1. CONCEITOS INICIAIS SOBRE ACIDENTE DO TRABALHO
A lei define o acidente de trabalho como o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados especiais, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho (art. 19, Lei nº 8.213/91). Também se consideram acidentes de trabalho as entidades mórbidas previstas no art. 20 da Lei nº 8.213/91, conforme se vê a seguir:
“ I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.”
Para Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior, “o dispositivo traz os conceitos de doença profissional e do trabalho, as quais se equiparam aos acidentes do trabalho, por força de lei, embora a doença seja um processo, e não um fato abrupto, como o acidente. A doença profissional, ou doença do trabalho típica, ou idiopatia, é própria de determinado tipo de atividade. A doença do trabalho – ou mesopatia – é uma moléstia comum, que pode atingir qualquer pessoa, mas é provocada por condições especiais em que o trabalho é realizado”.[1]
Nota-se que para as doenças profissionais, a atividade profissional é requisito fundamental para o desenvolvimento da doença, gerando presunção absoluta do liame, pois o trabalho é causa necessária; há relação de causa e efeito direta, pois com a supressão do agente a doença deixaria de existir (como no caso da silicose[2]). Já para as doenças do trabalho, a presunção é mais fraca, pois o trabalho é concorrente para a doença, um fator de risco, mas não necessariamente determinante (LER/DORT).
Conforme aponta Gustavo Filipe Barbosa Garcia, “cabe destacar que as doenças profissionais e do trabalho normalmente não se manifestam de forma súbita, mas vão se alojando, pouco a pouco, no organismo, até causarem a impossibilidade de labor”[3].
Por outro lado, a lei não considera como doença do trabalho as seguintes hipóteses:
“Art. 20. […]
§1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”.
Em casos excepcionais, constatando-se que a doença não está incluída nas hipóteses legais anteriormente previstas, a perícia do INSS pode enquadrar como acidente de trabalho as mais diversas situações, desde que resulte das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relacione diretamente.
De outro lado, a lei equipara determinados infortúnios ao acidente de trabalho, quando há algum tipo de liame entre o evento e o exercício da atividade. Diferenciam-se do acidente de trabalho típico porque ocorrem em momento no qual o empregado não está exercendo sua atividade. São os acidentes do trabalho por equiparação tratados no art. 21 da Lei 8.213/91:
“I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
II – o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de:
a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;
b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;
c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;
d) ato de pessoa privada do uso da razão;
e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;
III – a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;
IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
§1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
§2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior (art. 21).”
Nota-se que, no caso de acidente in itinere, previsto na alínea d, eventuais interrupções, desvios e prolongamentos do itinerário convencional podem descaracterizar o acidente.
Nos períodos destinados à refeição ou ao descanso, ou por ocasião de satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho. Logo, qualquer evento que venha a ocorrer nesses períodos será considerado acidente do trabalho.
2. DEVERES DO EMPREGADOR
Em relação aos acidentes de trabalho, cabe aos empregadores de um modo geral, cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina no trabalho. Deve adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão competente, bem como instruir os empregados quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho e prevenir a ocorrência das doenças equiparadas na forma da legislação. O fiel cumprimento dos deveres do empregador exerce importante destaque na prevenção dos acidentes do trabalho e doenças ocupacionais.
2.1 Prevenção contra acidentes de trabalho
Cumpre observar inicialmente que o meio ambiente do trabalho integra o meio ambiente como um todo e encontra proteção constitucional no art. 200, inc. VIII, da Carta da República. Dessa forma, a manutenção da segurança e higiene do ambiente laboral merece a devida atenção por parte do empregador e do Poder Público de forma a garantir a saúde, a dignidade e a própria vida do trabalhador.
Nesse sentido, o art. 7º, inc. XXII, da Constituição Federal dispõe que os trabalhadores urbanos e rurais têm direito à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Regulamentando o dispositivo constitucional, a CLT trata da matéria nos artigos 154 a 201 exigindo do empregador diversas condutas visando à prevenção e de modo a reduzir os riscos inerentes à atividade profissional desempenhada pelo trabalhador.
2.2 Custeio do Risco Ambiental – antigo SAT
A chamada contribuição para o SAT – Seguro de Acidentes do Trabalho insere-se na previsão genérica do art. 195, I, a, da Constituição, que trata do custeio dos benefícios concedidos pelo RGPS. Trata-se de um acréscimo à contribuição patronal de 20% a título do custeio do seguro de acidente de trabalho, na seguinte ordem:
“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
(…)
II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.”
A lei não traz definição expressa da atividade preponderante, lacuna preenchida pelo Regulamento da Previdência Social que define como preponderante a atividade que ocupa, na empresa, o maior número de segurados empregados e trabalhadores avulsos (art. 202, §3.º, RPS). O enquadramento deve ser feito levando em consideração todos os estabelecimentos da empresa, de modo que a alíquota SAT seja única.
A classificação dos graus de risco por atividade econômica é feita com base em estatísticas do Ministério da Previdência Social, carecendo as empresas de legitimidade para demandar, em juízo, a reavaliação pericial de sua empresa em particular. O STF entendeu constitucional a delegação ao Poder Executivo para explicitar o conceito de atividade preponderante, o qual não extrapola do poder regulamentar da Administração Pública, sem qualquer ilegalidade.[4]
A contribuição ao SAT, assim como as demais contribuições sociais, é lançada por homologação, cabendo ao sujeito passivo quantificar o valor devido e efetuar o recolhimento.
