do sistema processual internacional.
Com a edição da mencionada lei, bem como a partir de sua complementação pelo Código de Defesa do Consumidor, as entidades preocupadas com a defesa dos interesses que ultrapassam a esfera egocêntrica do indivíduo passaram a contar com um instrumento válido para a sua atuação.
A análise, realizada a partir do estudo legal, jurisprudencial e doutrinário, recairá, inicialmente, sobre a tutela ao meio ambiente, sua importância e as formas como se realiza, notadamente no campo processual.
Após esse aspecto, finalmente, abordaremos a ação civil pública em matéria ambiental, enfatizando o papel do Ministério Público nesta defesa, principalmente por se tratar da única entidade legitimada para instaurar o inquérito civil, instrumento hábil para instruir a ação a ser posteriormente intentada.
Como é importante a análise do conceito jurídico de meio ambiente e a sua classificação dentro do ordenamento jurídico tendo em vista os direitos fundamentais da pessoa humana, esses também são tópicos do trabalho.
2 Conceito Jurídico de Meio Ambiente
É praticamente unânime a doutrina brasileira de Direito Ambiental ao afirmar que a expressão meio ambiente, por ser redundante, não é a mais adequada, posto que ‘meio’ e ‘ambiente’ são sinônimos.
Com efeito, segundo o Dicionário Aurélio meio significa “lugar onde se vive, com suas características e condicionamentos geofísicos; ambiente”, ao passo que ambiente é “aquilo que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas”.
Por isso se utiliza em Portugal e na Itália apenas a palavra ‘ambiente’, à semelhança do que acontece nas línguas francesas, com milieu, alemã, com unwelt, e inglesa, com environment (FREITAS: 2003, p. 17).
A despeito disso, o uso consagrou esta expressão de tal maneira que os técnicos e a própria legislação terminaram por adotá-la.
A Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, não apenas acolheu como precisou a terminologia:
Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I – Meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
A referida lei definiu o meio ambiente da forma mais ampla possível, fazendo com que este se estendesse à natureza como um todo de um modo interativo e integrativo.
Com isso a lei finalmente encampou a idéia de ecossistema, que é a unidade básica da Ecologia, ciência que estuda a relação entre os seres vivos e o seu ambiente, de maneira que cada recurso ambiental passou a ser considerado como sendo parte de um todo indivisível, com o qual interage constantemente e do qual é diretamente dependente.
Trata-se de uma visão sistêmica que encontra abrigo em ramos da ciência moderna, a exemplo da Física Quântica, segundo a qual o universo, como tudo que o compõe, é composto de uma teia de relações em que todas as partes estão interconectadas (CAPRA: 1988, p. 88).
Consagrou-se definitivamente a terminologia quando, em 1988, a Constituição Federal se referiu em diversos dispositivos ao meio ambiente, recepcionando e atribuindo a este o sentido mais abrangente possível.
Em vista disso a doutrina brasileira de Direito Ambiental passou, com fundamentação constitucional, a dar ao meio ambiente o maior número de aspectos e de elementos envolvidos.
Com base nessa compreensão holística, José Afonso da Silva conceitua o meio ambiente como a “interação do conjunto de elementos naturais, artificiais, e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” (2003, p. 19).
Arthur Migliari (2002, p. 34) repete a definição, com a única diferença de destacar expressamente o elemento trabalhista, com o que concorda a maioria dos estudiosos do assunto.
Com efeito, são quatro as divisões feitas pela maior parte da doutrina brasileira de Direito Ambiental no que diz respeito ao tema: meio ambiente natural, meio ambiente artificial, meio ambiente cultural e meio ambiente do trabalho.
Essa classificação atende a uma necessidade metodológica ao facilitar a identificação da atividade agressora e do bem diretamente degradado, visto que o meio ambiente por definição é unitário.
Como afirma Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2003, p. 20), independentemente dos seus aspectos e das suas classificações a proteção jurídica ao meio ambiente é uma só e tem sempre o único objetivo de proteger a vida e a qualidade de vida.
