Ação civil pública na proteção da ordem econômica

Resumo: Os impactos inerentes do processo de globalização, multiculturalismo e diversidades da realidade humana fez florescer novos dilemas criminais na conhecida sociedade de risco. Em certa medida, que alguns pontos pertinentes aos fatores nocivos à economia nacional decorrentes das transformações pós-modernas, muitas vezes instantâneas e imperceptíveis, conduzem a necessidade de intervenção do Direito Penal Econômico, bem como da utilização de todos os mecanismos a disposição do Estado no combate às infrações à ordem econômica, como o instrumento processual da Ação Civil Pública.


Palavras-chaves: ação civil pública, ordem econômica, criminalidade.


Abstract: The impacts arising from the globalization process, multiculturalism and diversity of human reality did flourish in the new dilemmas criminal known risk society. To some extent, that some points relevant to harmful factors national economy resulting from the changes pos-modern, often instant groundwater and impercept tions, leading to the need for intervention the Criminal Law Economic, and the uses of all the mechanisms the provisions the State in fighting of infrastructure of the order economic, as the procedural means of Action Civil Públic.


Keywords: Action civil public, order economic, crime.


Sumário: Introdução. 1. Sociedade de risco e ordem econômica. 2. Criminalidade econômica. 3. Ação civil pública na proteção da ordem econômica. Considerações finais. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO


As consequências perversas da pós-modernidade acompanham a evolução tecnológica, científica e industrial provocando o surgimento de males modernos experimentados pela maioria da população, como por exemplo a proliferação da violência urbana (criminalidade tradicionalmente que lesiona bens individuais) e em outro extremo a violência econômica (criminalidade emergente que ofende bens coletivos e transindividuais).


Não raro, essa perversidade é reflexiva no ordenamento jurídico, cuja ausência de elementos capazes de amenizá-la instaura um sentimento de insegurança nas instituições democráticas, fundamentalmente do Estado Democrático de Direito.


Desta forma, a sociedade de risco se apresenta como um estado anímico dos indivíduos que a constituem como consequência de um mundo de contrastes. Esta profusão de riscos na sociedade contemporânea requer a interferência penal em novas searas, como a economia.


O justo e o injusto assemelham-se, em certa medida, cada vez mais, incrementando as dificuldades enfrentadas pelo Direito Penal Econômico, ou ainda pelo Direito Antitruste, em regulamentar as condutas de seus atores. Razão pela qual o Estado tem a sua disposição mecanismos diversos para a proteção da ordem econômica, inclusive o intrumento processual constitutcional da Ação Civil Pública.


1 SOCIEDADE DE RISCO E ORDEM ECONÔMICA


As deficiências estruturais da sociedade moderna respondem à evolução do Estado Liberal, de cunho individualista, ao Estado Democrático de Direito, voltado às questões coletivas e mais pluralistas, que não ofereceu satisfatoriamente as condições de existência dignas à totalidade da população.


A partir dos estudos de Michel Maffessoli é possível verificar que o trânsito de capitais segue a mesma tendência do fluxo social, uma vez que  as disparidades econômicas conduzem aos deslocamentos maciços de comunidades afetadas. Falar em nomadismo social também há que considerar o nomadismo de capitais.[1]


Outrossim, as atividades econômicas encontram-se em constante mutações influenciadas pela evolução tecnológica e o processo de globalização, trazendo consigo a consequente incapacidade dos Estados em administrar, pelas fórmulas tradicionais, os efeitos negativos deste fenômeno.


Os impactos inerentes do processo de globalização, multiculturalismo e diversidades da realidade humana fez florescer novos dilemas criminais na conhecida sociedade de risco.


Essa tendência responde, de certo modo, aos riscos apresentados pela sociedade contemporânea que acabam por provocar no tecido social uma profunda sensação de insegurança, fazendo parte do cotidiano pós-moderno.


Os riscos ora tratados não são aqueles riscos toleráveis em razão da sua adequação social, como, por exemplo, os inerentes às atividades esportivas. Os riscos sociais estudados ofendem bens jurídicos ou valores essenciais e, portanto, intoleráveis pela sociedade como exemplos o crime organizado, a destruição ou contaminação do meio ambiente, crimes contra a humanidade, crimes contra a economia popular e, não para finalizar, mas apenas para enfatizar, os crimes contra a ordem econômica.


