Resumo: O presente trabalho versa sobre os aspectos mais relevantes da Ação Processual, trazendo em seu corpo noções do direito a ela inerente, bem como, sua estruturação básica ou tópicos que devem ser analisados e seguidos ante a relação jurídico-processual.
Palavras-chave: Teorias da Ação, Pressupostos Processuais, Condições e Elementos da Ação, Constituição e Desenvolvimento da Relação Jurídico-processual.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO (1.1 Direito de Ação); 2. Teorias da Ação (2.1 Teoria Civilista, 2.2 Teoria do Direito Concreto, 2.3 Teoria do Direito Abstrato da Ação, 2.4 Teoria Eclética); 3. Pressupostos Processuais; 4. Condições da Ação (4.1 Interesse de Agir, 4.2 Legitimidade ad causam, 4.3 Possibilidade Jurídica do Pedido); 5. Elementos da Ação (5.1 Partes, 5.2 Objeto, 5.3 Causa do Pedido); 6. Como se constitui a Relação Processual (6.1 Por iniciativa do Autor, 6.2 Por Distribuição da Petição Inicial E despacho do Juiz, 6.3 Pela Citação do Réu); Considerações Finais; Bibliografia.
1. Introdução
1.1 Direito de Ação
Faz-se necessário ter em mente noções claras sobre a distinção entre os termos ação[1] e direito de ação[2], uma vez que esta faz parte do sistema constitucional de garantias, próprias do Estado de Direito, razão pela qual alguns autores preferem chama-lo direito de ação, enquanto outros optam por enquadra-lo no direito de petição. O exercício do direito de ação resulta na instauração do processo e, a partir daí, as normas processuais é que regulam tudo quanto se refira à ação.
Embora o direito de ação tenha matriz constitucional, é a ordem jurídica infraconstitucional processual que dispõe a respeito da ação, uma vez exercido o direito de acesso à jurisdição. É claro que essa disciplina infraconstitucional deverá estar em concordância com as garantias do processo ditadas na constituição. O direito de ação é dividido em dois planos: o plano do direito constitucional e o plano processual, tendo o primeiro um maior grau de generalidade. Sob esse aspecto, o direito de ação é amplo, genérico e incondicionado, salvo as restrições constantes da própria Constituição Federal. Sua definição encontra-se no art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
O direito processual de ação não é incondicionado e genérico, mas conexo a uma pretensão, com certos liames com ela. O direito de ação não existe para satisfazer a si mesmo, mas para fazer com que se efetue toda a ordem jurídica, de modo que o seu exercício é condicionado a determinados requisitos, ligados à pretensão, denominadas condições de ação.
Todavia não há dois direitos de ação, um constitucional e um processual; o direito de ação é sempre processual, pois é por meio do processo que ele exerce. O que vige é a garantia constitucional genérica do direito de ação, a fim de que a lei não obstrua o caminho ao Judiciário na correção das lesões de direitos, porém o seu exercício é sempre processual e conexo a uma pretensão. Para que exista o direito processual de ação (direito de receber sentença de mérito, ainda que desfavorável), devem estar presentes determinados requisitos (as condições da ação), sem os quais, não se justifica o integral desenvolvimento da atividade jurisdicional, CPC , arts. 3º, 6º, 267, inciso VI, e 301, inciso X.
Na composição da lide, a jurisdição se serve do processo, que se manifesta através de atos coordenados tendentes a composição da lide. Mas a jurisdição é uma função provocada, isto é, exercita-a o Estado por impulso de quem lhe exponha uma pretensão a ser tutelada pelo direito (CPC, art. 2º). Essa provocação do exercício da função jurisdicional, esse pedido de tutela jurisdicional do Estado, é a primeira condição para que tal função se exerça e se instaure o processo, é a ação propriamente dita. Assim, a ação é o direito de invocar o exercício da função jurisdicional.