O meio ambiente natural ou físico é constituído pelos recursos naturais, como o solo, a água, o ar, a flora e a fauna, e pela correlação recíproca de cada um destes elementos com os demais, já que esse é o aspecto imediatamente ressaltado pelo citado inciso I do art. 3º da Lei nº 6938, de 31 de março de 1981.
O meio ambiente artificial é o construído ou alterado pelo ser humano, sendo constituído pelos edifícios urbanos, que são os espaços públicos fechados, e pelos equipamentos comunitários, que são os espaços públicos abertos, como as ruas, as praças e as áreas verdes.
Embora esteja mais relacionado ao conceito de cidade o conceito de meio ambiente artificial abarca também a zona rural, referindo-se simplesmente aos espaços habitáveis (FIORILLO: 2003, p. 21), visto que nele os espaços naturais cedem lugar ou se integram às edificações urbanas artificiais.
O meio ambiente cultural é o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, ecológico, científico e turístico e constitui-se tanto de bens de natureza material, a exemplo dos lugares, objetos e documentos de importância para a cultura, quanto imaterial, a exemplo dos idiomas, das danças, dos cultos religiosos e dos costumes de uma maneira geral. Embora comumente possa ser enquadrada como artificial, a classificação como meio ambiente cultural ocorre devido ao valor especial que adquiriu (SILVA: 2003, p. 21).
O meio ambiente do trabalho, considerado também uma extensão do conceito de meio ambiente artificial, é o conjunto de fatores que se relacionam às condições do ambiente de trabalho, como o local de trabalho, as ferramentas, as máquinas, os agentes químicos, biológicos e físicos, as operações, os processos, a relação entre trabalhador e meio físico.
O cerne desse conceito está baseado na promoção da salubridade e da incolumidade física e psicológica do trabalhador, independente de atividade, do lugar ou da pessoa que a exerça.
3 Tutela Ambiental
A tutela ao meio ambiente, diante da magnitude desse bem jurídico, foi alçada pela Constituição Federal de 1988 à categoria de garantia constitucional.
Aliás, a preocupação do constituinte com o meio ambiente foi tamanha que resolveu reservar-lhe todo um capítulo na Carta Magna para disciplinar a matéria, de maneira que o caput do art. 225 estabelece:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Por todos, entendem-se os brasileiros e estrangeiros residentes no País, nos termos do caput do art. 5º da Constituição, que determina que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Destarte, o direito ambiental se firmou como um ramo autônomo do direito e a cada dia ganha maior importância, oferecendo embasamento doutrinário e instrumentos processuais para que o meio ambiente seja efetivamente preservado ou reparado e para que os seus degradadores sejam punidos.
É importante perceber que o processo civil tradicional, com sua índole predominantemente individualista, não satisfaz as necessidades de eficiência da tutela ambiental, eis que a configuração do novo processo civil coletivo se mostra bem mais adequada a esses urgentes interesses.
A tutela processual está diretamente ligada ao acesso à justiça, ressaltando-se que no tratamento das questões ambientais o Poder Judiciário deve olvidar, por um instante, a sua tradicional perspectiva de retrospectivamente reparar danos.
Na matéria em estudo, a atuação dos órgãos jurisdicionais deve ser mais voltada para a prevenção do dano, adequando-se ao princípio da prevenção (SIRVINSKAS, 2005, p. 36).
O princípio da prevenção, que também denominado da precaução ou da cautela, decorre do Princípio 15 da Declaração do Rio/92, que reza o seguinte:
De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
A prevenção é o princípio que fundamenta e que mais está presente em toda a legislação ambiental e em todas as políticas públicas de meio ambiente.
Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (1993, p. 227) destaca que a prevenção é mais importante do que a responsabilização do dano ambiental.
A dificuldade, improbabilidade ou mesmo impossibilidade de recuperação é a regra em se tratando de um dano ao meio ambiente.
A recuperação de uma lesão ambiental é quando possível muito demorada e onerosa, de forma que na maior parte das vezes somente a atuação preventiva pode ter efetividade.
São inúmeros os casos em que as catástrofes ambientais não têm reparação e seus efeitos acabam sendo sentidos apenas pelas gerações futuras, o que ressalta o dever de prevenção.