A Lei nº 10.666/2003 previu que as alíquotas do SAT e do adicional ao SAT destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial poderão ser reduzidas em até 50% ou aumentada em até 100% em razão do desempenho da empresa em relação à prevenção e controle de acidentes de trabalho. Portanto, a partir da Lei nº 10.666/2003 é possível haver variação da alíquota básica do SAT a partir do chamado fator acidentário de prevenção (FAP).
Existe ainda o adicional ao SAT tem como objetivo subsidiar o pagamento da aposentadoria dos segurados expostos a agentes nocivos. A exposição a agentes nocivos, desde que seja feita de forma permanente, dá direito à aposentação precoce, após 15, 20 ou 25 anos de trabalho, dependendo do agente nocivo ou da combinação de agentes a que está exposto o segurado.
Assim, consolidou-se o novo perfil do SAT (agora chamado RAT/GILRAT) que passou a cuidar não somente de benefícios decorrentes de acidentes de trabalho, mas de toda prestação originária de alguma espécie de risco de incapacidade laborativa em razão das condições ambientais do trabalho.
O adicional ao SAT será de 12, 9 ou 6 % conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos.
A cobrança do adicional do SAT foi também estendida às cooperativas de produção. Dessa forma, caso os cooperados sejam filiados à cooperativa de trabalho e estejam também expostos a agentes nocivos na empresa tomadora de serviço, esta, além de recolher os 15%, deverá arcar com a contribuição adicional de 9, 7 ou 5 % incidentes sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços a título de adicional ao SAT.
2.3 Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT
É ainda dever do empregador comunicar à Previdência Social o acidente de trabalho ocorrido com o segurado empregado, exceto o doméstico, e o trabalhador avulso, até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência, e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa. A comunicação, que pode ser feita até pela internet, é a CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho.
“Art. 22. A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.
§1º Da comunicação a que se refere este artigo receberão cópia fiel o acidentado ou seus dependentes, bem como o sindicato a que corresponda a sua categoria.
§2º Na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos o prazo previsto neste artigo.
§3º A comunicação a que se refere o §2º não exime a empresa de responsabilidade pela falta do cumprimento do disposto neste artigo.
§4º Os sindicatos e entidades representativas de classe poderão acompanhar a cobrança, pela Previdência Social, das multas previstas neste artigo.
§5º A multa de que trata este artigo não se aplica na hipótese do caput do art. 21-A.
(Lei nº 8.213/91)”
De acordo com o art. 23 da Lei nº 8.213/91, considera-se como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do trabalho, a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade habitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo para este efeito o que ocorrer primeiro.
Considerando que é comum o empregador hesitar em emitir a CAT principalmente em razão do ônus que isso pode lhe representar à luz da legislação trabalhista e previdenciária, a Lei 11.430/2006 introduziu o art. 21-A na Lei nº 8.213/1991, criando o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, como se verá a seguir.
2.5 Responsabilidade civil do empregador decorrente de acidente do trabalho
O acidente do trabalho, bem como a doença profissional ou do trabalho, podem acarretar lesões de ordem material e moral, sendo devida a respectiva indenização pelo empregador, quando se tem por violado direito da personalidade do empregado. A Constituição Federal tratou do assunto no art. 7º, inc. XXVIII, parte final, verbis:
“seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
Conforme mencionado acima, o dano a ser reparado pode ter natureza patrimonial ou extrapatrimonial. O dano patrimonial é aquele de ordem material, referindo-se à violação de direitos de natureza puramente pecuniária do empregado. Entende-se como dano expatrimonial aquele de ordem moral que viola a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem ou outros direitos da personalidade do trabalhador.
No dizer que Gustavo Filipe Barbosa Garcia, “o dano moral pode ser direto ou indireto: o primeiro resulta da violação específica de bem imaterial, causando sofrimento, dor psíquica à vítima ou desrespeitando a dignidade da pessoa humana; o último advém da lesão a bem patrimonial (do que decorre dano material direto), mas que acaba por causar um menoscabo a direito extrapatrimonial)”[5].
Entre as diversas particularidades quem envolvem a reparação do dano causado, há muito que o STJ pacificou o entendimento no sentido da possibilidade de acumulação do dano material e moral (Súmula 37), bem como da acumulação das indenizações de dano estético e dano moral (Súmula 387). Dano estético deve ser entendido aquele “em razão do direito de personalidade especificamente violado, como quando são verificadas seqüelas, mutilações ou deformações físicas”[6].
A responsabilidade civil é a obrigação de responder pelas consequências decorrentes do ato ilícito praticado, reparando o prejuízo causado. Dessa forma, ocorrendo o dano de ordem moral ou material, presente o nexo de causalidade e o dolo ou a culpa do empregador, surge o dever de indenizar. De acordo com a teoria da causalidade adequada ou subjetiva, de Von Bar e Von Kries, o evento dano deve ser apreciado à luz dos antecedentes necessários e adequados para a sua ocorrência. Esse foi o modelo adotado pelo sistema do Código de 1916 e pelo novo Código Civil de 2002. Para a caracterização de acidente de trabalho, o nexo causal exigido é mais amplo do que o do direito tradicional, considerando o previsto na Lei 8.213/91.