Ação, jurisdição, processo, são o trinômio da resolução dos conflitos de interesses, pois a ação provoca a jurisdição, que se exerce através de uma sucessão de atos, que é então denominado de processo.
Diz-se que a ação é um direito. No entanto, a controvérsia quanto à natureza desse direito, a respeito do que se formularam diversas teorias.
Antes de adentrar nas condições da ação, é importante que se tenha presente as principais teorias que tentaram estabelecer o conceito de “ação processual”. São basicamente, as teorias Civilista; Concretista; Abstrata do Direito de Ação; e Eclética.
2. Teorias da ação
2.1 Teoria Civilista
A teoria Civilista originou-se no direito moderno, tentando estabelecer o conceito de ação processual, e da qual sem dúvida derivaram todos os progressos subseqüentes, responsáveis pelo surgimento do Direito Processual Civil como uma disciplina científica especial e autônoma, defendida, entre outros, por Savigny e, mais recentemente por Clóvis Bevilaqua, Eduardo Espíndola, Câmara Leal…
Segundo esta teoria, “a ação processual é o direito de buscar em juízo o que nos é devido pelo obrigado”. Tal posicionamento confundiu e misturou a ação (processual) com a pretensão de direito material. A ação nada mais é do que o próprio direito subjetivo material. Daí três conseqüências inevitáveis: não há ação sem direito; não há direito sem ação; a ação segue a natureza do direito. Porém, os críticos desta teoria não distinguiam ação do direito subjetivo material.
Identificada a ação (processual) como o direito de o autor buscar o que lhe é devido, restava inexplicado o fenômeno da ‘ação improcedente’, situação em que a ação (processual) estava presente, mas não era reconhecido o direito formulado pelo autor (logo, nem sempre a ação – processual – identificava-se com o ‘direito de postular o que é devido, pois mesmo quando se decide que tal direito ‘não é devido’ há ação, sob ponto de vista processual).
2.2 Teoria do Direito Concreto
Para Adolf Wach, um jurista alemão, agir em juízo poderia ter como finalidade não a defesa ou a perseguição daquilo que se era devido, mas o simples do exercício de uma pretensão de tutela para que o juiz declarasse a inexistência de uma suposta relação jurídica, o que corresponderia, em verdade, a usar-se do processo para declarar que nada era devido, ou que nada era devido pelo autor. Demonstra-se um dos caracteres do direito de ação – a autonomia. A ação é um direito autônomo, no sentido de que não tem, necessariamente, por base um direito subjetivo, ameaçado ou violado, porquanto também há lugar à ação para obter uma simples declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica, o que ocorre com as deominadas ações meramente declaratórias.
Segundo Adolf Wach, a ação é o direito público subjetivo de quem tem razão, a fim de que o Estado lhe outorgue a tutela jurídica, mediante pronunciamento favorável (da teoria do direito abstrato). Consoante Wach, a ação é um direito autônomo com base no direito subjetivo material ou num interesse que se dirige contra o Estado e contra o adversário, visando à tutela jurisdicional. Direito subjetivo público contra o Estado, como obrigado à prestação da tutela jurisdicional. Todavia, a tutela jurisdicional deverá conter-se em uma sentença favorável, o que quer dizer que o direito de ação depende da concorrência de requisitos de direito material, as chamadas condições da ação, e de direito formal, os chamados pressupostos processuais, sem os quais não se concebe uma tal sentença e não haverá ação. Daí a denominação: teoria do direito concreto à tutela jurídica. Modalidade dessa teoria é a formulada por Bülow, que aduz que a ação é o direito a uma sentença justa.
A esta concepção, aderiu Giuseppe Chiovenda, um dos maiores processualistas italianos da história, que mostrava ser a ‘ação processual’ um direito especial de natureza potestativa por meio do qual se realizava, no caso concreto, a vontade da lei, abstratamente prevista no ordenamento jurídico.