De fato, é melhor para o meio ambiente que o dano ambiental nunca ocorra do que ele ocorrer e ser recuperado depois.
A reparação, a indenização e a punição devem ser, respectivamente, os últimos recursos do direito ambiental (NOGUEIRA, 2004, p. 198).
Devido a essas características do dano ambiental, a Constituição Federal reconheceu que deve ser dada prioridade à medida que impeçam o surgimento degradações ao meio ambiente.
Sendo assim, a ação civil pública é o instrumento processual mais utilizado para a defesa de direitos metaindividuais, de forma que é através dessa ação que se busca o ressarcimento ou a reparação dos danos patrimoniais ou mesmo morais causados ao meio ambiente.
4 O Meio Ambiente e os Direitos Fundamentais
Como afirma José Rubens Morato Leite, “o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado insere-se ao lado do direito à vida, à igualdade, à liberdade, caracterizando-se pelo cunho social amplo e não meramente individual” (2004, p. 89).
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 reconhece inquestionavelmente a preservação do meio ambiente como um direito fundamental.
Para Miguel Reale (1987, p. 297), indubitavelmente o maior jurista brasileiro, o meio ambiente é de fato um direito fundamental, de maneira que nenhum dispositivo constitucional que verse sobre o assunto pode ser alterado:
A civilização tem isto de terrível: o poder indiscriminado do homem abafando os valores da Natureza. Se antes recorríamos a esta para dar uma base estável ao Direito (e, no fundo, essa é a razão do Direito Natural), assistimos, hoje, a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre.
De acordo com o jurista e cientista político Norberto Bobbio (1992, p. 6), o direito ao meio ambiente equilibrado é o mais importante de todos os direitos coletivos e difusos:
O mais importante dos direitos surgidos no final do século XX é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver em um ambiente não poluído.
Saliente-se que a classificação de um direito como fundamental implica ressaltar a obrigatoriedade da participação do Estado e da coletividade em torná-lo efetivo, por meio de uma política pública eficiente.
É claro que o Estado e a sociedade devem trabalhar juntos nesse objetivo, seja por meio de ações comissivas ou omissivas, visto que não se pode dissociar as liberdades individuais das liberdades coletivas.
Classifica-se os direitos fundamentais de acordo com as suas gerações, sendo a primeira a dos direitos individuais ou civis e políticos, a segunda a dos direitos sociais e a terceira a dos direitos transindividuais.
O direito ambiental, que ao lado do direito à biodiversidade, ao desenvolvimento e do consumidor formam os direitos fundamentais de terceira geração, foi concebido para a garantia mais extensa dos direitos individuais, também em relação aos cidadãos ainda não nascidos, envolvendo cada indivíduo na perspectiva temporal da humanidade, sendo por isso intitulados de direitos transgeracionais.
Trata-se na verdade, no dizer de Willys Santiago Guerra Filho (1996, p. 16), ao invés de gerações, de dimensões dos direitos fundamentais que visam a aperfeiçoá-los e a garanti-los de uma maneira mais efetiva.
Os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos individuais e políticos, que consistem basicamente em direitos de liberdade, requerendo uma abstenção do Estado em relação aos cidadãos.
Dentre eles se destacam o direito de expressão, de associação, de manifestação do pensamento e o direito ao devido processo.
Os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos sociais, típicos do século XX, que aparecem nos textos normativos a partir da Constituição mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar, de 1919. Dentre eles se destacam o direito ao estudo, ao trabalho, à moradia, à alimentação, à cultura etc.
Os direitos fundamentais de terceira geração são o direito ao meio ambiente equilibrado, o direito à biodiversidade, o direito do consumidor e o direito ao desenvolvimento, tendo sido concebidos para garantia mais extensa dos direitos individuais e dos direitos sociais, também em relação aos cidadãos ainda não nascidos, envolvendo cada indivíduo na perspectiva temporal da humanidade.
São direitos que dizem respeito a todos, independentemente de classe, localidade ou tempo, sendo por isso chamados de direitos meta-individuais e de direitos transgeracionais.