Segundo a teoria da imputação objetiva, os riscos perversos capazes de atrair a atenção e a indispensável proteção criminal é aquele risco com capacidade de provocar um resultado juridicamente desaprovado.[2]


A ideia de sociedade de risco surgiu com o sociólogo alemão Ulrich Beck em 1986 como explica Renato de Mello Jorge Silveira:


“Reconhece ele que existem muitos lados perversos da modernidade avançada. A produção social de grande parte da riqueza vem, indistintamente, acompanhada por uma igual produção de riscos. Na medida em que são alcançados cada vez maiores níveis de forças produtivas humanas e tecnológicas, acabam por se ver criados muitos riscos, até então desconhecidos. Com esse novel surgimento, conflitos sobre a distribuição dos males modernos tendem, não raro, a suplantar os conflitos sobre a distribuição dos bens (como renda, trabalho e seguridade social), que constituem o conflito básico da sociedade industrial. As novas tecnologias, sem igual na história, bem como um fantástico desenvolvimento de diversas áreas do saber humano, criam novas situações. Todo esse novo estado de coisas, sinteticamente, se constitui nesta alcunhada sociedade de riscos”.[3]


É óbvio que não é objetivo do Direito Penal Econômico ou do Direito Antitruste afastar todos os perigos impostos aos cidadãos, pois assim paralisaria o desenvolvimento da vida econômica moderna. De toda sorte, o que se busca é proteger certos bens econômicos contra certas formas de agressões. Não há como proteger todos os bens contra todas as formas de ofensas ou violações.[4]


Por mais evidente que possa parecer, os riscos sociais são inerentes à vida humana e, por via de consequência, à vida em sociedade. Com isso, as ações perniciosas sobre a organização econômica comprometem não apenas o desenvolvimento do próprio Estado, mas principalmente afeta suas estruturas e sustentáculos.


No que pertine ao setor econômico, as questões técnicas do mercado agrava a situação de risco operacional, eis que as operações reconhecidamente de risco exige de qualquer participante responsável informações seguras e precisas do mercado e do grau de risco envolvido na transação econômica.


A formação de ambientes supranacionais e a integração econômica sem limites geográficos ou barreiras político-econômicas são fatores exemplares que possibilitam a livre circulação de mercadorias e capitais.


Nada obstante às céleres e radicais mutações tecnológicas, políticas, comerciais e financeiras experimentadas destacam-se com altivez os inexoráveis problemas enfrentados nestas atividades descontroladas de circulação de produtos:


“Além disso, entre as profundas transformações geradas por essa ordem mundial emergente, pode-se dar destaque à inexorável ineficácia dos processos econômicos, não só em nível de circulação de ativos, de produção em escala mundial e de maximização de lucros, mas também no atinente ao exercício do poder econômico, o qual, quando abusivo, vulnera o normal funcionamento dos mercados”.[5]


Percebe-se, em certa medida, que alguns pontos pertinentes aos fatores nocivos à economia nacional decorrentes das transformações pós-modernas, muitas vezes instantâneas e imperceptíveis, conduzem a necessidade de intervenção do Direito Penal, na figura das normas mais específicas de Direito Penal Econômico, bem como da utilização de todos os mecanismos a disposição do Estado no combate às infrações à ordem econômica, como o instrumento processual da Ação Civil Pública.


Oportuna a colocação de Rodolfo Tigre Maia:


“Com efeito, agora se tornou muito mais árdua a tarefa de assegurar a legitimidade e de garantir a eficácia dos mandamentos valorativos que integram determinado ordenamento jurídico, diante de uma realidade social confrontada permanentemente por numerosas, profundas e céleres transformações. Nos dias de hoje, no âmbito da doutrina penal, a invocação do chamado processo de globalização ou a abordagem do surgimento da denominada sociedade de risco e de seus efeitos atingiram a condição de uma espécie de indispensável rito de passagem, aparecendo como o palco cênico da específica atividade intelectiva que se realize”.[6]


Tal atmosfera de liberdade de atuação no mercado constituiu elemento essencial para a regulamentação do desempenho destes agentes econômicos como forma de garantir a livre iniciativa e a livre concorrência.