Por último, há de se falar da responsabilidade objetiva do empregador em face do previsto no art. 927, parágrafo único do Código Civil de 2002. De acordo com esse dispositivo, “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Diga-se que a aplicação do citado preceito de direito civil na seara laboral não viola o disposto no art. 7º, inc. XXVIII, que prevê a indenização nos casos de dolo ou culpa do empregador. Ocorre que o caput do art. 7º consagra textualmente a adoção do princípio da norma mais benéfica, o que deve ser plenamente atendido no âmbito das relações trabalhistas. Embora a matéria ainda não seja pacífica, o TST vem decidindo, por maioria, pela adoção da teoria da responsabilidade objetiva. Nesse sentido: “a análise dos pleitos relativos à indenização por danos morais e materiais em virtude de acidente de trabalho se faz também à luz da responsabilidade objetiva, bastando a comprovação, de acordo com a teoria do risco da atividade, do dano e do nexo de causalidade entre este e a atividade desempenhada pela vítima”[7].
3. REFLEXOS PREVIDENCIÁRIOS DO ACIDENTE DO TRABALHO
A ocorrência de acidente do trabalho ou das doenças ocupacionais previstas na legislação acarreta conseqüências previdenciárias, como o direito a percepção de benefícios e serviços da Previdência Social, pelos segurados e dependentes, dentre outros. Importante destacar, entretanto, que o pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem que hajam colaborado para o evento danoso.
3.1 Auxílio-doença
O auxílio-doença é benefício não programado, decorrente da incapacidade temporária do segurado para o seu trabalho habitual. O risco coberto é a incapacidade para o trabalho, oriunda de doenças ou mesmo acidente do trabalho ou de qualquer natureza. O auxílio-doença consiste numa renda mensal de 91% do salário-de-benefício.
O auxílio-doença somente será devido se a incapacidade for superior a 15 dias consecutivos. Isso ocorre porque compete ao empregador pagar o salário integral devido ao empregado dos primeiros 15 dias de afastamento. Entretanto, note-se que tal situação não é extensível aos empregados domésticos, cujos empregadores domésticos não têm a responsabilidade destes 15 primeiros dias.
O Decreto 3.048/1999, em seu art. 75, §3º, prevê que “se concedido novo benefício decorrente da mesma doença dentro de sessenta dias contados da cessação do benefício anterior, a empresa fica desobrigada do pagamento relativo aos quinze primeiros dias de afastamento, prorrogando-se o benefício anterior e descontando-se os dias trabalhadores, se for o caso”. Já o §4º do mesmo dispositivo assim estabelece: “se o segurado empregado, por motivo de doença, afastar-se do trabalho durante quinze dias, retornando à atividade no décimo sexto dia, e se dela voltar a se afastar dentro de sessenta dias desse retorno, em decorrência da mesma doença, fará jus ao auxílio-doença a partir da data do novo afastamento”.
O segurado em gozo de auxílio-doença, insuscetível de recuperação para sua atividade habitual, mas ainda não totalmente incapacitado, não será aposentado por invalidez. Antes, deverá submeter-se ao processo de reabilitação profissional para exercício de outra atividade, não cessando o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho da nova atividade ou, somente quando considerado pela perícia como não recuperável, aposentado por invalidez. Por isso se diz que o auxílio-doença é benefício temporário, pois perdura enquanto houver convicção, por parte da perícia médica, da possibilidade de recuperação ou reabilitação do segurado, com o conseqüente retorno à atividade remunerada.
O auxílio-doença do segurado que exercer mais de uma atividade remunerada abrangida pela Previdência Social será devido, mesmo no caso de incapacidade apenas para o exercício de uma delas (incapacidade parcial), devendo a perícia médica ser conhecedora de todas as atividades que o próprio estiver exercendo. Entretanto, não cabe a sua transformação em aposentadoria por invalidez enquanto essa incapacidade não se estender a todas as atividades.
O instituto da alta programada determina que o médico-perito do INSS estabeleça o tempo necessário de recuperação, aferível com base na experiência do profissional. Entretanto, o segurado poderá solicitar nova perícia médica em caso de não se conformar com o prazo estabelecido (art. 78, §2º, RPS). A sistemática da alta programada somente pode ser admitida se limitada a incapacidades de menor gravidade e, adicionalmente, àquelas situações nas quais a medicina, com razoável certeza, possa apontar a duração média da incapacidade. O pedido de prorrogação do segurado deve ser facilitado com a sua pronta reavaliação caso necessite.
O segurado empregado tem seu contrato suspenso durante o gozo do auxílio-doença e seu vínculo com o empregador se mantém embora não haja pagamento de salários. Por norma coletiva ou regulamento de empresa, o empregador pode se comprometer a pagar eventual diferença entre o benefício e o salário que recebia quando em atividade. Caso a empresa assuma este encargo, o valor pago a este título não integrará o salário-de-contribuição, desde que esta garantia seja extensível a todos os seus empregados.