Na realidade, os direitos fundamentais são um só, porque objetivam concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana, que é o valor constitucional supremo que embasa todos os direitos e garantias fundamentais.
Trata-se de um sobre-princípio que, além de embasar os demais direitos fundamentais, serve como fundamento à República Federativa do Brasil nos moldes do inciso III do art. 1º da Constituição Federal.
Realmente, têm os direitos fundamentais por natureza a obrigação de defender a qualidade de vida do ser humano, valor sem o qual não existiria a dignidade da pessoa humana, objetivo dentro do qual o papel do direito ambiental alcança enorme destaque.
A vida é o direito do qual provém todos os direitos, e o meio ambiente ecologicamente equilibrado foi reconhecido pela pelo art. 225 da Constituição Federal como essencial à qualidade de vida.
O doutrinador Antônio Augusto Cançado Trindade (1993, p. 76) discorre com propriedade sobre o tema:
O direito a um meio-ambiente sadio salvaguarda a própria vida humana sob dois aspectos, a saber, a existência física e a saúde dos seres humanos, e a dignidade desta existência, a qualidade de vida que faz com que valha e pena viver.
Destarte, já temos a primeira característica do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental de terceira geração, pois cuida não só da proteção do meio ambiente em prol de uma melhor qualidade de vida da sociedade atual, como também das futuras gerações, caracterizando, assim, o sentimento de solidariedade.
Não se pode esquecer que o meio ambiente faz parte também do direito à saúde, e que a degradação internacional é uma ameaça coletiva à humanidade.
5 Ação Civil Pública em Matéria Ambiental
A ação civil pública de responsabilidade causada por danos ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico turístico e paisagístico, à ordem econômica ou qualquer outro interesse difuso ou coletivo, foi criada pela Lei nº 7.347/85.
A Lei nº 7.347/85, foi publicada com a seguinte ementa: “Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências”.
A nomenclatura da ação causa estranheza aos estudiosos do processo, haja vista toda ação ser pública.
Entendia-se, portanto, que a mencionada ação tinha natureza pública e apenas o Ministério Público possuía legitimação para intentá-la.
Entretanto, não apenas o órgão ministerial tem essa legitimidade, mas todas as pessoas arroladas nos arts. 5º da Lei nº 7.347/85 e 82 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
Por fim, restou consignado o entendimento de que a ação civil pública deverá ser proposta, com essa nomenclatura, pelo Ministério Público, enquanto a ação coletiva será a denominação adequada para os demais legitimados.
Não se deve estranhar a utilização do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que esta é a lei mais importante para complementar a atuação da Lei da Ação Civil Pública.
Com referência à utilização do diploma consumerista em matéria de ação coletiva, importante colher a lição de Nery Júnior (apud SUNDFELD, 2003, p. 253):
O Código do Consumidor é um diploma que tem sua eficácia para além da relação de consumo, do ponto de vista processual principalmente. O art. 90 do Código do Consumidor, diz que se aplicam às ações propostas com fundamento neste Código os dispositivos da Lei de Ação Civil Pública, Lei n. 7.347/85. Por sua vez, o art. 21, da Lei de Ação Civil Pública, diz que se devem aplicar as disposições do Título Terceiro da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078/90, às ações coletivas de que trata.
O Título Terceiro do Código de Defesa do Consumidor é exatamente o que regula a defesa do consumidor em juízo, devendo, portanto, de acordo com a Lei nº 7.347/85, aplicar-se o processo civil do consumidor nas ações que versem sobre direitos difusos, coletivos e individuais. Ou seja, em sede de Ação Civil Pública versando sobre matéria ambiental, não deve causar espanto a utilização da Lei nº 8.078/90.
Como se percebe, a Ação Civil Pública é aquela destina à tutela dos interesses transindividuais ou metaindividuais, compreendidos nestes conceitos os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Os primeiros são “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor), entendendo-se por indivisíveis aqueles diretos de que não se pode determinar o titular, como ocorre, por exemplo, com o direito a inalar ar puro.