Por outro lado, criou-se um ambiente propício ao aparecimento de comportamentos abusivos tendentes a controlar preços e manipular concorrentes com o fito de dominar o mercado. Assim, acumulando cada vez mais capitais e restringindo os direitos de liberdade já garantidos, a criminalidade faz-se presente nas comunidades modernas.


Como esclarece Roberto Lyra:


“No momento em que determinado número de empresas fortes se aliam para tomas conta do mercado, surgem as combinações, os ‘trusts’ e os ‘cartéis’. Os preços passam a ser decretados por uma minoria de especuladores, cujo âmbito de ação se irradia de acordo com os lucros obtidos artificiosamente, resultando daí a sujeição da imensa maioria aos seus desígnios, que, dentro de pouco, ultrapassam o simples terreno econômico”.[7]


Denota-se que a máscara perversa contida na liberdade que dita a ordem econômica, bem como a livre concorrência, acena para as atividades tendenciosas ao abuso do poder econômico, como ocorre nos crimes de formação de cartel na medida em que estes delitos abrangem comportamentos limitadores daquelas a partir do exercício abusivo do poder econômico.


Estas condutas que se apresentam no mercado afetam negativamente o bem-estar coletivo afligindo seus direitos e garantias fundamentais.


Se por um lado estes riscos que permeiam a ordem econômica sempre existiram, eis que inerentes à convivência do homem em sociedade, o perigo nunca alcançou em pouco tempo tamanha proporção social, tendo em vista as conseqüências perniciosas como acontece, por exemplo, com o abuso do poder econômico.


Cumpre ao Estado o papel de exercer controle mais efetivo na seara econômica, não apenas orientando a atuação dos seus atores, mas aplicando normas de poder coercitivo mais eficaz sem deixar de observar o sistema garantias e direitos fundamentais.


Caminhando mais além, alerta Gesner Oliveira que a atuação do Estado merece uma mudança concomitante do comportamento do empresariado:


“Contudo, o avanço no combate aos cartéis não requer apenas alterações nas instituições públicas, mas também mudança cultural. É preciso alterar a mentalidade de parte do empresariado brasileiro, que durante décadas foi educado pelo próprio Estado a organizar cartéis, através da fixação estatal de preços e cotas de produção. Tal mudança cultural não pode se restringir ao setor privado. As empresas públicas e os formuladores de política nos diversos ministérios setoriais também precisam se enquadrar à nova mentalidade”.[8]


Tendo em vista a ineficiência do próprio mercado regular seus mecanismos de proteção da organização econômica vigente, justifica-se a repressão penal sobre as condutas atentatórias à ordem jurídica da economia, como sublinha Leonardo Sica:


“[…] revelam-se de enorme gravidade, causando desarmonia na ordem jurídica e pública, a exigir pronta e eficaz intervenção do Poder Público, pois seria ingênuo e inverossímil crer que o próprio mercado é incapaz de criar mecanismos de proteção aos princípios constitucionais. A lógica do capitalismo é individualista e a busca do lucro, o fim dos agentes atuantes. A justiça social só pode ser preservada pelo Estado”.[9]


No caso brasileiro, o impacto das mudanças tidas no ambiente econômico, por força do avanço tecnológico e das relações comerciais e financeiras, contribuem para a proliferação de comportamentos abusivos que comprometem o equilíbrio da ordem econômica brasileira baseada na sustentação de liberdades concorrenciais, por exemplo no caso do presente estudo.


O abuso do exercício desta liberdade, aliada ao poderio econômico dos agentes propulsores dos ilícitos provocam restrições dos direitos e garantias de toda a população, ocasionando danos de difíceis reparações para o mercado interno e comprometendo a situação do país em suas relações com agentes econômicos externos.