O auxílio-doença pode ser de dois tipos: comum ou acidentário. Este último é derivado de acidentes de trabalho (incluindo doenças do trabalho ou profissionais). O primeiro, também chamado previdenciário ou comum é concedido nas demais hipóteses. O auxílio-doença acidentário sempre dispensará a carência, enquanto que o comum nem sempre (só em casos de acidentes não relacionados com o trabalho e doenças de maior gravidade e extensão); só o auxílio-doença acidentário gera estabilidade provisória ao empregado pelo prazo mínimo de 12 meses (art. 118, da Lei nº 8.213/91); a competência para julgamento de lides acidentárias é sempre da Justiça comum dos Estados (art. 129, Lei nº 8.213/91); por último, somente os empregados, avulsos e segurados especiais é que têm direito ao auxílio-doença acidentário, pois somente estes são abrangidos pelo SAT – Seguro de Acidentes de Trabalho, ao passo que os demais segurados somente receberão o auxílio-doença comum ou previdenciário.
3. 2 Auxílio-acidente
O auxílio-acidente é o único benefício com natureza exclusivamente indenizatória. Visa ressarcir o segurado em virtude de acidente do trabalho ou doença ligado ao trabalho que lhe provoque a redução da capacidade laborativa. A renda mensal será de 50% do salário-de-benefício que deu origem ao auxílio-doença corrigido até o mês anterior da concessão.
A concessão do auxílio-acidente levará em conta a atividade que era exercida pelo segurado no momento do acidente sofrido. Portanto se, no momento do acidente, exercia uma função que não foi afetada pela seqüela, não terá direito ao benefício. Os requisitos para a concessão do auxílio-acidente são: acidente de qualquer natureza (inclusive do trabalho e doenças relacionadas ao trabalho); produção de seqüela definitiva; e efetiva redução da capacidade laborativa em razão da seqüela. Nota-se que o segurado não está incapaz para suas atividades habituais, apenas teve uma redução na sua capacidade laborativa habitual.
Para fins de auxílio-acidente, a seqüela é considerada definitiva, mas não se exige incapacidade definitiva para determinada atividade. Já decidiu o STJ que a “concessão do referido benefício não está condicionada à reversibilidade da incapacidade, sendo irrelevante para tal fim”[8]. As doenças degenerativas são excluídas expressamente da concessão do auxílio-acidente. A única ressalva são as doenças relacionadas ao trabalho equiparadas aos acidentes para quaisquer fins (art. 20 da Lei nº 8.213/91).
O auxílio-acidente independe de carência e só será pago aos seguintes segurados: empregado (exceto o doméstico), trabalhador avulso e segurado especial. Assim vêm decidindo os tribunais pátrios: “muito embora tenha sido comprovada a redução da capacidade laboral da demandante, não faz jus ao benefício de auxílio-acidente, uma vez que não foi comprovado que tal redução decorreu de acidente e, também, porque a autora enquadrava-se como contribuinte individual, segurado que não tem direito a referido benefício”[9].
Em regra, a data de início do auxílio-acidente é a da cessação do auxílio-doença anterior. Caso este benefício não exista, por qualquer motivo, deve ser pago a partir da data do requerimento administrativo. Não havendo requerimento administrativo, o STJ tem entendido que a data de início é a data da apresentação do laudo pericial em juízo.[10]
No caso de reabertura de auxílio-doença por acidente de qualquer natureza que tenha dado origem a auxílio-acidente, este deverá ser suspenso até a cessação do auxílio-doença que foi reaberto, quando, então, será reativado. Entretanto, se o segurado voltar a se afastar por novo evento (doença ou acidente), poderá acumular o novo auxílio-doença com o auxílio-acidente antigo.
O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto aposentadoria, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente.
3.3 Aposentadoria por invalidez
A aposentadoria por invalidez é concedida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e que será paga enquanto permanecer nessa condição.
Importante salientar que a incapacidade que dá origem à aposentadoria por invalidez deve ser total, isto é, para qualquer atividade que seja apta a garantir a subsistência do segurado. Assim, é imprescindível que o segurado afaste-se de toda e qualquer atividade profissional que anteriormente exercia. Nesse sentido, já decidiu a jurisprudência: “Não se concede a aposentadoria por invalidez quando a conclusão do perito oficial aponta para a redução da capacidade, sendo possível ao segurado reabilitar-se para exercer atividades que não exijam esforço físico”[11].
Se a invalidez do segurado decorre de doença ou lesão preexistentes à filiação, o benefício não lhe será concedido. Neste caso, se o segurado filiar-se já incapacitado, fica frustrada a própria idéia de “seguro” social, de modo que a lei presume a fraude. Entretanto, se a incapacidade for decorrente de agravamento da lesão ou doença preexistente, o benefício será devido. Caberá à perícia identificar essa situação.
Excepcionalmente, quando o segurado aposentado necessitar de assistência permanente de outra pessoa, a renda mensal será acrescida de 25% ainda que o valor ultrapasse o teto máximo dos benefícios pagos pela Previdência Social.