O direito potestativo, também chamados direitos formativos. Classe especial de direitos subjetivos cuja satisfação não depende propriamente do cumprimento de um dever do obrigado, ou de uma prestação a ser realizada por este.
Na realidade, os direitos potestativos, são poderes que o respectivo titular tem de formar direitos, mediante a simples realização de um ato voluntário e sem que se exija do obrigado o cumprimento de uma prestação correspondente. Ex.: o direito do contratante pôr fim a um contrato, exercendo o direito de denunciá-lo; o exercício do direito de preferência.
Segundo Chiovenda, a ação (processual), tal como os direitos potestativos, são um poder jurídico por meio do qual se realiza a condição necessária para a atuação da vontade da lei, no caso concreto. Consoante Chiovenda, a ação é um direito potestativo que o autor, que tenha razão, exerce em face do réu, podendo ser tanto público ou privado.
2.3 Teoria do Direito Abstrato
Defendida por Degenkolb, jurista alemão, o qual aduz que esta teoria do direito abstrato de ação é um direito público subjetivo conferido a todos, indistintamente, sendo irrelevante para sua existência que o autor tenha ou não razão, seja ou não titular do direito posto em causa perante o magistrado. Tanto aquele que tiver a sua demanda declarada procedente, quando o outro que propuser a ação julgada improcedente, seriam igualmente titulares de um direito subjetivo público, através do qual impunham ao Estado o cumprimento de sua obrigação de prestar jurisdição. A circunstância de ser o direito de ação independente da real existência do direito invocado, nomeou-a de teoria do direito abstrato de ação.
Os autores filiados a esta teoria vêem na ação (processual) um direito de crédito, distinto do casual direito subjetivo que venha a resguardar. Ação é um direito de crédito contra o Estado, é um direito público subjetivo: direito à jurisdição. Degenkolb, Rocco, Rosemberg, Pontes de Miranda e Couture são alguns de seus defensores.
Porém, a teoria em tela não foi aceita por muitos juristas, pois confundia o direito de ação com o direito de petição (Galeno, Depacho Saneador, p. 76).
2.4 Teoria Eclética
Enrico Túlio Liebman entendia que a teoria eclética – e aí não se diferenciava do que era defendido pela doutrina do direito abstrato de ação -, equiparava o direito de ação ao direito à jurisdição. Tanto nos casos de procedência como nos de improcedência do pedido, terá sido exercido o direito de ação, que é abstrato e autônomo em relação ao direito material pretendido.
No entanto, consoante Liebman, aí está o ponto de discórdia em relação àquela teoria, existem questões que são preliminares ao mérito (condições da ação e pressupostos processuais), como, por exemplo, quando o juiz reconhece a inépcia da inicial ou a falta de legitimação para figurar em um dos pólos da demanda. Esta decisão, que julga estas questões preliminares, ainda não corresponde à verdadeira atividade jurisdicional. Só existindo jurisdição, segundo Liebman, quando – ultrapassada essa fase de averiguação prévia – concluir o juiz que a causa posta em julgamento está constituída, no processo, de forma regular e capaz de ensejar uma decisão de mérito sobre a demanda, ainda que esta decisão seja contrária ao autor.
Segundo esta teoria, de grande aceitação no Brasil, inclusive adotada pelo Código de Processo Civil de 1973, art. 267, incisos IV e VI (a ausência de pressupostos e condições da ação extingue o processo sem julgar o mérito), pois a “ação é o direito subjetivo público, dirigido contra o Estado, correspondente ao direito reconhecido a todo o cidadão de obter uma sentença de mérito capaz de compor o conflito de interesses representado pela lide”.
Tanto os pressupostos processuais[3] quando as denominadas condições da ação, as quais apresentam-se como requisitos prévios indispensáveis ao julgamento da pretensão contida na demanda, devendo ser examinadas pelo magistrado antes de decidir o meritum causae.