Porquanto, forçoso reconhecer que o Estado ainda não encontrou uma fórmula mais adequada e eficaz para enfrentar as perturbações da ordem econômica e da livre concorrência.


Assim, com o fito de orientar o controle dos riscos e perigos atuantes sobre o bem jurídico supra-individual tutelado pelo Direito Penal Econômico, pelo Dirieto Antitruste, o Estado detem outro mecanismo processual de conmbate que pode contribuir sobremaneira aos enredamentos dos nódulos problemáticos vividos pelo setor: a Ação Civil Pública contra as infrações à ordem econômica.


Nesses contesto, o mecanismo da Ação Civil Pública aparece como um instrumento eficiente à tutela penal da ordem econômica com vistas às garantias dos direitos e garantias fundamentais consagrados em nossa Constituição Federal de 1988.


2 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA


Conforme se reconhece no cotidiano brasileiro, a criminalidade tradicionalmente concebida tem estreitos limites com o Direito Penal clássico, uma vez que a maioria das transgressões penais praticadas desvenda a existência de um vínculo entre o autor e a vítima.


A prática ostensiva do crime é característica latente deste tipo de delinquência, não havendo distanciamento físico entre os sujeitos ativos e passivos e o bem lesionado.


Outro aspecto a ser considerado é a visibilidade social observada por William Terra de Oliveira na media em que autor e vítima se arrostam permitindo “sentir a ardência do crime e suas manifestações imediatas”.[10]


Também conhecida como uma criminalidade de massa, em parte identificada pelas dificuldades econômicas sociais, Cezar Roberto Bittencourt, com base em estudos realizados por Hassemer, definiu-a:


“A criminalidade de massa compreende assaltos, invasões de apartamentos, furtos, estelionatos, roubos e outros tipos penais de violência contra os mais fracos e oprimidos. Esta criminalidade afeta diretamente toda a coletividade, quer como vítimas reais quer como vítimas potenciais. Os efeitos desta forma de criminalidade são violentos e imediatos: não são apenas econômicos ou físicos, mas atingem o equilíbrio emocional da população e geram uma sensação de insegurança”.[11]


Ao contrário de todas as ponderações acerca da delinqüência tradicional, encontra-se a criminalidade empresarial que se apresenta como uma ameaça constante aos alicerces da sociedade moderna seja pela sua capacidade para sobreviver às mudanças sociais e políticas ou para adaptar suas defesas frustrando as ações repressivas.


A preocupação em combater ou amenizar os danos materiais e morais provocados por esse tipo de delinquência alimenta a investigação de formas eficazes para frustrar as ações dos agentes econômicos envolvidos em ações perniciosas como os cartéis.


Uma das imediatas distinções que se pode fazer do tipo de criminalidade apresentado anteriormente é a vitimização difusa da criminalidade empresarial. Os interesses coletivos e metaindividuais atingidos pelas suas atividades ilícitas conduzem a uma compreensão mais abrangente deste segmento criminoso.


Por seu turno, os interesses difusos caracterizam-se pela impossibilidade de nomear-se um titular ou titulares. Mauro Cappelletti, juntamente com Bryant Garth, discorre a respeito o consumo de massa elemento de identificação da coletividade como vítima real e potencial dos crimes contra os consumidores:


“O consumo: basta que um produto apresente um defeito mínimo, e já milhares ou milhões de consumidores sofrerão um dano. O produtor, causante de tal prejuízo, não é somente violador de um direito individual, não está em confronte com uma ou outra pessoa, ou, no máximo, duas, três, cinco outras pessoas, mas é tipicamente produtor de um ‘dano em massa’”.[12]


Outro manifestação criminógena com capacidade de elencar vítimas indetermináveis são os delitos financeiros, como relata João Marcelo de Araújo Júnior:


“A essa nova categoria, que no Brasil, segundo Cernicchiaro, tem conceito restrito, pertencem os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal Econômico e, em especial, os que são violados pelos delitos contra o sistema financeiro. Neles, a despeito da lesão ao patrimônio individual que possam causar, a tônica da reprovação social está centrada na ameaça ou dano que representam para o sistema financeiro, que se caracteriza como um interesse jurídico supra-individual e no qual se destacam os seguintes aspectos: a) a organização do mercado; b) a regularidade dos seus instrumentos; c) a confiança neles exigida, e d) a segurança dos negócios”.[13]