A data de início do benefício (DIB) será a contar do 16º dia de afastamento para o segurado empregado ou a partir da data de entrada do requerimento (DER) se entre o afastamento e a o pedido decorrerem mais de 30 dias. Ao segurado empregado doméstico, contribuinte individual, trabalhador avulso, especial ou facultativo, a data de início será a contar do início da incapacidade ou a partir da data de entrada do requerimento (DER) se entre o afastamento e a o pedido decorrerem mais de 30 dias.
Ao se aposentar por invalidez, o segurado deverá se afastar de toda e qualquer atividade remunerada, sob pena de cassação da aposentadoria, já que o evento determinante (incapacidade permanente para o trabalho) não existiria. Nesse sentido, Délio Maranhão:
“O inválido que, recebendo os benefícios previdenciários da incapacidade, trabalhar para outro empregador, estará praticando ato punível e lesando a autarquia, caso tenha recuperado suas faculdades; se, apesar de incapaz, estiver prejudicando a saúde, o contrato realizado será nulo, como na hipótese anterior, sendo devidos salários somente”[12].
O segurado aposentado por invalidez está obrigado, a qualquer tempo, independentemente de sua idade e sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência e a submeter-se a processo de reabilitação profissional, além de tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue.
Do mesmo modo, o art. 15 do Código Civil prevê que ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
Mas nada impede que o segurado aposentado por invalidez recupere sua capacidade laboral. Isso é possível, ainda que não tenha sido previsto pela perícia médica. Inexiste no direito positivo atual a aposentadoria definitiva por invalidez, a qualquer tempo, mesmo após cinco anos (prazo do direito anterior), pode ser cancelada, caso readquira a sua capacidade laborativa.
Em caso de ter havido a cessação do benefício, a Lei prevê as chamadas mensalidades de recuperação que tem por objetivo propiciar um retorno menos traumático ao trabalho:
“Art. 47. Verificada a recuperação da capacidade de trabalho do aposentado por invalidez, será observado o seguinte procedimento:
I – quando a recuperação ocorrer dentro de 5 (cinco) anos, contados da data do início da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que a antecedeu sem interrupção, o benefício cessará:
a) de imediato, para o segurado empregado que tiver direito a retornar à função que desempenhava na empresa quando se aposentou, na forma da legislação trabalhista, valendo como documento, para tal fim, o certificado de capacidade fornecido pela Previdência Social; ou
b) após tantos meses quantos forem os anos de duração do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, para os demais segurados;
II – quando a recuperação for parcial, ou ocorrer após o período do inciso I, ou ainda quando o segurado for declarado apto para o exercício de trabalho diverso do qual habitualmente exercia, a aposentadoria será mantida, sem prejuízo da volta à atividade:
a) no seu valor integral, durante 6 (seis) meses contados da data em que for verificada a recuperação da capacidade;
b) com redução de 50% (cinqüenta por cento), no período seguinte de 6 (seis) meses;
c) com redução de 75% (setenta e cinco por cento), também por igual período de 6 (seis) meses, ao término do qual cessará definitivamente.”
O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno (art. 46).
3. 4 Pensão por morte decorrente de acidente do trabalho
Conforme bem lembra Gustavo Filipe Barbosa Garcia, “o acidente do trabalho, ou mesmo a doença ocupacional, podem ter conseqüência fatal ao empregado, acarretando o óbito, surgindo o direitos dos dependentes à pensão por morte”[13].
Trata-se de benefício direcionado aos dependentes do segurado, visando à manutenção da família, no caso da morte do responsável pelo seu sustento. A pensão por morte consiste numa renda de 100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento.
A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação. A existência de dependente de qualquer das classes do art. 16 da Lei 8.213/91 exclui do direito às prestações os das classes seguintes. Reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar, não passando tal direito de uma classe para outra.
A carência não é mais requisito para o deferimento desse benefício. Basta a comprovação de que o segurado ostentava essa qualidade por ocasião do seu óbito.
3.5 Reabilitação profissional em razão de acidente de trabalho
Cabe ao INSS promover a habilitação e reabilitação profissional aos segurados, inclusive aposentados e, de acordo com as possibilidades administrativas, técnicas, financeiras e as condições locais do órgão, aos seus dependentes, preferencialmente mediante a contratação de serviços especializados. Será concedido, no caso de habilitação e reabilitação profissional, auxílio para tratamento ou exame fora do domicílio do beneficiário.
Concluído o processo de reabilitação profissional, o INSS emitirá certificado individual, não constituindo obrigação do INSS a manutenção do segurado no mesmo emprego ou colocação profissional no mercado de trabalho.
A empresa com cem ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na proporção do art. 93 da Lei 8.213/91. A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final do contrato por prazo determinado de mais de 90 dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.
4.CONSEQUÊNCIAS DO ACIDENTE DO TRABALHO NA RELAÇÃO DE EMPREGO
A constatação de que a incapacidade laboral do empregado decorreu de acidente do trabalho ou de doença ocupacional ou profissional gera consequências na relação de emprego causando obrigações para a empresa ou empregador a ela equiparado. Por isso, em determinados casos, há certa hesitação do empregador em formalizar a comunicação de acidente de trabalho à Previdência Social, razão pela qual a Lei 11.430/2006 criou o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP.