Para a teoria eclética, tais requisitos são anteriores e não compõem o mérito da causa, de tal modo que, em o juiz constatando a ausência de uma das condições da ação, não terá, sequer, havido ato jurisdicional.
Liebman define ação, como o direito à sentença de mérito, qualquer que seja o seu conteúdo; e como, para ele, julgar a lide e julgar o mérito são expressões sinônimas, conclui-se que só existirá ação e, consequentemente, jurisdição, quando se verificar a existência das condições da ação, de modo a possibilitar ao juiz a decisão da lide, ou, decisão do mérito da causa.
Como dito anteriormente, esta é a teoria adotada pelo Código de Processo Civil de 1973. O reconhecimento, pelo juiz, da inexistência de uma das condições da ação leva ao julgamento de carência da ação.
Consigna-se, entretanto, que a teoria eclética vem sem extremamente criticada pelos processualistas mais modernos, como Ovídio Baptista da Silva, para quem “quando o juiz declara inexistente uma das condições da ação, ele está em verdade declarando a inexistência de uma pretensão acionável do autor contra o réu, pois, a decidir a respeito de uma pretensão posta em causa pelo autor, para declarar que o agir deste contra o réu – não contra o Estado – é improcedente. E tal sentença já é uma sentença de mérito” (in Curso, vol. I, p. 90). No mesmo sentido trabalham Galeno (Despacho Saneador, p. 88) e Araken de Assis (Cumulação de Ações, p. 64).
Não obstante tal entendimento, o fato é que o Código Processual Civil Brasileiro adotou a teoria do trinômio: pressupostos processuais – condições da ação – mérito. Assim, conforme o disposto pelo CPC, o reconhecimento da ausência de um dos pressupostos processuais leva ao impedimento da instauração válida da relação processual ou à nulidade do processo. Já a ausência de uma ou mais condições da ação enseja uma sentença de carência de ação. E o reconhecimento da ausência do direito material subjetivo, fundamento do pedido, conduz à declaração judicial de improcedência do pedido (e não da ação, pois uma vez presentes as condições da ação, não poderá ser declarada a sua improcedência, pois sua existência (ação) é independente da pretensão de direito material pretendido, por isto é inadequado o dispositivo da sentença que julga improcedente a ação, sendo de melhor rogo a expressão “julgo improcedente o pedido”).
Surge, então, a necessidade de um estudo do trinômio – pressupostos processuais, condições de ação e mérito da demanda.
3. Pressupostos processuais
Os pressupostos processuais são os requisitos necessários para a constituição e o desenvolvimento regular do processo. Os quais se esboça com a apresentação, pelo autor, da exordial ao juiz, para sua apreciação e despacho, completando-se no momento em que a outra parte – o réu – toma conhecimento da existência da mesma.
Quer dizer, para que a relação processual tenha existência e validade, sua constituição deverá subordinar-se a determinados requisitos, aos quais denominam-se pressupostos processuais. “A doutrina mais autorizada sintetiza esses requisitos na seguinte fórmula: uma correta propositura d ação, feita perante uma autoridade jurisdicional, por uma entidade capaz de ser parte em juízo” [4].
A título de exemplo dos pressupostos processuais tem-se a capacidade civil das partes ou a integração válida dessa capacidade, a representação das mesmas por advogado, a investidura, a competência e a imparcialidade do juiz, a petição inicial não ser inepta, o procedimento adequado, a existência da citação, etc.
4. Condições da ação
São três as condições da ação: Interesse Processual (interesse de agir), Legitimidade das Partes (legitimidade ad causam) e Possibilidade Jurídica do Pedido.
4.1 Interesse de Agir
O interesse processual, interesse de agir, ou ainda, o legítimo interesse, como trazem alguns doutrinadores, consiste na demonstração, pelo menos em linhas gerais, de que a providência jurisdicional é realmente necessária. Pois não se configurará o interesse de agir se a coisa puder ser obtida sem a interferência do juiz e consequentemente se a movimentação de toda a máquina judiciária.