No tocante à personalidade do empresário delinqüente, Maurício Schaun Jalil destaca duas questões relevantes, qual seja o perfil do cidadão “acima de qualquer suspeita” e, até certo modo, a identificação da comunidade com esses delinqüentes ante a roupagem de licitude da atividade desempenhada para abusar do seu poderio econômico em detrimento da mesma população que o identifica como homem de bem.[14]


Os contrastes entre a criminalidade de massa e a criminalidade empresarial acentuam, sob a ótica das características de suas vítimas, o fenômeno da vitimização difusa emergente nos dias atuais.


Tendo em vista que dos interesses perquiridos pela delinquência econômica são de origem supra-individuais, a multiplicidade de vítimas é consequência direta, bem como os prejuízos financeiros de grande monta, tanto no mercado financeiro quanto na iniciativa privada, podendo ocasionar em uma crise econômica generalizada.


Por todo o exposto, na penosa tarefa de tipificar infrações econômicas, é preciso aliar a heterogeneidade do setor às garantias constitucionais em favor da coletividade, para que os elementos causados de prejuízos generalizados na organização da economia possam ser devastados. Como é o caso da Ação Civil Pública.


Muito embora a doutrina tradicional do antitruste não traga lições a respeito do manejo do instituto da Ação Civil Pública na defesa do mercado equillibrado e seguro, nos últimos anos, entretanto, é possível identificar algumas contribuições com reflexos sobre esta temática.


3 AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA PROTEÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA


A Ação Civil Pública, disciplinada pela Lei n.º 7.347/85, é conceituada por Hely Lopes Meirelles[15] como:


“[…] instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, protegendo os interesses difusos da sociedade. Não se presta a amparar direitos individuais, nem se destina à reparação de prejuízos causados por particulares pela conduta, comissiva ou omissiva, do réu.”


Não há dúvidas acerca da posibilidade de utilização deste instrumento processual na proteção da ordem econômica (art. 1º, inciso V da Lei nº 7.347/85), especialmente com atribuições do artigo 88 da legislação antitruste (Lei nº 8.884/94).


Vê-se, em suma, que a sociedade e consequentemente o Ministério Público ganharam uma arma contra a morosidade da justiça no Brasil e devem utilizá-la de forma racional sob pena de sua vulgarização.


Ao analisar a legislação de modo mais acurado verifica-se no artigo 12 da lei antitruste a representação do Minitério Público Federal junto ao Cade. Tal aspecto só aparece indiretamente está relacionado à questão do manejo da ação civil pública em matéria econômica.


Já o artigo 29 do mesmo diploma legal, ao atribuir legitimidade aos próprios agentes do mercado, entre outros, e voltar-se para aspectos indenizatórios e de cessação de conduta infrativa, não abarca todas as possibilidades de manejo da ação coletiva.


Contudo, o parágrafo único do artigo 1º da lei 7.347/85 confirma que os valores legalmente protegidos competem à toda coletividade, endereçada ao consumidor dos bens e serviços gerados pela atividade econômica, restando evidente a legitimação extraordinária dos Ministérios Públicos.


Cabe registrar que o Direito Antitruste sempre foi e sempre será o próprio direito econômico concorrencial. A ação civil pública é um instrumento disponível para a proteção dos valores protegidos pela lei 8.884/94, direcionada em especial à preservação da livre iniciativa e da livre concorrência.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


O controle jurisdicional do comportamento humano, inserido no ideal democrático, conduz à formatação de uma sociedade compacta, demarcada pelas regras de contornos discutíveis, porém necessários.


Diante disto, tomou o Estado a tutela da ordem econômica, no sentido de resguardar o interesse coletivo de praticar a livre concorrência e a livre iniciativa como forma de contribuir para a manutenção da dignidade do ser humano, ultimando a justiça social.