Por seu turno, os direitos coletivos são compreendidos como “os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (art. 81, parágrafo único, II, do Código de Defesa do Consumidor), devendo existir ligação jurídica entre seus titulares, que são determinados ou determináveis.
Como exemplo podemos citar o caso de clientes de planos de saúde tentando evitar aumentos abusivos.
Finalmente, entende-se por direitos individuais homogêneos “os decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo único, III, do Código de Defesa do Consumidor).
O titular dessa espécie de direito metaindividual é identificável e o objeto é divisível, são vários titulares de interesses idênticos. Cite-se, por exemplo, o caso de diversos consumidores de um mesmo produto com idêntico defeito de fabricação.
É de perceber-se, portanto, que o meio ambiente, e sua conseqüente defesa, está baseado essencialmente nos direitos difusos, haja vista não se poder, na maioria dos casos, haver apropriação dos bens ambientais ou mesmo identificação de um titular para eles.
A Lei nº 7347/85 e o Código de Defesa do Consumidor disciplinam respectivamente a questão da legitimidade ativa na ação civil pública:
Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que:
I – esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil;
II – inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
(…)
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I – o Ministério Público;
II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código (…).
Sendo assim, são legitimados, ativa e concorrentemente para a promoção da ação civil pública o Ministério Público; a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; as entidades da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica; e as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, dispensada a autorização da assembléia.
No que diz respeito à legitimação passiva, toda pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, ou seja, o causador do dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, ao patrimônio cultural, à ordem econômica ou qualquer outro interesse difuso ou coletivo é legitimado para figurar no pólo passivo da ação coletiva ou da ação civil pública.
De acordo com o caput do art. 2º da Lei nº 7347/85, as ações civis públicas poderão ser propostas, em regra, perante o juízo onde ocorreu o dano, o que facilita a produção de provas.
Trata-se de competência funcional, portanto, absoluta, não podendo ser modificada pelas partes.
No entanto, se o dano ocorrer em duas ou mais comarcas, igualmente competentes, tornar-se-á competente a que primeiro tomar conhecimento do fato, pelo princípio da prevenção.
Se o dano for regional, entretanto, a competência é transferida para a comarca da capital do Estado. Contudo, se os danos atingirem mais de dois Estados ou se configurar manifesto interesse nacional, a competência poderá ser do juízo federal ou estadual.
6 Litisconsórcio, Assistência e Atuação do Ministério Público
A grande maioria das ações civis públicas é proposta pelo Ministério Público em todo o país, especialmente pela melhor estrutura que possui a instituição para esse fim.
Note-se, ainda, que somente o Ministério Público pode instaurar o inquérito civil para apurar ameaça de lesão ou dano ao meio ambiente, instrumento de extrema utilidade para instruir a ação civil pública.
De acordo com o § 1º do art. 5º da Lei nº. 7.347/85, se o Ministério Público não propuser a ação civil pública como parte atuará obrigatoriamente como fiscal da lei
Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou qualquer outro legitimado assumirá a titularidade ativa, mas, ressalte-se, o Parquet não está obrigado a adotar esse posicionamento se não constatar interesse metaindividual ou transindividual, mormente se a questão já tiver sido objeto de inquérito civil arquivado anteriormente.
O litisconsórcio é o fenômeno processual que consiste, nos casos previstos em lei, na pluralidade de partes num mesmo processo.
Assistência, por sua vez, é a modalidade de intervenção de terceiros na qual, sem ser autor ou réu, o interessado intervém para resguardar legítimo interesse jurídico.
Essa intervenção poderá ser litisconsorcial, quando a decisão fizer coisa julgada para o interveniente.
Como o § 2º do art. 5º da Lei nº. 7.347/85 prevê legitimação concorrente para a propositura da ação civil pública, trata-se de litisconsórcio ativo entre os legitimados. Dependendo do momento da intervenção, poderá ocorrer litisconsórcio ou assistência.
Desta forma, se um dos legitimados propuser a ação, os demais deverão se habilitar como assistentes litisconsorciais.
Em caso de desistência, não poderão assumir a ação civil pública, devendo ainda ser ressaltado que, segundo o § 5º do art. 5º da Lei nº 7347/85, é possível o litisconsórcio entre o Ministério Público federal e estadual.