Em outros termos, exige que, no caso concreto, a tutela jurisdicional pleiteada seja necessária e adequada. A necessidade revela-se na impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a intervenção do Estado. Já a adequação é a relação existente entre a situação alegada pelo autor ao levar a juízo e o provimento jurisdicional concretamente pleiteado. O provimento deve ser apto a corrigir o mal de que o autor se queixa-se, sob pena de não ter razão de ser.
O interesse de agir, no dizer de Liebman, “decorre da necessidade de obter através do processo a proteção do interesse substancial; pressupõe, por isso, a afirmação da lesão deste interesse e a aptidão do provimento pedido a protegê-lo e satisfazê-lo.”
Se alguém, por exemplo, foi esbulhado em sua posse, fará pedido inadequado, faltando-lhe interesse, se pleitear a declaração de que é proprietário. Evidentemente, a existência de interesse não quer dizer, ainda, que o autor tem razão e que a demanda será julgada procedente. Este resultado dependerá de outra ordem de indagações, consistente no mérito da demanda”.
4.2 Legitimidade AD CAUSAM
Também é chamada legitimidade para agir ou qualidade para agir. Para o sistema do Código, a legitimidade é uma condição da ação, e não pressuposto processual. As condições da ação consubstanciam-se em uma categoria muito mais próxima ao mérito, cuja existência e regularidade devem ser examinadas pelo juiz depois dos pressupostos processuais.
Legitimidade para a causa ou “legitimatio ad causam” é a melhor identificação entre o sujeito da lide (relação material) e o sujeito do processo (relação processual ou formal), chamada pela doutrina de legitimação ordinária[5].
Preconiza o Código de Processo Civil Brasileiro:
“Art. 3.º. Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”.
A capacidade de ser parte corresponde à capacidade jurídica em geral de ser titular de direitos e obrigações na ordem civil. O seu exercício depende de capacidade própria ou de uma forma de suprimento, tanto para a lei civil quanto para a lei processual civil (capacidade processual, para estar em juízo ou legitimatio ad processum).
Se não existir simetria entre os titulares do direito material e do direito formal poderão ocorrer duas situações distintas:
a) ilegitimidade ativa ou passiva; ou
b) substituição processual (legitimação extraordinária).
Em outras palavras, segundo Liebman, “a legitimidade para agir é a titularidade (ativa e passiva) da ação”. No dizer de Alfredo Buzaid, “é a pertinência subjetiva da ação, isto é, a regularidade do poder de demandar de determinada pessoa sobre determinado objeto”.
A regra geral autoriza a demandar quem é o titular da relação jurídica, dizendo-se, então, que a legitimação é ordinária. Há casos, porém, de texto expresso de lei que autoriza alguém que não seja sujeito da relação jurídica de direito material a demandar. Nestes casos, diz-se que a legitimação é extraordinária[6].
A legitimação extraordinária foi denominada por Chiovenda como “substituição processual”, e ocorre quando alguém, em virtude de texto legal expresso, tem respaldo legal para litigar, em nome próprio, sobre direito alheio. Como diz Moacyr Amaral Santos “quem litiga como autor ou réu é o substituto processual, fá-lo em nome próprio, na defesa de direito de outrem, que é o substituído” [7].
Distinguem-se, a legitimidade, do interesse de agir, condição da ação anteriormente examinada. Pois neste, não importa o exame de qualquer aspecto subjetivo. Assim, qualquer pessoa que demande por dívida não vencida será carecedora da ação por falta de interesse. Não importa quem seja o credor ou o devedor.