Neste contexto, a Constituição de 1988 resguardou os valores da ordem econômica colocando a livre iniciativa e a livre concorrência como princípios regentes do Estado Democrático de Direito, porém os agentes econômicos aproveitando-se das especificidades e tecnicismo do setor contribuem para a proliferação de uma nova categoria de delinquência provida pela criminalidade econômica.


Sendo o mundo dos negócios firmado sobre a máxima “o segredo é a alma do negócio”, como em qualquer outra parte do mundo, aqui não poderia ter sido diferente. A trajetória da criminalização da realização de acordos empresariais restritivos da concorrência e nocivos à ordem econômica é longa, porém pautada pela ineficácia, primordialmente em razão da dificuldade de se conhecer os comportamentos mascarados de legalidade, mas que efetivamente buscam a dominação do mercado e a restrição da competição.


Portanto, a consolidação de uma legislação penal econômica é resultado de um trabalho árduo e longo, desenvolvidos a partir da operacionalização de conceitos econômicos e jurídicos específicos que requer a aplicação do sistema garantista baseada na proteção das garantias e direitos fundamentais individuais e coletivos, especialmente, na prevenção das infrações contra a ordem econômica.


O instituto da Ação Civil Pública auxilia o Estado no combate da já tecida vitimização difusa proveniente da delinquência econômica, sem comprometer os demais instrumentos penais e antistrustes, apresentando-se como uma resposta à preocupação que medeia todos esses esforços na efetivação dos interesses coletivos.


 


Referências bibliográficas

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Notas:

[1] MAFFESSOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. Trad. Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 19/26.

[2] ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação. Trad. Luis Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 60.

[3] SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Econômico como direito penal de perigo. São Paulo: RT, 2006. p. 33.

[4] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal: de acordo com a Lei 7.209/84 e a Constituição de 1988. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 17.

[5] OLIVEIRA JÚNIOR, Gonçalo Farias de. Ordem jurídica da atividade econômica. In: Ordem econômica e Direito Penal Antitruste. PRAZO, Luiz Regis e EL TOSSE, Adel (Coord). 2 ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 35.

[6] MAIA, Rodolfo Tigre. Tutela penal da ordem econômica: o crime de formação de cartel. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 17/18.

[7] LYRA, Roberto. Crimes contra a economia popular. Rio de Janeiro: Jacinto, 1940. p. 86.

[8] OLIVEIRA, Gesner e FUJIWARA, Thomas. Avanços e riscos no combate aos cartéis. Disponível em: < http://www.goassociados.com.br/Papers/Artigo_Valor.pdf>. Acesso em 31 ago 2009.

[9] SICA, Leonardo. Caráter simbólico da intervenção penal da ordem econômica. In: Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. n. 2. jul./dez. 1998. São Paulo: IASP. p. 107.

[10] OLIVEIRA, William Terra de. Algumas questões em torno do novo direito penal econômico. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 3. São Paulo. Jul/set, 1995. p. 236.

[11] BITENCOURT, Cezar Roberto. Princípios garantistas e a delinqüência do colarinho branco. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 3. São Paulo. Jul/set, 1995. p. 123.

[12] CAPPELLETTI, Mauro; e GARTH, Bryant. Tutela dos interesses difusos. In: Revista da AJURIS. n. 3. Porto Alegre: AJURIS, 1985. p. 171.

[13] ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. Os crimes contra o sistema financeiro no esboço da nova parte especial do código penal de 1994. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 3. São Paulo. Jul/set, 1995. p. 148/149.

[14] ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. Os crimes contra o sistema financeiro no esboço da nova parte especial do código penal de 1994. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 3. São Paulo. Jul/set, 1995. p. 35.

[15] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data. São Paulo: Malheiros, 2000. pág.152.

Informações Sobre os Autores

Gisele Amorim Sotero Pires

Advogada militante em Direito de Família, graduada pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) em convênio com a Associação Catarinense do Ministério Público (ACMP) e Especialista em Direito Cível e Empresarial pela Universidade Anhanguera em convênio com o Grupo Luiz Flávio Gomes

Clébio Rafael Castello Campos

Advogado do Escritório Toledo Pizza Advogados Associados, graduado pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).


Equipe Âmbito Jurídico

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