4.1 Estabilidade acidentária
Talvez a mais conhecida conseqüência da incapacidade oriunda de acidentes do trabalho seja a estabilidade provisória introduzida pelo art. 118 da Lei 8.213/91. Trata-se de hipótese específica de garantia de emprego assegurada por meio de lei ordinária com fundamento no princípio da norma mais benéfica, não havendo que se falar em inconstitucionalidade em face do disposto no art. 7º, inc. I, da Constituição Federal.
“Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.”
A garantia do seguro contra acidentes de trabalho (auxílio-doença acidentário, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez acidentária) é restrita aos segurados empregados e avulsos, excluído o doméstico, além do segurado especial.
Assim é que a estabilidade do art. 118 da Lei nº 8.213/91, a Justiça do Trabalho vem reconhecendo o direito aos segurados empregados que tenham sido demitidos nesse período:
“ACIDENTE DO TRABALHO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ART. 118 DA LEI 8.213/91. Caso em que, após a emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho pelo sindicato da categoria profissional do reclamante, este gozou regularmente do benefício de auxílio-doença acidentário, inexistindo nos autos qualquer elemento de prova que contrarie a ocorrência do infortúnio. Mantida a sentença que reconheceu o direito do reclamante ao recebimento de indenização relativa ao período da garantia de emprego prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91.[14]”
A garantia de emprego de que trata o art. 118 da Lei nº 8.213/91 alcançará todas as espécies de acidentes de trabalho relacionados neste diploma legal, inclusive os acidentes de trajeto. Estes, a rigor, não geram direito à indenização civil pelo empregador, exceto se demonstrar culpa da empresa. Contudo, para fins de garantia de emprego, o acidente in itinere se equipara aos demais.
O assunto é controvertido quando se trata da aplicação da referida estabilidade nos contratos por prazo determinado. Maurício Godinho Delgado[15] admite a excepcional hipótese, mas na jurisprudência ainda não há consenso, conforme se vê dos arestos a seguir:
“CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. A fruição de auxílio-doença acidentário suspende a eficácia do contrato de experiência enquanto perdurar o benefício previdenciário, devendo o empregado, após a cessação, cumprir o restante, até o limite legal de noventa dias, não havendo falar em conversão tácita em contrato por prazo indeterminado. O contrato de experiência não comporta também a estabilidade prevista no art. 118 da Lei 8213/91. Nega-se provimento. (…)[16]
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DE TRABALHO. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. A estabilidade prevista no art. 118 da Lei nº. 8.213/91 é compatível com o contrato de trabalho a prazo determinado, devendo este ser prorrogado por força do acidente do trabalho. Desta forma, protege-se o empregado para que tenha recuperação plena após o acidente, privilegiando-se o direito fundamental a dignidade da pessoa humana – art. 1º, inciso III, da Constituição Federal.[17]
“É incompatível com a garantia de emprego a que alude o art. 118 da Lei nº 8.213/91 com o contrato a prazo, notadamente o contrato de experiência, porque a garantia de emprego pressupõe a proteção da continuidade do vínculo de emprego, nos contratos por prazo indeterminado”.[18]
A Súmula 378 do TST estabeleceu os pressupostos para a concessão da estabilidade:
“SUM-378 ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991. CONSTITUCIONALIDADE. PRESSUPOSTOS
I – É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado.
II – São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.”
De acordo com a CLT, “o empregado que for aposentado por invalidez terá suspenso o seu contrato de trabalho durante o prazo fixado pelas leis de previdência social para a efetivação do benefício” (art. 475, caput). Nos termos dos parágrafos do mencionado dispositivo, a Lei consolidada ainda prevê que:
“§1º Recuperando o empregado a capacidade de trabalho e sendo a aposentadoria cancelada, ser-lhe-á assegurado o direito à função que ocupava ao tempo da aposentadoria, facultado, porém, ao empregador, o direito de indenizá-lo por rescisão do contrato de trabalho, nos termos dos arts. 477 e 478, salvo na hipótese de ser ele portador de estabilidade, quando a indenização deverá ser paga na forma do art. 497.
§2º Se o empregador houver admitido substituto para o aposentado, poderá rescindir, com este, o respectivo contrato de trabalho sem indenização, desde que tenha havido ciência inequívoca da interinidade ao ser celebrado o contrato.”
Portanto, na aposentadoria por invalidez fica suspenso o contrato de trabalho, eis que, atualmente, o referido benefício previdenciário não é definitivo. De acordo com a Súmula 160 do TST, “cancelada a aposentadoria por invalidez, mesmo após cinco anos, o trabalhador terá direito de retornar ao emprego, facultado, porém, ao empregador, indenizá-lo na forma da lei”. Portanto, resta superado entendimento exarado na Súmula 217 do STF[19], não devendo mais prevalecer a posição do Supremo.
4.2 Outras consequências na relação de emprego
Além da conhecida estabilidade acidentária vista acima, há outras consequências na relação de emprego advindas da incapacidade do empregado em face do reconhecimento de causa ligada ao trabalho.
De acordo com o art. 4º, parágrafo único da CLT, todo o período de afastamento por motivo de acidente do trabalho é considerado na contagem do tempo de serviço, sendo devidos os respectivos depósitos do FGTS (art. 15, §5º, da Lei 8.036/1990).