Se, por outro lado, supondo-se uma dívida vencida, o pedido fosse formulado por ‘A’, mas o titular do crédito fosse de ‘C’, faltaria ao primeiro legitimidade ativa[8] para agir, justamente pelo fato de não ser ele o afirmado titular do direito. Da mesma forma, se se dissesse que o titular da obrigação fosse ‘B’, mas se propusesse a ação em face de ‘D’, este seria parte passiva ilegítima. O autor ‘A’, neste último caso, seria carecedor do direito de ação em face de ‘D’. Como se observa, o exame da legitimidade como condição da ação impõe a análise do aspecto subjetivo das partes, diferentemente do que ocorre no interesse de agir.
Entretanto, lembra, Adroaldo Furtado Fabrício sobre o tema, verbis: “Efetivamente, ao sentenciar que o autor não tem legitimatio ad causam, denega-lhe o juiz, clarissimamente, o bem jurídico a que aspirava, posto que à sua demanda responde: “Se é que existe o direito subjetivo invocado, dele não és titular”. Proclamando o juiz, por outro lado, ilegitimidade passiva ad causam, em face do réu, não tem o autor razão ou direito. Em qualquer dos casos, há clara prestação jurisdicional de mérito, desfavorável ao autor – vale dizer, sentença de improcedência.” (in Extinção do processo, p. 40).
Isto não quer dizer, porém, como salienta Nelton Agnaldo Moraes dos Santos, que não exista a legitimidade como condição da ação, exemplificando que se ‘A’ propõe o divórcio de ‘B’ e ‘C’, dizendo que estão separados de fato há mais de 2 anos (CF/88, art. 226, § 6º), há manifesta ilegitimidade ativa. Não há como dizer, neste caso, que ocorreu decisão de mérito.
Tem-se ainda, a legitimidade passiva, que é a sofrida pelo réu no decorrer da ação, tendo este que prestar o que lhe pedido, ao menos em tese. Por exemplo, em uma “ação de despejo, a parte ativa é o senhorio e a passiva é o inquilino, e não qualquer outra pesoa que não ele.” (RT 415/319).
Por fim, não se pode confundir a legitimidade ad causam com a legitimidade ad processum, que é pressuposto processual, em que a parte deve ter:
1) Capacidade de ser parte (capacidade para figura num dos pólos da relação processual – pessoas naturais, inclusive o nascituro, jurídicas e formais – massa falida);
2) Capacidade processual ( o absolutamente incapaz, por ex., pode ser parte, mas não pode por si, agir no processo, devendo estar representado em juízo);
3) Capacidade postulatória (ius postulandi, representação por advogado).
4.3 Possibilidade jurídica do pedido:
Segundo Humberto Theodoro Júnior, “Pela possibilidade jurídica, indica-se a exigência de que deve existir, abstratamente, dentro do ordenamento jurídico, um tipo de providência como a que se pede através da ação.” (in Curso de Direito Processual Civil, p.53). É a verificação prévia que incumbe ao juiz fazer sobre a viabilidade jurídica da pretensão deduzida pela parte, em face do direito positivo vigente.
Faz-se oportuno no momento, a distinção dos pedidos formulados na ação. O pedido que o autor formula ao impetrar uma ação é sempre dúplice:
1º) Pedido imediato, contra o Estado, que se refere à tutela jurisdicional;
2º) Pedido mediato, dirigido contra o réu, que se refere à providência de direito material pretendida. Logo, a possibilidade jurídica do pedido e as condições da ação, devem ser localizada dentro do pedido imediato (tutela jurisdicional do Estado). Ou seja, a permissão ou não, frente ao direito positivo, para que se instaure a relação processual, visando à pretensão (material) do autor.