7 Provimentos Jurisdicionais na Ação Civil Pública
Segundo o art. 3º da Lei nº 7.347/85 são previstos para a ação civil pública três espécies de provimento jurisdicional, compreendendo a condenação em dinheiro, o pagamento de indenização e o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
Lembrando-se que, com base no art. 4º da referida lei, poderão ainda, ser ajuizada ações cautelares preparatórias ou incidentais, cautelares satisfativas, ações de liquidação de sentença, tutela antecipada e ação executiva.
Poderá ser fixada, em sede de ação civil pública, a multa diária, se houver descumprimento de obrigação de fazer (prestação da atividade devida) ou de não fazer (cessação da atividade nociva) determinada na sentença pelo juiz:
Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.
A multa diária é fixada na decisão final da ação civil pública, objetivando constranger o sujeito passivo da relação processual a cumprir o provimento exarado, sob pena de incidência de multa, a qual deverá ser majorada à medida que ocorra persistência no descumprimento da decisão.
Note-se que a multa diária estabelecida em ação civil pública reverterá para um fundo com a finalidade de reconstituição dos bens lesados:
Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.
Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária.
Distingue-se a multa diária da multa liminar pelo momento em que a cominação é estabelecida durante o curso processual.
A multa liminar é aquela fixada no início da lide, como verdadeira medida cautelar.
Contudo, o § 2º do art. 12 da Lei nº 7347/85 determina que a mesma só será exigível após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor.
Destarte, a diferença entre multa diária e multa liminar está em que a primeira é fixada na sentença final condenatória, enquanto a última é proposta como medida cautelar, sem recair na análise do mérito.
A sentença na ação civil pública fará coisa julgada erga omnes, dentro dos limites da competência territorial do órgão prolator, ressalvando-se o caso de o pedido ser julgado improcedente por falta de provas, hipótese na qual qualquer legitimado poderá intentar nova ação com idêntico fundamento, desde que se valendo de nova prova, segundo o referido diploma legal:
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Assemelham-se, portanto, os efeitos da sentença na ação civil pública àqueles estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor:
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;
III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
Segundo este diploma, tratando-se de ação civil pública proposta em defesa de interesses difusos a coisa julgada será erga omnes.
Na ação coletiva em defesa de interesses coletivos, a coisa julgada será ultra partes.
Finalmente, tratando-se de ação civil pública ou de ação coletiva defendendo direitos individuais homogêneos, a coisa julgada também será erga omnes.
A execução da decisão condenatória da ação civil pública poderá ser promovida por qualquer dos legitimados, pois cuida-se de título executivo judicial, possuindo os atributos de certeza e de liquidez.
Não obstante, o Ministério Público é obrigado a promover a execução se os demais legitimados não o fizerem, mesmo que não tenha sido o autor da ação, já que o art. 15 da Lei nº 7.347/85 determina que “Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados”.
8 Inquérito Civil
A Lei da Ação Civil Pública conferiu, ainda, ao Ministério Público a possibilidade de instauração de inquérito civil para a apuração de danos contra o patrimônio nacional, servindo as provas colhidas sob este procedimento para a instrução de ação civil pública a ser futuramente proposta:
Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.
§ 2º Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los.
Deve-se notar que a figura do inquérito civil constitui uma novidade, algo que não tem tradição no direito pátrio, mas que, pela própria nomenclatura, deve ter similaridade com o inquérito penal.
Apesar de tratar-se de instituto novo, a Constituição Federal o adotou expressamente, mantendo no inciso III do art. 129 a legitimidade exclusiva do Ministério Público para promovê-lo.
Como vimos, inquérito civil é o procedimento administrativo semelhante ao inquérito policial, de finalidade investigativa e extraprocessual, presidido pelo órgão do Ministério Público, destinado a formar conjunto probatório suficiente para a propositura de ação civil pública, podendo requisitar-se de qualquer organismo público ou particular certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar.
Segundo o art. 6º da Lei nº 7.347/85, qualquer pessoa poderá e o servidor púbico deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe informações sobre danos ambientais.