Além disso, não é considerada falta ao serviço, para efeito do direito de aquisição das férias, a ausência do empregado por motivo de acidente do trabalho (art. 131, inc. III, da CLT). No entanto, não terá direito a férias o empregado que, no curso do período aquisitivo, tiver percebido da Previdência Social prestações de acidente do trabalho por mais de seis meses, ainda que descontínuos (art. 133, inc. IV, da CLT).
Portanto, nos benefícios relacionados a acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, o tempo de serviço é computado para todos os efeitos. Assim é que a tendência da doutrina majoritária considera que, “no acidente do trabalho, até o 15º dia de afastamento, tem-se a hipótese de interrupção do contrato de trabalho; a partir do 16º dia, observa-se uma suspensão sui generis do pacto laboral”[20].
5. SOBRE O NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO
Quando o trabalhador estiver afastado do trabalho em função de causas ligadas direta ou indiretamente ao desempenho de sua função, seja por acidente de trabalho ou por doenças ocupacionais, o segurado fará jus ao percebimento de auxílio-doença acidentário ou de aposentadoria por invalidez. Nesse caso, é obrigação do empregador emitir a CAT – Comunicação de Acidente do Trabalho reconhecendo a natureza acidentária da incapacidade.
Entretanto, é comum ao empregador hesitar em emitir a CAT não só pelo ônus que isso pode lhe representar à luz da legislação trabalhista e previdenciária, mas também pela insegurança que rege a matéria em face de sua relativa complexidade. Tal fato resulta em evidente prejuízo ao trabalhador que muita vezes acaba por receber auxílio-doença previdenciário (B31) quando deveria ter sido amparado pela prestação acidentária (B91). Na realidade, atualmente não há diferença de valores entre os dois benefícios ocorrendo que, na prática, o empregado não dê importância imediata a esta distinção. Entretanto, a diferença entre as espécies B31 e B91 ocorre nas conseqüências que surgem para a relação de emprego, como visto anteriormente.
De modo a corrigir essa distorção, a Medida Provisória nº 316, de 11 de agosto de 2006, posteriormente convertida na Lei nº 11.430/2006, introduziu o art. 21-A na Lei nº 8.213/1991 que dispõe o seguinte:
“Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.
§1º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo.
§2º A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social.”
O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP permite o reconhecimento pelo INSS da incapacidade como sendo derivada do trabalho através da simples correlação entre a atividade econômica da empresa e a doença ocupacional manifestada pelo segurado. Como se sabe, os riscos ambientais do trabalho são classificados pela atividade econômica desenvolvida pela empresa conforme apontado pela Classificação Nacional das Atividades Econômicas – CNAE. Esse critério será utilizado para se verificar o nexo epidemiológico, ou seja, quando houver estatística significativa da associação entre o código da Classificação Internacional de Doenças-CID, e o da Classificação Nacional de Atividade Econômica-CNAE.
Trata-se de presunção relativa favorável ao trabalhador na medida em que estabelece a correlação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade. O empregado não pode ser prejudicado diante da inércia da empresa que, ademais, sempre é quem assume o risco da atividade econômica (art. 2.º da CLT). Nesse sentido, é o teor do Enunciado 42, aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, ocorrida no Tribunal Superior do Trabalho, em 23 de novembro de 2007:
“Acidente de trabalho. Nexo técnico epidemiológico. Presume-se a ocorrência de acidente de trabalho, mesmo sem a emissão da CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho, quando houver nexo técnico epidemiológico conforme art. 21-A da Lei 8.213/1991”.
O NTEP permite abandonar o CAT como único instrumento de informação no caso dos acidentes de trabalho. Com isso, verificada a existência do referido nexo técnico epidemiológico, não cabe mais ao empregado (segurado) provar ou demonstrar que a doença foi produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade, ou que a doença foi adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente. Presente o nexo técnico epidemiológico, a presunção é de se tratar de doença do trabalho ou profissional.
Em todo o caso, a empresa poderá discordar do enquadramento feito pela perícia médica mediante a demonstração de inexistência de nexo entre o trabalho e o agravo apresentado (art. 337, §7.º, RPS). Nesse caso, a empresa deverá apresentar as provas com que pretende demonstrar a inexistência de nexo entre o trabalho e o agravo podendo utilizar-se de laudos periciais, rol das CAT’s emitidas, mapeamento de riscos e sinistros, exames e outros. O segurado deverá ser informado sobre a contestação da empresa para, querendo, impugná-la.
Em que pese ter sido ajuizada ação direta de inconstitucionalidade perante o STF a esse respeito (ADI 3.931), ainda sem julgamento, não há que se falar em inconstitucionalidade do nexo técnico epidemiológico. Não se verifica, como se alegou, qualquer violação da liberdade profissional do médico, podendo o profissional afastar a aplicação do nexo mediante justificação fundamentada da ausência de liame entre a doença e o trabalho desenvolvido. Além disso, o nexo técnico epidemiológico gera apenas presunção relativa (juris tantum) da natureza ocupacional, podendo ser afastada pela empresa mediante prova em contrário.