No entanto, “a ausência de norma a regular a situação fática não enseja a impossibilidade jurídica. O que leva à impossibilidade jurídica é a expressa proibição de que tal provimento jurisdicional seja emitido. Nestas circunstâncias, o pedido de condenação ao pagamento de importância devida por jogo não enseja, como defendido por certos autores, carência de ação, em face do disposto no art. 814 do CC/02 (correspondente ao art. 1.477, caput, do CCB). Para decidir contrariamente ao que o autor pede, necessita o juiz recorrer a uma regra de direito material. O julgador há de sentenciar no sentido de que a obrigação é inexigível, porque o ordenamento jurídico material não o ampara. A solução, será de mérito, ou seja, de improcedência do pedido, caso seja conflitante com o ordenamento jurídico em vigor, ainda que a pretensão, prima facie, se revele temerária ou absurda”[9]. Segundo Nelton Agnaldo Moraes dos Santos, verdadeiros exemplos de impossibilidade jurídica do pedido seriam os casos de mandado de segurança normativo e de pedido de análise do mérito do ato administrativo em via jurisdicional.
Veja-se que a discussão não é meramente acadêmica, pois a decisão de carência de ação permite a repropositura da ação, o que não acontece nos casos de sentença de mérito (vide CPC, art. 268, caput).
5. Elementos da ação
São elementos da ação as partes, o objeto de demanda judicial e a causa que originou o pedido.
5.1 As Partes
De acordo com a doutrina, “partes são as pessoas que pedem, ou em face das quais se pede, em nome próprio, a tutela jurisdicional” (Schöner, Rosenberg, Amaral Santos, Frederico Marques, Gabriel de Rezende Filho). Ou seja, são os sujeitos que compõem a lide, – no caso mais simples, em que a ação abrange uma única lide, com uma única pretensão, cada uma das partes corresponderá a uma pessoa. Mas poderá a ação abranger várias lides, ou ainda possuir um grupo de indivíduos previamente identificados que serão parte processual frente ao litígio, como ocorre nas obrigações solidárias o credor formula uma pretensão contra vários devedores solidários, caso em que as partes na ação ainda são duas, autor e réus, conquanto estes sejam diversos, como sujeitos passivos das várias lides.
5.2 Objeto
A providência jurisdicional solicitada quanto a um bem – objeto da ação é o pedido do autor. O pedido é imediato ou mediato. Aquele consiste na providência jurisdicional solicitada: sentença condenatória, declaratória, constitutiva, etc. O pedido mediato é o que se deseja alcançar com a sentença, ou providência jurisdicional, isto é, o bem material ou imaterial pretendido pelo autor. Aqui será o recebimento de um crédito; ali, a entrega de uma coisa, móvel ou imóvel. Nas chamadas ações meramente declaratórias (CPC, art. 4º), o pedido mediato se confunde com o pedido imediato porque na simples declaração da existência ou inexistência da relação jurídica se esgotam a pretensão do autor e a finalidade da ação.
5.3 Causa do Pedido
Aqui, são as razões que suscitam a pretensão e a providência, pois o pedido deve corresponder uma causa de pedir (causa petendi). O Código exige que o autor exponha na exordial os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido. Assim sendo, deduz-se que na inicial se deve expor não somente a causa próxima – os fundamentos jurídicos, a natureza do direito controvertido –, como também a causa remota – o fato gerador do direito. Quer dizer que o Código adotou a Teoria da Substanciação, tal como os códigos alemão e austríaco. Por esta teoria não basta a exposição da causa próxima, ou propriamente dita, mas também se exige a da causa remota. No que concerne às ações pessoais, a necessidade de exposição das duas causas é pacífica. Entretanto, no que respeita às ações reais, uma parte da doutrina entende bastar referência à causa próxima, que é o domínio, não havendo necessidade de mencionar-se a causa remota, que é o modo de sua aquisição. Não é o que predomina. Em face do nosso direito expresso, e conforme a melhor doutrina, mesmo no tocante às ações reais a causa de pedir compreende não só a causa propriamente dita, o domínio do autor, como também a causa remota, o modo de aquisição do domínio, qual o seu título de aquisição, e os fatos que violam dito domínio.