De maneira análoga, o art. 7º da Lei nº 7.347/85dispõe que os juízes e tribunais que tomarem conhecimento de fatos danosos ao meio ambiente deverão remeter peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.
Registre-se, ainda, que os co-legitimados para a propositura da ação civil pública não podem instaurar o inquérito civil, haja vista tratar-se de providência privativa do Ministério Público.
Embora exista tal exclusividade, não se cuida de medida obrigatória, pois se o órgão ministerial tiver as informações necessárias e suficientes, poderá imediatamente intentar a competente ação.
O procedimento do inquérito civil se divide em três fases: instauração, instrução e conclusão.
A primeira etapa será levada a efeito através de portaria do órgão do Ministério Público ou por despacho lançado em requerimento ou representação por qualquer pessoa, autoridade ou associação.
A instrução, por sua vez, tem a finalidade de colher as provas dos danos ambientais.
A conclusão, por fim, poderá ser o arquivamento ou a propositura da ação civil pública, ambos devendo ocorrer no prazo de noventa dias, podendo este prazo ser prorrogado.
9 Considerações Finais
O conceito de meio ambiente foi desdobrado em quatro aspectos: meio ambiente natural, meio ambiente artificial, meio ambiente cultural e meio ambiente do trabalho.
O meio ambiente natural ou físico é o constituído pelos recursos naturais propriamente ditos e pela correlação recíproca de cada um desses em relação aos demais.
O meio ambiente artificial é o construído ou alterado pelo ser humano, sendo constituído pelos edifícios urbanos e pelos equipamentos comunitários.
O meio ambiente cultural é o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, ecológico, científico e turístico e constitui-se tanto de bens de natureza material quanto imaterial.
E o meio ambiente do trabalho é o conjunto de fatores que se relacionam às condições do ambiente de trabalho.
A tutela ambiental, a partir das inovações da Constituição Federal, bem assim diante do crescente interesse da sociedade pela ecologia, adquiriu contornos de garantia constitucional, como forma de assegurar um ecossistema sadio para as presentes e futuras gerações.
Note-se que, para realizar satisfatoriamente esta tutela, o Poder Judiciário deve modificar a tradicional postura de agir buscando a reparação dos danos já causados.
Como em matéria ambiental deve-se, primordialmente, evitar lesões, os órgãos jurisdicionais devem atuar na prevenção dos danos, proferindo decisões que evitem seu acontecimento.
Do mesmo modo, diante das particularidades dos bens protegidos pelas ações coletivas, todos ultrapassando a esfera individual de cada titular de direitos, leis que regulem especificamente essa espécie processual são indispensáveis.
A Lei das Ações Civis Públicas surgiu com esse intento, o que vem realizando de forma esplendorosa, especialmente depois da edição do Código de Defesa do Consumidor, diploma que veio complementar os conceitos trazidos para as ações coletivas.
O Código de Processo Civil, embora seja bastante satisfatório nas demandas de natureza individual, não se presta à tutela de interesses transindividuais de forma eficiente, restando primordial a disciplina desta moderna vertente processual por outros diplomas.
Com relação à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em sede de ação civil pública em matéria ambiental, não é de causar estranheza.
Embora alguns tribunais e doutrinadores relutem em aceitar esta utilização, notadamente nas causas manejadas em face do Poder Público, o referido diploma traz normas gerais, de natureza processual, para as ações coletivas, devendo ser empregado supletivamente.
Finalmente, no estudo da ação civil pública, especialmente em matéria ambiental, percebemos a importância do Ministério Público para a defesa dos interesses metaindividuais.
Além de ser o único, dentre os legitimados, a poder instaurar o inquérito civil, peça administrativa que fornece elementos para a instrução de futura ação civil pública, o Ministério Público pode atuar como parte e como fiscal da lei, neste caso quando outro legitimado tiver ajuizado a ação.
Desse modo, resta demonstrada a importância desta instituição para a defesa do meio ambiente, bem indispensável ao futuro da humanidade.
Advogado militante, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco e em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de Pernambuco e mestrando em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba
Militante ambientalista. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Analista judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte
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