Nesse aspecto, o NTEP pode contribuir significativamente para a fixação do índice do Fator Acidentário de Prevenção – FAP previsto como critério de redução ou incremento da alíquota da contribuição previdenciária devida a título de Seguro de Acidente de Trabalho – SAT. De acordo com o art. 10 da Lei nº 10.666/2006, o Poder Executivo poderá aumentar a alíquota do SAT em até cem por cento caso a empresa não atenda às expectativas de investimentos em prevenção e controle de acidentes do trabalho. De outro lado, poderá reduzir em até cinqüenta por cento as referidas alíquotas de acordo com os resultados positivos obtidos pelo estabelecimento em matéria de medicina e segurança do trabalho. O NTEP previsto no art. 21-A da Lei nº 8.213/91 tem influência direta no cálculo do FAP, pois permite a fixação da doença como decorrente do trabalho, a partir da vinculação a certas atividades econômicas.
Por fim, como alude Fábio Zambitte Ibrahim, “o NTEP insere-se na tentativa de resolução desta desordem gerencial ocorrida no âmbito dos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização do ambiente de trabalho e pode contribuir na real fixação da contribuição patronal de acordo com os acidentes gerados”[21].
5 Ação regressiva do INSS em face do empregador
O art. 120 da Lei nº 8.213/92 prevê que, nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho, existe a possibilidade de o INSS propor ação regressiva contra os responsáveis para se restituir dos valores gastos nos benefícios pagos. Ora, o fato de a empresa contribuir solidariamente no financiamento do SAT não exclui sua responsabilidade previdenciária quando gerar benefícios pagos pela Previdência Social em razão de sua má conduta.
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Nesse sentido, Gustavo Filipe Barbosa Garcia afirma que: “a perícia médica do INSS, quando constatar indícios de culpa ou dolo por parte do empregador, em relação aos benefícios por incapacidade concedidos, deverá oficiar à Procuradoria Federal Especializada – INSS, subsidiando-a com evidências e demais meios de prova colhidos, notadamente quanto aos programas de gerenciamento de riscos ocupacionais, para as providências cabíveis, inclusive para ajuizamento de ação regressiva contra os responsáveis, conforme previsto nos arts. 120 e 121 da Lei 8.213/91, de modo a possibilitar o ressarcimento à Previdência Social do pagamento de benefícios por morte ou por incapacidade, permanente ou temporária”[22].
Com efeito, Fernando Maciel anota que “ocorrido um acidente de trabalho por culpa dos empregadores, culpabilidade representada pelo descumprimento de alguma norma protetiva da saúde e segurança dos trabalhadores, bem como sobrevindo a implementação de alguma prestação social por parte do INSS, essa autarquia poderá voltar-se regressivamente contra o verdadeiro causador do dano, cobrando-lhe a integralidade dos gastos suportados”[23].
A pretensão ressarcitória do INSS em face do empregador ocorre nas hipóteses de culpa, aí incluída a inobservância das normas de higiene e segurança do trabalho. Mesmo que o art. 120 da Lei 8.213/91 refira-se apenas à negligência, a culpabilidade deve ser interpretada em caráter lato sensu, abrangendo eventuais condutas dolosas e outras modalidades de culpa em sentido estrito. Deve se observar que constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho (art. 19, §2º, da Lei 8.213/91).
Discute-se a respeito da competência para o ajuizamento da ação regressiva acidentária por parte do INSS em face do empregador relapso. São três as correntes acerca da questão, a que confere competência à Justiça Federal, a que entende ser competente a Justiça comum Estadual, e a que – por força da EC n º 45/2004 – atribui competência à Justiça do Trabalho para julgar as ações . Em face do princípio da unidade de convicção e da especialidade da Justiça do Trabalho no que diz respeito ao cumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho, bem como nos termos da Súmula 736 do STF[24], nos filiamos à ultima corrente.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É certo que o acidente do trabalho gera uma série de repercussões na esfera trabalhista e previdenciária. Por isso é que se torna relevante o correto enquadramento da incapacidade do trabalhador devido às consequências que o benefício de índole acidentária pode gerar. Assim, era evidente que havia hipóteses de subnotificação à Previdência Social por parte dos empregadores receosos do ônus que o reconhecimento da incapacidade acidentária geraria, tal como a estabilidade provisória do art. 118 da Lei 8.213/91 e a manutenção dos depósitos do FGTS durante todo o período de afastamento.
Nesse diapasão, surgiu a importante inovação representada pelo Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário introduzido pela Medida Provisória nº 316, de 11 de agosto de 2006, posteriormente convertida na Lei nº 11.430/2006, com o nítido objetivo de proteger o trabalhador no momento da incapacidade, trazendo hipótese inversão do ônus da prova. Nesse sentido, esse instrumento vem auxiliando na constatação das incapacidades oriundas de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, sendo decisivo na esfera administrativa e mesmo perante a Justiça do Trabalho no sentido de delimitar a responsabilidade civil do empregador em face de dano causado ao trabalhador.
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União; professor de Direito Administrativo e Direito Constitcional no Intelectum (curso preparatório para concursos públicos); especialista “Lato sensu” em Direito Processual Civil pela Unisul (SC); autor de diversos artigos jurídicos na área do Direito Público; autor do livro “Execução Civil – Aspectos Destacados”, publicado pela Editora Juruá; ex-Delegado de Polícia no Estado do Paraná.
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