6. Constituição da relação processual
A ação origina o processo e a relação processual. Assim, esta se constitui por iniciativa da parte que provoca o exercício da função jurisdicional nemo iudex sine actore. Portanto, a relação processual se esboça com a apresentação, pelo autor, da petição inicial ao juiz, para seu despacho e completa-se no momento em que o réu toma conhecimento desta. Assim sendo afirmar-se que a relação processual se constitui através da iniciativa do autor, por meio da petição inicial, que será distribuída e despachada pelo magistrado, o qual ordenará a citação do réu, e quando tal citação ocorrer estará constituída a relação jurídico-processual.
6.1 Por iniciativa do Autor
“O processo civil começa por iniciativa da parte” (vide CPC, art 262).
6.2 Distribuição da petição inicial e o despacho do juiz
“Considera-se proposta de ação, a partir do instante em que a petição inicial é despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma Vara” (vide art 263, do CPC). A exordial será dirigida ao juiz, nos termos dos arts 263 e 282, inciso I, que devera despachá-la, deferindo-a ou indeferindo-a, observadas as compilações dos arts 295 e 267, inciso I, ambos do CPC. Da relação já participam, então, dois sujeitos – autor e magistrado – podendo ocorrer que não se complete por se extinguir no nascedouro, o que se dará com o indeferimento da inicial (vide art 295, do CPC).
6.3 Citação do réu
“Citação é o ato judicial para que alguém, em prazo fixado, responda à ação que lhe é proposta ou pronuncie-se a cerca do objeto que lhe é indicado”[10], ou ainda pode-se dizer que a citação “é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender” (art 213, CPC). Feita a citação do réu, considerar-se-á constituído o processo, formada a relação jurídico-processual, sendo irrelevante aqui a natureza do procedimento. Na petição inicial, do processo de procedimento ordinário, o autor requererá “a citação do réu” (conforme exige o CPC, art 282, inciso VII) e o juiz, ao despachá-la, mandará cita-lo (CPC, art 285). O mesmo ocorrerá nos processos do rito sumário: “O juiz designará a audiência de conciliação (…) citando-se o réu …” (nos moldes do art 277, do CPC). Igualmente no processo de execução: “Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor…” (com fulcro no art 614, do CPC). E após a liquidação da sentença: “julgada a liquidação, a parte promoverá a execução, citando pessoalmente o devedor”, assim aduz o texto do art. 611, do CPC.
A regra é clara ao afirmar que “para a validade do processo, é indispensável a citação inicial do réu” (vide CPC, art 214). Em suma, qualquer que seja a ação, haver-se-á por completada a formação da relação processual com a citação do réu. Pois a partir daí estarão presentes os três sujeitos que a compõem: autor, o juiz e réu.
Considerações finais
Constituída a relação processual, ela passara a desenvolver-se, realizando os sujeitos da relação as atividades tendentes à obtenção da prestação jurisdicional que visam.
Como instrumento, que é, da jurisdição, o processo, e assim a relação processual em que se traduz, deverá, para a própria garantia do perfeito exercício da função jurisdicional, desenvolver-se alicerçada nos princípios e normas legais que o regem. O juiz somente poderá conhecer da lide, e, com segurança, decidir da pretensão, se o instrumento, de que se serve, for regular e válido. É intuitivo que a relação processual não será regular e valida se não houver se constituído de forma regular e verídica. Deixá-la desenvolver-se, quando não constituída validamente, seria uma ofensa ao princípio da economia processual, pois seria admitir-se o dispêndio inútil de energia das partes, do juiz, dos seus auxiliares, e ainda de outras pessoas, além de despesas e da perda de tempo, uma vez que a máquina judiciária necessita de inúmeras pessoas para movimentar-se.
A primeira coisa, portanto, antes de dar-se desenvolvimento à relação processual, e para o que deverá voltar-se a atenção não só das partes como a do próprio juiz, será verificar se a mesma se constitui validamente. A fim de que todos se beneficiem e recebam um serviço útil e eficaz.
Graduada em Direito pela Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ), Especializanda em Direito Constitucional pela Universidade Comum do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em parceria com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.
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